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#3112 - TREINAR

por Carlos Pereira \foleirices, em 13.05.20

TREINAR

 

Treinar a nudez.

Pintar de céu a nudez.

Pintar de sexo a nudez.

Desenhar na nudez a inocência.

Desenhar a Fornicação na nudez.

a nudez clássica igual à nudez actual.

experimentar roupas nuas.

confirmar que a nudez é mais nua que a roupa nua.

Treinar a nudez.

 

TEXTO DE GONÇALO M. TAVARES, DO LIVRO «LIVRO DA DANÇA», EDIÇÃO RELÓGIO D'ÁGUA, OUTUBRO DE 2018

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publicado às 10:48


#3057 - LIVROS E LEITURAS | LIVRO DA DANÇA (GONÇALO M. TAVARES)

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.11.19

Começar escultura, acabar noutro lado

 

O princípio é escultura.

O segundo é o Murmúrio por dentro da escultura a anunciar

a hipótese do Líquido.

a energia é murmúrio da MATÉRIA que aí vem dentro da

MATÉRIA que aí está.

No princípio a escultura.

Simular com o corpo a IMOBILIDADE, ou seja, simular o

NÃO-CORPO com o CORPO.

Depois de a escultura imaginar Murmúrios, multiplicá-los.

Como se o vírus Transmitisse Ruído e o Ruído PROPAGADO

como os líquidos caídos do ALTO conquistasse território

até tornar significativa a moleza do território duro.

A escultura, com a quantidade de murmúrios, torna-se líquida,

bebe-se. É alimento, SIM, mas tranquilo: não adormece

quem não dorme já,  não acorda quem não é já acordado.

Deixar sede mas não se deixar beber (o corpo).

sem TAXONOMIAS um metro acima da água (o corpo).

 

DO LIVRO «LIVRO DA DANÇA» DE GONÇALO M. TAVARES, EDIÇÃO RELÓGIO D'ÁGUA, OUTUBRO DE 2018

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publicado às 18:20


#3053 - A ESCRITA, O PENSAMENTO, OS LIVROS,

por Carlos Pereira \foleirices, em 31.10.19

Mário Cláudio, 50 anos de vida literária - Entrevista de Isabel Lucas para a Revista LER

"Uma escrita tipo Gonçalo M. Tavares, que admiro imenso, é uma escrita sem musicalidade; é o chamado "rumor branco". O rumor branco é isso, é o som não plástico. A escrita dele é essa e é admirável. Está nos antípodas da minha. Não consigo escrever sem a musicalidade das palavras."

 

Mário Cláudio em entrevista conduzida por Isabel Lucas - Revista LER, n.º 154, Verão 2019

______________________________________________________________________________________________________

Escritor português, de nome verdadeiro Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido a 6 de novembro de 1941, no Porto. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, onde se diplomou também como bibliotecário-arquivista, e master of Arts em biblioteconomia e Ciências Documentais pelo University College de Londres, revelou-se como poeta com o volume Ciclo de Cypris (1969). Tradutor de autores como William Beckford, Odysseus Elytis, Nikos Gatsos e Virginia Woolf, foi, porém, como ficcionista que mais se afirmou.
Publicou com o nome próprio, uma vez que "Mário Cláudio" é pseudónimo, um Estudo do Analfabetismo em Portugal, obra que reúne a sua tese de mestrado e uma comunicação apresentada no 6.° Encontro de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas Portugueses, em 1978. Colaborador em várias publicações periódicas, como Loreto 13Colóquio/Letras, Diário de LisboaVérticeJornal de Letras Artes e IdeiasO Jornal, entre outros, foi considerado pela crítica, desde a publicação de obras como Um Verão Assim, um autor para quem o verso e a prosa constituem modalidades intercambiáveis, detendo características comuns como a opacidade, a musicalidade e a rutura sintática, subvertendo a linearidade da leitura por uma escrita construída como "labirinto em espiral". A obra de Mário Cláudio apresenta uma faceta de investigador e de bibliófilo que, encontrando continuidade na sua atividade profissional, inscreve eruditamente cada um dos livros numa herança cultural e literária, portuguesa ou universal. Dir-se-ia que a sua escrita, seja romanesca, seja em coletâneas de pequenas narrativas (Itinerários, 1993), funciona como um espelho que devolve a cada período a sua imagem, perspetivada através de um rosto ou de um local, em que o próprio autor se reflete, e isto sem a preocupação de qualquer tipo de realismo, mas num todo difuso e compósito, capaz de evocar o sentido ou o tom de uma época que concorre ainda para formar a época presente.
Mário Cláudio recebeu, em 1985, o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores por Amadeo (1984), o primeiro romance de um conjunto posteriormente intitulado Trilogia da Mão (1993), em 2001 recebeu o prémio novela da mesma associação pelo livro A Cidade no Bolso e, em dezembro de 2004, foi distinguido com o Prémio Pessoa. Para além das obras já mencionadas, são também da sua autoria Guilhermina (1986), A Quinta das Virtudes, (1991), Tocata para Dois Clarins (1992), O Pórtico da Glória (1997), Peregrinação de Barnabé das Índias (1998), Ursamaior (2000), Orion (2003), Amadeu (2003), Gémeos (2004) e Triunfo do Amor Português (2004). O autor tem também trabalhos publicados na área da poesia (como Ciclo de Cypris, 1969, Terra Sigillata, de 1982, e Dois Equinócios, de 1996), dos ensaios (Para o Estudo do Alfabetismo e da Relutância à Leitura em Portugal, de 1979, entre outros), do teatro (por exemplo, O Estranho Caso do Trapezista Azul, de 1999) e da literatura juvenil (A Bruxa, o Poeta e o Anjo, de 1996).

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publicado às 15:42


#2904 - COMO USAR O SALTO (Crónica de Gonçalo M. Tavares no JL)

por Carlos Pereira \foleirices, em 08.11.18

 

COMO USAR O SALTO

 

No  " sagrado uso da verticalidade", expressão utilizada por Herberto Hélder, vemos pecisamente a antítese de algo que podemos designar como Humano uso da verticalidade. Neste uso humano da elevação temos um uso instrumental, um uso bípede e racionalista da verticalidade. Estamos em pé para usar instrumentos, máquinas,  para olhar de frente para certas máquinas; até mesmo isto: para olhar de frente para certas fórmulas matemáticas, para as entender. O uso humano da verticalidade construiu as cidades, sim, e também esse edifício de material insólito: a matemática.

