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#3048 - LIVROS E LEITURAS ||| [HAROLD BLOOM]

por Carlos Pereira \foleirices, em 20.10.19

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HAROLD BLOOM

 

Harold Bloom (11 de Julho de 1930 - 14 de Outubro de 2019) foi um reconhecido crítico literário, titular da cátedra Sterling de Humanidades e Inglês na Universidade de Yale, publicou mais de 40 livros, incluíndo 20 livros de crítica literária e editou centenas de antologias sobre numerosas figuras literárias e filosóficas para a editora Chelsea House.

Publicou o seu primeiro livro em 1959. Da sua vasta obra destacam-se «The Anxiety of Influence: A Theory of Poetry», «O Cânone Ocidental», «Shakespeare: The Invention of the Human», «The Anatomy of Influence» e «Génio - Os 100 Autores mais criativos da história da literatura».

 

Foi membro da Academia Americana de Artes e Letras, foi galardoado com muitos prémios e títulos honoríficos, incluíndo a Medalha de Ouro das Belas-Letras e Crítica dessa Academia, o Prémio Internacional da Catalunha e o Prémio Afonso Reys do México.

 

No seu livro "Génio - Os 100 autores mais criativos da história da literatura" estão 3 autores portugueses: Luís Vaz de Camões, Fernando Pessoa e José Maria Eça de Queirós. 

 

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HAROLD BLOOM, Escritor e crítico literário

 

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publicado às 16:34


#2883 - Poesia - Antologia Mínima

por Carlos Pereira \foleirices, em 23.10.18

Uma nova antologia de Fernando Pessoa composta por 87 poemas escritos pelo ortónimo e por nove heterónimos, com o título "POESIA - ANTOLOGIA MÍNIMA" publicada pela Tinta-da-China, já está disponível nas livrarias.

 

A MAIS SINTÉTICA ANTOLOGIA DO MAIS VASTO DOS POETAS

Este livro é um convite a «desaprender Pessoa», segundo a expressão do mestre Alberto Caeiro, e a lê-lo como se tivéssemos acabado de o descobrir. Ao arrepio de uma tendência recente que colocou o poeta num novo cenário, menos literário e cultural, e mais urbano e utilitário, o que esta Antologia Mínima propõe é a descoberta ou redescoberta de Fernando Pessoa através de alguns dos mais espantosos versos do século XX: da «Ode marítima» à «Tabacaria», passando por «Chuva oblíqua», «O mostrengo», «O guardador de rebanhos», «Opiário», «Autopsicografia» e muitos poemas menos conhecidos, sempre reveladores de um génio que continua a inspirar espanto, enlevo e admiração.

O essencial da poesia de Fernando Pessoa e seus principais heterónimos, numa edição de Jerónimo Pizarro.

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publicado às 10:28


#2807 - Fernando Pessoa - carta a Ronald de Carvalho

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.03.18

Fernando Pessoa - carta a Ronald de Carvalho


"Para as mãos de Fernando Pessoa, fraternalmente Ronaldo de Carvalho. Rio MCMXIV"
A única carta conhecida de Fernando Pessoa a um poeta brasileiro.


Um exemplar do livro "Luz Gloriosa", foi oferecido a Fernando Pessoa pelo autor e enviado através de Luís de Montalvor, no seu regresso a Lisboa após dois anos como secretário da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro. O livro tem uma dedicatória escrita pelo punho de Ronald de Carvalho:

Em 29 de Fevereiro de 1915, Fernando Pessoa escreveu ao autor, agradecendo o livro que este lhe oferecera e fazendo uma crítica de "Luz Gloriosa", leia abaixo a carta na íntegra. A crítica de Fernando Pessoa parece ter influenciado Ronald de Carvalho, que iria aderir ao modernismo, destacando-se a sua intervenção na Semana de Arte Moderna de 1922, cinco anos mais novo do que Fernando Pessoa, Ronald de Carvalho viria a morrer, por coincidência, no mesmo ano do escritor português.


CARTA DE FERNANDO PESSOA AO POETA RONALD DE CARVALHO

 

Lisboa, 24 de Fevereiro de 1914?


Meu caro Poeta
.

Escrevo-lhe a desoras da Delicadeza. Há meses que o Luís de Montalvor me fez chegar aos olhos o seu Livro. Embora o lesse sem tardança, tenho demorado o agradecimento para além dos limites que se usam. A licença poética não admite tanto. Eu tenho abusado do direito concedido aos camaradas de responder longe de propósito. Começo a minha carta por lhe pedir as desculpas a que este adiamento obriga.


Não sei que lhe diga do seu livro, que seja bem um ajuste entre a minha sensibilidade e a minha inteligência. Ele é deveras a obra de um Poeta, mas não ainda de um Poeta que se encontrasse, se é que um Poeta não é, fundamentalmente, alguém que nunca se encontra. Há imperfeições e inacabamentos nos seus versos. Vêem-se ainda entre as flores as marcas das suas passadas. Não se deveriam ver. Do poeta deve ser o ter passado sem outro vestígio que a presença das rosas. Para quê os ramos quebrados, ainda, e partido o caule das violetas?


