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Em 1933, a Alemanha hitleriana promoveu, em dezenas de cidades, a queima pública de livros "não alemães" e de "intelectuais judaicos". A "Bücherverbrennung" (queima de livros) obedeceu ao projecto de "sincronização cultural" de Goebbels visando a "limpeza" da cultura alemã.
Foram assim atirados ao fogo, no meio de multidões ululantes e de braço estendido, obras de, entre outros, Thomas Mann, Walter Benjamin, Brecht, Musil, Heine, Freud, Einstein... Hoje já não se acendem fogueiras, usam-se guilhotinas. Mas o objectivo continua a ser a "limpeza", desta vez comercial, e a "sincronização cultural", agora com os padrões do lucro a qualquer preço, mesmo que seja ao preço da própria cultura. Se não vejam-se os "intelectuais" sacrificados na "Bücherguillotinierung" (guilhotinagem de livros) recentemente organizada pelo Grupo Leya de Miguel Pais do Amaral: Garrett, Fernão Lopes, Eduardo Lourenço, Eugénio de Andrade, Jorge de Sena, Ramos Rosa, Goethe, Holderlin... Ao menos os nazis queimavam livros em nome de uma ideia de cultura, o que sempre é um pouco mais respeitável que fazê-lo por mera ganância.
A notícia vem no DN: o Governo português comprometeu-se a emprestar a Angola até 200 milhões de dólares. Para isso, apesar de a dívida externa do país ultrapassar já os 100% do PIB (e com as agências de "rating" a anunciar, em face disso, o aumento das taxas de juro da remuneração da dívida), o Governo irá contrair um (mais um) empréstimo.
A boa notícia é que o mais certo é que parte desses milhões, ao menos a das "comissões" e das "contrapartidas", acabe por voltar a penates, seja através das empresas e dos negócios do costume, seja em artigos de "griffe" como relógios de ouro Rolex e Patek Phillipe, pulseiras Dior e H. Stern, roupas Ermenegildo Zegna e até... casacos de peles, comprados nas lojas de luxo de Lisboa sem olhar a preços. De facto, as elites do regime angolano constituem hoje, segundo uma notícia publicada pelo "Expresso" em finais de 2009, 30% do mercado de luxo português. Que isso nos sirva de conforto, aos pelintras contribuintes portugueses, quando pagarmos a escandalosa factura dos 200 milhões. Porque, como diria o gondoleiro de "A morte em Veneza", haveremos de pagá-la.
A notícia vem no "Público" e põe questões que só o são num país onde os poderes públicos parecem ter batido no fundo no que toca a degradação moral: pode um serviço público prosseguir interesses diferentes do interesse público?
E: é ou não do interesse público o cumprimento isento e imparcial da lei pelas instituições do Estado? Para o IEFP ou, pelo menos, para uma directora da sua Delegação Norte, a resposta à primeira questão é "sim" e a resposta à segunda é "não". Compreende-se assim que o IEFP tenha afastado compulsivamente um jurista das suas funções por ele "(olhar) para a lei com isenção e imparcialidade" quando deveria fazê-lo "a favor do IEFP, numa óbvia perspectiva de parcialidade e pouca isenção". A senhora directora bem o alertou contra os inconvenientes de um funcionário público agir com isenção e imparcialidade: "Tudo o que fizer ao contrário deste princípio (o da "parcialidade e pouca isenção") prejudica a sua carreira". O funcionário insistiu em ser "isento e imparcial" e a carreira foi-se-lhe. Em contrapartida, a da directora "parcial e pouco isenta" vai de vento em popa.
O estudo é da "Data Angel Policy Research Incorporated" e foi apresentado na semana passada na Gulbenkian, em Lisboa. Revela que apenas 1 em cada 5 portugueses é capaz de ler e compreender o que lê de modo a dar resposta a problemas concretos, isto é, que apenas 20% dos portugueses possuem o nível médio exigível de literacia, o que constitui o resultado mais baixo entre todos os países analisados. A notícia não surpreende ninguém, a não ser quem acreditou (ou quis acreditar) no assombroso "milagre educativo" propagandeado pelo anterior Governo, provando aquilo que os criticados "bota abaixistas" vinham dizendo: que o facilitismo educativo pode melhorar artificialmente as estatísticas e povoar o país de diplomados de aviário com computadores "Magalhães" debaixo do braço, mas que ter um diploma não significa necessariamente saber ler e compreender o que se lê (se calhar nem sequer ler e compreender o que diz o próprio diploma). A opção do Governo Sócrates pelas aparências propagandísticas num sector estratégico como o da Educação é uma pesada factura que o país irá pagar durante muito tempo.
Na gíria do atletismo, chama-se "lebre" ao atleta contratado para puxar pelos outros (levá-los na "roda", como se diz no ciclismo), impondo um ritmo óptimo para obtenção de melhores resultados.
Por vocação, ou porque é o modo como entende as suas funções de governador do Banco de Portugal, Constâncio costuma ser a "lebre" do Governo, aparecendo a apalpar terreno sempre que há medidas restritivas, previsivelmente impopulares, no horizonte orçamental. Por esta altura do ano, quando se prepara o Orçamento, é habitual vê-lo justificar, em adequado socioleto económico, a "contenção", ou "prudência", salarial, eufemismos pios da redução do poder de compra. Desta vez, porém, foi a "necessidade" de aumento dos impostos, que permitiu ao Governo, desmentindo-a de imediato, marcar pontos politicamente. A coisa funciona como os clássicos "polícia mau" e "polícia bom": aos olhos dos eleitores, a bondade política do Governo resulta mais óbvia face à maldade técnica dos anúncios catastróficos do governador. Se o Governo não der uma medalha, ou o tal cargo no BCE, a Constâncio é que não há justiça neste mundo.