 

Mas há então o outro uso da verticalidade; o uso não humano, mas sagrado. Digamos que a dança, certa forma de dança, usa esse uso. Enquanto dança, o homem é vertical não para entender fórmulas ou mexer em máquinas, mas para outra coisa: para entender, tanto quanto possível, o céu e a ausência e esquecimento do corpo. Esquecer o corpo na dança é usar a verticalidade muscular para esquecer os músculos. Como se a certa altura o homem quisesse ser vertical não para ser mais alto do que os outros animais, mas para ser apenas ligeiramente mais baixo que o céu (e os seus eventuais deuses.)

 

CRÓNICA DE GONÇALO M. TAVARES NO JL-JORNAL DE LETRAS, ARTES E IDEIAS. N.º 1255, ANO XXXVIII, PÁGINA 32

 

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publicado às 17:48


#2897 - PRÉMIO LITERATURA SEM FRONTEIRAS

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.11.18

Cluj-Napoca: Gonçalo M. Tavares na 6.ª edição do Festival Internacional do Livro da Transilvânia

A 6.ª edição do FICT - Festival Internacional do Livro da Transilvânia decorre entre 2 e 7 de outubro de 2018 na cidade de Cluj-Napoca, na Roménia.

O escritor português Gonçalo M. Tavares é um dos convidados de honra desta edição. O autor terá a oportunidade de participar do lançamento das versões romenas dos seus títulos “Enciclopédia: Breves Notas Sobre Ciência”, ”Breves Notas Sobre o Medo”, “Breves Notas Sobre as Ligações” (Llansol, Molder e Zambrano), “Breves Notas Sobre a Música” e “Breves Notas Sobre a Literatura – Bloom” com tradução de Corina Nutu, e serão publicadas pela Editora, na coleção Longseller.

 

Gonçalo M. Tavares foi o vencedor do Prémio Literatura Sem Fronteiras atribuído no âmbito da 6.ª  edição deste Festival.

 

Fonte:    Camões - Instituto da Cooperação e da Língua

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publicado às 23:42


#2721 - Uma Viagem à Índia (Gonçalo M. Tavares) - Excerto

por Carlos Pereira \foleirices, em 13.12.17

uma viagem à india-gm tavares005.jpg

Gonçalo M. Tavares

 

(...)

1

Embora a humanidade demore tempo a chegar

a um sítio, devido a imprevistos espantosos

e a obras no caminho, a natureza, essa,

nunca se atrasa.

Sempre com a luz certa, a natureza prossegue.

Era já, então, fim de tarde, quando Maria E abriu a porta

e disse: Oh, caro Thom C, que bom ver-te,

trouxeste um amigo?

 

2

No jornal as notícias podem, em dias de chuva,

ser dobradas para caberem no bolso, permanecendo secas.

Qualquer notícia grandiosa, um terramoto mortífero

ou um palácio recém-inaugurado, quando bem dobrada,

cabe num espaço de 8 por 6 centímetros,

o que não deixa de surpreender. Esta imagem é ainda relevante

para quem não quer perceber a importância e o espaço

ocupados pelo universo ou pelos países adjacentes

na vida de um pequeno cidadão.

 

3

E mesmo um indivíduo de estatura mediana

poderá esquecer, durante meses,

o mapa da mundo no bolso de trás das calças.

Tal facto, parecendo paralelo à nossa história,

não deixa de se cruzar com ela, mostrando que nas ideias

o infinito é coisa para o início da manhã

do dia seguinte.

 

4

Maria E convidou, então, delicadamente, Thom C

e o seu amigo Bloom a entrarem, oferecendo-lhes de imediato

poltronas cómodas, whisky perfeito, aperitivos,

uma vista deslumbrante  sobre as chaminés de uma fábrica

de grande importância na região,

e, pormenor não irrelevante, mostrando ainda, nos movimentos que fazia,

aquilo que de longe eram os melhores indícios do apartamento: seios felizes,

pernas de fazer parar o pensamento e

nádegas espantosas, imprescindíveis, duplas e fortes.

Esta é a melhor região de Londres, disse Bloom,

enquanto da janela admirava o belo e espesso fumo negro

que da fábrica saía.

 

5

Porém, Bloom não se sentou logo nas poltronas

que lhe pareciam ter um conforto excessivo.

Com prudência e curiosidade perguntou

se poderia passear um pouco por tão delicioso apartamento

que, apesar de pequeno, era prometedor,

sendo que todos sabem

que um homem pode demorar mais tempo

a percorrer a minúscula casa da mulher que deseja

do que a atravessar o mundo, de uma ponta à outra,

com mochila às costas.

(...)

 

Canto II (Excerto) - Uma Viagem à Índia, de Gonçalo M. Tavares, págs. 73 e 74 - Edição Editorial Caminho, Agosto de 2011

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publicado às 13:34


#2441 - Livros e Leituras

por Carlos Pereira \foleirices, em 12.06.17

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. A mulher-Sem-Cabeça - onde está ela?

 

A mãe avança sozinha, já sem cabeça, e procura os seus três filhos. Está no quintal, a cabeça foi cortada e o sangue que vai saindo traça um percurso, um itinerário que será fundamental para os três filhos a encontrarem. Porque a mãe quer encontrar os seus três filhos, mas está já sem cabeça - e assim não é possível.

 

A mãe sem cabeça corre no quintal e várias galinhas afastam-se, olham para cima e não percebem a forma daquele ser humano.

 

O quintal é grande e a mulher a quem cortaram a cabeça continua a avançar, passo a passo, como um ser humano a quem tivessem vendado os olhos. Parece a brincadeira infantil - a  cabra-cega - mas àquela mulher não taparam os olhos com uma venda, cortaram a cabeça com um machado. Ela avança a chamar pelos filhos (mas por onde grita?) e subitamente percebe: está perdida. A Mulher-Sem-Cabeça está no que é certamente um Labirinto, e nesse Labirinto vai-se cruzando com os mais variados animais: cabras, porcos, galinhas, um cavalo - animais. Dois porcos copulam, mas a Mãe-Sem-Cabeça não vê. 

(...)

 

Início do livro de Gonçalo M. Tavares "A Mulher-Sem-Cabeça e o Homem-do-Mau-Olhado", página 9, edição Bertrand Editora, Abril de 2017.

