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MANUEL ANTÓNIO PINA (1943-2012)
Para celebrar o 75º aniversário do nascimento de Manuel António Pina, tem início, este sábado, na cidade do Porto, as Jornadas Internacionais "Desimaginar o Mundo-Manuel António Pina 2018", com a reposição da peça «O Beco dos Gambozinos".
A peça é um musical para crianças concebido há cerca de 30 anos por Manuel António Pina e a música desta peça é de Susana Ralha.
Este musical regressará ao palco do teatro Helena Sá e Costa, na cidade do Porto, dia 3, pelas 17 horas.
Estas jornadas acontecerão, também, em São Paulo, Brasil, para prosseguirem, depois, no Porto, a partir do dia 16.
A vida exige de ti ainda mais escuro
A poesia vai acbar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? -
Do livro "Ainda Não É o Fim nem o Princípio do Mundo Calma É apenas Um Pouco Tarde" (1974)
O livro “Como se desenha uma casa”, do escritor Manuel António Pina, recentemente falecido, é o vencedor da 8ª edição do Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes, organizado pelo Município de Amarante.
A obra, editada pela Assírio & Alvim, foi escolhida de entre os 166 livros, de cento e cinquenta e nove autores, apresentados a concurso, tendo o júri sido constituído pelos escritores Abel Barros Batista, António José Queiroz, João Paulo Sousa, Joana Matos Frias e Luís Adriano Carlos.
Com entrega marcada para 15 de dezembro, no auditório da Biblioteca Municipal Albano Sardoeira, o Prémio Teixeira de Pascoaes, de periodicidade bienal, foi instituído em 1997, aquando do 120º aniversário do nascimento do poeta.
I
Entre a minha vida e a minha morte mete-se subitamente
A Atlética Funerária, Armadores, Casa Fundada em 1888.
A esse sítio acorrem então, aflitissimos, o teu vago sorriso
e a vaga maneira como dizes os esses;
vêm de muito longe e chegam incompletamente
ao pequeno vulnerável sítio entre
toda a minha vida e toda a minha morte,
quando a minha última recordação atirou já com a porta
e tudo está acabado até a tua respiração
na cama ao meu lado,
e também tu estás morta,
duma forma que já não me importa.
Vamos então os dois outra vez
ao longo de certas ruas sombrias e de certos dias
e sorris e falas alto; está calor mas tens as mãos frias,
compramos coisas, visitamos
talvez algum último amigo
sem sabermos que eu já não estou vivo.
Poderia ter sido de outro modo?
Poderiam ter sido outras duas pessoas
vivendo a minha e a tua vida, morrendo a minha e a tua morte?
(Mesmo o armador, poderia ter sido outro?)
Aparentemente foi por pouco;
se fosse um pouco mais tarde ou um pouco mais cedo,
se eu não tivesse chegado a casa cansado,
se a louça não estivesse por lavar
e a janela da sala de jantar
não estivesse fechada, se o mundo não tivesse acabado,
nem tu tivesses ido ao supermercado,
e se eu não estivesse cheio de medo.
Agora estou voltado para cima,
para onde canras ainda há muito tempo.
Se calhar isto (alguma coisa) vai demorar mas já não me impaciento.
Voltamos, tu e eu, ao mesmo jardim desflorido
onde eu morro sozinho
e conversamos comigo
como com um desconhecido.
Que diremos agora um ao outro?
É tarde. Ainda há um momento
me apetecia conversar, agora estou outra vez tão cansado!
Reparaste como o Outono este ano veio por outro lado,
como se fosse pelo lado de dentro?
II
Estou morto, deitado de lado.
Morte, Vida, Medo, Esperança:
já não estou para aí virado.
Onde vos guardarei agora, lembranças?
Talvez também eu seja uma lembrança diante
da lembrança de uma casa também morta,
e talvez ela me abra finalmente a porta
e as escadas brilhem e o corredor cante.
Dos meus olhos vê-se um jardim
ardendo em rosas espetado
(os teus olhos ardiam assim em mim:
como um palácio iluminado),
um jardim lento (tem muito temoi)
onde eu outra vez entro.
Se me voltasse para trás o que veria?
Ainda os teus olhos, ainda a alegria?
Agora que partiste para sempre
segurando-me inultimente a cabeça
talvez tudo te pareça
excessivamente evidente
e excessivamente irrisório:
a morte, a vida, os dias sem lugar,
a louça do almoço por lavar,
as meias a escorrer no lavatório.
Mas não nos julgues com severidade,
estava a fazer-se tarde
e já ninguém vinha, o melhor
era irmo-nos deitar.
Agora, se o telefone tocar,
diz que não estou.
(Sem ironia, o meu coração teme a ironia
quase tanto quanto a perfeição;
e sem melancolia:
estávamos a precisar de solidão,
de silêncio, de geometria,
e as nossas lágrimas de uma grande razão).
Agora que não estou
(nem tu sabes quanto)
tudo o que passou
sou eu regressando.
Os meus passos, não
os ouves nas escadas,
subindo as escadas
como os de um ladrão?
IV
Farewell happy fields
where joy for ever dwells hail horrors
Milton, Paradise Lost
(Adeus campos felizes; remorsos: adeus.)
Vamos os dois ao longo dos dias felizes
conversando e ouço o que dizes
como se quemfalasse fosse eu;
(adeus palavras, sonhos de beleza,
montanhas desoladas da infância
donde tudo se via: a alegria
e a cegueira do que não se via;)
vês agora o que eu vejo, a minha sombra
caminhando a teu lado num tempo sem sentido,
quando eu ainda não tinha morrido?
(Adeus perfeição, adeus imperfeição.)
Às vezes pergunto-me se valeu a pena,
se não haveria outra solução,
se não poderia, por exemplo, ter embarcado
num desses barcos que aparecem sempre
milagrosamente na última estrofe,
e se tu não poderias ter ficado
no cais, ou em alguma metáfora mais
imperiosa, partindo também donde te via,
e se assim não teria tudo sido
menos improvável e menos cansativo.
Infelizmente não havia barco onde
coubéssemos eu e as minhas lembranças;
tudo o que havia, tudo o que realmente havia,
a ti o tinha dado
e, dando-to, tinha-to roubado,
e a minha própria morte pairava
entre ti e mim indecisamente,
como uma ideia, não como algo presente.
Agora volto a sítios vastos
uma última vez. Com hesitantes passos
subo as escadas e bato à porta
e tu abres-me a porta mesmo estando morta
e mesmo eu estando morto, como se fôssemos
visitados pelo mesmo sonho.
(FAREWELL HAPPY FIELDS, 1992)
JUNTO À ÁGUA
Os homens temem as longas viagens,
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.
Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às veredas da infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas.
Quantas vezes em
desolados quartos de hotel
esperei em vão que me batesses à porta,
voz da infância, que o teu silêncio me chamasse!
E perdi-vos para sempre entre prédios altos,
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis,
e no meio das multidões dos aeroportos.
Agora só quero dormir um sono sem olhos
e sem escuridão, sob um telhado por fim.
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.
Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
ond o meu coração, falando, vagueia.
Poema de Manuel António Pina (UM SÍTIO ONDE POUSAR A CABEÇA, 1991)
O presidente do BPI, Fernando Ulrich, já classificara a decisão do TC que confirmou a inconstitucionalidade dos confiscos dos subsídios de férias e Natal a funcionários públicos e pensionistas de "negativa", "perigosa" e "inaceitável". Agora é o presidente do BCP, Nuno Amado, a clamar que foi "uma decisão muitíssimo infeliz".
A banca (falta conhecer a opinião de Ricardo Salgado, do omnipresente BES, para o ramalhete ficar completo) não só tem enormes responsabilidades na crise como tem sido beneficiária da maior parte dos sacrifícios que, a pretexto dela, vêm sendo impostos aos portugueses. Mas a banca quer mais do que o seu financiamento com a "ajuda" que a 'troika' cobra ao país em desemprego, fome e miséria ou do que a destruição do SNS que alimenta os seus negócios na Saúde, a banca quer também uma Constituição "sua", já que a Constituição da República se revela, pelos vistos, "negativa", "perigosa", "inaceitável" e "muitíssimo infeliz" para os seus interesses.
Nem Ulrich nem Amado o escondem: "É premente alguma revisão da Constituição" (Amado), e a decisão do TC pode "justificar a discussão de uma revisão constitucional, o que até seria positivo" (Ulrich).
Numa democracia que cumprisse os serviços mínimos, os desejos de dois banqueiros valeriam apenas dois votos. Não tardará que vejamos quanto valem num regime do género "que se lixem as eleições".
A notícia ontem conhecida segundo a qual as remunerações dos gestores das principais empresas cotadas subiram 5,3% em 2011 enquanto o salário médio dos trabalhadores (dos privilegiados que ainda têm trabalho e salário) baixou quase 11%, apenas confirma - se isso precisasse de confirmação - a quem está o Governo a cobrar os custos da "crise" e contra quem é dirigida a política de "empobrecimento" de que fala o primeiro-ministro.
