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#2938 - O PRÍNCIPE DOS PRÍNCIPES

por Carlos Pereira \foleirices, em 16.12.18

"Eis-me aqui, perante Vós...

Curvo-me respeitosamente e saúdo-vos."

Perante mim, está um homem simples e despojado dos símbolos que identificam o poder e o seu exercício, que o pratica generosamente e com parcimónia, respeitando e protegendo os mais débeis em idade, saúde e condição social e cuja lâmina da espada escondida na bainha apenas é empunhada em caso de legítima necessidade.

 

Neste tempo - o tempo da imbecilidade e da ignorância legitimadas como se fossem virtudes - a mentira passou a ser a verdade, e o ódio contra tudo o que é diferente causa dor, sofrimento e muitas vezas a morte.  A política passou a ser o palco privilegiado do exbicionismo, do folclore e das cabeças despovoadas. Porque o mais importante é não ter ideias e apenas repetir o que o povo quer ouvir:

 

- o sol na eira e chuva no nabal

 

é isso que o povo deseja e disso  apenas fazem eco.

 

Mais uma vez, curvo-me perante a inteligência e a sensatez  das vossas decisões sem olhardes a privilégios e baseadas numa sólida formação intelectual e literária, cujas inquietações vós acalmais na companhia dos clássicos gregos e latinos - os vossos preferidos -  passando pela grande literatura russa do século XIX e princípios do século XX, os grandes romancistas americanos - das duas Américas -  e ingleses, e, claro, a literatura portuguesa, o ensaio, a poesia, os grandes pensadores. A filosofia vós a usais quando as perguntas que fazeis a vós próprios, ou a vós por outros feitas, têm uma resposta que não  conheceis.

 

Curvo-me respeitosamente, porque sois justo e recto e aceitais os erros que cometeis. E nunca renegastes o vosso humilde nascimento e pobre origem, e o local onde nasceste a ele regressais quando podeis para visitar vossos pais.

E, perante eles vos curvais, respeitosamente, porque a eles a vida deveis. E, de novo, subireis as encostas da serra na companhia do vosso pai e do velho cão conduzindo o gado por caminhos e veredas que tão bem conheceis. E ainda sabeis os nomes que désteis, quando  criança, aos vários penedos que bordejam o caminho.

 

Celebro a vossa honestidade intelectual.

 

Saúdo-vos

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publicado às 19:36


#2891 - O homem que morreu com flores cravadas no peito

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.10.18

Apenas sei que não sabia. Se me contaram, já esquecera. 

Mais tarde ouvi rumores que narravam o acontecido. O homem morrera com flores cravadas no peito.

Ninguém morre com flores espetadas no peito, cogitei. Estava enganado. O boletim médico o confirmava. Sim senhor, o homem morrera com flores cravadas no peito.

Não consigo imaginar uma morte assim, florida, alegremente florida. Rectifico, tristemente florida. Afinal,  as flores servem para celebrar quase tudo, inclusivé a morte. Mas morrer com flores cravadas no peito...?

Então uma inquietação me assaltou: Será que era sua vontade obsequiar  alguém, com flores, de maneira elegante, cavalheiresca e respeitosa, e esse alguém, com desdém as recusou e o acusou de assédio? E perante a humilhante negação e acusação, num gesto dramático, abraçou com tamanha raiva e força o ramo  (suponho que era um ramo) de flores que lhe rasgaram o peito e lá ficaram gravadas como se fosse uma tatuagem ?

Gostava que o homem estivesse vivo para contar a sua versão dos factos. 

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publicado às 11:05

O orgulho,as glórias e misérias de um improvável pequeno país, pobre e encurralado entre o mar e um vizinho gigante, embarcado numa pequena casca de noz, flâmulas eriçadas sacudidas pelo sopro do mar, o capitão aprumado e grave ordenando a partida, com as velas inchadas prontas a parir o desconhecido que nem a mais delirante imaginação consegue conceber, cavalgam um mar cujo fundo reclama quem nele ousa navegar.