Os índices da Transparency International resultam da avaliação anual de analistas e homens de negócios, bem como de organizações como o Banco Mundial, o Fórum Económico Mundial, os Bancos de Desenvolvimento da África e da Ásia e centros de pesquisa como o Economist Inteligence Unit e o Global Insight. Curioso foi o modo detergente como alguns jornais deram ontem a notícia. O "Jornal Digital", por exemplo, deu-a sob o animador título de "Corrupção: Portugal é o país lusófono menos corrupto". Algo assim como, numa corrida com dois corredores, noticiar: "O nosso ficou em segundo lugar, ao passo que o adversário ficou em penúltimo".
Casa Pia, "Furacão", sobreiros, submarinos, BPP, BPN, Freeport , "Face Oculta"…. Os portugueses vão-se apercebendo, aos poucos, da podridão escondida sob as vistosas roupagens modernaças do regime e entendendo o sentido dos entraves de toda a ordem que, da parte dos partidos do chamado "arco da governação", sempre se intrometem entre as promessas de combate à corrupção e a sua efectivação. Entretanto, uma nova classe de empresários, políticos e ex-políticos vindos do nada instalou-se no país, ascendendo social e economicamente a velocidades nunca vistas e dificilmente explicáveis à luz dos critérios usuais do enriquecimento dentro da lei. Há hoje dois países e duas economias, o país e a economia visíveis e aqueles de que só se ouve falar a espaços, quando alguma investigação criminal os traz episodicamente à luz do dia, e que rapidamente desaparecem de novo na obscuridade pelas portas travessas de uma Justiça que só funciona eficazmente para o cidadão comum. A tentação de se desembaraçar de escrúpulos morais e emigrar para esse país subterrâneo é grande. Aí a vida é fácil, é barata e dá milhões.
Compreende-se que gente dos partidos e deputados sejam, como diz a DGS, "essenciais ao normal funcionamento da sociedade". Pode perguntar-se é como, sem padeiros que lhes façam o pão, sem motoristas que os levem ao Parlamento e às sedes, sem pessoal das águas e da electricidade que lhes garanta o banho diário, a energia para os computadores e a luz para estudar os dossiês, sem educadoras e auxiliares de infantários que lhes tomem conta dos filhos enquanto trabalham e toda a mais gente não "imprescindível" nem "essencial ao normal funcionamento da sociedade", uns e outros poderão cumprir as suas funções.
Não é nada que surpreenda no processo orwelliano que vem, a vários títulos, sendo a reforma da Administração Pública: soube-se ontem que, para o Governo e para a Reforma, todos os funcionários públicos são iguais mas uns são mais iguais que outros.
Assim, os funcionários (4 500, contas por baixo) que enxameiam os ministérios por nomeação política estão, ao contrário dos que chegaram aos cargos por mérito demonstrado em concurso público, isentos de avaliação de desempenho e podem progredir na carreira e no salário pelo ominoso método tantas vezes desancado pelo actual Governo: a idade e o tempo de serviço, isto é, basta-lhes deixar passar o tempo e envelhecer atrás das secretárias para serem promovidos. Segundo a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), o Governo visa, desse modo, "premiar" as responsabilidades de chefia. Daí se concluirá que, sendo a não avaliação um "prémio" aos chefes nomeados politicamente, a avaliação é o "castigo" para os índios sem cartão partidário. E que, excepção atrás de excepção, a famosa reforma da Administração Pública se tornou uma coboiada.
Deu trabalho mas encontrei na Net um curioso documento intitulado "Bases Programáticas/Partido Socialista/ Legislativas 2005". Nele o PS faz contas ao país depois do desastre governativo do PSD/CDS.
Agora (se não, veremos) será o PSD a comparar o país de 2005 com o de 2009. "Hoje, os portugueses", dizia o PS em 2005, vivem numa economia "parada há três anos"; e enumerava: taxa de desemprego em 6,8% (9,3% em 2009, dados do Eurostat); rendimento por habitante em 67,7% da média da UE-15 (75% da UE-27 em 2009, o segundo pior da Zona Euro); dívida pública em 62% do PIB (hoje 70,7%, a crer na OCDE); défice em 5,2% do PIB (mais de 6% em 2009, dados também da OCDE); endividamento das famílias em 118% do rendimento disponível (135% em 2008, segundo o Banco de Portugal); e IVA em 19% (20% em 2009). Se o PSD vier a ser outra vez Governo, o PS fará novo balanço desastroso em 2013; e em 2018 o PSD; e em 2023 o PS, e em 2028 o PSD, e por aí fora até ao infinito, cada vez com números piores. É uma valsa a dois tempos que dura há décadas com os mesmos dois dançarinos. E com os mesmos de sempre a pagar a conta.
Quem me veja por aí de cabeça baixa, incapaz de encarar o Mundo, como se carregasse uma culpa mais pesada e insuportável que o Menino nos braços de S. Cristóvão, não tenha piedade de mim.
Os resultados dos exames de Matemática da segunda fase do Secundário foram ainda piores do que os da primeira, que já haviam sido maus (média de 8,8 valores contra 10 na primeira fase, abissalmente abaixo dos gloriosos 14 do ano passado); ora se, na primeira, a culpa, segundo a ministra, já fora minha - porque, como a generalidade da "comunicação social", andei a dizer "que os exames eram fáceis" - agora não tenho remédio senão meter a mão na consciência e penar por aí como o velho marinheiro de Coleridge, arrancando os cabelos e contando a toda a gente que fui quem matou o albatroz e deu cabo das estatísticas da ministra em pleno período eleitoral.