Cresceu igualmente o fosso da desigualdade entre salários de topo e de base: em 2010, os executivos recebiam 37 vezes mais do que os trabalhadores; em 2011, com a propalada "austeridade para todos", essa diferença aumentou... para 44 vezes.
Tudo isto nos deveria levar a cotejar "as propostas (...) para levar a cabo e as medidas que (...) são para cumprir", do programa eleitoral do PSD com o que o PSD fez mal chegou ao poder.
Se tudo o que o PSD prometeu sob "compromisso de honra" a que "não faltaremos em circunstância alguma", foi, como assegura o programa, "estudado, testado e ponderado", é de temer que notícias como a referida (ou como os catastróficos números do desemprego e da pobreza) sejam resultado, não apenas de incompetência e pusilânime servilismo ante as forças financeiras de (não tenhamos medo da palava) ocupação, mas de fraude premeditada.
A fé cega de Vítor Gaspar em que a receita neoliberal que aprendeu nos livros (mais empobrecimento dos pobres e mais enriquecimento dos ricos) resolverá, se o Deus Mercado quiser, todos os problemas do país é de tipo mágico e não de tipo racional, a versão em economista do mito infantil segundo o qual, se acreditarmos muito numa coisa, ela acabará por realizar-se.
Da História, tal tipo de fé aproveita apenas aquilo que a reforça, ignorando tudo o que a contraria: se funcionou no Chile de Pinochet, porque não há-de funcionar em Portugal?; ou: "Portugal não é a Grécia". E o mesmo da realidade: ainda há dias, uma descida episódica dos juros da dívida pública era um "sinal" de que vamos no bom caminho, agora que os juros voltaram a subir, isso já não é sinal de coisa nenhuma.
O método até pode, sabe-se lá, vir a dar certo. Pelo menos deu certo com aquele personagem de Carl Sandburg que comprou o 42 na Lotaria, anunciando que era nesse número que iria sair a "taluda" e que, quando o 42 de facto saiu, perguntado se acertara por palpite ou se usara um método, respondeu algo do género: "Usei um método científico: atirei ao ar o álbum de família e ele caiu aberto na página 7, onde estavam as fotos do meu avô e da minha avó. O meu avô e a minha avó ambos na página 7, estão a ver? Ora 7 vezes 7 são 42..."
É conhecida a anedota da singular noção de causalidade daquele investigador que cortou as patas a uma rã e lhe disse: "Salta!"; e que, como a rã não saltasse, concluiu que, quando se cortam as patas às rãs, elas deixam de ouvir.
Ocorreu-me essa história ao saber do estudo que sustenta mais uma nova redução das indemnizações por despedimento que o ministro Álvaro (quem haveria de ser?) anunciou que levará à Concertação Social, estudo que conclui que... nos países desenvolvidos indemnizar trabalhadores despedidos não é obrigatório. Assim, acabam-se com as indemnizações por despedimento e, zás!, passamos a "país desenvolvido". E poder-se-ia ainda aumentar também os salários para os níveis praticados nos países desenvolvidos e então é que ficaríamos tão desenvolvidos, ou mais, que os países desenvolvidos. A ideia, no entanto, não ocorreu ao ministro Álvaro, como não lhe ocorreu a ideia de se demitir, pois nos países desenvolvidos ninguém salta da blogosfera para ministro...
A mesma provinciana lógica causal foi recentemente invocada pelo secretário de Estado da Saúde para justificar uma nova cruzada antitabagista: nos países desenvolvidos - mais um esforço, portugueses, se quereis ser nova-iorquinos! - é proibido fumar na rua, no automóvel, na própria casa de cada um.
E, já agora, por que não restaurar também a pena de morte, seguindo esse exemplo extremo de país desenvolvido que são os Estados Unidos?
quadro de joana rego
É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando coma nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo 'eu' entre nós e nós?
Poema de Manuel António Pina, "como se desenha uma casa", edição Assírio & Alvim, 2011
O QUARTO
Quem te pôs a mão no ombro,
a faca que te atravessou o coração,
são feridas alheias, talvez algo que leste;
entretanto partiste
para lugares menos iluminados
e corações menos vulneráveis,
pode perguntar-se é o que fazes ainda aqui
se já cá não estás.
A hora havia de chegar em que
nos perderíamos um do outro.
E acabaríamos necessariamente assim,
mortos inventariando mortos.
Morrer, porém, não é fácil,
ficam sombras nem sequer as nossas,
e a nossa voz fala-nos
numa língua estrangeira.
Apaga a luz e vira-te para o outro lado
e acorda amanhã como novo,
barba impecavelmente feita,
o dia um sonho sólido onde a noite se limpa e se deita.
Poema de Manuel António Pina in «Como se desenha uma casa»
Como quem, vindo de países distantes fora de
si, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se con fundem ele e o caminho.
Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E come agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.
poema de Manuel António Pina retirado do livro "Como se desenha uma casa", edição Assírio & Alvim
Como se desenha uma casa
Primeiro abre-se a porta
por dentro sobre a tela imatura onde previamente
se escreveram palavras antigas: o cão, o jardim impresente,
a mãe para sempre morta.
Anoiteceu, apagamos a luz e, depois,
como uma foto que se guarda na carteira,
iluminam-se no quintal as flores da macieira
e, no papel de parede, agitam-se as recordações.
Protege-te delas, das recordações,
dos seus ócios, das suas conspirações;
usa cores morosas, tons mais-que-perfeitos;
o rosa para as lágrimas, o azul para os sonhos desfeitos.
Uma casa é as ruínas de uma casa,
uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra;
desenha-a como quem embala um remorso,
com algum grau de abstracção e sem um plano rigoroso.
Poema de Manuel António Pina in "Como se desenha uma casa"
Se "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" e "muda-se o ser, muda-se a confiança", porque não haveria de mudar a opinião do presidente da República sobre as agências de "rating"? E se "todo o Mundo é composto de mudança", porque não haveria de mudar a pequeníssima, embora irritante, parte do Mundo que é Macário Correia?
Dir-se-á que, se as agências de "rating" eram para Cavaco Silva, ainda há meses, uma espécie de anjo vingador das más políticas do Governo e se tornaram entretanto diabos, não foi Cavaco quem mudou mas a realidade (e o Governo).
O mesmo se diga de Macário Correia. Se, há um ano, portagens na Via do Infante eram uma "perfeita idiotice" e "uma medida tonta, esquisita, anárquica, de quem não tem noção da realidade" e, antes das eleições, uma "imposição pouco democrática" (pois "temos de ser sérios, coerentes, honestos e ter princípios"), e agora são "inevitáveis", não foi porque Macário Correia deixasse de ser "sério, coerente, honesto e ter princípios", mas porque a realidade é que deixou de ser honesta e ter princípios no dia 5 de Junho.
"Continuamente vemos novidades" e quem sabe?, um dia destes veremos Macário Correia convertido ao tabaco (os prejuízos da Tabaqueira pode bem ser uma pedra no sapato do desenvolvimento e, afinal de contas, os pulmões dos fumadores também têm que sacrificar-se pelo défice) proclamando que "beijar um cinzeiro é como lamber uma fumadora".
In "
Em notícias como a de que o Exército pagou ilegalmente (aplicando, segundo a IGF, uma regra que "carece de suporte legal") 8,4 milhões de euros em remunerações, o que implicou ainda uma "revalorização" de outros salários que custou aos contribuintes 2,6 milhões por mês; ou a de que o Ministério da Justiça pagou centenas de milhares de euros em "subsídios de compensação" a magistrados que a ele não tinham direito, incluindo mortos; o que mais surpreende é que vêm a público e não se volta a ouvir falar no assunto.
Bem podem os portugueses interrogar-se sobre se os milhões pagos ilegalmente terão sido restituídos e se terá sido responsabilizado quem ordenou ou permitiu os pagamentos. Nunca terão resposta. Um denso pano cai sistematicamente sobre casos destes e, depois, a generalizada falta de memória faz o resto.
Em plena crise económica, o Comando-Geral da PSP gasta dinheiro em festarolas de aniversário quando muitos milhares de portugueses não têm que comer e a própria PSP vive afogada em carências de toda a ordem?; o Estado paga 15,7 milhões de euros em "estudos" a certos escritórios de advogados?; há autarquias que gastam 587 503 euros em concertos de Tony Carreira e Quim Barreiros, 4 324 163,13 em "festas" e 700 000 em corridas de automóveis?
"No pasa nada"... Os contribuintes "pergunt[am] ao vento que passa/ notícias do [seu] país/ e o vento cala a desgraça,/o vento nada [lhes] diz".
