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A União Europeia parece hoje uma ópera de Wagner, de onde foram retirados todos os deuses, todas as ninfas, todos os heróis, todos os gigantes, e apenas restaram os anões. Dia 9, quando a Itália atravessou o Rubicão dos 7% da dívida a dez anos, ficou patente o fracasso absoluto da estratégia que foi imposta, com disciplina e método, pelo Governo alemão, com a cumplicidade do Eliseu: a) esvaziar as instituições europeias, em especial os Presidentes da Comissão e do Eurogrupo; b) levar a cabo medidas de quarentena para evitar o "contágio" do vírus da dívida soberana, começado na Grécia; c) violentar todas as regras da lógica formal, da ciência económica, e do bom senso, ao acreditar que é pela austeridade recessiva que a Europa poderá reequilibrar-se; d) recusar qualquer reforma estrutural dos Tratados, como se o problema sistémico da Zona Euro não tivesse origem no carácter monstruoso da UEM, como obra imperfeita e inacabada.
Se a Itália cair, a crise europeia entrará num buraco negro. Numa fase de turbulência total, como ocorre num metal que entra em colapso sob uma pressão térmica insuportável. Ontem, o BCE fez saber que ia ajudar a Itália, e de imediato os juros da dívida de Roma recuaram. Depois veio Klaas Knot, o Presidente do Banco Central holandês, dizer que, afinal, o BCE pouco pode fazer, lançando sombra sobre a única esperança que nos resta... Reina a cacofonia. Em Berlim já se fala de mutualização da dívida europeia, perante uma chanceler inamovível. Sar-kozy sonha com uma Europa quase só franco-alemã. Ao evocarmos, hoje, os dez milhões de jovens europeus sacrificados na Grande Guerra, talvez seja preciso recordar ao Presidente francês que entre a França e a Alemanha há o Reno. Um rio onde jaz o anel de sangue, de uma violenta história. Prestes a regressar, pelo desvario dos anões nibelungos que nos desgovernam.
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por VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
Nenhuma cultura europeia amou tanto a herança da Grécia clássica como a cultura germânica no período do seu apogeu, que vai de Hölderlin e Hegel até Nietzsche. Este último, ao lado do nosso Andrade Corvo, foi um dos primeiros intelectuais europeus a antecipar a grande guerra civil europeia de 1914-1945, que deixaria o mundo, por duas vezes, em escombros.
Nietzsche, que como enfermeiro tinha visitado os campos de batalha da guerra franco-prussiana de 1870, teve uma clara visão da hecatombe que aí vinha. Em 1878, numa época de felicidade quase hipnótica - para evocar as memórias do grande escritor judeu, de língua alemã, Stefan Zweig -, Nietzsche recorreu à Grécia Antiga para representar o trágico futuro da Europa. Escreveu ele que os europeus iriam imitar os gregos, no seu pior. No auge do seu poderio, em vez de transformarem a sua profunda unidade cultural e civilizacional numa comunidade política ao serviço do espírito, fazendo de cada Estado um cantão numa grande Confederação Europeia, Nietzsche temia que a Europa replicasse, em escala ciclópica, a Guerra do Peloponeso. A Europa, tal como a Grécia clássica o fizera, caminharia para um suicídio sangrento.
No deserto de cultura humanista que hoje habita as chancelarias europeias, estas palavras soam aos ouvidos como se fossem proferidas em mandarim. Daria tudo para estar enganado, mas, quando em 2012, as ruas das cidades europeias, de Lisboa a Paris, passando por Berlim e Roma, forem ocupadas por multidões que vão exigir aos seus governos a devolução de um futuro que lhes foi roubado, então até as bisonhas criaturas que nos governam vão perceber que a Grécia, afinal, não habita a periferia, mas sim o coração da Europa.