O pior é que o mesmo aconteceu em Português, em Física, em Química, em Biologia, em Geologia. Os alunos não estudam e os professores não ensinam porque perdem tempo a ler jornais. Acabe-se com eles (jornais, alunos e professores) e os resultados subirão em flecha.
A CGTP, que "no plano internacional se rege por um conjunto de princípios e valores fundamentais", manifestou-se ontem diante do Consulado das Honduras em Lisboa porque "os trabalhadores portugueses não podem ficar indiferentes face às inaceitáveis violações dos direitos humanos do povo das Honduras".
Quem, como a CGTP, não repudiará "a ditadura e brutal repressão" nas Honduras e as "numerosas detenções e mortes denunciadas por entidades de defesa dos direitos humanos"? Por isso, procurei no "site" da central o que, em nome dos seus "princípios e valores fundamentais", a CGTP teria também feito (ou dito, ou apenas murmurado) face à "ditadura e brutal repressão" e "numerosas detenções e mortes" em Xinjiang e Teerão e "às inaceitáveis violações dos direitos humanos" dos povos da China e do Irão denunciadas por "entidades de defesa dos direitos humanos". Pesquisei "Xinjiang" e obtive zero resultados; pesquisei "Irão" e obtive 15 futuros do indicativo do verbo "ir" e uma referência às "ameaças dos EUA ao Irão". Talvez, quem sabe?, a CGTP tenha, nestes casos, optado por manifestar-se silenciosamente.
Quis o acaso que a pré-campanha para as legislativas coincidisse com o defeso futebolístico e que, na campanha partidária como na futebolística, sejam os clubes das camisolas que um dia foram vermelhas e são agora cor-de-rosa desmaiado que se evidenciam pelas aquisições mais notórias, o Benfica pescando nas suplências do Real Madrid, o PS no banco do BE.
Foi assim que Miguel Vale de Almeida, ponta-de-lança LGBT com contrato findo no Bloco, chegou a custo zero, com garantia de titularidade parlamentar, ao PS. O mesmo partido terá tentado ainda a contratação da suplente não utilizada Joana Amaral Dias, negócio inviabilizado pela elevada cláusula ideológica de rescisão que a prende ao seu actual clube, pese (como se diz nos jornais desportivos) o facto de o PS lhe ter acenado com (agora como diz Almeida Santos) "honrarias, cargos e nomeações". Na blogosfera, lugar onde quase toda a gente se conhece e onde, se abundam as cumplicidades e os catálogos de trocas de elogios, abunda também a controvérsia e o ressentimento, não se fala de outra coisa. E o período das transferências ainda vai no início.
A Metafísica é um lugar longínquo. Talvez uma grande constipação transforme, como diz o engenheiro por Glasgow, o mundo até à Metafísica, mas os danos que uma grande constipação provoca no Ser não são nada comparados com os que, nos dias que correm, uma pequena constipação causa no Estar. Quem hoje saia de casa entre a conferência de Imprensa da manhã e a conferência de Imprensa da tarde da ministra da Saúde sobre a Gripe A, levando atrás de si animais de companhia, buliçosos mas amigáveis, como uns espirros e uma dessas tosses habitualmente incluídas no pacote das constipações, não deve preocupar-se com o mundo das Ideias mas com o dos factos. Ao mais leve espirro, as pessoas mudam de passeio e fogem como se fôssemos vender-lhes um seguro, as mulheres apertam os filhos nos braços deitando-nos olhares assassinos e à nossa volta abre-se uma cratera de suspeita e hostilidade maior que o atol de Mururoa. Talvez a ministra devesse explicar ao bom povo que morrem todos os anos de gripe sazonal, sem notícias nas TV, 2000 autóctones e que um tipo constipado não é necessariamente um inimigo público.
Desta vez, os autores da "campanha negra" estão devidamente identificados: são os juízes do Tribunal de Contas. Por motivo de "urgência", embora o contrato só terminasse em 2015, o Governo assinou com a Liscont, empresa da famosa "holding" económico-partidária Mota-Engil/Jorge Coelho (e, já agora, Luís Parreirão, também ex-governante socialista da área das Obras Públicas) um "aditamento" à concessão do terminal de Alcântara. Sem concurso, que a coisa era "urgente" e sabe-se lá quem estará no Governo em 2015. É um contrato justo: a Liscont cobra os lucros e o Estado (a Grande Porca bordaliana, a de inesgotáveis tetas) suportará eventuais prejuízos, ou, nas palavras do TC, "o ónus do risco do negócio passa para o [Estado]". O Estado pagará ainda 1,3 milhões em advogados, consultores & assessores para a montagem e gestão da ampliação do terminal; e até se, durante as obras, calhar serem descobertos vestígios arqueológicos, será (adivinhem quem) o Estado a pagar a paragem dos trabalhos. Só de má-fé é que alguém pode concluir que tudo isto não é de interesse público e do mais transparente que há.
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Tenham medo, muito medo
Ocenário é apocalíptico, verdadeiro "Mad Max" sanitário: ruas desertas, escolas, fábricas, restaurantes, centros comerciais fechados, os próprios pilares da portugalidade, igrejas, estádios, casas de fado, fechados; e as famílias fechadas em casa (persianas corridas, janelas fechadas, portas fechadas, casota do cão fechada) com as câmaras de segurança direccionadas, já não para os bairros periféricos, mas para partículas em suspensão e vizinhos, a suspeita corroendo os valores mais sólidos do matrimónio, filhos, criadas, maçanetas das portas. A crer em jornais e TV (e na Roche, e na Gilead), o H1N1 propaga-se mais depressa que o comunismo; pior: os comunistas só comiam criancinhas, o H1N1 come a família toda. 127 mortos nos Estados Unidos, 21 no Canadá, 7 na Austrália, 29 no Reino Unido, 3 em Espanha… Segundo o último relatório da OMS, já há 311 mortos em todo o mundo, principalmente no mundo ocidental. Face a números tão aterradores, o que são 6 milhões de crianças morrendo anualmente devido a fome e subnutrição e 10 milhões devido a doenças que podiam ser evitadas com uma simples vacina?