Desta vez foi "engano", mas a coisa mostra como funcionam consultoras financeiras e agências de "rating" (até onde é possível distinguir umas e outras, pois as agências de "rating" aconselham e avaliam ao mesmo tempo).
A crer na consultora High Frequency Economics, Portugal entraria hoje em falência, não tendo com que pagar 6,4 mil milhões em Obrigações do Tesouro e cupões que hoje vencem.
Os "mercados" entraram logo "em pânico" o que, em economês, significa que abriram logo a imensa e voraz boca a exigir mais sangue, isto é, juros mais usurários ainda. Entretanto, a consultora, emendou a mão: havia um pequeno "engano" de 12 mil milhões de euros. Pelos vistos"esquecera-se" dos 6,1 mil milhões que Portugal recebera tanto do FMI como do FEEF. E, de um momento para o outro, por suave milagre, os "mercados" sossegaram.
Imagine-se agora porque é que os grandes fundos de investimento (BlackRock, Capital, Fidelity...) são simultaneamente accionistas de agências como a Moody's, a S&P ou a Fitch - as mesmas que, com os desmesurados "ratings" atribuídos ao lixo financeiro do Lehmans Brothers e outros bancos estiveram na origem da crise financeira internacional - e quanto metem esses fundos ao bolso sempre que as "suas" agências baixam o "rating" das dívidas públicas ou empresas em que pretendem investir. Para quando leis contra o terrorismo financeiro, que mata e desemprega muito mais que o islâmico?
In ""
Com 689 000 desempregados e 204 000 "inactivos" (pessoas que desistiram já de procurar emprego), isto é, 15,5% de gente sem trabalho que os critérios estatísticos transformaram em 12,4%, o país já há muito teria soçobrado não fosse o patriótico esforço daqueles que, para compensar a calaceirice nacional, se desdobram por sucessivos postos de trabalho, correndo incansavelmente de um para outro, indiferentes à tensão arterial, ao colesterol, aos triglicerídeos e à harmonia familiar.
O Relatório Anual sobre o Governo das Sociedades Cotadas em Portugal - 2009, da CMVM, agora tornado público, refere "cerca de 20" desses magníficos, todos membros de conselhos de administração de empresas cotadas, muitas delas públicas, que "acumulavam funções em 30 ou mais empresas distintas, ocupando, em conjunto, mais de 1000 lugares de administração".
Revela a CMVM que, por cada um destes lugares, os laboriosos turbo-administradores recebem, em média, 297 mil euros/ ano, ou, no caso dos administradores-executivos, 513 mil, havendo um recordista que, em 2009, meteu ao bolso 2,5 milhões de euros.
Surpreendente é que, no meio de tanta entrega ao interesse nacional, estes heróis do trabalho ainda encontrem nas prolixas agendas tempo para ir às TV exigir salários mais baixos e acusar desempregados, pensionistas e beneficiários dos "até" (como nos saldos) 189,52 euros de RSI de viverem "acima das suas possibilidades"
In ""
Fala-se muito, nem sempre com honestidade, do chumbo do PEC 4 e da "crise internacional", atirando para as suas costas a responsabilidade da intervenção financeira externa e de todo o cortejo recessivo de consequências desastrosas que irá acarretar para a economia e para o país.
No entanto, raramente (para não dizer nunca) se ouve falar, no discurso político da "troika" partidária que se voluntariou para a capatazia das medidas "austeritárias", do papel da agiotagem financeira nacional e internacional seja na "crise" - que provocou e de que é a principal beneficiária - seja no processo que conduziu ao "resgate" (ah, as palavras!) do país.
Ora, se a nacionalização das fraudes financeiras do BPN e BPP já constituía um escândalo dificilmente explicável, fica agora a saber-se pelo DE que, desde o início da "crise", em 2008, o Estado, ao mesmo tempo que cortava impiedosamente nos recursos das classes médias e mais desfavorecidas, deu 6 mil milhões de euros de apoios à banca, ascendendo actualmente as garantias públicas ao sistema financeiro a 35 mil milhões. Além disso, como se sabe, ainda irá parar aos bolsos da banca uma fatia de 12 mil milhões dos 78 mil milhões do empréstimo de FMI, BCE e UE.
Não, não são os portugueses quem "vive acima das suas possibilidades", como constantemente bradam os banqueiros e seus factótuns nos media. Os bancos é que vivem acima das possibilidades dos portugueses.
In
"É uma selecção que ele fez sobre os poemas de sua autoria que considera mais marcantes. São apenas 80 páginas mas permitem um olhar bastante profundo sobre o seu universo poético", revelou ao JN Manuel Rosa, editor da Assírio & Alvim
Intitulado "Poesia, saudade da prosa", o título vai ser apresentado durante a Feira do Livro do Porto, em data ainda a anunciar.
A Assírio & Alvim prevê publicar ainda nos próximos meses um novo livro de poesia de Manuel António Pina, o primeiro nos últimos oito anos. "Pelas indicações que tenho, encontra-se mesmo a ultimá-lo", adiantou o editor.
In "JN"
O escritor português Manuel António Pina ganhou o Prémio Camões, o maior prémio literário de língua portuguesa. A decisão foi consensual e unânime numa reunião que durou menos de meia hora, disseram os membros do júri no final da reunião na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Manuel António Pina (Sabugal, 18 de Novembro de 1943) é um jornalista e escritor português.
O autor licenciou-se em Direito em Coimbra e foi jornalista do Jornal de Notícias durante três décadas. É actualmente cronista do Jornal de Notícias e da revista Notícias Magazine.
A sua obra é principalmente constituída por poesia e literatura infanto-juvenil. É ainda autor de peças de teatro e de obras de ficção e crónica. Algumas dessas obras foram adaptadas ao cinema e TV e editadas em disco.
Está traduzido em França (francês e corso), EUA, Espanha (espanhol, galego e catalão); Dinamarca, Alemanha, Holanda, Rússia, Croácia e Bulgária.
Prémios
(1978)Prémio de Poesia da Casa da Imprensa (“Aquele que quer morrer”); (1987)Prémio Gulbenkian 1986/1987 (“O Inventão”); (1988)Menção do Júri do Prémio Europeu Pier Paolo Vergerio da Universidade de Pádua, Itália (“O Inventão); (1988)Prémio do Centro Português para o Teatro para a Infância e Juventude (CPTIJ) (conjunto da obra infanto-juvenil); (1993)Prémio Nacional de Crónica Press Club/ Clube de Jornalistas; (2002)Prémio da Crítica, da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários” ("Atropelamento e fuga"); (2004)Prémio de Crónica 2004 da Casa da Imprensa (crónicas publicadas na imprensa em 2004).
2004 - Prémio de Poesia Luís Miguel Nava 2003 (Os livros).
2005 - Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores/CTT (Os Livros)
2011 - Prémio Camões
Bibliografia
1973 - "O país das pessoas de pernas para o ar" (lit. infanto-juvenil)
1974 - "Ainda não é o fim nem o princípio do Mundo, calma é apenas um pouco tarde" (poesia)
1974 - "Gigões & anantes" (lit. infanto-juvenil)
1976 - "O têpluquê" (lit. infanto-juvenil)
1978 - Aquele que quer morrer (poesia)
1981 - "A lâmpada do quarto? A criança?" (poesia)
1983 - "O pássaro da cabeça" (poesia)
1983 - "Os dois ladrões" (teatro)
1984 - "Nenhum sítio" (poesia)
1984 - "História com reis, rainhas, bobos, bombeiros e galinhas" (lit. infanto-juvenil)
1985 - A guerra do tabuleiro de xadrez(lit. infanto-juvenil)
1986 - Os piratas(ficção)
1989 - "O caminho de casa" (poesia)
1987 - "O inventão" (teatro)
1991 - Um sítio onde pousar a cabeça (poesia)
1992 - "Algo parecido com isto, da mesma substância" (poesia)
1993 - "Farewell happy fields" (poesia)
1993 - "O tesouro" (lit. infanto-juvenil)
1994 - "Cuidados intensivos" (poesia)
1994 - "O anacronista" (crónica)
1995 - O meu rio é de ouro /Mi rio es de oro (lit. infanto-juvenil)
1998 - "Aquilo que os olhos vêem, ou O Adamastor" (teatro)
1999 - Nenhuma palavra, nenhuma lembrança (poesia)
1999 - "Histórias que me contaste tu" (lit. infanto-juvenil)
2001 - "Atropelamento e fuga" (poesia)
2001 - "A noite" (teatro)
2001 - "Pequeno livro de desmatemática" (lit. infanto juvenil)
2002 - "Poesia reunida" (poesia)
2002 - "Perguntem aos vossos gatos e aos vossos câes" (teatro)
2002 - "Porto, modo de dizer" (crónica)
2003 - Os livros (poesia)
2003 - "Os papéis de K." (ficção)
2004 - "O cavalinho de pau do Menino Jesus" (lit. infanto-juvenil)
2005 - "Queres Bordalo?" (ficção)
2005 - "História do Capuchinho Vermelho contada a crianças e nem por isso por Manuel António Pina segundo desenhos de Paula Rego" (lit. infanto-juvenil)
2007 - "Dito em voz alta" (entrevistas)
2008 - "Gatos" (poesia)
2009 - "História do sábio fechado na sua biblioteca" (teatro)
Não se entende o alarme suscitado pela proposta do ministro Luís Amado de estabelecer na Constituição um limite à dívida pública.