 

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publicado às 14:49


#2378 - Espanto e fragmento

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.05.17

Gonçalo M. Tavares

a interrogação, o questionar

 

Começar aqui é interromper uma tarefa noutro lado, claro.

 

A propósito de Heidegger, Steiner escreve. "Precisamos de dar mais assistência ao pensamento." (1)  Esta assistência, esta atenção cuidadosa pode ser interpretada como a atenção que se tem em relação a um ferido e, sendo assim, é quase comovente: não tires os olhos do pensamento; ele precisa de ti. Eis o que cada um de nós poderia dizer. E neste pensamento há uma marca que permite o avanço; a "fonte do pensamento genuíno é o espanto, espanto por, e perante o ser. O seu desenvolvimento é essa cuidada tradução do espanto em acção que é o questionar"(2), escreve Steiner. Questionar "é a tradução do espanto em acção". Não basta, pois, o espanto imóvel,  o espanto contemplativo, precisamos de um espanto agressivo, que ameace, que questione. Um espanto que sabe para onde vai. Como diz uma das personagens de Musil: é "tão simples ter força para agir e tão difícil encontrar um sentido para a acção!"(3)

Para Heidegger, segundo a interpretação de Steiner, as "técnicas metafísicas de argumentação e sistematização impedem-nos [...] de exprimir os nossos pensamentos no registo vital da interrogação"(4). Mas a interrogação é essencial. Impor afirmações que põem questões.

______________________________________________________

______________________________________________________

(1) - Steiner, George - Heidegger, 1990, p. 53, Dom Quixote.

(2) - Idem, p. 54.

(3) - Muitas das vezes, escreve ainda Musil, no mesmo excerto, o Homem encontra um sentido único e fecha-se nele: "o Homem não faz mais do que repetir, durante toda a sua vida, um só acto: ingressa numa profissão e progride nela".(Musil, Robert, O Homem sem Qualidades, 3.º Tomo, p. 90, Livros do Brasil)

(4) - Steiner, George - Heidegger, 1990, p.54, Dom Quixote

 

Excerto retirado do livro Atlas do Corpo e da Imaginação de Gonçalo M. Tavares, Capítulo I - O Corpo no Método, pags., 25 e 26 - Editorial Caminho, Setembro de 2013

 

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publicado às 18:45


#2307 - Uma Viagem à Índia (Excerto)

por Carlos Pereira \foleirices, em 22.04.17

 

«55

 

E a cidade ganhou dependências: abastece-se

de homens e mulheres vindos de países trágicos

e passa por caridosa momentos antes de

os expulsar. A Europa começa a ficar inclinada,

é necessário vigiar. De noite, é um facto, os pobres correm

muito para debaixo dos tapetes. Na Idade Média

havia epidemias de ratos, mas  o caso foi resolvido

a tempo. Nascemos no século em que, de longe, a lista

de medicamentos é mais longa. Festejemos, pois,

com a bebida certa.

 

56

 

O dinheiro tornou-se moralmente inatacável. Para os pobres

as leis parecem ser pormenorizadas, para os ricos

abordam generalidades: abaixo de um massacre

não devemos incomodar os tribunais

- estaríamos a insultar o bom nome dos sujeitos.

E somos tão felizes! As mulheres mais aperfeiçoadas

dançam à moeda como as velhas máquinas de canções.

Ao amor, para ser deste século, só falta a ranhura

adequada ao câmbio actual.

 

57

 

Somos muito felizes. Nas análises, a urina

nada acusa, e o sangue não é tirado à força com uma espada

como acontecia nas batalhas de séculos anteriores;

o sangue agora sai através  de uma finíssima agulha

trazida por uma enfermeira obesa.

O estado preocupa-se com a tua saúde

e, progresso enorme, manda as boas-festas pela televisão.

 

58

 

E há depois as palavras. A relação entre os homens

está gramaticalmente outra. Tolerância,

respeito, leis serenas: a cidade vista de cima

parece um lago, tão calma que está.

É tão perfeita que não se percebe como é que os animais

da floresta não se mudam todos para cá.»

 

Excerto do livro de Gonçalo M. Tavares «Uma Viagem à Índia» páginas 227 e 228 - Canto V

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publicado às 17:30


#2278 - Violência Civilizada

por Carlos Pereira \foleirices, em 11.04.17

 "A pena de morte decidida por um tribunal torna-se assim, subitamente, num assassinato educado, segundo as determinações da civilização; assassinato delicado, pois, quase uma demonstração de boas-maneiras por parte do Estado: matamos, mas depois de ouvir os dois lados, depois do Tribunal reflectir longamente: matamos, ou apenas prendemos, mas de uma maneira intelectualmente elevada (continuemos na ironia): não somos bichos: não matamos nem raptamos sem primeiro reflectirmos. Depois de muito estudo e discussão dialéctica, então sim: agimos violentamente.

 

As decisões legais de um tribunal sobre o corpo são vistas assim, não como violências físicas mas como processos intelectuais, conclusões racionais de uma série de procedimentos cerebrais; a pena de morte ou a sentença que determina a prisão surgem como aparições racionais e não como aparições animalescas (como no caso dos crimes individuais). Determina-se a pena de morte da mesma maneira que se chega ao resultado único de uma equação matemática, com a mesma satisfação do dever cumprido e como conclusão de um processo longo. Diz-se, e repete-se: a lei não é  uma ciência e, no entanto, a lei tem consequências práticas mais importantes do que qualquer determinação científica. Uma lei age directa e imediatamente sobre o corpo dos homens, enquanto uma descoberta científica pode demorar anos até ter interferência concreta no dia concreto dos Homens. As leis do Estado são assim como que leis da Física - pensemos na lei da gravidade por exemplo -, que são feitas cumprir, não pela própria natureza - como a lei da gravidade (experimenta voar e verás) - mas pelos outros homens. Não voo, porque a Natureza não me deixa; e não mato porque os outros homens não me deixam.

 

Claro que há limites para esta aceitação da lei. Didier Eribon, num livro sabre a vida de Michel Foucault, cita a famosa frase de Camus: "Acredito na justiça, mas defenderei a minha mãe primeiro que a justiça"

 

Excerto do livro de Gonçalo M Tavares "Atlas do corpo e da imaginação", Editorial Caminho, Setembro de 2013

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publicado às 16:37

O escritor Gonçalo M. Tavares está entre os 25 nomeados para o Prémio de Melhor Livro Traduzido nos Estados Unidos na categoria de ficção, com a obra A Máquina de Joseph Walser , anunciou hoje a editora Caminho.