A Língua não é apenas um meio de comunicação, é também um instrumento de conhecimento e de pensamento. A Língua fala em nós tanto quanto nós a falamos, constitui o elemento fundamental da nossa identidade enquanto povo (e, sobretudo, enquanto "pátria", pluralidade de valores identitários que herdámos dos nossos país e que os nossos filhos herdarão de nós). São, por isso, dramáticas as notícias que dão conta de que, nos recentes exames nacionais do 9.º ano, o número de negativas a Língua Portuguesa aumentou 70%, apesar de o actual ME ter levado o nível de exigência dos exames ao grau zero. A falta de exigência a que se chegou é tal que, para se opor à opinião dos peritos para quem os exames do 12.º ano de Matemática foram este ano de novo "escandalosamente fáceis", o presidente da APM argumenta que o exame "tinha algumas coisas que exigiam alguma interpretação de (…) linguagem escrita". Ou seja, o exame não seria assim tão fácil porque… exigia "alguma" interpretação de linguagem escrita. Isto a alunos do último ano do Secundário! Diz a ministra que o país devia "encher-se de orgulho" com isto…
Terminaram as chamadas "Queimas das Fitas" e, salvo raras excepções, o balanço foi o do costume: alarvidade+Quim Barreiros+garraiadas+comas alcoólicos. No antigo regime, os estudantes universitários eram pomposamente designados de "futuros dirigentes da Nação". Hoje, os futuros dirigentes da Nação formam-se nas "jotas" a colar cartazes e a aprender as artes florentinas da intriga e da bajulice aos poderes partidários, enquanto à Universidade cabe formar desempregados ou caixas de supermercado. A situação não é, pois, especialmente grave. Um engenheiro ou um doutor bêbedo a guiar uma carrinha de entregas com música pimba aos berros não causará decerto tantos prejuízos como se lhe calhasse conduzir o país. Acontece é que muitos dos que por aí hoje gozam como cafres besuntando os colegas com fezes, emborcando cerveja até cair para o lado, perseguindo bezerros e repetindo entusiasticamente "Quero cheirar teu bacalhau" andam na Universidade e são "jotas". E a esses, vê-los-emos em breve, engravatados, no Parlamento ou numa secretaria de Estado (Deus nos valha, se calhar até já lá estão!).
Perdemos os sonhos ou são os sonhos que nos perdem? O meu sonho de menino sempre foi ser presidente de uma empresa intermunicipal de tratamento de resíduos; e quando, em vez de estudar, me punha a ler o "Cavaleiro Andante", minha mãe dizia-me: "Estuda se queres vir a ser presidente de uma empresa intermunicipal de tratamento de resíduos", sabendo que só isso era capaz de me arrancar da companhia de Tartarin de Tarascon e de Tintin.
Chegado a esse lugar de exílio que é a idade adulta (o que sucedeu mais ao menos na altura em que Tintin deixou de usar calças de golfe), procurei em vão informar-me acerca de como seria possível realizar tão desmesurado sonho. Só agora, já velho, o descobri. Para se ser presidente de uma empresa intermunicipal de tratamento de resíduos é recomendável, pelo menos em Braga, ter sido condenado por tentativa de corrupção de um vereador, o que (uma condenação por corrupção) é, como se sabe, uma inalcançável miragem em Portugal. Sem meios para tentar corromper vereadores, terei que me ficar pelo jornalismo, que também é uma actividade do sector do tratamento do lixo.
Noticia o JN que está marcado para o dia 20 de Abril, no Tribunal da Maia, o julgamento de um homem que, em 2007, terá arrombado um galinheiro e furtado duas galinhas no valor de 50 euros.
A Justiça tarda, mas chega. O criminoso andou mal e merece justa punição, quer pela mediocridade de fins quer pela ruralidade de meios. Gente como ele, que pilha galinhas em vez de fundar um banco e pilhar as contas dos depositantes, ou como aquela septuagenária que não pagou uma pasta de dentes num supermercado em vez de pedir uns milhões à Caixa, comprar o supermercado na bolsa e igualmente não o pagar, vendendo-o depois à Caixa através de um "offshore" pelo dobro do preço (ou vendendo-lho mesmo antes de o ter comprado), não tem lugar no Portugal moderno e empreendedor. Ainda por cima, deixou-se apanhar. Se calhar, até confessou, em vez de invocar lapsos de memória. E aposto que nem se lembrou de se divorciar antes de ser preso, pondo os 50 euros a salvo na partilha de bens. Não queria estar na pele do seu advogado, não há Código de Processo Penal que valha a um caso destes. É condenação mais que certa.
Pela sexta vez, o infantário "A Conchinha", de Sines, foi na semana passada assaltado e roubada toda a comida das crianças guardada nos cofres. A crise está a atingir o sector da ladroagem e é preocupante o alargamento das desigualdades entre ladrões ricos e pobres, com uns a roubar milhões e outros, cada vez mais numerosos, arriscando-se a ir presos (pois são os que costumam ser apanhados e julgados) por uns pacotes de batatas fritas e umas garrafas de leite achocolatado.
Enquanto o Estado não intervenciona também a pequena ladroagem, os infantários admitem acabar com os lanches e almoços, seguindo a engenhosa solução do Ministério da Justiça de retirar as caixas Multibanco dos tribunais (processos, juízes e funcionários serão retirados mais tarde, altura em que os tribunais ficarão, por fim, completamente seguros, sem nada que roubar). As boas notícias são que o governador do Banco de Portugal anunciou que as ajudas de 20 mil milhões do Estado aos bancos não chegam e têm que ser aumentadas e que o gestor do BPP anda por aí a dar conferências sobre como ter sucesso no mundo financeiro.