Contra a ideia insurgiu-se toda a gente, do PSD (pela voz do seu secretário-geral, aflito por a proposta ser "muito socialista"; Angela Merkel, que a impôs na Alemanha, há-de ter ficado com as orelhas a arder...) ao PCP, ao BE e ao próprio PS. Toda a gente?
Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor, o CDS/PP. A má sorte de soluções que, em Portugal, metam travão a fundo à dívida pública (que, em finais do ano passado já ia - incluindo os encargos das famosas "parcerias público-privadas" e a dívida das EP - em 120% do PIB) é que as gerações futuras, que terão de a pagar, ainda andam de cueiros e não votam.
De qualquer modo só haveria vantagens se a Constituição determinasse até onde podem os governos endividar-nos. De facto, a vingar a teoria do ministro Teixeira dos Santos de que os princípios constitucionais "não são absolutos" e podem mandar-se às urtigas, deixar-se-iam os "mercados" contentes e a coisa não teria efeito nenhum.
In
Nas crónicas como na poesia, abarca a desmesura do Mundo, como se procurasse "desimaginá-lo e descriá-lo". Manuel António Pina - cujas crónicas no JN, "Notícias Magazine" e "Visão" foram parcialmente reunidas no livro "Por outras palavras", que foi apresentado ontem, na Invicta - vai ser homenageado hoje, às 17.30 horas, na Feira do Livro do Porto, numa sessão em que intervêm Álvaro Magalhães, Sousa Dias e Luís Miguel Queirós. É alvo de mais uma homenagem. Ainda reage com desconforto a estas manifestações de apreço? Com desconforto e com gratidão. Também sou leitor, embora bissexto, da minha "obra" e, sem pretender representar a rábula da modéstia, sou lúcido q.b. em relação a ela para aceitar iniciativas do género sem cepticismo. Mesmo já tendo afirmado que não pertence a lugar nenhum mas a muitos, reconhece que o Porto e a Beira Alta são lugares especiais da sua geografia de afectos? É minha convicção de que somos sobretudo memória, memória de lugares, de gente e mais dispersas existências, de livros, filmes, sonhos, desejos, medos... O Porto e a Beira Alta são, na minha memória, um pouco de tudo isso. Não publica poesia desde 2003. O cronista tem silenciado o poeta? Não escrevo poesia como escrevo crónicas, profissionalmente. No caso da poesia, sou, antes, amador, isto é, aquele que ama. Só escrevo poesia quando não posso deixar de escrevê-la. Passar anos sem publicar poesia não significa que tenha deixado de escrever poesia. Tenho há muito um livro praticamente pronto, reunindo poemas dispersamente publicados aqui e ali, em jornais e revistas, e inéditos. Continua a escrever regularmente, apesar da publicação irregular? Escrevo como publico, irregularmente. Para regularidade, basto-me com as crónicas. O meu processo é esperar. Passo bem sem escrever poesia (sem ler poesia já é outro assunto). Quando começo a passar mal, o poema encarrega-se de se escrever a si mesmo em mim. O resto é trabalho, "transpiração", como António Ferreira dizia. Acaba de ser lançada a antologia "Por outras palavras". Como foi esse confronto com as crónicas? Na verdade, foi Sousa Dias quem as leu e escolheu umas 250. O autor dessas crónicas sou eu, mas o autor do livro é Sousa Dias. E também o editor José da Cruz Santos, que há anos insistia comigo. Foi a generosidade de ambos que venceu a minha inércia; e ambos sabem como a minha inércia é difícil de vencer. Sousa Dias diz-me constantemente que posso ter orgulho neste livro. Tenho orgulho é de o ter a ele e ao Cruz Santos como amigos. Afirma que "as crónicas do jornal duram um dia e morrem". Não concorda que há escritos que resistem ao tempo? Nada resiste ao tempo. Vista a coisa a suficiente distância, um dia depois, ou um século depois, tudo (crónicas, poemas, romances) acaba na mesma imensa campa rasa do esquecimento. Isto é, como diziam os velhos tipógrafos dos jornais, tudo serve, no dia seguinte, só para embrulhar peixe. Tenho consciência de que algumas crónicas (como alguns poemas) lutam desesperadamente, como nós próprios lutamos, contra o tempo. Sabendo que é uma luta perdida. Acho que há alguma grandeza nisso. Numa crónica recente, escrevia que o jornalismo continua subserviente. O "respeitinho" é atávico? Não é característica apenas lusitana, o "respeitinho". Há profissionais disso por todo o lado, no jornalismo como na vida. Também nisso não somos originais. A nossa única originalidade é apenas a convicção de que somos originais, que, como dizemos constantemente, "isto só em Portugal". Não, "isto", como o resto, não é só em Portugal, é em todo o lado. No prefácio, o director do JN conta que, "se a sua crónica falha, chovem telefonemas e cartas de leitores". A "violência" que significa escrever sempre sobre a actualidade é compensada pelas manifestações de afecto? Devo isso aos leitores do JN. E também esta antologia, que me foi sugerida por muitos deles. Sinto uma grande responsabilidade por isso, e faço todos os dias um esforço enorme para tentar não frustrar as expectativas desses leitores. Essa é também uma espécie de servidão, mas, às vezes, chego a achar que não há nada mais libertador do que uma boa servidão. Lendo as suas crónicas, não se pode dizer que esteja surpreendido com o estado a que Portugal chegou. Viver num país destes é o sonho de um cronista e o pesadelo dum cidadão? Diz-se que os povos felizes não têm história. Às vezes, a infelicidade de um povo é a felicidade dessa espécie de historiadores do presente que os cronistas (sobretudo aqueles que, como eu, praticam a crónica como género jornalístico e não literário) são. in
Duas notícias de ontem dão conta da revolução semântica sofrida pela palavra "todos" quando usada, como fazem PS e PSD, na expressão "sacrifícios para todos".
A primeira é da Lusa: o presidente da Antrop anunciou que está a negociar com o Governo aumentos de 3 a 4% nos transportes já a partir de 1 de Julho. Com mais 1% do IVA isso significará, para "todos" os portugueses, mais de 4 ou 5% no preço dos bens essenciais.
Entretanto, os portugueses com emprego verão, com as subidas do IRS, diminuir os salários e os 730 mil desempregados e beneficiários do RSI ficarão, com a razia nos subsídios, ainda mais pobres.
A segunda é do "Correio da Manhã": os deputados, a quem, pois os "sacrifícios são para todos", haviam saído pela porta 5% dos vencimentos, verão agora entrar pela janela da AR aumentos de 25% para viagens, transportes e despesas diversas, designadamente "artigos honoríficos e de decoração".
É justo. Se "todos" vamos pagar mais pelo pão e pela água, porque não haveríamos de pagar também mais pelos nossos 230 (o máximo que a Constituição permite) deputados, que são bens não menos essenciais?
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Nos anos que levo de vida tenho ouvido a Igreja Católica "desculpar-se" por crimes inomináveis, do género dos que hoje se classificariam de crimes contra a humanidade (de fora foram ficando séculos de crimes "menores", como o homicídio, a tortura, a guerra ou a escravidão).
Trata-se de uma organização que habitualmente enche os ouvidos dos fiéis de moralismo sexual (basta ouvi-la falar de divórcio, casamento homossexual, aborto) e que, enquanto isso, encobria milhares de abusos sexuais de crianças praticados no seu seio. Agora, quando já não é possível continuar a encobri-los, o Papa vem de novo pedir "desculpa", mas omitindo qualquer sanção quanto a abusadores e encobridores (ele próprio terá participado nesse encobrimento quando arcebispo de Munique e Freising). A hipocrisia foi ao ponto de, um dia depois, o Papa ter exortado os católicos a não se assumirem como juízes "dos que cometem pecados". É em alturas assim que um ateu como eu lamenta que não haja um Deus que julgue gente desta. E, pelo seu comportamento, cada vez me convenço mais de que a própria Igreja está também convicta disso.
