Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
FERNANDO PESSOA, LISBOA ODER UMGEKEHRT
FERNANDO PESSOA, LISBOA, OU VICE-VERSA
Boa tarde, Álvaro de Campo.
A mim não me trocas as voltas, reconheço-te
no engraxador da Rua de Santa Marta.
Os teus jogos de mão são um soneto
perfeito e acabado, evocando brilhos
em que Lisboa se revê -
lusitana, lascivamente cortejada
com olhos de alçapão.
O Tejo a teus pés engole as lágrimas
negras aqui choradas
pelas vítimas de conquistadores armados de gravata.
Boa tarde, Alberto Caeiro.
A mim não me trocas as voltas, reconheço-te
no cauteleiro de camisa azul,
aquele com os discos de suor nos sovacos.
Como um profeta, prometes na Baixa a toda a gente
o céu na terra.
A tua voz ardente de fadista atravessa-se
entre as casas,
para nos fazer tropeçar nos sons guturais
e cair nos braços da tristeza ferida,
atordoados do bacalhau.
Boa tarde, Ricardo Reis.
A mim não me trocas as voltas, reconheço-te
no guarda-freio da linha 12.
Brilha em ti a criança através das lunetas
quando travas e aceleras o cometa de lata,
sedento de carris, e os passageiros pensam
que chegou o Juízo Final.
Arrastas-te por Alfama, vais-lhe deixando cair
no coração as tuas odes nocturnas,
ancorando os seus dias no devaneio,
apesar da miséria.
Agosto de 1997
Poema escrito por Martin Steiner e traduzido por João Barrento
TRÊS MADRIGAIS
Todas as searas ardem
e a breve cotovia
é um fragmento ascendente desse fogo.
Transpõe todos os patamares do ar
só porque o chão é demasiado quente.
Há uma belaza que os olhos e as mãos tocam
e que obriga o coração a um primeiro grau no canto,
Mas uma outra foge-lhes e é preciso ir mais alto
até não vermos mais nada,
o belo alvo e o caçador pertinaz
confundidos na jubilação da luz.
Considerarei o céu solar
na hora da incandescência extrema:
é onde temos de atravessar.
Cruzam-se barcas nesse lago de luz.
Agucem melhor o vosso olhar:
vê-las-eis transporem sem ruído essa bruma deslumbrada
e, para lá dela, ancorarem nas águas da noite
para aí deitarem eternamente as suas redes nas profundezas.
Abelhas, vinde bordar de brasas estes vestidos
ou estas pálpebras, ou estes lábios, ou este pescoço,
depois, menos incandescentes mas não menos douradas,
espalhai-vos por toda a sede da noite.
Um dia
igual ao outro
e outro igual,
um dia,
as casas
com a água pelo joelho,
e tu,
a norte de ti,
puseste palavras
nas cavernas glaciares
a rolar,
a rolar
Poema de Jurg Beeler traduzido por João Barrento