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Se depois de morrer nos levantamos,
se depois de morrer
venho para ti como dantes vinha
e algo há em mim que desconheces
porque não sou o mesmo,
que dor o morrer, saber que nunca
alcançarei as margens
do ser que foste para mim tão dentro
de mim mesmo,
se tu eras eu e inteiro me invadias
porque é tão cega agora esta fronteira,
tão aziago este muro de palavras
subitamente geladas
quando mais te requeiro,
te digo vem e às vezes
ainda me olhas com ternura
apenas nascida da lembrança.
Que dor é morrer, chegar a ti, beijar-te
desesperadamente
e sentir que o espelho
não reflecte o meu rosto
nem tu sentes,
tu que tanto amei,
a minha ansiosa impresença.
Poema de José Ángel Valente, traduzido por Pedro Tamen.
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José Ángel Valente nasceu em Orense em 1929.
Estudou nas Universidades de Santiago de Compostela e de Madrid, onde se licenciou em Filologia Românica.
Estudou em Oxford, onde obteve o Master of Arts.
De1958 a 1980 viveu em Genebra, onde foi tradutor em organizações internacionais, e posteriormente em Paris, onde dirige um serviço da Unesco.
Poeta conceituado, obteve em 1955 o Prémio Adonais da Poesia, em 1960 e 1980 o Prémio da Crítica, e em 1988 o Prémio Príncipe das Astúrias.
TABACARIA - N.º UM | VERÃO - 1996
ÀNGEL CRESPO
Francisco Brines
Misericordia extraña
ésta de recordar cuanto he perdido,
y amar aún su inexistencia.
Poema de Francisco Brines (1932), poeta espanhol
Joan Margarit, uma das grandes figuras da poesia catalã contemporânea, lança o seu primeiro livro em Portugal a 14 de Dezembro, pelas 18.30h, na Casa Fernando Pessoa. Na sessão participará também o escritor Fernando Pinto do Amaral. Casa da Misericórdia tem chancela da editora OVNI e tradução de Rita Custódio e Àlex Tarradellas, e recebeu, entre outros, o Prémio Nacional de Poesia em 2008, galardão conferido anualmente pelo Ministério de Cultura de Espanha à obra de poesia que mais se destaca em qualquer uma das línguas oficiais do país.
MAS QUE SUCEDE COM O PRAZER
Nunca imaginei ficar tão sem nada
e a ter de pensar em começar de novo.
Resta-me apenas o teu rosto nas crianças
e um ou outro episódio antes de te conhecer:
Não tenho nenhum porto de saída nem de chegada,
queimei todas as minhas naus para largar contigo
e tudo o que fomos comigo terá morrido;
mas entretanto
que sucede com o prazer,
com a ternura que sem ti é puro regatear
e é sentir-se livre para a mudança
e a procura é luta no meio dos saldos?
TAL A SALIVA DE TER SIDO
Faltam-nos braços e palavras,
noites horizontais de que ainda sabemos pouco,
e saber que entre a morte
e a pressa da névoa ao desvanecer-se
há-de ficar alguma lembrança consistente de ter sido.
Escrevo-te agora porque sei que amanhã
nunca acabaria tudo isto
que se estende sobre ti porque é saliva.
Observa a luz, da varanda,
e vê a névoa caída nesta casa
onde entre lençóis prolongo a última palavra sábia:
eco inútil deste ponto onde mora
uma fugaz febril memória de amor e de cinza.