Só nos faltava esta: uma ministra da Cultura para quem divertir-se com o sofrimento e morte de animais é... cultura. Anote-se o seu nome, porque ele ficará nos anais das costas largas que a "cultura" tinha no século XXI em Portugal: Gabriela Canavilhas. É esse o nome que assina o ominoso despacho publicado ontem no DR criando uma "Secção de Tauromaquia" no Conselho Nacional de Cultura. Ninguém se espante se, a seguir, vier uma "Secção de Lutas de Cães" ou mesmo, quem sabe?, uma de "Mutilação Genital Feminina", outras respeitáveis tradições culturais que, como a tauromaquia, há que "dignificar".
O património arquitectónico cai aos bocados? A ministra foi ali ao lado "dignificar" as touradas. O património arqueológico degrada-se? Chove nos museus, não há pessoal, visitantes ainda menos? O teatro, o cinema, a dança, morrem à míngua? Os jovens não lêem? As artes estiolam? A ministra foi aos touros e grita "olés" e pede orelhas e sangue no Campo Pequeno. Diz-se que Canavilhas toca piano. Provavelmente também fala Francês. E houve quem tenha julgado que isso basta para se ser ministro da Cultura...
Em 1933, a Alemanha hitleriana promoveu, em dezenas de cidades, a queima pública de livros "não alemães" e de "intelectuais judaicos". A "Bücherverbrennung" (queima de livros) obedeceu ao projecto de "sincronização cultural" de Goebbels visando a "limpeza" da cultura alemã.
Foram assim atirados ao fogo, no meio de multidões ululantes e de braço estendido, obras de, entre outros, Thomas Mann, Walter Benjamin, Brecht, Musil, Heine, Freud, Einstein... Hoje já não se acendem fogueiras, usam-se guilhotinas. Mas o objectivo continua a ser a "limpeza", desta vez comercial, e a "sincronização cultural", agora com os padrões do lucro a qualquer preço, mesmo que seja ao preço da própria cultura. Se não vejam-se os "intelectuais" sacrificados na "Bücherguillotinierung" (guilhotinagem de livros) recentemente organizada pelo Grupo Leya de Miguel Pais do Amaral: Garrett, Fernão Lopes, Eduardo Lourenço, Eugénio de Andrade, Jorge de Sena, Ramos Rosa, Goethe, Holderlin... Ao menos os nazis queimavam livros em nome de uma ideia de cultura, o que sempre é um pouco mais respeitável que fazê-lo por mera ganância.
A notícia vem no DN: o Governo português comprometeu-se a emprestar a Angola até 200 milhões de dólares. Para isso, apesar de a dívida externa do país ultrapassar já os 100% do PIB (e com as agências de "rating" a anunciar, em face disso, o aumento das taxas de juro da remuneração da dívida), o Governo irá contrair um (mais um) empréstimo.
A boa notícia é que o mais certo é que parte desses milhões, ao menos a das "comissões" e das "contrapartidas", acabe por voltar a penates, seja através das empresas e dos negócios do costume, seja em artigos de "griffe" como relógios de ouro Rolex e Patek Phillipe, pulseiras Dior e H. Stern, roupas Ermenegildo Zegna e até... casacos de peles, comprados nas lojas de luxo de Lisboa sem olhar a preços. De facto, as elites do regime angolano constituem hoje, segundo uma notícia publicada pelo "Expresso" em finais de 2009, 30% do mercado de luxo português. Que isso nos sirva de conforto, aos pelintras contribuintes portugueses, quando pagarmos a escandalosa factura dos 200 milhões. Porque, como diria o gondoleiro de "A morte em Veneza", haveremos de pagá-la.
A notícia vem no "Público" e põe questões que só o são num país onde os poderes públicos parecem ter batido no fundo no que toca a degradação moral: pode um serviço público prosseguir interesses diferentes do interesse público?
E: é ou não do interesse público o cumprimento isento e imparcial da lei pelas instituições do Estado? Para o IEFP ou, pelo menos, para uma directora da sua Delegação Norte, a resposta à primeira questão é "sim" e a resposta à segunda é "não". Compreende-se assim que o IEFP tenha afastado compulsivamente um jurista das suas funções por ele "(olhar) para a lei com isenção e imparcialidade" quando deveria fazê-lo "a favor do IEFP, numa óbvia perspectiva de parcialidade e pouca isenção". A senhora directora bem o alertou contra os inconvenientes de um funcionário público agir com isenção e imparcialidade: "Tudo o que fizer ao contrário deste princípio (o da "parcialidade e pouca isenção") prejudica a sua carreira". O funcionário insistiu em ser "isento e imparcial" e a carreira foi-se-lhe. Em contrapartida, a da directora "parcial e pouco isenta" vai de vento em popa.
O estudo é da "Data Angel Policy Research Incorporated" e foi apresentado na semana passada na Gulbenkian, em Lisboa. Revela que apenas 1 em cada 5 portugueses é capaz de ler e compreender o que lê de modo a dar resposta a problemas concretos, isto é, que apenas 20% dos portugueses possuem o nível médio exigível de literacia, o que constitui o resultado mais baixo entre todos os países analisados. A notícia não surpreende ninguém, a não ser quem acreditou (ou quis acreditar) no assombroso "milagre educativo" propagandeado pelo anterior Governo, provando aquilo que os criticados "bota abaixistas" vinham dizendo: que o facilitismo educativo pode melhorar artificialmente as estatísticas e povoar o país de diplomados de aviário com computadores "Magalhães" debaixo do braço, mas que ter um diploma não significa necessariamente saber ler e compreender o que se lê (se calhar nem sequer ler e compreender o que diz o próprio diploma). A opção do Governo Sócrates pelas aparências propagandísticas num sector estratégico como o da Educação é uma pesada factura que o país irá pagar durante muito tempo.
Na gíria do atletismo, chama-se "lebre" ao atleta contratado para puxar pelos outros (levá-los na "roda", como se diz no ciclismo), impondo um ritmo óptimo para obtenção de melhores resultados.
Por vocação, ou porque é o modo como entende as suas funções de governador do Banco de Portugal, Constâncio costuma ser a "lebre" do Governo, aparecendo a apalpar terreno sempre que há medidas restritivas, previsivelmente impopulares, no horizonte orçamental. Por esta altura do ano, quando se prepara o Orçamento, é habitual vê-lo justificar, em adequado socioleto económico, a "contenção", ou "prudência", salarial, eufemismos pios da redução do poder de compra. Desta vez, porém, foi a "necessidade" de aumento dos impostos, que permitiu ao Governo, desmentindo-a de imediato, marcar pontos politicamente. A coisa funciona como os clássicos "polícia mau" e "polícia bom": aos olhos dos eleitores, a bondade política do Governo resulta mais óbvia face à maldade técnica dos anúncios catastróficos do governador. Se o Governo não der uma medalha, ou o tal cargo no BCE, a Constâncio é que não há justiça neste mundo.
Os índices da Transparency International resultam da avaliação anual de analistas e homens de negócios, bem como de organizações como o Banco Mundial, o Fórum Económico Mundial, os Bancos de Desenvolvimento da África e da Ásia e centros de pesquisa como o Economist Inteligence Unit e o Global Insight. Curioso foi o modo detergente como alguns jornais deram ontem a notícia. O "Jornal Digital", por exemplo, deu-a sob o animador título de "Corrupção: Portugal é o país lusófono menos corrupto". Algo assim como, numa corrida com dois corredores, noticiar: "O nosso ficou em segundo lugar, ao passo que o adversário ficou em penúltimo".
Casa Pia, "Furacão", sobreiros, submarinos, BPP, BPN, Freeport , "Face Oculta"…. Os portugueses vão-se apercebendo, aos poucos, da podridão escondida sob as vistosas roupagens modernaças do regime e entendendo o sentido dos entraves de toda a ordem que, da parte dos partidos do chamado "arco da governação", sempre se intrometem entre as promessas de combate à corrupção e a sua efectivação. Entretanto, uma nova classe de empresários, políticos e ex-políticos vindos do nada instalou-se no país, ascendendo social e economicamente a velocidades nunca vistas e dificilmente explicáveis à luz dos critérios usuais do enriquecimento dentro da lei. Há hoje dois países e duas economias, o país e a economia visíveis e aqueles de que só se ouve falar a espaços, quando alguma investigação criminal os traz episodicamente à luz do dia, e que rapidamente desaparecem de novo na obscuridade pelas portas travessas de uma Justiça que só funciona eficazmente para o cidadão comum. A tentação de se desembaraçar de escrúpulos morais e emigrar para esse país subterrâneo é grande. Aí a vida é fácil, é barata e dá milhões.
Compreende-se que gente dos partidos e deputados sejam, como diz a DGS, "essenciais ao normal funcionamento da sociedade". Pode perguntar-se é como, sem padeiros que lhes façam o pão, sem motoristas que os levem ao Parlamento e às sedes, sem pessoal das águas e da electricidade que lhes garanta o banho diário, a energia para os computadores e a luz para estudar os dossiês, sem educadoras e auxiliares de infantários que lhes tomem conta dos filhos enquanto trabalham e toda a mais gente não "imprescindível" nem "essencial ao normal funcionamento da sociedade", uns e outros poderão cumprir as suas funções.