O ministro Santos Silva, encarregado, na economia governamental, do pelouro da refutação da Oposição, pratica habitualmente o honroso encargo com a indignação afectada de uma personagem de Óscar Wilde: "É inadmissível que andem para aí a dizer coisas do Governo que são absolutamente verdadeiras". Foi assim que, agora, no regresso ao Parlamento do Código do Trabalho, o ministro refutou indignadamente a acusação de que este fomenta a precariedade.
Garantiu Santos Silva ao país que "o Governo leva muito a sério o princípio constitucional da segurança no emprego" (a lição continua a ser a de Óscar Wilde: "Em questões muito sérias, o essencial é o estilo, não a sinceridade"). Por isso, o Governo - argumentou - terá incluído no Código "medidas de combate à precariedade". Dir-se-ia que, de facto, "só quem já está completamente perdido aceita argumentar". É que a conclusão de que o Código não leva a sério o princípio fundamental da segurança do emprego é uma constatação técnica, verificada pelo Tribunal Constitucional, não uma crítica política. E contra isso pouco podem indignação ou argumentos.
A crer nas alegações dos arguidos, que a comunicação social tem abundantemente referido, quem está a ser julgado no processo Casa Pia é o Ministério Público, a Magistratura Judicial (que os pronunciou), a Polícia Judiciária, o Instituto de Medicina Legal, os peritos médicos que observaram as crianças, as próprias crianças, as testemunhas, a comunicação social, a opinião pública e o Mundo em geral; e as vítimas são os arguidos. Um imenso "complot" universal terá sido organizado para congeminar uma maléfica "fantasia" e, com obscuros fins, acusar meia dúzia de inocentes.
Não queria estar na pele do colectivo que julga o processo, a quem, se assim foi, se pede, não que dê uma sentença, mas que encarne o Bem e faça a Revolução, mandando extrair certidões para meter na cadeia dois terços das instituições do país e dois terços do próprio país. Na verdade, o que, no caso, está a ser julgado é a Justiça portuguesa e a sua independência. O grande júri em nome de quem é suposto a Justiça ser administrada tem razões para estar perplexo com o folheto de cordel em que o processo está a ser transformado.
MUROS DE PALAVRAS
Há uns anos, numa reportagem de "A Capital" sobre meninos da rua, um rapaz de 8 anos lamentava-se ao repórter: "A minha mãe fecha-me fora de casa". Conto muitas vezes esta história, bem como aquela do internado num hospício que, através das grades, diz para um passante: "Há muitos aí dentro?" Os muros, as grades, as portas fechadas prendem- -nos a todos.
Não criam "foras", multiplicam "dentros". E os muros mais difíceis de atravessar são os das palavras e das ideias. O que mais se tem visto e lido em relação ao actual conflito em Gaza são atitudes entrincheiradas atrás de muros de palavras e ideias, incapazes de vislumbrar no "outro" uma réstia de motivo ou humanidade. Ora, como escreve Nietzsche, julgo que no "Zaratustra", "tu, vítima, não penses que não tens culpa; e tu, carrasco, não penses que não sofres". É fácil ter ideias claras e a preto e branco sobre o que se passa em Gaza sentado diante da TV, vendo o que se quer ver e fechando os olhos ao resto. Os israelitas e palestinianos comuns (pois há israelitas e palestinianos comuns) são forçados há meio século a ver o que não querem ver.
os encargos de todas as obras públicas anunciadas, boa parte do nosso futuro está hipotecada; pelo presente já ninguém dá nada; resta o passado. Não se estranhará, pois, que o Governo prepare um novo regime para o património histórico e cultural que abre portas à venda mais ou menos indiscriminada de monumentos históricos. "O mote é alienar", denunciam, alarmadas, as associações de defesa do património.
Se a coisa, congeminada no Ministério das Finanças, for avante, depois do Forte de Peniche transformado em pousada, veremos um dia destes uma loja Ikea na Torre de Belém e um hotel de charme no Mosteiro de Alcobaça (e porque não no da Batalha?); Rui Rio poderá, finalmente, vender a Torre dos Clérigos em "time-sharing"; e António Costa, em Lisboa, fazer dos Jerónimos um centro comercial. Governados por mercadores sem memória e sem outra cultura que não a do dinheiro, faltava-nos ver a nossa própria História à venda. Em breve, nem Cristo (quanto mais nós) terá poderes para expulsar os vendilhões do Templo porque eles já terão comprado o Templo e já lhe terão dado ordem de expulsão a Ele.
Pedras, "cocktails molotov", ovos, gritos ou insultos, as diferenças que a raiva tem assumido nas ruas de Atenas, Paris, Lisboa, Roma, Copenhague e mais cidades, não chegam para ocultar semelhanças fundamentais. Dirigidas por contabilistas sem outra ideologia senão o mesmo vácuo discurso anti-ideológico do "fim da História" (ou das "terceiras vias"), burocratas incapazes de uma ideia ou um ideal minimamente mobilizadores, as democracias europeias, muitas vezes sob a tutela de partidos com a designação de "socialistas" ou "sociais-democratas" também eles transformados em gestores de interesses e clientelas, tornaram-se lugares onde deixou de haver motivos de esperança e onde exércitos cada vez mais numerosos de excluídos convivem com a riqueza escandalosa, a ostentação e a corrupção.
Num tal ambiente social, uma centelha, como aconteceu com o assassínio de um jovem em Atenas, pode incendiar toda a pradaria. Depois, para a guerra civil social começar a assumir contornos antidemocráticos, basta saltar de qualquer esquina um populista. É isto que as lideranças europeias parecem não compreender.
