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Tatiana Pequeno
À DERIVA COM MAR AO FUNDO
há uma imagem muito preciosa de nós.
por meses ela acompanhava o abrir in
voluntário da caixa de mensagens e o
dia tão outonal da tua presença chegava
mais veloz para a reserva dos voos de
ir ao encontro da tua larga omoplata de
receber. a fotografia arquiva aquele dia
já tão passado de julho (outro inverno) e
na tua blusa xadrez há alguma coisa ne
gra de mim enquanto no meu vestido pre
to há um detalhe de ti, além daquilo que
são os teus brincos muito arredondados.
e estou ancorada no teu corpo a dizer al
go do tipo «queria que aparecesse o mar».
nas ruas da Barra e do Rio Vermelho
procuramos mais uma vez a linguagem
modesta do aluguel - esta coisa menor -
que estivesse ao nosso alcance chegas
te a ligar para um pequeno imóvel com
varanda, do qual abstraímos rapidamente
(os preços sempre nos foram valores difíceis)
temendo a oxidação dos ferros e o gasto
com eletrodomésticos novos e alumínio
ao ficarmos tão próximas dos efeitos do
salitre presente no movimento equatorial
da maresia, fomos também ao banco onde
sob tua fala aceitei que fosse a hora de
mudar agência. mas sobretudo os investi
mentos que não tinha. indago-me hoje se
era já altura de perguntar sobre os segredos
cada vez mais graves que tu mantinhas.
talvez fosse o caso falar da brisa futura
a corroer a casa ou da umidade palusível
a destruir os livros. se enfim já pensavas
na troca ligeira das operadoras a longas
distâncias de nossos telefones. de qualquer
forma, ali, os planos pareciam todos feitos.
(havíamos escolhido um nome africano para
aquela criança adotada que seria nossa filha)
era quase tarde naquele imenso dia e no en
tanto paramos novamente ali naquele porto
na orla e, para sempre, o Sublime registrou
algo que te parecia sorrir e a mim também
sem que soubéssemos, afinal, que atrás de
nós a larga água de todos os santos nos des
protegia e nada depois de alguns meses faria
você desistir de preferir o sul àquela luz em
que insisti no ajuste da câmera para na memória
fazer caber, à esquerda o amor e à direita o mar.
POEMA DE TATIANA PEQUENO