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podia bordar a minha cara
sobre tantas caras
do mundo
(abro parêntese
nele entra o voo desta paisagem
tão inútil
como mudar uma vírgula a alguém)
rostos que só vimos um momento
rostos que encontramos pelo caminho
os últimos momentos de um rosto
as ideias que se têm sobre um rosto
os seus longos trajectos ínvios
desde o latim liceal
o dorso dos rostos coberto de mato
olhos débeis palpitam dentro dos olhos
mal nos deixam ver os rostos nublados
por excesso de vegetação
palpitam
sobrepõem-se páginas de rostos
vemos rostos nos rostos
há rostos que choram tanto
que acabam por se partir
um molho de folhas arrefece
entre os meus olhos líricos de cortiça
por vezes olhamos para o espelho
não há nada lá dentro
por vezes morremos na rua
reflectidos nos vidros partidos
da varanda materna
no clarão intempestivo do fósforo
ilusão fulgurante
morremos um pouco
na mudança de linha
em cada parágrafo
mal assinalado
alguém
espera o primeiro choro da criança
para entrar nela
ainda suja da lama genética
venceste a insidiosa
a cadela que exige sangue
(julgas tu...)
Poema de Rosa Oliveira in tardio
YONVILLE
viu que o tempo atravessava tudo
entrava nas cabeças
desfazia pequenas ligações interiores
enlouquecia
sobre os cabelos caía
uma poeira de mãos rápidas
a rede quase invisível
à volta dos lábios
escondia os livros mais importantes
desfazia os dias em tarefas inúteis
atraiçoava os amigoa com amantes desdichados
secretamente sabia
o tempo vai transformar-nos
em glosas esventradas de nós mesmos
vai pôr a rezar os poetas mais obscuros
leva-nos pela mão
arrasa
olhou o horizonte e suspirou
era vasto demais
o prado e o céu juntavam-se
insuportável
como toda a paz campestre
Poema de Rosa Oliveira in tardio, edição Tinta-da-China, Março de 2017
Rosa Oliveira vence Prémio Literário Fundação Inês de Castro 2017 |
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Na sua 11.ª edição, o Prémio Literário Fundação Inês de Castro 2017 foi atribuído a Rosa Oliveira pela obra Tardio, editada pela Tinta da China. Sobre a autora, que em 2013 publicou pela mesma editora, Cinza, o seu primeiro livro de poesia, escreveu António Guerreiro no Público, "Nunca a poesia de Rosa Oliveira se desliga da prosa do mundo, por mais que ouse alguns flirts com algo que a supera. Ela pratica, de certo modo, uma arte do recuo, traça com grande racionalidade os seus territórios, acaba por ser uma elegia da própria poesia, quase um túmulo do poeta que se vê obrigado a declinar os seus tempos sombrios como «uma longa marcha para a mediania»."
O júri do Prémio Literário Fundação Inês de Castro 2017, composto por José Carlos Seabra Pereira (Presidente), Mário Cláudio, Isabel Pires de Lima, Pedro Mexia e António Carlos Cortez, não foi unânime na escolha da obra premiada, sendo o Prémio atribuído por maioria. Mário Cláudio votou em A queda de um homem, de Luís Osório, e Pedro Mexia em Hoje estarás comigo no Paraíso, de Bruno Vieira Amaral.
Nesta edição, o Tributo de Consagração Fundação Inês de Castro 2017, um prémio de carreira, foi atribuído a Eugénio Lisboa.
O Prémio Literário Fundação Inês de Castro tem distinguido ao longo dos anos autores e obras de reconhecido valor, tais como Pedro Tamen (2007), José Tolentino Mendonça (2009), Gonçalo M. Tavares (2011), Mário de Carvalho (2013) ou Rui Lage (2016), entre muitos outros.
A cerimónia de entrega do Prémio Literário Fundação Inês de Castro - um troféu de prata e pedra, da autoria do escultor João Cutileiro, que simboliza todo o drama e mistério que rodeiam o episódio de Pedro e Inês - terá lugar no Hotel Quinta das Lágrimas, em Coimbra, no dia 17 de Março. O livro premiado, Tardio, de Rosa Oliveira, será apresentado por António Carlos Cortez, e Pedro Mexia falará sobre a obra de Eugénio Lisboa. |
Biografias dos autores
Rosa Oliveira (Viseu, 1958) é autora dos ensaios Paris 1937 e Tragédias Sobrepostas: Sobre "O Indesejado" de Jorge de Sena. Foi leitora na Universidade de Barcelona e é professora no Ensino Superior Politécnico. Cinza, o seu primeiro livro de poesia (Tinta da China, 2013), foi galardoado com o Prémio PEN Clube Primeira Obra. Tardio, igualmente publicado pela Tinta da China recebe agora o Prémio Literário Fundação Inês de Castro 2017. Tem poemas editados nas publicações literárias Relâmpago, Colóquio-Letras (no prelo), Suroeste (Badajoz, 2016), Cidade Nua e nas antologias Voo Rasante (Mariposa Azual, 2015) e Os cem melhores poemas portugueses dos últimos cem anos(Companhia das Letras, 2017). Publicou na Granta 8 (Tinta-da-China, 2016) o primeiro conto de uma série em que presentemente trabalha.
Eugénio Lisboa (Loureço Marques, 1930) é um ensaísta e crítico literário português especialista em José Régio. Licenciado em engenharia electrotécnica pelo I.S.T. (1955), residiu em Moçambique até 1976, trabalhando sobretudo no ramo petrolífero, actividade que acumulou a partir de 1974 com a docência de Literatura Portuguesa nas universidades de Maputo e Estocolmo. Entre 1978 e 1995 foi Conselheiro Cultural na Embaixada de Portugal, em Londres, e entre 1995 e 1998, Presidente da Comissão Nacional da UNESCO. É Doutor Honoris Causa pela Universidade de Nottingham e pela Universidade de Aveiro. Recebeu os seguintes prémios literários: Prémio Cidade de Lisboa, pelo livro A Matéria Intensa; Prémio Jacinto Prado Coelho, pelo livro Portugaliae Monumenta Frivola; Grande Prémio de Literatura Biográfica da APE, por Acta Est Fabula – Memórias I. Consulte aqui (link) as suas principais obras literárias.
Informação retirada do site da Fundação Inês de Castro