Noticia a AFP que, para poder obter do Estado americano um crédito salvador, a Ford vai reduzir o salário do seu presidente executivo para 1 dólar… por ano. Henry Ford tinha dito em 1934, em plena Grande Depressão: "Deixem-nos falir a todos. Se eu ficar sem nada com o colapso do sistema financeiro, recomeçarei do princípio e construirei tudo de novo".
75 anos depois, num país distante (não, não é de África), não só os gestores de bancos falidos continuam a ganhar milhões, como um governo socialista entrega o dinheiro dos contribuintes como garantia para salvar as fortunas de meia dúzia de milionários que fizeram um banco para especular na Bolsa e investir em aplicações de alto risco que deram para o torto. "Servir a nossa economia e as famílias", foi o motivo com que Sócrates justificou os apoios do Estado à banca. O BPP não tem balcões nem dá crédito a particulares ou empresas, apenas gere fortunas de uma elite financeira com nomes como Rendeiro, Ferreira dos Santos, Saviotti, Balsemão, Vaz Guedes, Júdice, etc.. São as fortunas de tais "famílias" que os nossos impostos vão agora garantir.
Depois de o rato das declarações de Manuela Ferreira Leite ter parido a montanha que se viu, tudo indica que a fábula retomará os eixos e que a montanha do BPN irá parir o rato que montanhas do género, quando envolvem montanhistas de peso, sempre parem. O primeiro passo está dado, um inquérito parlamentar, isto é, a transformação de um caso de polícia em caso de política. Toda a gente sabe para que servem os inquéritos parlamentares. Para concluir, em 700 ou 800 páginas, coisa nenhuma.
É da sua natureza, como, para Aristóteles, era da natureza das coisas pesadas cair para o centro do Universo. Nem o mais notório, o do "Envelope 9", concluiu fosse o que fosse, apesar do empenhamento da maioria na famosa tese da cabala, ou da "urdidura". Enfiado na "selva oscura" da AR, onde Dias Loureiro sempre o quis, o "caso BPN" fica entregue a todo o tipo de comércios político-partidários, meio caminho andado para se chegar à conclusão de que tudo foi, afinal, um mal-entendido. Depois, se o MP concluir diferentemente, abrir-se-á novo inquérito, desta vez ao MP, que também não concluirá coisa nenhuma.
A RTP é a lavandaria do regime. Não há vítima de cabala que não lave a consciência naquela espécie de Santa Casa da Misericórdia dos aflitos.
Desde a entrevista a Carlos Cruz lavado (o termo é apropriado) em lágrimas, os queridos telespectadores já não choravam como choraram com Dias Loureiro (talvez com excepção da entrevista a outra perseguida, a dolorosa mártir Fátima Felgueiras).
Dias Loureiro, um homem, como aquele, Malaquias, de Manuel de Lima, barbaramente agredido, foi aos estúdios de baraço ao pescoço e sem bigode, confessando que, sim, era administrador da SLN, mas, enquanto aconteciam no BPN as trapaças que têm vindo a público (e as que hão-de vir), calhou sempre de estar a olhar para outro lado. Assinava as contas sem as ler, pois só lê biografias e romances policiais (as contas do BPN eram um romance policial, mas como podia Dias Loureiro sabê-lo?). Por isso está, obviamente, de consciência limpa.
Eu acredito em Dias Loureiro (que diabo, é um conselheiro de Estado!) e não em cínicos como Stanislaw Lec, para quem a melhor forma de manter a consciência limpa é não lhe dar uso.
A ironia é uma arte perigosa (eu que o diga!), pois exige do leitor ou ouvinte mais do que ele às vezes está em condições de dar. A edição 'online' do "Público" abria ontem com um título prometedor: "Ferreira Leite pergunta se 'não seria bom haver seis meses sem democracia' para pôr 'tudo na ordem'". A notícia, da Lusa, citava críticas da líder do PSD às reformas do actual Governo, acusado de procurar fazê-las atacando as respectivas classes profissionais e virando a opinião pública contra elas.
Os ouvidos têm paredes
Só que o contexto era o de recentes afirmações suas defendendo que não deve caber aos media decidir o que publicam. Apesar do seu fácies mais severo que o de Buster Keaton, Manuela Ferreira Leite não é propriamente famosa pelo espírito de humor, e isso também não ajudou. Meteu-se a gracejar e estragou tudo. A blogosfera encheu-se imediatamente das mais estratosféricas denúncias e acusações. Aprenda com quem sabe, dra. Manuela: quando disser uma piada diante de jornalistas, distribua antecipadamente um manual de instruções a explicá-la. Como se eles fossem muito burros (ou muito mal intencionados).
Os professores portugueses parecem ter ganho o gosto às avaliações, e 120 mil (há oito meses foram "apenas" 100 mil) avaliaram de novo a ministra e a "sua" avaliação. Depois do milagre estatístico da Matemática, Lurdes Rodrigues conseguiu proeza ainda mais improvável, a da unanimidade dos professores. Se isso não chega para a sua beatificação - que Sócrates tem em marcha - vou ali e venho já. 120 mil professores na rua (uns "míseros votos", como lhes chamou Sócrates) contra o naufrágio do sistema educativo e o pesadelo burocrático em que foi transformada a sua profissão, e gritando "deixem-nos ser professores" não é sinal de descontentamento, é algo mais profundo.
Ou deveria ser, para quem tivesse um mínimo de humildade democrática e não confundisse firmeza com auto-suficiência e poder com mando. Se a passagem de Lurdes Rodrigues pelo ME constitui um "study case" de incapacidade técnica e autismo político, a reacção praticamente unânime dos professores em defesa da dignidade da profissão docente é um exemplo de cidadania activa cada vez mais raro no "país em diminutivo" em que nos tornámos.