 

De acordo com a editora, a Three Percent, criada pela Universidade de Rochester, organizadora do galardão patrocinado pela Amazon, anunciou na terça-feira a lista de nomeados, entre os quais constam, além do autor português, Herta Müller, Clarice Lispector e Michel Houellebecq.

 

Gonçalo M. Tavares também está nomeado para o International IMPAC Dublin Literary Award 2013, pelo livro Aprender a rezar na era da Técnica.

Publicado nos Estados Unidos pela Dalkey Archive Press sob o título Joseph Walser’s Machine ( A Máquina de Joseph Walser), o livro foi traduzido por Rhett McNeil.

 

O Prémio de Melhor Livro Traduzido nos Estados Unidos é atribuído anualmente ao melhor livro traduzido para inglês e publicado nos Estados Unidos, tendo habitualmente em conta a qualidade da obra e a tradução.

 

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publicado às 15:58


#1642 - O Cavalo

por Carlos Pereira \foleirices, em 06.03.12

 

Um cavalo parado; presa a ele uma carroça parada. Na carroça, dois corpos com uma corda ao pescoço e mãos amarradas atrás das costas. Estão mortos

 

Voltamos ao cavalo. Está parado. Aguarda qualquer coisa. Uma ordem, talvez. Mas o cavalo não percebe nada. É muito estúpido.

 

Texto de Gonçalo M. Tavares in  Short Movies

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publicado às 11:56


#1639 - O coala

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.03.12

 

O COALA

 

«O coala é levado às cavalitas pela mãe» e isso parece excelente também aqui nas ruas do México, em que as mães levam os filhos às cavalitas e também ne europa os meninos vão às cavalitas e também nas inundações e por vezes nos incêndios e por vezes nos terramotos, é bom sempre este dorso de cavalo que a mãe tem e que permite que os meninos subam às suas cavalitas e pensem que é uma brincadeira o que afinal é desespero.

 

Texto de Gonçalo M. Tavares in «Canções Mexicanas»

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publicado às 22:11


#1590 - Gonçalo M. Tavares vence prémio Fundação Inês de Castro

por Carlos Pereira \foleirices, em 24.01.12

 

O escritor Gonçalo M. Tavares venceu a quinta edição do prémio literário Fundação Inês de Castro, de Coimbra, com o romance "Uma Viagem à Índia".


O júri do prémio atribuiu ainda um Tributo de Consagração a Fernando Echevarría, 82 anos, pelo conjunto da obra literária.


O júri do prémio Fundação Inês de Castro integrou José Carlos Seabra Pereira, Mário Cláudio, Fernando Guimarães, Frederico Lourenço e Pedro Mexia.


O romance "Uma Viagem à Índia", editado em 2010, tem por referência "Os Lusíadas", mas é "uma narrativa de uma viagem contemporânea, no século XXI", como explicou o autor à agência Lusa quando o livro foi lançado.

 

O escritor receberá o prémio - que inclui uma escultura de João Cutileiro - 04 de fevereiro na Quinta das Lágrimas, em Coimbra.


Nas edições anteriores, foram distinguidos Pedro Tamen, Teolinda Gersão, José Tolentino de Mendonça e Hélia Correia.

 

"Uma Viagem à Índia" já valeu a Gonçalo M. Tavares o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores e o Prémio Literário Fernando Namora/Estoril Sol, tendo sido ainda finalista do prémio Portugal Telecom de Literatura.


Gonçalo M. Tavares nasceu em Angola, em 1970, e já recebeu vários prémios, nomeadamente o Prémio José Saramago 2005 e o Prémio LER/Millennium BCP 2004, ambos para o romance "Jerusalém".


O escritor publicou no final do ano passado o livro "Short Movies".

 

Fernando Echevarría, nascido em Espanha em 1929 filho de pai português e mãe espanhola, recebeu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores 2009 pelo livro "Lugar de Estudo".

 


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publicado às 20:55


#1555 - Novo livro de Gonçalo M. Tavares

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.12.11

 

'Canções Mexicanas' é o mais recente livro de Gonçalo M. Tavares. Editado pela Relógio D'Água, o livro regista a passagem do escritor pela Cidade do México há quatro anos.

 

A obra é uma ficção fragmentária sobre um homem inquieto que mergulha numa cidade que "não tem rios de água mas sim de gente", onde as crianças mandam e os adultos obedecem, onde as casas e as ruas perdem as fronteiras.

A editorial Caminho editou, também este mês, outro livro de Tavares. Chama-se 'Short Movies' e representa uma tentativa de fazer um filme a partir de fragmentos de texto que aspiram chegar à máxima visualidade possível.

 

Ler as primeiras páginas deste livro aqui.

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publicado às 18:02


#1444 - Livros para ler nas férias

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.07.11

As sugestões de leitura  para as férias,  de acordo com o Jornal Sol.

 

Uma Viagem à Índia, Gonçalo M.Tavares. Romance vencedor do Prémio APE , de um dos mais aclamados escritores portugueses.

 

O Grande Bazar Ferroviário, Paul Theroux. Escrita por um dos mais famosos autores de literatura de viagens mundiais, esta é a narrativa do seu périplo pelos caminhos-de- ferro asiáticos, desde o Expresso do Oriente ao Transiberiano.

 

Quarto Livro de Crónicas, António Lobo Antunes. Só lhe falta o Nobel. Até à publicação do próximo romance (depois do Verão) o melhor é ir lendo as crónicas. Aqui se reúnem 79 dos textos publicados na revista Visão.

 

Destinos Entrelaçados, Abraham Verghese. Desde os anos 40 até aos dias de hoje, esta saga familiar passa por um convento na Índia, uma sala de operações na Etiópia e um hospital no Bronx, numa narrativa em que cirurgia e história – tal como os destinos – se entrelaçam.

 

Dicionário de Coisas Práticas, . Para conhecer melhor as opiniões do novo secretário de Estado da Cultura, que aqui se debruça sobre variados temas.

 

A Viagem, Virginia Woolf. Primeiro romance da autora, publicado em 1915, um rito de passagem para a maioridade. A protagonista parte para a América do Sul numa viagem de autodescoberta.

 

A Toupeira,. Primeiro livro da trilogia de Smiley, a série que deu ao autor o título de mestre da literatura de espionagem. Um agente a trabalhar para os soviéticos infiltrou-se nos Serviços Secretos Britânicos, pondo em causa algumas missões. Quem será?

