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#1138 - Gabriela Motta entrevista Siza Vieira

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.01.10



O português Álvaro Siza acredita que projetar um museu, biblioteca ou igreja é como propor uma utopia para o mundo. Com um currículo extenso, o arquiteto nasceu em 1933, na cidade de Matosinhos. Desde a década de 1960, vem assinando uma série de criações que o levaram, em 1992, a conquistar o Pritzker Prize, a maior premiação da arquitetura. Em maio, um de seus trabalhos será oficialmente inaugurado em Porto Alegre. É o prédio da Fundação Iberê Camargo, cujo projeto ganhou em 2002 o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza, uma das mais concorridas do planeta.

O prédio reune a produção do pintor gaúcho morto em agosto de 1994, e também serve de espaço de exposições temporárias e outros eventos. Ao conceber a sede da fundação, Siza fez questão de levar em conta essas múltiplas exigências, justamente por acreditar que "as atividades culturais não são compatíveis com uma idéia de fixação". Tal conceito também está presente em algumas de suas obras mais famosas, como o celebrado Museu Serralves, no Porto, e o Edifício Bonjour Tristesse, em Berlim.

A seguir, um pouco do pensamento de um dos principais arquitetos contemporâneos, com quem BRAVO! conversou em Porto Alegre, no ano passado, antes da inauguração da Fundação.

 

BRAVO!: Por que o senhor considera seus projetos como utópicos?

Álvaro Siza: Porque, para mim, um edifício deve responder à sua função com muito rigor, mas ao mesmo tempo deve ter a capacidade de se desligar dessa função. É nesse sentido que encaro a arquitetura como utópica­­­­ — só que se trata de uma utopia com os pés na terra. Veja, por exemplo, um convento. É feito para uma comunidade que possui regras de comportamento muito estritas. No entanto, ao longo dos anos, os conventos vêm sendo utilizados para tudo: como bibliotecas, escolas, hotéis. Tudo o que se possa imaginar cabe dentro de um convento. Ele tem a capacidade de desempenhar inúmeras funções, além da propriamente religiosa, e assim durar no tempo, não se tornar obsoleto. O meu propósito é exatamente este: o de investir na continuidade dos projetos. Não tenho a idéia de que um edifício deva durar 20 anos e, depois, ser posto abaixo.

O senhor acredita que o brasileiro Oscar Niemeyer seja também "um utópico com os pés no chão"?

Ainda há pouco li uma entrevista de Niemeyer numa revista em Portugal. Lá pelas tantas, falando de um edifício histórico, não lembro qual, ele disse: "É um edifício muito moderno. Foi construído no século tal, mas é moderno". Essa maneira de ver as coisas revela justamente a capacidade de se desprender das circunstâncias para buscar uma influência maior na vida das cidades.

E como o senhor se sente realizando um museu no Brasil, onde Niemeyer é tão onipresente?

Sinto-me bem! Os edifícios no Brasil são belos. E os de Niemeyer, não só os dele, mas os dele em especial, estão muito relacionados com a paisagem do país: Ipanema, o Corcovado, o Pão de Açúcar, aquelas curvas todas. Quem nasce num meio assim absorve isso.

Hoje a arquitetura é discutida por todos em decorrência de projetos de impacto. O que se perde com isso?

De fato, fala-se muito sobre arquitetura também em Portugal. Aliás, é relativamente recente a entrada do assunto nos jornais diários portugueses. No entanto, ainda que haja divulgação, nem sempre essa divulgação me parece bem feita, por estar bastante vulnerável a fatos externos, que não dizem respeito à arquitetura em si mesma, como interesses políticos e econômicos. De qualquer maneira, acho bom que se discuta o tema, porque a arquitetura não é feita para a contemplação de meia dúzia de pessoas.

Qual a sua relação com os projetos quando acabam?

Vou para casa.

E não volta?

Diversas vezes, não volto. Em outras ocasiões, quando volto, fico desgostoso. Projetar é algo muito intenso, exigente e absorvente. Há mesmo que se fazer um esforço de desprendimento para construir e inaugurar um edifício. Custa sempre muito quando se acaba um projeto, porque, na verdade, ele nunca está acabado. Ainda assim, deve-se aceitar que um projeto, no final das contas, faz parte do patrimônio público e, portanto, segue sua vida própria. Isso, claro, se tiver força, estrutura para agüentar o passar dos anos e as modificações que nele se processam. Se não tiver, o projeto também demonstra a sua fragilidade, a sua inviabilidade.

O senhor conhecia a obra de Iberê Camargo antes de ser chamado para projetar a fundação?

Não conhecia a obra dele nem Porto Alegre. Na verdade, o Iberê é pouco conhecido em Portugal. Claro, existem algumas pessoas, críticos de arte, que o conhecem. Eu realmente não o conhecia — o que é uma vergonha, de qualquer maneira. Mas a culpa não é só minha. Não há muita informação sobre ele em Portugal e mesmo na Europa.

Em que medida o projeto reflete a obra de Iberê?

Não reflete tanto, não. Até porque a obra de Iberê, como a de qualquer artista que tenha uma coleção, não é algo muito estanque, fechado. Ao longo do tempo, por exemplo, será confrontada com o trabalho de artistas que foram próximos a ele ou que o influenciaram. E um museu precisa levar em conta essa dinâmica. Assim, não é possível desenhar a sala tal para o quadro tal. O projeto arquitetônico deve exibir uma certa neutralidade, uma certa flexibilidade, e permitir que se montem exposições de acordo com a sensibilidade e os objetivos de quem as organiza. Atividades culturais não são compatíveis com uma idéia de fixação.

 

Gabriela Motta é crítica e curadora, autora de Entre Olhares e Leituras: Uma Abordagem da Bienal do Mercosul (Zouk Editora, 2007). In Revista Bravo

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publicado às 23:59


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