 

É preciso dobrar cabos e tormentas, vencer o medo e o desconhecido, tarefa para homens rudes, corajosos, ambiciosos. Mas também para os condenados ao degredo, ou aventureiros em busca  de suas fortunas, ou simplesmente da liberdade; terra à vista é o que todos desejam ouvir gritar do homem empoleirado nas gáveas, a mão sobre os olhos a servir de pala que o sol queima os olhos e teima derreter-lhe as vísceras e o alento. Mas com estes homens o medo nada consegue, nem os mastodontes.

 

Terra à vista grita o homem equilibrado no topo do mastro. Todos se debruçam sobre o deserto salgado e o oásis espreita lá ao fundo. Não é miragem. É a terra firme e virgem que eles pisarão como sendo os primeiros. Ficarão para a história que alguém há-de narrar, como anónimos sem rosto e nome, apenas lembrarão os nomes dos líderes que ousaram sonhar a aventura da descoberta das novas terras e mares, assinaladas pelos padrões que afirmavam a soberania desse local como pertencente de um pequeno, pobre e improvável país aprisionado pelo mar e por um gigante vizinho.

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publicado às 12:41


#2871 - Golias e David

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.09.18

Um mosquito atropela uma gota de água, perde o equilíbrio, dá meia dúzia de cambalhotas e aterra em cima da minha mesa. Recompõe-se, emite um zumbido irritado e olha-me com ar provocador iniciando um jogo de sedução e intimidação, exibindo sua trombinha afiada como se fosse um bandarilheiro e assumisse que eu faria o papel de touro. Quer vingar a humilhação sofrida. Quer sangue. Precisa atacar. Aparentemente eu sou o gigante Golias e ele o minúsculo David, mas espero que a história tenha um final diferente. Não tenho estratégia. Nem de defesa, nem de ataque. Sou demasiado grande para defender todo o corpo e ele demasiado minúsuculo  e demasiado rápido para o apanhar com a mão. Actuarei em função das circunstâncias e da evolução da refrega.

O jogo começa. O pequenote emite um zumbido sarcástico - pareceu-me ouvir uma gargalhada metálica, assassina - e volteia em redor da minha cabeça como se fosse um artista a  rolar no poço da morte. O ruído produzido por esta sanguessuga com minúsculas asas é irritante e destabilizador. Agito os braços freneticamente em tentativas desesperadas para o apanhar. Estou a ser humilhado. Uma enorme frustação toma conta da minha vontade, e quando julgo que o vou apanhar é em mim que esbofeteio. E, de repente, acontece o ataque final. Violento, descarrega em mim toda a sua ira e pequenas erupções ardentes surgem no lugar das picadelas. Satisfeito retira-se com um voar de vitorioso exibindo um sorriso cínico de grande vencedor.

Discretamente saio de cena. Cabisbaixo, derrotado, humilhado. 

 

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publicado às 10:47


#2785 - Os Ciclos

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.02.18

Inverno. Troco o passo. Atropelo o passo. O braço que não balança.O rosto fechado. Um esgar na boca. Uma pontada entre os olhos. O lenço guardado no bolso, a mão não chega lá empanca em alguma contrariedade.

 

É quase Primavera, o vento abotoa-me o casaco, afaga-me a alma. Depois das máscaras,  quase a Páscoa.

O vermelho é a cor: das opas, do sangue derramado e do vinho...

E o mar já à espreita! É quase Verão...

 

...Entretanto, homens gigantes na alma e na coragem preparam mais uma faina. Mãos poderosas agarram os remos como se agarrassem a vida, e as mulheres vestidas de negro, o rosário a rolar nos dedos, parecem sentinelas de olhar lacrimoso, corações apertados, atentas aos humores do mar e ao regresso dos homens.

Amam o mar que lhes mata a fome. Odeiam o mar que lhes mata os  homens.

 

O sol levanta-se mais cedo, as noites são mais curtas, o tempo do tempo quente e dos dias descontraídos, dos corpos que se insinuam, corações na areia, o pôr-do-sol que incendeia o mar. Festas, romarias, bailaricos e fogos de artifício anunciam o fim da festa e o fim do  verão.

