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O MEU IRMÃO ABEL, O FERIDO
Ele desenhou o nosso futuro na poeira
com uma faca partida que guardava
escondida numa garrafa verde de vinho
sob o sicômoro. Um círculo significava
um ano absolutamente perfeito.
Uma linha recta significava, o quê?
- ele não dizia, rindo quando
eu perguntava e repetindo: «É melhor não
saber mais do que o necessário.»
Em breve eu teria dezasseis anos,
pequeno para a idade, mas sem medo,
talvez por ele desenhar um grande
X e que chamava a nossa virilidade.
«A partir de agora» disse ele «eu e tu
não daremos quartel e não o pediremos.»
Foi no Março em que plantei rosas
junto à cerca das traseiras, e nevou
quase até ao verão, o ano
em que encontrei margaridas africanas
e as roubei do quintal do vizinho
para plantar no meu. Mais tarde quando a guerra
escureceu os cabeçalhos, e eu
recolhi garrafas de cerveja no beco
para trocar por sementes de nabo e plantar
ruibarbo e rezei para que o frio
não viesse, acordava no escuro
e via-o debruçado no relógio
a qualquer hora. De manhã
encontrava bandeiras negras pintadas
pela costa norte de África,
negro para eles, negro para nós,
até um dia o mapa desaparecer
e ele se dedicar a passeios noite fora,
mesmo durante as grandes chuvadas de outono,
enquanto nas janelas a minha cara
se esfumava, enquanto o telhado ressoava
no ritmo persistente do nosso sangue
até que eu cai num sono de inverno
sem sonhos de que ele nunca acordou.
POEMA DE PHILIP LEVINE