 

Ilha Teresa, Richard Zimler. Se o escritor se mudou há duas décadas dos EUA para Portugal, neste romance faz o caminho contrário, colocando-se na pele de uma adolescente portuguesa emigrada nos EUA

.

A Verdadeira História do Bandido Maximiliano, Jacinto Rego de Almeida. Um divertido thriller composto por um manuscrito perigoso, uma família de bandidos e pelo clima tropical brasileiro. Perfeito para ler ao sol.

 

La Coca, J.Rentes de Carvalho. O escritor português é uma verdadeira pop-star literária na Holanda, mas só agora foi descoberto em Portugal. Muito humor numa narrativa que versa sobre o contrabando e o tráfico de droga no Norte do país.

 

Pornopopeia, Reinaldo Moraes. Um livro brasileiro de excesso para uma época de excessos. Sob a pressão de ter que fazer um filme publicitário sobre enchidos de frango, o protagonista entra numa espiral de sexo, álcool e drogas. Para rir e conhecer o que de melhor se está a fazer na literatura em língua portuguesa do lado de lá do Atlântico.

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publicado às 23:26

 

O escritor Gonçalo M. Tavares venceu o Grande Prémio de Romance e Novela atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores, em conjunto com o Ministério da Cultura, pela obra "Uma Viagem à Índia", editado pela Caminho.

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publicado às 18:58


O escritor Gonçalo M. Tavares foi distinguido com o Prémio Literário dos Jovens Europeus, com o livro “O Senhor Kraus”, um dos habitantes do Bairro que criou e continua a povoar.

 

In

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publicado às 20:51


#1333 - Outubro, o mês de Gonçalo M. Tavares

por Carlos Pereira \foleirices, em 29.09.10

A segunda quinzena de Outubro traz dois novos livros de Gonçalo M. Tavares: Uma Viagem à Índia (Caminho) e Matteo Perdeu o Emprego (Porto Editora).


In "LER"

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publicado às 22:34


#1023 - Prémio PT de literatura é atribuído amanhã

por Carlos Pereira \foleirices, em 09.11.09

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Lobo Antunes, Inês Pedrosa, Gonçalo M. Tavares e José Luís Peixoto entre os finalistas.

 

Quatro autores portugueses estão entre os dez finalistas do Prémio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, cujo vencedor será anunciado amanhã à noite, em São Paulo. António Lobo Antunes (com o romance Ontem não Te Vi em Babilónia), Gonçalo M. Tavares (Aprender a Rezar na Era da Técnica), Inês Pedrosa (A Eternidade e o Desejo) e José Luís Peixoto (Cemitério de Pianos) são os romancistas que concorrem à sétima edição de um prémio que, em 2007, já contemplou o português Gonçalo M. Tavares (este ano reincidente), com a obra Jerusalém.


Entre os finalistas estão também os brasileiros Lourenço Mutarelli (pelo romance A Arte de Produzir Efeito sem Causa), João Gilberto Noll (Acenos e Afagos), Silviano Santiago (Heranças) e Maria Esther Maciel (O Livro dos Nomes). Estão ainda seleccionados um livro de contos (Ó), de Nuno Ramos, e outro de poesia, Cinemateca, de Eucanaã Ferraz.

O Prémio PT é considerado um dos mais importantes atribuídos a livros em português (ficção, poesia, crónica, biografia) editados no Brasil. O vencedor recebe cem mil reais (cerca de 39,2 mil euros).

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publicado às 13:22


Gonçalo M. Tavares entre finalistas de prémio literário francês

por Carlos Pereira \foleirices, em 03.03.09

 

 

O livro "Jerusalém", de Gonçalo M. Tavares, está nomeado para o prémio Cévennes de melhor romance europeu publicado em França em 2008, anunciou a editora Editorial Caminho.


A obra de Gonçalo M. Tavares, publicada em França no final de 2008 pela editora Viviane Hamy, está entre os dez finalistas àquele prémio literário, no valor de 25 mil euros, dos quais 20 mil euros se destinam ao autor e os restantes 5 mil euros premeiam o tradutor.


Em Maio serão escolhidos cinco finalistas e o vencedor será anunciado a 13 de Junho em Alés, sul de França, por um júri que integra editores, críticos e escritores.


Além de Gonçalo M. Tavares, são finalistas os escritores Manuel Rivas, Hanif Kureishi, Sandro Veronesi, Jean Echenoz, Sasa Stanisic, Morten Ramsland, Jean-Baptiste Del Amo, Vassili Golovanov e Charles Lewinsky.


Além de "Jerusalém", Gonçalo M. Tavares tem publicado em França "Monsieur Valéry" e este ano serão editadas também as traduções de "O senhor Calvino" e "O Senhor Kraus".


O romance "Aprender A Rezar Na Era Da Técnica" deverá sair no mercado francês em 2010, adiantou a Editorial Caminho.


Vencedor do Prémio Saramago em 2005 e Prémio Portugal Telecom 2007, Gonçalo M. Tavares prepara uma nova linha de ficção na Porto Editora, que tem como ponto de partida o conceito de cidade.


Gonçalo M. Tavares, 38 anos, é considerado um dos melhores romancistas da sua geração. Dele, José Saramago elogia-lhe a "imaginação totalmente incomum" e "uma linguagem muito própria, em que a ousadia vai de braço dado com a vernaculidade". "Vaticinei-lhe o prémio Nobel para daqui a trinta anos, ou mesmo antes, e penso que vou acertar", escreveu José Saramago no seu blogue "O Caderno de Saramago". [publico.pt].

 

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publicado às 19:29


Gonçalo M. Tavares na Porto Editora

por Carlos Pereira \foleirices, em 07.01.09

Segundo um comunicado que acabo de receber (BIBLIOTECÁRIO DE BABEL), a Porto Editora (PE) vai publicar «uma nova linha de ficção» de Gonçalo M. Tavares, um escritor que amplia assim a considerável lista de editoras com que trabalha ou já trabalhou (Caminho, Relógio d’Água, Campo das Letras, Assírio & Alvim, Difel, Teatro do Campo Alegre). Embora o projecto não esteja completamente definido, Tavares avança que a nova «linha» terá como ponto de partida «o conceito de cidade».
No final de 2008, o escritor publicara já um texto – Bucareste-Budapeste: Budapeste-Bucareste – numa colectânea da PE intitulada Contos Policiais. Cláudia Gomes, responsável pela Divisão Editorial Literária do Porto da PE, congratula-se com o acordo e adianta que este é mais um passo dado no sentido de «reforçar a presença no âmbito da ficção portuguesa e apostar nas novas vozes da nossa literatura».