 

Abro a janela. Uma pequena brisa sacode as folhas cor do fogo, cor da terra que desmaiam silenciosamente ao longo das linhas solares verticais. É o momento da terna melancolia, do silêncio tranquilo, das metamorfoses da natureza. 

 

É o outono que se anuncia suavemente e o começo de um novo ciclo que morrerá noventa dias depois. E de ciclo em ciclo tudo se repetirá.

 

 

 

 

 

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publicado às 14:41


#2763 - O acto da criação

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.01.18

O artista com o olhar pousado no vazio da tela, o corpo pensativo sentado no banco, a mão que gesticula com o pincel traçando no ar linhas e formas  que pretende  transportar para a superfície da tela. De vez em quando, o seu corpo parece ausente e o  seu olhar perde-se na folhagem das árvores do jardim, com se procurasse no silêncio exterior, algo que o impessione e comova, e assim estabelecer um  diálogo entre o seu corpo e a tela que espera pacientemente o roçar do pincel.

 

As cores, as formas, o volume, e o tema já estão construídos na sua cabeça. O seu olhar procura o pincel e a cor. De forma resoluta a sua mão imprime ao pincel energia e movimento. A tela vai sendo preenchida. E à medida que a pintura vai ganhando a forma que imaginou, o olhar torna-se febril. O corpo torna-se irrequieto, nervoso. Recua, recua ainda mais, avança com passo enérgico, rectifica um detalhe, acrescenta mais cor, o pincel ganha vida. Recua, e demora alguns minutos a observar minuciosamente o quadro. O seu corpo está tenso. Pequenas gotas de suor polvilham o seu rosto. O momento é dramático. Recua uma vez mais, e um longo suspiro liberta toda a tensão que se foi aumulando durante o processo de criação. Avança com passo já descontraído ao encontro do quadro. Pega em novo pincel e desenha, por fim, o seu nome.

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publicado às 19:30


#2761 - A importância vital de uma palavra minúscula

por Carlos Pereira \foleirices, em 26.01.18

Descubro,  fortuitamente, na imensidão branca de um papel, uma palavra extraordinariamente minúscula para ser lida. Uma gota de orvalho escolhe o sítio da palavra e quando a encontra faz "splash", e numa admirável demonstração de magia, a palavra ilumina-se e cresce de tal maneira que ocupa toda a superfície do papel. E o segredo se revela, letra a letra, até a palavra possuir a força, o carácter e a urgência que o seu autor lhe quiz dar.

 

Ainda hoje me surpreende o formidável poder da palavra minúscula e muito singela capaz de modificar e influenciar atitudes, comportamentos, maneiras de pensar, quebrar barreiras, unir povos e mundos, destruir tabus e preconceitos - apesar dos conflitos de interesses, da ignorância, da ganância. A palavra encerra dentro de si o que é verdadeiramente essencial: A construção do onírico. A riqueza das diferenças. O respeito pela diversidade. No fundo é da única casa que a humanidade tem e que é partilhda por milhões de seres que a palavra trata, revela,alerta, avisa: NATUREZA.

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publicado às 21:39


#2758 - Rendição

por Carlos Pereira \foleirices, em 26.01.18

Do outro lado da rua uma sombra esguia tremia do vento metálico e sujo vindo do cais. As rosas na varanda sob cuja pala se detinha murchavam, apesar do sorriso húmido e do olhar ser ternamente muito breve. A esfíngica sombra esborratada na parede branca da casa era de uma mulher: vestia uma pele que cobria a pele nua; um lírio no lugar do sexo; as mãos  sobre o regaço; as dores contidas em saltos altos; os cabelos, uma falange de estrelas já sem fulgor; os seios  o sítio onde desaguavam lágrimas já estéreis e bocas embriagadas; os ombros levemente descobertos suportavam um  rosto pálido, os restos de um beijo, os lábios sujos de batom e na pele do rosto pequenos sulcos marcavam as feridas do coração, a idade da alma e do sofrimento.

