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CARLOS NEJAR
A GENEALOGIA DA PALAVRA
Minha morte começa a amadurecer e depois
vou comê-la como uma pera, largando o caroço
fora e depois vai vir uma semente com o mesmo
nome que vai crescer e amadurecer. Mas já não
é minha morte - é surpresa da terra apenas -
descendência de uma morte futura. Depois as
gerações perdem de vista a própria morte que
aparece como fio de água no meio das pedras,
visível a um e outro profeta. Mas nada abalará a
espécie: a vida também foi vista como um fio de
água no meio das pedras. Só que não se podia
distinguir os fios e as águas que conversavam
entre si, sem preconceito. E até moravam juntos,
vez e outra. Depois minha morte vai amadurecer
de novo, mas não será da mesma natureza. E
aprenderei a falar com o mundo. E o mundo vai
amadurecer como uma pera e depois vai vir uma
semente com o mesmo nome. Porém, já serei
eterno.
POEMA DO POETA BRASILEIRO CARLOS NEJAR, RETIRADO DO LIVRO «OS VIVENTES» - EDIÇAO DA TEXTO EDITORES LTDA - BRASIL PARA A LEYA BRASIL, 2011
Carlos Nejar
Não quero que me encontrem
ou molestem. Isolo-me no quarto
de um país, onde posso
entretecer o génio.
Não usei como tantos,
bota rude na perna
cortando o lodaçal,
nem apanhei batatas
no dorso do quintal.
Não quero que me encontrem.
Talvez por desperdício
no sonho, ou por vício
de esquecer-me nos livros.
E a filosofia me convence
de exatidão. Com a erva
úmida a física fermenta
e incha a metafísica
aos ombros, nos torrões.
Não quero que me encontrem.
Evito o endereço nos postais.
E por pensar com o vento,
vou conciso. E um método
é preciso dos objetos
simples aos complexos.
E com a mecânica converso,
e da mente e a celeste.
Se a fantasia engana,
o mundo é a mesma corda
segurada no balde,
ou a gota pelo escuro
da paineira ou das moitas.
Renovar é volver
ao ponto de partida.
Olhar por dentro quando
é num relance a vista.
E o que aprendi a nada
me serviu. E quanto
me custou para adiante
servir-me. As novas ciências
eram noivas que possuí
sem casar com nenhuma.
Matemática, ordem
do universo, espuma
com voo em remos certos.
Mas uma filha tive.
Não, não era a ciência,
se aplaquei o desejo.
E de pensá-la ou percebê-la
existo. Quando nascer
é ato de vertigem.
Pulsando o coração,
como se um grito.
Ou barulho de riacho.
E eu, René Descartes, nada faço
sem antes refutar o preconceito,
a partir dos outros e de mim,
quando a razão que esposo
não demarca seu fim.
Nas coisas: beatitude
sem vestes, canavial
das horas. Nada se urde
no terror. Tais os anais
que longas ondas seguem
e um batel singra. Normas,
regras, tatos na constelar
matéria. E a verdade, martelo
na tensa natureza. Com a água,
movimento do impossível.
E os sentidos sem reparo
nos traem e há que abstrair
até a infância. Como este véu
que a vasta noite arranca.
Não quero que me encontrem,
mais que civilizado, francês,
viajor inveterado, por mim
avança a ideia infinita. Deus.
E a ciência que não
me deixou viver.
Poema de Carlos Nejar in "Os Viventes", edição Texto Editores, Ltda,2010, Brasil
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