Não é nada que surpreenda no processo orwelliano que vem, a vários títulos, sendo a reforma da Administração Pública: soube-se ontem que, para o Governo e para a Reforma, todos os funcionários públicos são iguais mas uns são mais iguais que outros.
Assim, os funcionários (4 500, contas por baixo) que enxameiam os ministérios por nomeação política estão, ao contrário dos que chegaram aos cargos por mérito demonstrado em concurso público, isentos de avaliação de desempenho e podem progredir na carreira e no salário pelo ominoso método tantas vezes desancado pelo actual Governo: a idade e o tempo de serviço, isto é, basta-lhes deixar passar o tempo e envelhecer atrás das secretárias para serem promovidos. Segundo a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), o Governo visa, desse modo, "premiar" as responsabilidades de chefia. Daí se concluirá que, sendo a não avaliação um "prémio" aos chefes nomeados politicamente, a avaliação é o "castigo" para os índios sem cartão partidário. E que, excepção atrás de excepção, a famosa reforma da Administração Pública se tornou uma coboiada.
Deu trabalho mas encontrei na Net um curioso documento intitulado "Bases Programáticas/Partido Socialista/ Legislativas 2005". Nele o PS faz contas ao país depois do desastre governativo do PSD/CDS.
Agora (se não, veremos) será o PSD a comparar o país de 2005 com o de 2009. "Hoje, os portugueses", dizia o PS em 2005, vivem numa economia "parada há três anos"; e enumerava: taxa de desemprego em 6,8% (9,3% em 2009, dados do Eurostat); rendimento por habitante em 67,7% da média da UE-15 (75% da UE-27 em 2009, o segundo pior da Zona Euro); dívida pública em 62% do PIB (hoje 70,7%, a crer na OCDE); défice em 5,2% do PIB (mais de 6% em 2009, dados também da OCDE); endividamento das famílias em 118% do rendimento disponível (135% em 2008, segundo o Banco de Portugal); e IVA em 19% (20% em 2009). Se o PSD vier a ser outra vez Governo, o PS fará novo balanço desastroso em 2013; e em 2018 o PSD; e em 2023 o PS, e em 2028 o PSD, e por aí fora até ao infinito, cada vez com números piores. É uma valsa a dois tempos que dura há décadas com os mesmos dois dançarinos. E com os mesmos de sempre a pagar a conta.
Quem me veja por aí de cabeça baixa, incapaz de encarar o Mundo, como se carregasse uma culpa mais pesada e insuportável que o Menino nos braços de S. Cristóvão, não tenha piedade de mim.
Os resultados dos exames de Matemática da segunda fase do Secundário foram ainda piores do que os da primeira, que já haviam sido maus (média de 8,8 valores contra 10 na primeira fase, abissalmente abaixo dos gloriosos 14 do ano passado); ora se, na primeira, a culpa, segundo a ministra, já fora minha - porque, como a generalidade da "comunicação social", andei a dizer "que os exames eram fáceis" - agora não tenho remédio senão meter a mão na consciência e penar por aí como o velho marinheiro de Coleridge, arrancando os cabelos e contando a toda a gente que fui quem matou o albatroz e deu cabo das estatísticas da ministra em pleno período eleitoral.
O pior é que o mesmo aconteceu em Português, em Física, em Química, em Biologia, em Geologia. Os alunos não estudam e os professores não ensinam porque perdem tempo a ler jornais. Acabe-se com eles (jornais, alunos e professores) e os resultados subirão em flecha.
A CGTP, que "no plano internacional se rege por um conjunto de princípios e valores fundamentais", manifestou-se ontem diante do Consulado das Honduras em Lisboa porque "os trabalhadores portugueses não podem ficar indiferentes face às inaceitáveis violações dos direitos humanos do povo das Honduras".
Quem, como a CGTP, não repudiará "a ditadura e brutal repressão" nas Honduras e as "numerosas detenções e mortes denunciadas por entidades de defesa dos direitos humanos"? Por isso, procurei no "site" da central o que, em nome dos seus "princípios e valores fundamentais", a CGTP teria também feito (ou dito, ou apenas murmurado) face à "ditadura e brutal repressão" e "numerosas detenções e mortes" em Xinjiang e Teerão e "às inaceitáveis violações dos direitos humanos" dos povos da China e do Irão denunciadas por "entidades de defesa dos direitos humanos". Pesquisei "Xinjiang" e obtive zero resultados; pesquisei "Irão" e obtive 15 futuros do indicativo do verbo "ir" e uma referência às "ameaças dos EUA ao Irão". Talvez, quem sabe?, a CGTP tenha, nestes casos, optado por manifestar-se silenciosamente.
Quis o acaso que a pré-campanha para as legislativas coincidisse com o defeso futebolístico e que, na campanha partidária como na futebolística, sejam os clubes das camisolas que um dia foram vermelhas e são agora cor-de-rosa desmaiado que se evidenciam pelas aquisições mais notórias, o Benfica pescando nas suplências do Real Madrid, o PS no banco do BE.
Foi assim que Miguel Vale de Almeida, ponta-de-lança LGBT com contrato findo no Bloco, chegou a custo zero, com garantia de titularidade parlamentar, ao PS. O mesmo partido terá tentado ainda a contratação da suplente não utilizada Joana Amaral Dias, negócio inviabilizado pela elevada cláusula ideológica de rescisão que a prende ao seu actual clube, pese (como se diz nos jornais desportivos) o facto de o PS lhe ter acenado com (agora como diz Almeida Santos) "honrarias, cargos e nomeações". Na blogosfera, lugar onde quase toda a gente se conhece e onde, se abundam as cumplicidades e os catálogos de trocas de elogios, abunda também a controvérsia e o ressentimento, não se fala de outra coisa. E o período das transferências ainda vai no início.
A Metafísica é um lugar longínquo. Talvez uma grande constipação transforme, como diz o engenheiro por Glasgow, o mundo até à Metafísica, mas os danos que uma grande constipação provoca no Ser não são nada comparados com os que, nos dias que correm, uma pequena constipação causa no Estar. Quem hoje saia de casa entre a conferência de Imprensa da manhã e a conferência de Imprensa da tarde da ministra da Saúde sobre a Gripe A, levando atrás de si animais de companhia, buliçosos mas amigáveis, como uns espirros e uma dessas tosses habitualmente incluídas no pacote das constipações, não deve preocupar-se com o mundo das Ideias mas com o dos factos. Ao mais leve espirro, as pessoas mudam de passeio e fogem como se fôssemos vender-lhes um seguro, as mulheres apertam os filhos nos braços deitando-nos olhares assassinos e à nossa volta abre-se uma cratera de suspeita e hostilidade maior que o atol de Mururoa. Talvez a ministra devesse explicar ao bom povo que morrem todos os anos de gripe sazonal, sem notícias nas TV, 2000 autóctones e que um tipo constipado não é necessariamente um inimigo público.
Desta vez, os autores da "campanha negra" estão devidamente identificados: são os juízes do Tribunal de Contas. Por motivo de "urgência", embora o contrato só terminasse em 2015, o Governo assinou com a Liscont, empresa da famosa "holding" económico-partidária Mota-Engil/Jorge Coelho (e, já agora, Luís Parreirão, também ex-governante socialista da área das Obras Públicas) um "aditamento" à concessão do terminal de Alcântara. Sem concurso, que a coisa era "urgente" e sabe-se lá quem estará no Governo em 2015. É um contrato justo: a Liscont cobra os lucros e o Estado (a Grande Porca bordaliana, a de inesgotáveis tetas) suportará eventuais prejuízos, ou, nas palavras do TC, "o ónus do risco do negócio passa para o [Estado]". O Estado pagará ainda 1,3 milhões em advogados, consultores & assessores para a montagem e gestão da ampliação do terminal; e até se, durante as obras, calhar serem descobertos vestígios arqueológicos, será (adivinhem quem) o Estado a pagar a paragem dos trabalhos. Só de má-fé é que alguém pode concluir que tudo isto não é de interesse público e do mais transparente que há.
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Tenham medo, muito medo
Ocenário é apocalíptico, verdadeiro "Mad Max" sanitário: ruas desertas, escolas, fábricas, restaurantes, centros comerciais fechados, os próprios pilares da portugalidade, igrejas, estádios, casas de fado, fechados; e as famílias fechadas em casa (persianas corridas, janelas fechadas, portas fechadas, casota do cão fechada) com as câmaras de segurança direccionadas, já não para os bairros periféricos, mas para partículas em suspensão e vizinhos, a suspeita corroendo os valores mais sólidos do matrimónio, filhos, criadas, maçanetas das portas. A crer em jornais e TV (e na Roche, e na Gilead), o H1N1 propaga-se mais depressa que o comunismo; pior: os comunistas só comiam criancinhas, o H1N1 come a família toda. 127 mortos nos Estados Unidos, 21 no Canadá, 7 na Austrália, 29 no Reino Unido, 3 em Espanha… Segundo o último relatório da OMS, já há 311 mortos em todo o mundo, principalmente no mundo ocidental. Face a números tão aterradores, o que são 6 milhões de crianças morrendo anualmente devido a fome e subnutrição e 10 milhões devido a doenças que podiam ser evitadas com uma simples vacina?