 

Um gato mia - ou a sua sombra mia. E roça-se nas pernas da sombra da mulher. Ela debruça-se. Apoia o seu cansaço nos joelhos  pousados na húmida pedra. A sua mão acaricia o pelo sujo do gato. Vadio. Só. Maltratado. Abandonado. O seu reflexo, a história da sua vida, a sua geografia em forma felina.  As duas sombras fundem-se numa só gota que se torna brilhante e transparente, e engrossa à medida que as histórias das suas vidas rolam na parede branca da casa. E as rosas ganham vida, o vento, vindo do cais, sopra limpo e perfumado, e do  céu caiem luminosas estrelas que pacificam e saram as mazelas do corpo, da alma e do coração. 

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publicado às 11:28


#2757 - Verão, o princípio do Inverno

por Carlos Pereira \foleirices, em 25.01.18

IMG_0231.jpg 

Guimbras - Santa Maria da Feira

 

Um banco. Um jardim. Uma árvore frondosa. Debaixo dela me sento num banco de ripas vermelhas no jardim com ruas ensaibradas, flores com cores e nomes vários, borboletas, namorados, corpos sobre a relva mergulhando o seu olhar no azul celeste, perfumes de origem variada, murmúrios entre a folhagem das árvores e o zumbido dos insectos. Eu e os pássaros.

Não temos segredos, salvo os segredos que são segredos, e todos os temas servem para uma breve e serena conversa: o tempo metereológico, o estado do país, a política caseira, os amores e as pequenas traições - estas ditas com voz muito baixa para que ninguém ouça, a não ser eu, obviamente. Também não temos dias e horas combinadas, pois, por sua vontade, querem que os encontros pareçam casuais. Nunca entendi essa reserva, mas nunca lhe dei importância, ou pus em causa essa vontade, talvez com receio de provocar melindres e perder amigos.

E os dias vão tombando em outros dias e nesse mecanismo irresgatável que nenhuma vontade pode domar, a primavera já foi, e o verão corre rápido ao encontro do outono. Os pássaros tornam-se melancólicos e pouco faladores, exibindo bicos de poucos amigos. As árvores despedem-se das folhas que numa última dança com a brisa fresca caem, num volteio dramático, sobre a relva verde e o ocre do saibrado, formando um espesso tapete por onde passará, com ar triunfal, o Inverno acompanhado dos seus poderosos acólitos que se chamam chuva, trovão, vento forte, geada, neve, frio, nevoeiro e escuridão. 

Faço uma pausa, e espero que o latejar dos dias me traga a Primavera, os amigos pássaros, o jardim e o banco habitual de ripas vermelhas sob a árvore de copa densa que peneira o calor do sol.

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publicado às 13:44

Olhas o branco do papel como se fosse um espelho. E desenhas a primeira letra, esperas pacientemente pela segunda, pela terceira até surgir a palavra.  E finalmente, algo pode acontecer... E novas palavras aparecerão e farão uma fila em cima duma linha imaginária. Pensas logo em comboios; onde tu és a locomotiva e as palavras vagões. Páras na primeira estação. A plataforma está cheia de palavras: umas subirão e outras ficarão. Novas palavras acrescentadas encherão um novo vagão.

O comboio pára num apeadeiro. No apeadeiro só há vírgulas, pontos e vírgulas, dois pontos, e outros sinais gráficos. É a hora das despedidas e das boas vindas. A viagem está quase a terminar. Só falta uma estação. A estação do espanto, da admiração, da magia onde não falta um baloiço onde  estás sentada empurrado pela vovó, num extraordinário jardim que desenhaste com as palavras que já conheces , e que para ti já têm cor, cheiro, forma, significado.

 

Para a minha neta Francisca e a avó

 

 

 

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publicado às 16:58


#2156 - Rosmaninho

por Carlos Pereira \foleirices, em 10.02.17

Rosmaninho

 

Uma casa alentejana, paredes alvas rematadas por uma larga risca amarela. Uma porta entreaberta, uma soleira, dois corpos cansados e enrugados.