Preparava-me para, como todos os dias, chafurdar nas notícias dos jornais [o trabalho que dá mantermo-nos próximos da realidade tentando não nos afundarmos nela, passando por ela como aquela actriz de "rostinho estreito, friorento" de Cesário atravessando "covas, entulhos, lamaçais, depressa,/ com seus pezinhos rápidos, de cabra"!], preparava-me eu, dizia, para fazer pela vida quando dei com a morte, ou a sua sombra, num poema de Szymborska.
"Parece que nada mudou, /e no entanto mudou./ Que nada se mexeu,/ mas tudo mudou de lugar (…) /Ouvem-se passos nas escadas,/ mas não são 'esses'". E tudo, jornais, notícias, e aquilo que, à falta de melhor, chamamos vida, perdeu sentido. Talvez a vida seja outra coisa, menos barulhenta e mais solitária, mais fria, mais transparente, mais vasta. "Morrer não é coisa que se faça a um gato" nem a ninguém; "que pode fazer um gato/ num apartamento vazio?". Quando, amanhã, a realidade, ou lá o que é, voltar (porque, como os mortos, a realidade volta sempre), também eu irei ter com ela "com patas ofendidas", e sem alegria nem queixas. Pelo menos ao princípio.
Agora, que os canhões emudeceram e os bandos fascistas recolheram a penates, a hierarquia católica usa armas de beatificação maciça contra a "podridão da legislação laica" que tenta identificar milhares de vítimas do franquismo atiradas para valas comuns e dar-lhes sepultura condigna. No ano passado foram 498 novos "beatos", este ano 800 e estão na calha mais 2000. Todos "assassinados [pelos republicanos, entenda-se, pois os "curas rojos" e os católicos assassinados por Franco, durante e depois da Guerra Civil, não têm direito aos altares] pelo ódio à Fé". Ordeiramente, Franco, Mola, Sanjurjo e Queipo de Lhano esperam na fila pela sua vez.
Fila à porta do Paraíso
Em 1936, logo após a rebelião de Franco, a Igreja Católica espanhola correu a abençoar as matanças de republicanos: "Não há forma de pacificação senão a das armas; é preciso extirpar a podridão da legislação laica" (cardeal Goma y Toma, primaz de Espanha); "não há perdão para os destruidores de igrejas (…), que a sua semente seja esmagada" (arcebispo de Burgos); "benditos sejam os canhões se deles florescer o Evangelho" (Diaz Gomara, bispo de Cartagena).
Havia um "F" a seguir a MP (Ministério Público), mas, com o alvoroço, nem me apercebi. Tinha na cabeça a contratação por Rui Rio, a 3 790 euros por mês mais IVA, da irmã do seu vice-presidente para um cargo para o qual não tem qualificações específicas, e as de filhos e sobrinhos para tudo o que é gabinete ministerial, e deixei-me levar pelo entusiasmo.
Afinal a Câmara era o Senado brasileiro, e o Executivo o de Lula. Naquela singularíssima Câmara, os "funcionários contratados (…) terão de assinar um termo de compromisso declarando não serem parentes de senadores ou servidores que ocupem cargo de chefia" e 86 parentes deste e daquele, contratados para isto e para aquilo, foram demitidos. Por cá, noutra Câmara, a do Porto, não só o Executivo contrata parentes a peso de ouro como a oposição, apesar de considerar isso imoral e ilegal, se limita a fazer um "julgamento político" e só três anos depois anuncia a "sentença".
Portugal está em risco de ser ultrapassado pela Ucrânia no ranking da UEFA mas, ao menos, continuamos no topo, logo abaixo do México e da Turquia, do ranking dos países com maiores desigualdades sociais. Segundo a OCDE, se houve em Portugal uma melhoria da distribuição de rendimentos entre os anos 70 e 80 (o período "gonçalvista", origem, como se sabe, de todos os nossos males), a partir daí, durante 30 anos de governos de partidos com "socialista" e "social" no nome, nunca mais pararam de crescer as desigualdades, com os ricos sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres.
Hoje até famílias das classes médias pedem, em número cada vez maior, ajuda ao Banco Alimentar contra a Fome. Mas nem tudo são más notícias: se os portugueses (os que têm trabalho) ganham pouco mais de metade (55%) do que se ganha na zona euro, os nossos gestores recebem, em média, mais 32,1% que os americanos, mais 22,5% que os franceses, mais 53,5% que os finlandeses e mais 56,5% que os suecos. Portanto, como Cesariny diria (cito de cor), "se há gente com fome,/ assim como assim ainda há muita gente que come".
Conta a BBC que o senador Ernie Chambers, do Nebraska (um dos estados do "corredor dos tornados", que vai do Norte do Texas ao Iowa), decepcionado com Deus, lhe pôs um processo-crime, acusando-o de provocar "morte, destruição e terror em larga escala sobre milhões e milhões de habitantes da Terra". Outros crentes deveriam, olhando o que se passa no mundo, fazer o mesmo, se não por terrorismo por denegação de justiça. Eu não sou crente, embora quando observo um gato a lavar-se ao sol, ouço Pollini tocando o 2º andamento do Concerto nº 2 para Piano e Orquestra de Brahms ou vejo Messi correr com a bola em direcção à baliza pelo meio de quatro ou cinco adversários, seja tentado a acreditar num Deus qualquer, só não sei qual.
Gente como eu responsabiliza os homens pelos efeitos das catástrofes naturais. No caso da recente tromba de água em Lisboa, não só o desleixo camarário mas também a especulação imobiliária que constrói em leitos de cheia e impermeabiliza solos. Como o devoto senador do Nebraska, o CDS, partido crente, deveria, não, como fez, exigir responsabilidades à Câmara, mas a Deus.