A Língua não é apenas um meio de comunicação, é também um instrumento de conhecimento e de pensamento. A Língua fala em nós tanto quanto nós a falamos, constitui o elemento fundamental da nossa identidade enquanto povo (e, sobretudo, enquanto "pátria", pluralidade de valores identitários que herdámos dos nossos país e que os nossos filhos herdarão de nós). São, por isso, dramáticas as notícias que dão conta de que, nos recentes exames nacionais do 9.º ano, o número de negativas a Língua Portuguesa aumentou 70%, apesar de o actual ME ter levado o nível de exigência dos exames ao grau zero. A falta de exigência a que se chegou é tal que, para se opor à opinião dos peritos para quem os exames do 12.º ano de Matemática foram este ano de novo "escandalosamente fáceis", o presidente da APM argumenta que o exame "tinha algumas coisas que exigiam alguma interpretação de (…) linguagem escrita". Ou seja, o exame não seria assim tão fácil porque… exigia "alguma" interpretação de linguagem escrita. Isto a alunos do último ano do Secundário! Diz a ministra que o país devia "encher-se de orgulho" com isto…
Terminaram as chamadas "Queimas das Fitas" e, salvo raras excepções, o balanço foi o do costume: alarvidade+Quim Barreiros+garraiadas+comas alcoólicos. No antigo regime, os estudantes universitários eram pomposamente designados de "futuros dirigentes da Nação". Hoje, os futuros dirigentes da Nação formam-se nas "jotas" a colar cartazes e a aprender as artes florentinas da intriga e da bajulice aos poderes partidários, enquanto à Universidade cabe formar desempregados ou caixas de supermercado. A situação não é, pois, especialmente grave. Um engenheiro ou um doutor bêbedo a guiar uma carrinha de entregas com música pimba aos berros não causará decerto tantos prejuízos como se lhe calhasse conduzir o país. Acontece é que muitos dos que por aí hoje gozam como cafres besuntando os colegas com fezes, emborcando cerveja até cair para o lado, perseguindo bezerros e repetindo entusiasticamente "Quero cheirar teu bacalhau" andam na Universidade e são "jotas". E a esses, vê-los-emos em breve, engravatados, no Parlamento ou numa secretaria de Estado (Deus nos valha, se calhar até já lá estão!).
A Assírio & Alvim vai lançar este mês o novo livro de Manuel António Pina que é destinado essencialmente ao público infanto-juvenil.
O livro tem como título "História do Sábio Fechado na Sua Biblioteca".
Perdemos os sonhos ou são os sonhos que nos perdem? O meu sonho de menino sempre foi ser presidente de uma empresa intermunicipal de tratamento de resíduos; e quando, em vez de estudar, me punha a ler o "Cavaleiro Andante", minha mãe dizia-me: "Estuda se queres vir a ser presidente de uma empresa intermunicipal de tratamento de resíduos", sabendo que só isso era capaz de me arrancar da companhia de Tartarin de Tarascon e de Tintin.
Chegado a esse lugar de exílio que é a idade adulta (o que sucedeu mais ao menos na altura em que Tintin deixou de usar calças de golfe), procurei em vão informar-me acerca de como seria possível realizar tão desmesurado sonho. Só agora, já velho, o descobri. Para se ser presidente de uma empresa intermunicipal de tratamento de resíduos é recomendável, pelo menos em Braga, ter sido condenado por tentativa de corrupção de um vereador, o que (uma condenação por corrupção) é, como se sabe, uma inalcançável miragem em Portugal. Sem meios para tentar corromper vereadores, terei que me ficar pelo jornalismo, que também é uma actividade do sector do tratamento do lixo.
Noticia o JN que está marcado para o dia 20 de Abril, no Tribunal da Maia, o julgamento de um homem que, em 2007, terá arrombado um galinheiro e furtado duas galinhas no valor de 50 euros.
A Justiça tarda, mas chega. O criminoso andou mal e merece justa punição, quer pela mediocridade de fins quer pela ruralidade de meios. Gente como ele, que pilha galinhas em vez de fundar um banco e pilhar as contas dos depositantes, ou como aquela septuagenária que não pagou uma pasta de dentes num supermercado em vez de pedir uns milhões à Caixa, comprar o supermercado na bolsa e igualmente não o pagar, vendendo-o depois à Caixa através de um "offshore" pelo dobro do preço (ou vendendo-lho mesmo antes de o ter comprado), não tem lugar no Portugal moderno e empreendedor. Ainda por cima, deixou-se apanhar. Se calhar, até confessou, em vez de invocar lapsos de memória. E aposto que nem se lembrou de se divorciar antes de ser preso, pondo os 50 euros a salvo na partilha de bens. Não queria estar na pele do seu advogado, não há Código de Processo Penal que valha a um caso destes. É condenação mais que certa.
Pela sexta vez, o infantário "A Conchinha", de Sines, foi na semana passada assaltado e roubada toda a comida das crianças guardada nos cofres. A crise está a atingir o sector da ladroagem e é preocupante o alargamento das desigualdades entre ladrões ricos e pobres, com uns a roubar milhões e outros, cada vez mais numerosos, arriscando-se a ir presos (pois são os que costumam ser apanhados e julgados) por uns pacotes de batatas fritas e umas garrafas de leite achocolatado.
Enquanto o Estado não intervenciona também a pequena ladroagem, os infantários admitem acabar com os lanches e almoços, seguindo a engenhosa solução do Ministério da Justiça de retirar as caixas Multibanco dos tribunais (processos, juízes e funcionários serão retirados mais tarde, altura em que os tribunais ficarão, por fim, completamente seguros, sem nada que roubar). As boas notícias são que o governador do Banco de Portugal anunciou que as ajudas de 20 mil milhões do Estado aos bancos não chegam e têm que ser aumentadas e que o gestor do BPP anda por aí a dar conferências sobre como ter sucesso no mundo financeiro.
O ministro Santos Silva, encarregado, na economia governamental, do pelouro da refutação da Oposição, pratica habitualmente o honroso encargo com a indignação afectada de uma personagem de Óscar Wilde: "É inadmissível que andem para aí a dizer coisas do Governo que são absolutamente verdadeiras". Foi assim que, agora, no regresso ao Parlamento do Código do Trabalho, o ministro refutou indignadamente a acusação de que este fomenta a precariedade.
Garantiu Santos Silva ao país que "o Governo leva muito a sério o princípio constitucional da segurança no emprego" (a lição continua a ser a de Óscar Wilde: "Em questões muito sérias, o essencial é o estilo, não a sinceridade"). Por isso, o Governo - argumentou - terá incluído no Código "medidas de combate à precariedade". Dir-se-ia que, de facto, "só quem já está completamente perdido aceita argumentar". É que a conclusão de que o Código não leva a sério o princípio fundamental da segurança do emprego é uma constatação técnica, verificada pelo Tribunal Constitucional, não uma crítica política. E contra isso pouco podem indignação ou argumentos.
A crer nas alegações dos arguidos, que a comunicação social tem abundantemente referido, quem está a ser julgado no processo Casa Pia é o Ministério Público, a Magistratura Judicial (que os pronunciou), a Polícia Judiciária, o Instituto de Medicina Legal, os peritos médicos que observaram as crianças, as próprias crianças, as testemunhas, a comunicação social, a opinião pública e o Mundo em geral; e as vítimas são os arguidos. Um imenso "complot" universal terá sido organizado para congeminar uma maléfica "fantasia" e, com obscuros fins, acusar meia dúzia de inocentes.
Não queria estar na pele do colectivo que julga o processo, a quem, se assim foi, se pede, não que dê uma sentença, mas que encarne o Bem e faça a Revolução, mandando extrair certidões para meter na cadeia dois terços das instituições do país e dois terços do próprio país. Na verdade, o que, no caso, está a ser julgado é a Justiça portuguesa e a sua independência. O grande júri em nome de quem é suposto a Justiça ser administrada tem razões para estar perplexo com o folheto de cordel em que o processo está a ser transformado.
MUROS DE PALAVRAS
Há uns anos, numa reportagem de "A Capital" sobre meninos da rua, um rapaz de 8 anos lamentava-se ao repórter: "A minha mãe fecha-me fora de casa". Conto muitas vezes esta história, bem como aquela do internado num hospício que, através das grades, diz para um passante: "Há muitos aí dentro?" Os muros, as grades, as portas fechadas prendem- -nos a todos.