 

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publicado às 17:44


Prémio Internacional Trieste 2008

por Carlos Pereira \foleirices, em 13.11.08

Gonçalo M. Tavares acaba de receber em Itália o Prémio Internacional Trieste 2008, com o livro “1″, originalmente publicado na Relógio D’Água.
É a décima primeira edição do Premio Internazionale Trieste-Poesia.
O prémio é composto por uma parte monetária, no valor de mil e quinhentos euros, e por uma obra de arte. O autor estará presente na noite de sexta-feira, 21 de Novembro, em Trieste, para receber o prémio.
Nos anos anteriores ganharam este prémio autores como Justo Jorge Padròn (Espanha),Alvaro Mutis (Colombia), Tahar Ben Jelloun ( Marrocos/ França - participou no VI Simpósio Sete Sóis Sete Luas, na biblioteca municipal de Santa Maria da Feira , a 1 de Dezembro de 2007) e Omar Lara (Chile).

(retirado do blog Ciberescritas) 

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publicado às 18:09


Excluídos

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.11.08

Quem comete um erro é excluído; é fechado dentro de uma caixa. Quem está fora vê apenas a caixa. Mas quem está fechado, excluído, consegue ver cá para fora. Vê tudu, vê-nos a todos.


Em cada compartimento há dezenas de caixas. Milhares de caixas por todo o  lado. A maior parte delas vazia. Outras têm lá dentro pessoas excluídas. Ninguém sabe quais as caixas que têm pessoas.


As caixas são tantas que ninguém lhes dá importância. Pode estar lá uma pessoa, atá a que amas, mas não olhas. Já não produzem efeito. Passas por elas centenas de vezes.

 

Do livro JERUSALÉM,  de Gonçalo M. Tavares,  edição Caminho

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publicado às 15:58


António Lobo Antunes vs Gonçalo M. Tavares - Conversas

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.10.08
 

Com a quinta edição de O Arquipélago da Insónia (Publicações Dom Quixote) a chegar às livrarias, António Lobo Antunes, 66 anos, recebeu no ateliê onde escreve o «leitor» Gonçalo M. Tavares, 38 anos. Não se conheciam pessoalmente, mas acederam ao convite. Falar sobre literatura, deixando-se ouvir pela VISÃO. Deste encontro há-de resultar, dentro de dias, uma apresentação pública da nova obra por Rui Cardoso Martins e Gonçalo M. Tavares, assim o quis o próprio Lobo Antunes. Conversa solta à volta dos livros com a voz (quase) muda de uma jornalista em corpo presente.

 

ANTÓNIO LOBO ANTUNES: No princípio, fazia muitos planos, mas agora quando escrevo não tenho nada, absolutamente nada. As coisas aparecem-me e, quando está a correr bem, a mão fica feliz.

 

GONÇALO M. TAVARES: O que eu sinto é que há duas fases: essa fase do prazer e, depois, a fase dolorosa, que para mim significa sofrimento puro.

 

ALA: A parte das correcções é horrível. Eu corto, corto, corto… É como ser professor de português e ter que corrigir os pontos dos alunos. E, ainda por cima, pontos maus, porque as primeiras versões são de facto muito distantes daquilo que imaginávamos que o livro seria. Como aproximar tudo aquilo? Só através de correcções, correcções, correcções.

GMT: O António costuma cortar?

 

ALA: Eu sou mais de cortar. O Eça acrescentava e o Proust também, mas os escritores que cortam são mais frequentes do que aqueles que acrescentam.

 

GMT: Já era assim, nos primeiros livros?

 

ALA: Sempre fui assim. Andei um ano com o primeiro capítulo da Memória de Elefante. Estive agora a ver, nos manuscritos que lá tenho, a quantidade de livros que nunca foram adiante, falsas partidas. Mas depois de ter visto as várias versões da Guerra e Paz e, que se saiba, há 14 versões de A Morte de Ivan Ilitch… O Manuel da Fonseca estava sempre a dizer que ser espontâneo dá muito trabalho.

 

GMT: São necessárias cem versões para parecer que se escreve à primeira, não é? De qualquer modo, eu acho que há um momento a partir do qual se piora. Balzac falava muito nisso. Tira ponto, mete vírgula e, a certa altura, é preciso ir ao caixote do lixo à procura da primeira versão.

 

ALA: Aconteceu-me quando a Isabel [a filha mais nova] era pequenina. Estava de férias no Algarve, deitei tudo fora e, no dia seguinte, fui ao lixo procurar as folhas rasgadas no meio das cascas e da gordura. Naquela altura, deitava-me com o livro, sonhava com ele e, agora já não. Dantes também fazia planos.

 

GMT: O Arquipélago da Insónia não é nada de planos. O que me parece é que este livro clarifica a coisa, torna os outros mais claros. Como se os livros anteriores fossem uma floresta na qual, de vez em quando, vemos O Arquipélago da Insónia. Agora, sinto que chegámos a uma clareira e que é preciso um novo leitor. Aqui não se pode sair da frase que se está a ler. E isso é absolutamente novo.

 

ALA: O ponto é esse. As palavras são aquelas e não podem ser outras.

 

GMT: Muitas pessoas podem sentir dificuldade em ler porque há uma necessidade de referência.

(As pessoas procuram uma narrativa.)

 

GMT: Mas aqui nunca precisamos de pensar o que é que aconteceu, o que é que vai acontecer.

 

ALA: Não acho que os meus livros sejam difíceis, para mim são tão fáceis...

 

GMT: São fáceis e muito divertidos. Eu ri-me às gargalhadas.

 

ALA: Também dizem que os livros são tristes, mas o que é importante é o prazer da leitura. Não há nada melhor do que ler um livro. As obras de arte são como os tigres, não se devoram entre elas. Encontrar alguém com talento é uma felicidade, encontrar um livro bom é uma festa, uma alegria.

 

GMT: Gostava de contar uma história. Quando tinha 20 anos, enviei-lhe um manuscrito de um romance. Não se deve recordar, mas falou comigo ao telefone. Nessa altura, eu assinava com outro nome: Gonçalo Albuquerque Tavares.

