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Olho-me nos teus olhos
Observo a tua boca
Ausculto a tua respiração
Toco ao de leve a tua pele húmida
Entreabres a boca e
Expiras restos de mágoas e tudo fica bem
Uma ressonância que se repete
enquanto o vento se mantiver aceso e
a folhagem vibrar com o próprio sopro.
Um dia contar-te-ei uma história
se tiver o tempo de várias luas
e a paciência tomar conta de mim
e a sabedoria para reunir todas as palavras
nascidas no fundo da boca.
A palavra procura o seu sentido como:
A chama o pavio da vela
O velame o vento
Os olhos outros olhos
Os lábios outras bocas
A verdade em agonia uma certeza
O gato em passos de dança o pássaro desprevenido
O imbecil outro imbecil outro imbecil a bofetada na inteligência
O ridículo exibicionista a celebrar a ignorância
E eu o que procuro?
A paz a pomba que já não voa
A Páscoa os ramos de oliveira
A normalidade dos dias mansos nesta incerteza
O eco que perturba o corpo
e acorda o medo invisível
que habita os esconderijos da pele
e uma luz bacenta derrama sobre os teus pés
lágrimas silenciosas,
enquanto o corpo,
já despido
roça nas paredes da memória
para apagar cicatrizes antigas tatuadas
no coração da alma.
Sobre a mesa rude e despida
os olhos desenham no corpo do pó imagens que julgavas esquecidas
mas
que a tua mão guardou na memória dos dedos os gestos
dramáticos e teatrais das borboletas e
dos corações com "AMO-TE, MAMÃ",
que na infância desenhavas em brancas e desertas folhas de papel
e, assim amordaçavas o eco
e iluminavas a luz.
Talvez a hora tardia e um céu carregado de pragas explique a cidade vazia
e a pressa dos poucos transeuntes em chegar algures
indiferentes e vazios
esgotados, olhos cansados
em busca do seu porto de abrigo ou ao esperado desespero
onde depositarão as dores e a fadiga
porque outro dia já está à espreita e será desesperadamente igual
ao de hoje, ao de ontem e aos dias que já somam anos
E dizes:
o rosto é único
apenas habitável num
corpo singular com as suas extravagâncias
e particularidades -
os olhos
a boca
a textura dos lábios e do
barco que navega
nas lágrimas ao
longo da costa da pele e
vai atracar entre
as margens dos pés
que suportam
além do corpo
o peso das dores e
da alma.
Um vento incandescente sopra de oeste
incendiando as dunas,
as marés
a lua
e as almas paradas nas ombreiras das portas e janelas
das casas brancas das planícies meridionais
encolhendo ainda mais as rugas da idade e do
desgosto e do tempo da viagem que resta fazer
para se tornarem
oliveiras
sobreiros
laranjeiras e
muitos ramos de cheiros e de
flores.
Sentado nas margens
da sombra, quando
uma inquietação ocorre
e a penumbra escorre
até aos seus olhos aquosos
e uma réstea de luz
se torna oblíqua e
dormente, então percebe
que tudo termina
quando o delírio que vem da terra
a sua cabeça beija.
Os meus olhos
fotografam e
capturam a
melancolia da alma
do pássaro
que
num voo circular
se despede da árvore
que o acolheu e
foi a sua casa nos meses da
primavera e verão
Palavra mal dita
maldita
E uma pedra disfarçada de palavra
mal pensada
arremessada
Tem tento na língua
fecha a boca
e assim a luz não fica
baça
eu sei
que é pedir demais
adoras o som
que emite as tuas cordas vocais
mas
por favor
tem piedade
não deixes
que a corda
no pescoço
dê o final aperto
os ouvidos já não suportam mais
ouvir as idiotices que
a tua boca vomita
Não sei da tua importância
mas estás em todas:
TV, rádio, jornais, redes sociais e não sociais
para comentares as mais diversas matérias:
sarampo, eleiçoes, futebol, diarreias, política internacional, economia, enxaquecas, impotência sexual,
emigração, imigração, migração,
literatura,
carros, caspa, etc..., etc..., etc...
julgas ser um génio do renascimento italiano
um hermeneuta
o mestre da retórica
e julgas o país demasiado pequeno para a imensidão do teu ego
que ameaças abandonar
por que de ti não gostam
e seria uma bênção para
os olhos, ouvidos, coração -
enfim para o corpo todo
e para o ambiente
que te reformasses
Gostavas...
Gostavas de ter a lua na sala
O sol no quarto de inverno
A poesia pendurada nas hélices da ventoinha
A música suspensa das maçanetas das portas
Que alguns livros retirados da estante ficassem preguiçosamente deitados no sofá e
escolherias mais alguns para acompanhar o deleite de saborear um "Sauvignon"
E querias ver o sonho a flutuar no corpo de borboletas empoleiradas nas janelas verdes dos teus olhos
Eu gostava somente que derramasses o teu perfume "L' Interdit" sobre o seio esquerdo para animar o lado direito do meu corpo
Há noites melancólicas
em que dispo o sonho e
com as suas roupas visto a alma
dispo o desejo
cubro o corpo
fico refém da ignorância
quando não tenho resposta à pergunta
feita pela noite que entra de mansinho na madrugada para
não acordar o medo
E na horizontal me fico
olhos cravados no céu do quarto
à procura de uma estrela que acolha as inquietações
que não me largam
agarram-se à pele
talvez por gostarem do perfume que uso
vou mudar ou não usar ou
aspergir um repelente daqueles que afastam
os pequenos vampiros alados
não sei
talvez resulte
A paisagem é uma imensa mancha branca,
não tem cheiro, não transpira.
A paisagem é uma imensa nódoa branca
sem ar,
árvores, água, ruídos, silêncios,
perdida num buraco da memória.