Murmúrios.

"Boa Noite..."

"Boa Noite!"

Pássaros na gaiola.

A noite está quente.

Sombras projectadas na parede da casa.

Um filme mudo, sem legendas... saboroso, lento e cheio de pecado.

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publicado às 23:05


Geografias

por Carlos Pereira \foleirices, em 07.10.08

Há as ruas e os lugares. E os lugares que esqueceram como eram chamados para serem ruas, avenidas, caminhos, becos, números de polícia e códigos postais. Havia os quintais, as cortinhas e as quintinhas, os quinteiros, os aidos, a eira, o estrume, os currais e as retretes comunitárias e as folhas de jornal; as ramadas suspensas em braços de pedra;  carros de bois, desfolhadas, o milho-rei e o primeiro beijo. Capoeiras comandadas por galos emproados que comandavam galinhas e garnisés. Porcos na engorda à espera do capador, das arrobas certas e dos primeiros farrapos de geada; Os pés descalços que atropelavam "bolas de capa"; a fruta roubada no quintal do vizinho; as mestras que eram o nosso infantário; o suplício da cata de piolhos e lêndeas; a descoberta de livros que tinham cheiro; o Regedor e Salazar; as noites quentes apaziguadas nas soleiras; a cantina e a sopa dos pobres; o sangue que se ia buscar ao matadouro e que era comido depois de cozido;  as madrinhas de guerra; os soldados a desejarem na Emissora Nacional um feliz natal e um ano cheio de "propriedades"; o mata-porco e o arroz de miúdos; o vinho doce; o colo do meu avô e as sopas de cavalo cansado, e o presépio encaixado numa caixa de sapatos alcatifado com musgo verde; o Bonanza na "sede das pombas"; a alegria e a magia do circo "Arraiola Paramés"; o teatro na "Casa do Povo"; a forja do "Ti" Américo; o saco de pano a tiracolo com a lousa e o caderno de linhas. Primavera, Verão, Outono e Inverno; a Páscoa e as amêndoas e o beijar da cruz; Natal, cigarros e macinhos de chocolate embrulhados em papeizinhos brilhantes e coloridos que guardavamos entre as páginas de qualquer coisa que tivesse letras e desenhos; o tojo para a cama do gado; saquetas com cromos comprados na "Isaurinha"que trocavamos os repetidos; as mãos doridas pelas reguadas do professor Pinto, puxões de orelhas, bofetadas; a apanha diária de leitugas e carrijó; pregoeiros, vendedores de quinquilharias, amoladores, canastras de carapaus e sardinhas; as missas de domingo; os caldos de galinha que celebravam o nascimento e suavizavam as maleitas do parto, e só comidos em dias de festa; a "Ti" Margarida que nos libertava para a vida com um golpe de tesoura enferrujada;  Broa e papas de milho; almoço, janta e ceia, com merenda pelo meio; as rabanadas e malgas de vinho em Castelo de Paiva; as Segundas-Feiras de Páscoa com enguias fritas; os pirolitos e as camarinhas na Senhora da Saúde, em Fornos;  óleo-de-fígado-de-bacalhau; salgadeiras e masseiras; lareira e enchidos abençoados pelo fumo. A noite iluminada a candeias de azeite. A caixa da Sagrada Família. Colchões forrados a palha; forquilhas; brincadeiras, trepar às àrvores, brinquedos feitos de lata, uma fisga no bolso, pedrinhas, botões e berlindes, piões e faniqueiras, e várias fanfarronices; jogar à pancada, fazer recados, o acto subversivo de fabricar cigarros com barbas de milho enrolados em tiras de jornal. Risos, muitos risos que troçavam da pobreza, das doenças e da miséria.

- A bênção, meu Pai?!

- Que Deus te abençoe...

- A bênção, minha Mãe?!

- Que Deus te abençoe...

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publicado às 13:16


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