 

ALA: Gonçalo Albuquerque Tavares. Lembro-me perfeitamente.

 

GMT: E gostou muito do livro. Recordo-me de terminar o telefonema a dizer: «Você é um escritor, não precisa de mim para nada, este livro está pronto para publicar, avance.» Quando desligámos, fiz um sapateado de alegria. Nunca cheguei a publicar esse livro, mas lembro-me da sua atenção e da sua disponibilidade para falar. Aos 20 anos, isso foi muito importante para mim.

 

ALA: Está a fazer de mim um velho.

 

GMT: Não… E acho que, apesar do seu conselho, fiz muito bem em só publicar aos 31 anos.

 

ALA: Lembro-me de falar à editora de um rapaz com uma grande margem de progressão, que era o que me interessava. Percebe-se que se trabalha… Quem quer escrever tem que escrever todos os dias. Porque este é um trabalho de disciplina. Claro que existe o talento. García Márquez, que é um grande narrador, dizia que o talento é como um berlinde na mão: ou se tem ou não se tem. Estava na América quando morreu o Paul Newman e, numa entrevista de arquivo, ouvi-o falar das pessoas que tinham talento natural e não trabalhavam.

 

GMT: A mim irrita-me o desperdício de tempo. Às vezes, apetece-me bater em algumas pessoas que tiveram a possibilidade de ler e não leram.

 

ALA: Não lê todos os dias como eu leio?

 

GMT: Leio todos os dias. Há dias perguntaram-me entre ler e escrever…

 

ALA: Ler dá mais prazer.

 

GMT: É uma necessidade brutal. O que sinto é que, por vezes, as pessoas desperdiçam dez anos sem dirigir o seu tempo. Há um enorme descontrolo do tempo.

 

ALA: É como aquelas pessoas que escrevem o primeiro livro aos 50 anos. Não se começa a escrever aos 50, escrever é algo que se constrói desde que se nasce. Desde que me conheço que sou assim.

(E publicar, é importante?)

 

ALA: Claro que sim. Vamos aprendendo com os livros publicados. Até porque eles estão dentro de nós.

(No caso do Gonçalo foi diferente, escreveu dezenas de livros que não publicou logo.)

 

GMT: Praticamente todos os que saíram até agora.

 

ALA: Não tentou sequer publicá-los?

 

GMT: Não. Para mim, era muito claro que a publicação, a partir de certa altura, seria uma coisa ruidosa.

 

ALA: Quem é que pensa que o pôs na Mondadori [editora espanhola, pertencente à Random House]? O Cláudio López é muito bom editor…

 

GMT: O Cláudio López percebe de literatura. Lê…

 

ALA: Que é uma coisa que os editores não fazem em Portugal.

 

GMT: Então, foi o António que me levou para a Mondadori…

 

ALA: Sim, não pense que foi a sua agente [risos].

 

GMT: Há coincidências engraçadas.

 

ALA: Não sabia?

 

GMT: Não, não sabia. Mas agradeço.

 

ALA: Eu é que tenho que lhe agradecer por escrever. Já há muito tempo que o Günter Grass tem direito de veto sobre os livros que a sua editora publica. Aquilo deve dar um trabalhão. Não tenho tempo para ler tudo, prefiro ler os livros de que gosto. Por exemplo, se eu alguma vez lia os 400 e tal originais candidatos ao Prémio Leya…

 

GMT: Isso é horrível.

 

ALA: Além disso, o prémio é estúpido. Um prémio só internacionaliza um autor quando, no passado, foi dado a outros autores importantes. Nunca concorri a um prémio. Nunca. Deus me livre. Também não lhes queria dar o prazer de não mo darem. Um escritor não concorre a prémios, a não ser que esteja à rasca. Já concorreu?

 

GMT: Já.

 

ALA: Porquê?

 

GMT: Porque estava à rasca.

 

 

ALA: De dinheiro?

(O dinheiro também é importante.)

 

GMT: É muito importante. O tempo está ligado ao dinheiro. Quando me deram o Prémio Portugal Telecom, perguntaram-me o que é que ia fazer com o dinheiro. Eu respondi que ia comprar tempo.

 

ALA: Devia ter dito que ia comprar um [bolo] económico e uma carcaça. Ninguém pergunta a um banqueiro o que é que ele faz ao dinheiro, mas perguntam-no a um escritor como se nós fôssemos mendigos. Parece uma tia minha que, quando dava uma esmola, dizia: «Agora não gaste tudo em vinho.»

 

GMT: Uma pessoa é convidada para falar meia hora e, em Portugal, isto é visto como se…

(Como se não valesse nada.)

 

GMT: Há uma desvalorização da palavra. E sobretudo da palavra oral.

 

ALA: Na Alemanha, tudo isso é pago. Aqui, à excepção dos amigos, não falo de borla para ninguém. Nem pensar. E a quantidade de vezes que me pedem para «escrever qualquer coisa»? Escreva aí qualquer coisa, umas palavrinhas para um livro meu, umas palavrinhas para aqui e para acolá.

 

GMT: É engraçado isso de escrever num instante. Vamos imaginar que se escreve um texto em 20 minutos. A questão é que não são apenas aqueles 20 minutos, a questão é: quem é que paga os 40 anos que a pessoa esteve a ler?

 

ALA: Exactamente o que aconteceu com o Picasso quando lhe perguntaram quanto tempo é que ele demorava a pintar um quadro. E ele respondeu: o tempo que demorei a pintá-lo mais todos os anos da minha vida.

 

GMT: Há um chupismo, um vampirismo horrível. Para os outros, parece sempre que é fácil.

 

ALA: As crónicas que escrevo para a VISÃO não dão trabalho nenhum, mas perco sempre um dia. E, depois, como é voltar ao ritmo do livro? E não se trata apenas de pagar aqueles textos, que são piscinas para crianças, têm sempre pé e água a dar pela cintura.

 

GMT: A certa altura não é o tempo que se demora a fazer... Mas voltando ao livro, penso que este livro precisa de dois tipos de leituras: uma leitura de uma certa velocidade que apanhará determinado ritmo e, por outro lado, uma leitura lenta através da qual conseguimos obter o prazer da frase. E isto é muito raro. Há livros que devem ser lidos rapidamente…

 

ALA: Por exemplo?

 

GMT: Os autores mais narrativos.

(García Márquez, por exemplo.)