A paisagem é branca.
Não respira, não tem gente.
Nada.
Apenas as letras brancas
que gritam o teu nome.
Mas não as ouves:
a paisagem é branca, vazia, despovoada de gente,
por isso não existes.
És uma invenção minha
para adormecer o sonho.
Um corpo deitado sobre a pedra fria de um beco.
A alma é uma sombra inquieta que
sabe não ter força para
erguer o corpo.
Gotas de chuva escorrem
dos seus olhos assustados e
desaguam nas margens da boca.
Palavras surdas rasgam a pele
implorando ajuda -
ninguém as ouvirá:
está só num beco e assim ficará.
Na grande avenida,
a dois passos dali,
gente festiva celebra entre efusivos
beijos e promessas solenemente proclamadas
a passagem para um novo dia, um novo ano.
E o corpo já não os ouvirá.
ALEXANDRA DE PINHO (SECRETOS REGISTOS) - TECIDOS, DESENHOS E RESINA DE POLIÉSTER
QUADRO COM 20x20 cm - 2005
O mundo escurece
para quem nunca sonha,
não vê,
não se interroga:
como se o pavio de velas terminasse,
um a seguir ao outro,
até ao último milímetro de luz.
Por isso, o medo
ganhará vontade e
tomará conta de nós,
aprisionará o dia
e será sempre noite,
e reduzirá as estações a um inverno eterno.
E os nossos olhos cegarão
E as nossas bocas se fecharão
pois o tempo de ver, de falar, de protestar
já esgotou.
No topo da mais alta montanha
onde o ar é rarefeito por estar
muito perto do céu que
quase toco se
mais alto fosse,
uma flor rara
filigrana de luz brilhante
imaculada
ilumina a passagem para outras dimensões
temporais
espirituais.
Dispo-me
só deixo ficar a pele que me aquece e protege
na minha viagem de peregrino
para descobrir a matéria de que é feita
a minha alma ou
se ela existe
Acendes um cigarro,
Procuras no bar o teu uísque favorito,
Sentas-te no sofá
Soltas o cabelo com
um gesto gracioso.
Escolhes um livro
abres na página interrompida.
O disco está pronto a ser escutado,
Apuras os sentidos
Relaxas após as primeiras notas do adagietto
da Quinta Sinfonia de Mahler.
Comoves-te
Uma pequena lágrima sublinha
os gestos de Valery Gergiev
e rola até à boca.
Adormeces ao recordar o
teu último beijo na Praça de S. Marcos
em Veneza.
Subo as escadas até ao limite
no último degrau
uma porta em frente
fechada
um muro de silêncio que tem tanto tempo...
devo ultrapassá-la?
Recordo:
As flores a murcharem naquele quarto
Um gato espadachim em cima do armário
Um vento agoirento e frio a escorrer das muralhas
Mulheres novas e viúvas envoltas em xailes negros a derramarem seus
prantos em lágrimas mansas
Um rei sem trono sentado
numa cadeira forrada a tecido grosso esperando
que lhe devolvam o poder do decreto
Caras estúpidas
todas tinham cornos
a olharem de soslaio
É o que recordo
ali parado suspenso no medo
O grilo assobia uma canção ridícula
quem o terá alimentado?
Uma aragem cinzenta anima fantasmas e
partículas de pó dançam o rufar de pandeiretas
Parece haver vida naquele quarto apesar de
há muito tempo não ser habitado
Um palhaço de trapos vermelhos e amarelos
botões no lugar dos olhos
joelhos remendados
escancara a porta e gesticula
palavras infantis que não percebo
É o que recordo de uma noite
de pesadelo
ali parado
já
sem medo.
Um homem parado na esquina dum
beco feio e triste ladra
com o cão seu companheiro de viagem;
O cão ladra com o homem seu
companheiro de viagem;
um diálogo filosófico sobre a
pertinência das suas vidas que transportam
num pequeno saco de plástico
Não posso conter mais o
silêncio das sombras que habitam as
casas adormecidas
reclamam luz
precisam de ar
a alma quer respirar
Um grito
rebenta o peito
a língua
um grande alento
e a boca sacode as letras
há tanto tempo paradas
nas últimas camadas
do corpo
foto de alberto viana d'almeida
Sentada na raiz do pessegueiro
esperas que a lua amadureça.
olhas o livro
olhas as horas
olhas o sol
olhas as sombras
olhas o fim-de-tarde
olhas o início da noite
olhas o início do fim
e continuas sentada à
espera da lua cheia
As pálpebras
inclinadas sobre lenços de partidas -
bandeiras de vidas doridas -
lágrimas que rolam até à doca
e perdem-se no silêncio rancoroso do metal.
frio, indiferente
como a saudade que restará embrulhada,
para sempre, em ventres
sem desejo ou vontade.
E, o vapor já ronca
em suspiros de grosso fumo
carregando no seu ventre
demónios e fantasmas que,
antes de o serem,
eram oliveiras e carvalhos,
montes,
um casario em ruas de gargalhadas
e afectos
e miudagem,
e murmúrios,
e seios que ardiam as mãos,
a banda no coreto.
os domingos.
E, hoje é domingo.
poderia ser outro qualquer.
ou não ser nenhum.
já não importa se os dias somam meses,
se as estações têm nome,
frio,
chuva
ou calor.
A rua está despida,
nua
frágil
severa.
as casas envelheceram
as flores murcharam em hortas magoadas;
apenas raízes,
grandes
grossas
tentaculares,
esganam a cor do sol
e uma névoa densa, espessa,
aprisiona e definha
as bocas dos que não partiram.
As palavras saem mudas porque
o ouvido está surdo
e a boca não sabe repetir
o que o corpo não ouve.