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EVA CHRISTINA ZELLER
NO PALÁCIO DO MARQUÊS DE FRONTEIRA EM LISBOA
Um gato preto guia-nos:
queiram ter a bondade os aposentos particulares do Marquês
aqui tomam-se as refeições
aqui acende-se a lareira à noite
atrás destas portas vivem os gatos
não, crianças não
azulejos centenários
batalhas caçadas um pastor pintado
voilá e aqui fora queiram ter a bondade sob o azul
o azul cacos mosaicos azulejos reunidos e desbotados
Poesia Diana Neptuno
a Justiça é cega minhas senhoras
mas ali estão so cisnes pretos devido ao ruído da cidade passam pelas grutas
e os seus pescoços
não, vejam com os vossos próprios olhos
e no parque cuidado por favor
em restauro as fachadas
já muitos caíram estenderam-se
como a deusa da Vitória dentro da hera
compreendem, todo esse tempo e o ruído
o betão nos ossos corrói
um pequeno rosto olha-me, vindo do arbusto de buxo
como se fosse o meu
POEMA DE EVA CHRISTINA ZELLER
UWE KOLB (17 DE OUTUBRO DE 1957)
POEMA EM QUE DOS MEUS CUIDADOS SE TRATA
I
O papel do vento no fim do mundo
ainda é desconhecido, mas qundo o crânio descoberto
se ergue nesta atmosfera e o herói abandonado avança
por ruas mais quentes
dominado pelo desejo de chegada,
o caminho torna-se corrida, espera
a alma (qual relógio de quartzo ou de pedra milenária
à discrição e poupado desde aquele primeiro
som próprio),
chamada, exigida e inabalável
afastando o casaco, o cachecol, os sapatos húmidos, palavra
a palavra, tabu a tabu,
descansando, descodificando de onde, de dentro de onde,
para poder inventar -
... as matérias da infância. De facto não se assemelham.
Adulto, ousa aqui, sendo o mesmo,
descoberta e ermitério.
2
No meio da corja de eunucos modestos
de desistentes no meio deste povo azul,
pregar a pátria: a consciência
com o nome de dúvida fraterna,
a folha negra, brilhante, que se levanta
como olhar, fala, riso dos
sempre e ainda obrigados a encher frigoríficos.
3
Tão minúsculo começa o poema, enfaticamente
asfixia, nada explica além de si próprio,
remetido, como sempre, à sua resistência
às duas supralínguas alemãs,
continua agora arritmicamente (infelizmente, amor)
aterra por fim despedaçado e desviado:
tempo e lugar já não se podem escolher,
são ilha como balão preso
e tudo o que se experimentou em Patmos.
Poema de Uwe Kolbe, poeta alemão
AOS QUE VIRÃO A NASCER
I
É verdade, vivo em tempo de trevas!
É insensata toda a palavra ingénua. Uma testa lisa
Revela insensibilidade. Os que riem
Riem porque ainda não receberam
A terrível notícia.
Que tempos são estes, em que
Uma conversa sobre árvores é quase um crime
Porque traz em si um silêncio sobre tanta monstruosidade?
Aquele ali, tranquilo a atravessar a rua,
Não estará já disponível para os amigos
Em apuros?
É verdade ainda ganho o meu sustento.
Mas acreditem: é puro acaso. Nada
Do que eu faço me dá o direito de comer bem.
Por acaso fui poupado (Quando a sorte me faltar, estou perdido.)
Dizem-me: Come e bebe! Agradece por teres o que tens!
Mas como posso eu comer e beber quando
Roubo ao faminto o que como e
O meu copo de água falta a quem morre de sede?
E apesar disso eu como e bebo.
Também eu gostava de ter sabedoria.
Nos velhos livros está escrito o que é ser sábio:
Retirar-se das querelas do mundo e passar
Este breve tempo sem medo.
E também viver sem violência
Pagar o mal com o bem
Não realizar os desejos, mas esquecê-los.
Ser sábio é isto.
E eu nada disso sei fazer!
É verdade, vivo em tempo de trevas!
II
Cheguei às cidades nos tempos da desordem
Quando aí grassava a fome
Vim viver com os homens nos tempos da revolta
E com eles me revoltei.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.
Comi o meu pão entre as batalhas
Deitei-me a dormir entre os assassinos
Dei-me ao amor sem cuidados
E olhei a natureza sem paciência.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.
No meu tempo as ruas iam dar ao pântano.
A língua traiu-me ao carniceiro.
Pouco podia fazer. Mas os senhores do mundo
Sem mim estavam mais seguros, esperava eu.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.
As forças eram poucas. A meta
Estava muito longe
Claramente visível, mas nem por isso
Ao meu alcance.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.
III
Vós, que surgireis do dilúvio
Em que nós nos afundámos
Quando falardes das nossas fraquezas
Lembrai-vos
Também do tempo de trevas
A que escapastes.
Pois nós, mudando mais vezes de país que de sapatos, atravessámos
As guerras de classes, desesperados
Ao ver só injustiça e não revolta.
E afinal sabemos:
Também o ódio contra a baixeza
Desfigura as feições.
Também a cólera contra a injustiça
Torna a voz rouca. Ah, nós
Que queríamos desbravar o terreno para a amabilidade
Não soubemos afinal ser amáveis.
Mas vós, quando chegar a hora
De o homem ajudar o homem
Lembrai-vos de nós
Com indulgência.
Poema de Bertolt Brecht
Filosofia, Leis e Medicina,
Teologia até, com pena o digo,
Tudo, tudo estudei com vivo empenho!
E eis-me aqui agora, pobre tolo,
Tão sábio como dantes! É verdade
Que sou mestre, doutor, e há já dez anos
Que discípulos levo, a meu talante,
À esquerda, à direita, a sul ou norte, -
Mas conheço que nada nós sabemos!
Rói-me isto o coração! Sinto-me acima
De mestres e de padres e de escribas;
Não me perseguem dúvidas nem 'scrúpulos,
Nem do demónio ou do inferno hei medo -
Mas também nunca tenho um'hora alegre!
Nem chego a imaginar que haja ciência
Cousa alguma ensinar que aos homens sirva,
E convertê-los possa ou melhorá-los.
Um excerto de "Fausto" de J.W. Goethe, traduzido por Agostinho d'Ornellas, numa edição de Paulo Quintela e apresentação de Ludwig Scheidl - Asa Editores, Abril de 2006
POEMA
Paisagem destruída,com
latas de conserva, as entradas das casas
vazias, o que há lá dentro? Aqui cheguei
à tarde, de comboio,
duas panelas atadas
ao saco de viagem. Agora deixei
para trás os sonhos que sopram
numa encruzilhada. E pó,
pavana fragmentada, néon
morto, jornais e carris,
este dia, que me resta agora,
um dia mais velho, mais afundado e morto?
Quem é que disse que a isto
se chama vida? Eu retiro-me
para outros tons de azul.