Não criam "foras", multiplicam "dentros". E os muros mais difíceis de atravessar são os das palavras e das ideias. O que mais se tem visto e lido em relação ao actual conflito em Gaza são atitudes entrincheiradas atrás de muros de palavras e ideias, incapazes de vislumbrar no "outro" uma réstia de motivo ou humanidade. Ora, como escreve Nietzsche, julgo que no "Zaratustra", "tu, vítima, não penses que não tens culpa; e tu, carrasco, não penses que não sofres". É fácil ter ideias claras e a preto e branco sobre o que se passa em Gaza sentado diante da TV, vendo o que se quer ver e fechando os olhos ao resto. Os israelitas e palestinianos comuns (pois há israelitas e palestinianos comuns) são forçados há meio século a ver o que não querem ver.
os encargos de todas as obras públicas anunciadas, boa parte do nosso futuro está hipotecada; pelo presente já ninguém dá nada; resta o passado. Não se estranhará, pois, que o Governo prepare um novo regime para o património histórico e cultural que abre portas à venda mais ou menos indiscriminada de monumentos históricos. "O mote é alienar", denunciam, alarmadas, as associações de defesa do património.
Se a coisa, congeminada no Ministério das Finanças, for avante, depois do Forte de Peniche transformado em pousada, veremos um dia destes uma loja Ikea na Torre de Belém e um hotel de charme no Mosteiro de Alcobaça (e porque não no da Batalha?); Rui Rio poderá, finalmente, vender a Torre dos Clérigos em "time-sharing"; e António Costa, em Lisboa, fazer dos Jerónimos um centro comercial. Governados por mercadores sem memória e sem outra cultura que não a do dinheiro, faltava-nos ver a nossa própria História à venda. Em breve, nem Cristo (quanto mais nós) terá poderes para expulsar os vendilhões do Templo porque eles já terão comprado o Templo e já lhe terão dado ordem de expulsão a Ele.
Pedras, "cocktails molotov", ovos, gritos ou insultos, as diferenças que a raiva tem assumido nas ruas de Atenas, Paris, Lisboa, Roma, Copenhague e mais cidades, não chegam para ocultar semelhanças fundamentais. Dirigidas por contabilistas sem outra ideologia senão o mesmo vácuo discurso anti-ideológico do "fim da História" (ou das "terceiras vias"), burocratas incapazes de uma ideia ou um ideal minimamente mobilizadores, as democracias europeias, muitas vezes sob a tutela de partidos com a designação de "socialistas" ou "sociais-democratas" também eles transformados em gestores de interesses e clientelas, tornaram-se lugares onde deixou de haver motivos de esperança e onde exércitos cada vez mais numerosos de excluídos convivem com a riqueza escandalosa, a ostentação e a corrupção.
Num tal ambiente social, uma centelha, como aconteceu com o assassínio de um jovem em Atenas, pode incendiar toda a pradaria. Depois, para a guerra civil social começar a assumir contornos antidemocráticos, basta saltar de qualquer esquina um populista. É isto que as lideranças europeias parecem não compreender.
Noticia a AFP que, para poder obter do Estado americano um crédito salvador, a Ford vai reduzir o salário do seu presidente executivo para 1 dólar… por ano. Henry Ford tinha dito em 1934, em plena Grande Depressão: "Deixem-nos falir a todos. Se eu ficar sem nada com o colapso do sistema financeiro, recomeçarei do princípio e construirei tudo de novo".
75 anos depois, num país distante (não, não é de África), não só os gestores de bancos falidos continuam a ganhar milhões, como um governo socialista entrega o dinheiro dos contribuintes como garantia para salvar as fortunas de meia dúzia de milionários que fizeram um banco para especular na Bolsa e investir em aplicações de alto risco que deram para o torto. "Servir a nossa economia e as famílias", foi o motivo com que Sócrates justificou os apoios do Estado à banca. O BPP não tem balcões nem dá crédito a particulares ou empresas, apenas gere fortunas de uma elite financeira com nomes como Rendeiro, Ferreira dos Santos, Saviotti, Balsemão, Vaz Guedes, Júdice, etc.. São as fortunas de tais "famílias" que os nossos impostos vão agora garantir.
Depois de o rato das declarações de Manuela Ferreira Leite ter parido a montanha que se viu, tudo indica que a fábula retomará os eixos e que a montanha do BPN irá parir o rato que montanhas do género, quando envolvem montanhistas de peso, sempre parem. O primeiro passo está dado, um inquérito parlamentar, isto é, a transformação de um caso de polícia em caso de política. Toda a gente sabe para que servem os inquéritos parlamentares. Para concluir, em 700 ou 800 páginas, coisa nenhuma.
É da sua natureza, como, para Aristóteles, era da natureza das coisas pesadas cair para o centro do Universo. Nem o mais notório, o do "Envelope 9", concluiu fosse o que fosse, apesar do empenhamento da maioria na famosa tese da cabala, ou da "urdidura". Enfiado na "selva oscura" da AR, onde Dias Loureiro sempre o quis, o "caso BPN" fica entregue a todo o tipo de comércios político-partidários, meio caminho andado para se chegar à conclusão de que tudo foi, afinal, um mal-entendido. Depois, se o MP concluir diferentemente, abrir-se-á novo inquérito, desta vez ao MP, que também não concluirá coisa nenhuma.
A RTP é a lavandaria do regime. Não há vítima de cabala que não lave a consciência naquela espécie de Santa Casa da Misericórdia dos aflitos.
Desde a entrevista a Carlos Cruz lavado (o termo é apropriado) em lágrimas, os queridos telespectadores já não choravam como choraram com Dias Loureiro (talvez com excepção da entrevista a outra perseguida, a dolorosa mártir Fátima Felgueiras).
Dias Loureiro, um homem, como aquele, Malaquias, de Manuel de Lima, barbaramente agredido, foi aos estúdios de baraço ao pescoço e sem bigode, confessando que, sim, era administrador da SLN, mas, enquanto aconteciam no BPN as trapaças que têm vindo a público (e as que hão-de vir), calhou sempre de estar a olhar para outro lado. Assinava as contas sem as ler, pois só lê biografias e romances policiais (as contas do BPN eram um romance policial, mas como podia Dias Loureiro sabê-lo?). Por isso está, obviamente, de consciência limpa.
Eu acredito em Dias Loureiro (que diabo, é um conselheiro de Estado!) e não em cínicos como Stanislaw Lec, para quem a melhor forma de manter a consciência limpa é não lhe dar uso.
A ironia é uma arte perigosa (eu que o diga!), pois exige do leitor ou ouvinte mais do que ele às vezes está em condições de dar. A edição 'online' do "Público" abria ontem com um título prometedor: "Ferreira Leite pergunta se 'não seria bom haver seis meses sem democracia' para pôr 'tudo na ordem'". A notícia, da Lusa, citava críticas da líder do PSD às reformas do actual Governo, acusado de procurar fazê-las atacando as respectivas classes profissionais e virando a opinião pública contra elas.
Os ouvidos têm paredes
Só que o contexto era o de recentes afirmações suas defendendo que não deve caber aos media decidir o que publicam. Apesar do seu fácies mais severo que o de Buster Keaton, Manuela Ferreira Leite não é propriamente famosa pelo espírito de humor, e isso também não ajudou. Meteu-se a gracejar e estragou tudo. A blogosfera encheu-se imediatamente das mais estratosféricas denúncias e acusações. Aprenda com quem sabe, dra. Manuela: quando disser uma piada diante de jornalistas, distribua antecipadamente um manual de instruções a explicá-la. Como se eles fossem muito burros (ou muito mal intencionados).
Os professores portugueses parecem ter ganho o gosto às avaliações, e 120 mil (há oito meses foram "apenas" 100 mil) avaliaram de novo a ministra e a "sua" avaliação. Depois do milagre estatístico da Matemática, Lurdes Rodrigues conseguiu proeza ainda mais improvável, a da unanimidade dos professores. Se isso não chega para a sua beatificação - que Sócrates tem em marcha - vou ali e venho já. 120 mil professores na rua (uns "míseros votos", como lhes chamou Sócrates) contra o naufrágio do sistema educativo e o pesadelo burocrático em que foi transformada a sua profissão, e gritando "deixem-nos ser professores" não é sinal de descontentamento, é algo mais profundo.
Ou deveria ser, para quem tivesse um mínimo de humildade democrática e não confundisse firmeza com auto-suficiência e poder com mando. Se a passagem de Lurdes Rodrigues pelo ME constitui um "study case" de incapacidade técnica e autismo político, a reacção praticamente unânime dos professores em defesa da dignidade da profissão docente é um exemplo de cidadania activa cada vez mais raro no "país em diminutivo" em que nos tornámos.