Os Estados Unidos tornaram a matar o n.º 2 da al-Qaeda no Iraque. É a sétima ou oitava vez que o matam. Não sei quantas vidas terá o homem, mas, por este andar, já não lhe hão-de restar muitas (mas só Aquele Que Não Morre o sabe), sendo difícil julgar o que é mais admirável, se o seu apego às inúmeras vidas com que o Poderoso o favoreceu para o servir se a persistência americana em dar cabo delas uma a uma. De qualquer modo, suscita perplexidade e escândalo tanto encarniçamento contra o desgraçado n.º 2. Deixando de parte o n.º 1 (que Alá o tenha bem guardado), o Exército norte-americano manifesta um desinteresse que roça a maravilha pelo n.º 3 e números seguintes. Pode acontecer que os americanos designem de "n.º 2" qualquer morto de túnica e turbante, o que explicaria que ele ora se chame Ayman al Zawahiri, ora Hamad Jama al-Saedi, ora Abu Ayyub al-Masri, ora Abu Azzam, ora Abu Qaswarah. Há também a hipótese de, morto o n.º 2, o n.º 3 passar a n.º 2, o n.º 4 a n.º 3 e por aí fora. Neste caso, até acabarem com a al-Qaeda, os americanos ainda hão-de anunciar a morte do n.º 2 aí umas 50 mil vezes.
O lugar do morto
Parece que a empresa que o produz vai ser julgada por ser uma das artistas de um número de circo fiscal internacional designado "carrossel do IVA", onde teria o papel de destinatário final de um animado circuito de vendas fictícias de material informático. Portanto, uma empresa portuguesa com certeza, e um computador "inteiramente português" por genéticas e inteiríssimas razões. Isto acrescendo ao facto, não menos português, de a ideia do Classmate/"Magalhães" ter sido posta pela Intel no ninho do XO de Negroponte. O nome "Magalhães" é que foi mal escolhido. Devia ser "Fernão Mendes Minto".
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E o "Diário de Notícias" noticia que:
JP Sá Couto não informou Governo
Processo. Presidente da empresa fabricante do 'Magalhães', arguida num processo de fraude fiscal, (…)
Até eu, que não sou militante socialista, aplaudi. Mas, porque sou um tipo céptico, lembrei-me de ir verificar onde é que, afinal, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) aplica o dinheiro da minha reforma.
E o que descobri no sítio da Segurança Social (http://www1. seg-social.pt/inst.asp? 05.11.05) assustou-me. Saberá Sócrates que 20,67% das reservas do FEFSS (mais de 1 562 milhões de euros) se encontram aplicados em acções e "entregues aos caprichos dos mercados financeiros" e ao "jogo da bolsa"? E lembrar-se-á que o seu secretário de Estado da Segurança Social anunciou no ano passado que iria confiar outros 600 milhões à "gestão privada"?
Só espero que os não tenha confiado ao BCP e ao seu prudentíssimo fundo "Millennium Prudente", porque, se assim foi, parte deles acabou prudentemente na Lehman Brothers e já era…
Na Itália, a comediante Sabina Guzzanti arrisca-se a apanhar 5 anos de cadeia por ter dito uma piada sobre o Papa que, nos termos do Tratado de Latrão (assinado por Mussolini e Pio XI em 1929), é uma "pessoa sagrada e inviolável". Por sua vez, na Alemanha, o pastor protestante Clemens Bittlinlger foi posto sob protecção policial em virtude das ameaças de morte que tem recebido de católicos por ter escrito uma canção com perguntas ao Papa sobre a proibição do uso do preservativo.
Apesar de tudo, a comediante e o pastor têm mais sorte do que o Rato Mickey, que foi, no mês passado, condenado à morte pelo clérigo islâmico Muhammad Al-Munajid em directo na TV Al-Majd da Arábia Saudita e não terá direito a julgamento nem a protecção policial. O Tratado de Latrão é omisso quanto a ratos, mas parece que, de acordo com a"Sharia", Mickey é um "soldado de Satã, guiado por ele" e, sendo "impuro", "deve ser morto em qualquer circunstância". Como disse recentemente o Papa em França, as religiões são a "garantia da liberdade" e "da autonomia das coisas terrenas". Além de que criam "consensos éticos". Crónica de Manuel António Pina - Por Outras Palavras - publicada no "JN"
A notícia veio em vários jornais de Los Angeles e foi reproduzida, com fotos, nos espanhóis "El país" e "El mundo" (não sei se terá saído em algum jornal português; pelo menos não a encontrei nas edições "online" que frequento): o Rato Mickey, o Pato Donald, a Branca de Neve, a Gata Borralheira, a Fada Sininho, Peter Pan e outros dos meus melancólicos heróis infantis foram detidos pela Polícia à porta da Disneylândia, em Anheim, e metidos na cadeia como se fossem (eles, os bons) irmãos Metralha.
Parece que se manifestavam exigindo melhores condições de trabalho e terão desobedecido às ordens do Coronel Cintra (ou, visto que a coisa se passou na Califórnia, do Chief O'Hara) para destroçarem. Pelos vistos, as coisas correm mal até no reino da fantasia. Os sindicatos acusam a Disneylândia de querer impor salários que impedirão a maior parte dos seus 21 mil trabalhadores de pagar os seguros de saúde. Procurei o Pateta entre os manifestantes e não dei com ele. Aposto que não está sindicalizado; ou então que foi na habitual conversa do Tio Patinhas de que "não pode pagar mais" e furou a greve.
Crónica de Manuel António Pina publicada no Jornal "JN"