 

GMT: Sim, não vejo que seja preciso parar numa frase de García Márquez para contemplar. Acho que isso acontece com os autores mais narrativos que põem as pessoas vidradas em acontecimentos sucessivos. A leva a B, B leva a C.

 

ALA: Aquilo a que Bourgois [Christian Bourgois, editor francês recentemente falecido] chamava a prosa «pas trop naturaliste». García Márquez é um admirável contador de histórias, mas o Steiner [o ensaísta George Steiner] tem razão quando diz que Simenon é o melhor.

 

GMT: Ele coloca-o como um dos grandes escritores…

 

ALA: E é um grande escritor. Gide, que normalmente tinha um gosto muito seguro, tinha um grande apreço por Simenon. E eu também tenho.

 

GMT: Mas o que eu acho interessante neste livro é que, se o lermos lentamente, vamos ter o prazer local do verso. Esta frase, por exemplo, é muito elucidativa para onde está a caminhar: «De maneira que fico aqui à espera porque com um bocadinho de sorte pode ser que alguma coisa aconteça.» É como se as palavras estivessem à procura dos acontecimentos.

 

ALA: Exactamente. Não sei como escreve, mas eu escrevo à mão…

 

GMT: A computador e, às vezes, à mão.

 

ALA: Chego a estar duas horas à espera que aquilo venha.

 

GMT: Noto que o movimento da escrita, mesmo corporalmente, alimenta mais escrita.

 

ALA: Ele pode dar a entrevista sozinho, está a dizer tudo.

GMT: A sensação que tenho é que, neste livro, o que verdadeiramente interessa são as relações. O Arquipélago da Insónia tem pai, tem mãe e tem memória. E isto basta. É brutal.

 

ALA: Achou-o brutal?

 

GMT: A brutalidade tem mais a ver com a mistura entre animais, homens e objectos. A certa altura, há muito mais humanidade num animal. É quase apocalíptico porque o homem não se distingue de toda a porcaria.

 

ALA: Acho que não é possível julgarmos os nossos próprios livros, mas também lhe digo que este livro foi escrito em circunstâncias muito especiais. Antes e depois da doença.

 

GMT: Outra frase: «Alguém que não conheço a perfumar os baús no andar de cima de um andar que não há.» Só faltava acrescentar: fazer algo que não sei o que era. Alguém que não sei quem é, a fazer alguma coisa que não sabe o que é, num sítio que não se sabe qual é. Aqui, não há mais nada para além da frase.

 

ALA: Tudo o que ele diz é importante e, por isso, eu só faço apartes. Num dos seus livros, Beckett escreve que «o que escrevo passa-se agora».

 

GMT: Em Malone está a Morrer, Beckett diz que a personagem ora se chama Joana, Antónia ou Maria. E, de facto, dar um nome a uma personagem tem um grau de arbitrariedade enorme. Aqui também existe a ideia de uma língua individual, da inteligência da linguagem.

 

ALA: Já várias vezes disse que o importante é que o livro seja inteligente, não o autor.

 

GMT: Os verbos que não estão são os que não fazem falta. Lembro-me de uma discussão com um revisor por causa de uma elisão. Mas para quê? Estar lá era apenas uma forma de mostrar que eu sabia que o correcto era estar. Não acrescentava nada.

 

ALA: O Gonçalo dispensa-me de abrir a boca. Estou de acordo com tudo aquilo que ele diz. E ele tem uma capacidade de leitura muito maior que a minha.

(É um bom leitor.)

 

 ALA: Muito melhor leitor que eu.

 

GMT: Quase que podíamos fazer uma antologia poética do livro. É verdade que nas obras de Hemingway, por exemplo, nunca há uma frase disparatada. Mas não há frases de impacto como estas.

 

ALA: Hemingway é um escritor de que vamos aprendendo a gostar. Aos 20 anos, gostava. Aos 30, detestava e, agora, gosto outro vez. Uma vez em conversa com o meu agente americano disse-lhe que achava os diálogos de Hemingway muito naturais. E ele então desafiou-me a lê-lo em voz alta. É verdade que, lido em voz alta, ninguém fala assim, mas lido com os olhos toda a gente fala assim. Flaubert também lia os livros em voz alta. E eu também faço isso: leio em voz alta e com voz de desenho animado. Se a palavra não resiste, deito fora.

 

GMT: Há ainda a questão da violência, que foi trabalhada por escritoras como a Flannery O'Connor, por exemplo. Outra frase brutal: «Podia matá-los a ambos com a caçadeira do meu avô sem que o Deus deles se indignasse.» Acha que é preciso manter a elegância mesmo quando se corta a cabeça?

 

ALA: Nunca pensei nisso. Sou capaz de falar sobre os livros dos outros, sou capaz de dar uma conferência sobre a Flannery O'Connor ou sobre a Emily Brontë, mas não sou capaz de falar sobre estes livros. Tenho a sensação de que, se os compreender, mato a galinha dos ovos de ouro. Tenho medo de perder qualquer coisa. Não sei se lhe acontece o mesmo...

 

GMT: Até mesmo como leitor, não me interessam os livros em que percebo tudo. É exactamente isso: escrever sem saber para onde é que se está a ir.

 

ALA: O completo imprevisto com que, a cada passo, nos defrontamos. Como se fosse um organismo vivo independente de nós, com leis próprias. E temos que escrever para ser os melhores, temos que ter a certeza que somos os melhores. Um escritor não é bom escritor se não pensar que é o melhor. Se não for para ser o melhor, não vale a pena escrever. E depois acabamos como o Tolstoi no seu diário: lutei toda a vida para ser melhor que Shakespeare. E sou. E agora?

 

GMT: A megalomania é uma metodologia

 

ALA: Precisa de estar seguro de que é um génio. Não vou deixar que um livro me vença, não vou deixar vencer-me por um livro. Julgo que não há nenhum artista verdadeiro que não pense nisto, mesmo os falsamente modestos como Tchekhov, um escritor que admiro profundamente.

 

GMT: O que me parece é que é fácil fazer coisas aos 38 anos. O difícil é continuar, continuar, continuar... Porque está tudo lá fora. Há raparigas bonitas a passar e nós sentamo-nos a escrever.

 

ALA: Às vezes sento-me contrariado, não me apetece. Mas obrigo-me e, às nove da manhã, cá estou eu.

 

GMT: A parte mais difícil é mesmo sentarmo-nos.

 

ALA: E resistir às tentações.

 

In "VISÃO"

 

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publicado às 18:32


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