Eu não lhe devia dizer isto, talvez, sem prefaciar que sou o mais severo dos críticos que tem havido. Exijo a todos mais do que eles podem dar. Para que lhes havia eu de exigir o que cabe na competência das suas forças? O poeta é o que sempre excede o que pode fazer.
O seu livro é dos mais belos que recentemente tenho lido. Digo-lhe isto para que, não me conhecendo, me não julgue posto sobre a severidade sem atenção às belezas do seu livro. Há em si o com que os grandes poetas se fazem. De vez em quando a mão do escultor faz falar as curvas nuas da sua Matéria. E então é o seu poema sobre o “Cais”, e o seu “Outono”, e este e aquele verso, caído dos deuses como o que é azul no céu nos intervalos da tormenta. Exija de si o que sabe que não poderá fazer. Não é outro o caminho da Beleza.
Eu detalho.


Tenho vivido tantas filosofias e tantas poéticas que me sinto já velho, e isto faz com que me dê o direito de o aconselhar, como Keats a Shelley, que esteja de vez em quando com as asas fechadas. Há um grande prazer estético às vezes em deixar passar sem exprimir uma emoção cuja passagem nos exige palavras. Dos nossos jardins interiores só devemos colher as rosas mais afastadas e as melhores horas e fixar só aquelas ocasiões do crepúsculo quando dói demasiado sentirmo-nos. Nenhum poeta tem o direito de fazer versos porque sinta a necessidade de os fazer. Há só a fazer aqueles versos cuja inspiração é perfumada de imortalidade.


Escrevo e paro. Pergunto a mim-próprio se poderá julgar tudo isto, porque não é transbordante de elogios, uma crítica adversa. Não o conheço e não sei. Mas repare que só a quem muito aprecio eu escrevo destas coisas. Decerto me faça justiça de crer que a quem não tem nenhum valor eu digo imediatamente que tem muito. Só vale a pena notar os erros dos que são na verdade Poetas, daqueles em quem os erros são erros. Para que notar os erros daqueles que não têm em si senão o jeito de errar?


Com tudo isto, que parece hesitante no elogio, repito-lhe que o seu livro é dos mais belos que ultimamente tenho lido. A sua imaginação, doentia e delicada, é uma princesa que olha das janelas o luxo longínquo dos tanques. Vejo que sente os repuxos. Eles são com efeito as melhores horas da água, e decerto que os mais belos são aqueles, em jardins ainda do século dezoito (e que nós nunca poderemos ver) .
A sua sensibilidade dói-me. Por certo que outrora nos encontramos e entre sombras de alamedas dissemos um ao outro em segredo o nosso comum horror à Realidade. Lembra-se? Tinham-nos tirado os brinquedos, porque nós teimávamos que os soldados de chumbo e os barcos de latão tinham uma realidade mais preciosa e esplêndida que os soldados-gente e os barcos reais. Nós andamos longas horas pela quinta. Como nos tinham tirado as coisas onde púnhamos os nossos sonhos, pusemo-nos a falar delas para as ficarmos tendo outra vez. E assim tornaram a nós, em sua plena e esplêndida realidade — que paga de seda para os nossos sacrifícios! — os soldados de chumbo e os barcos de latão; e através das nossas almas continuaram sendo, para que nós brincássemos com eles. A hora (não se recorda?) essa era demasiado certa e humana. As flores tinham a sua cor e o seu perfume de soslaio para a nossa atenção. O espaço todo estava levemente inclinado, como se Deus, por uma astúcia de brincadeira, o tivesse levantado do lado das almas; e nós sofríamos a instabilidade do jogo divino como crianças que apreciam as partidas que lhes fazem, porque são mostras de afeição. Foram belas essas horas que vivemos juntos. Nunca tornaremos a ter essas horas, nem esse jardim, nem os nossos soldados e os nossos barcos. Ficou tudo embrulhado no papel da seda da nossa recordação de tudo aquilo. Os soldados, pobres deles, furam quase o papel com as espingardas eternamente ao ombro. As proas dos barcos estão sempre para romper o invólucro. E sem dúvida que todo o sentido do nosso exílio é este — o terem-nos embrulhado os brinquedos de antes da Vida, terem-nos posto na prateleira que está exatamente fora do nosso gesto e do nosso jeito. Haverá uma justiça para as crianças que nós somos? Ser-nos-ão restituídos por mãos que cheguem aonde não chegamos os nossos companheiros de sonho, os soldados e os barcos? Sim, e mesmo nós próprios, porque nós não éramos isto que somos... Éramos duma artificialidade mais divina...


Escrevo e divago, e tudo isto parece-me que foi uma realidade. Tenho a sensibilidade tão à flor da imaginação que quase choro com isto, e sou outra vez a criança feliz que nunca fui, e as alamedas e os brinquedos, e apenas, no fim de tudo, a supérflua realidade da Vida...
Perdoe-me que lhe escreva assim... A Vida, afinal, vale a pena que se lhe diga isto. Deus escuta-me talvez, mas de si ouve, como todos que escutam. A tragédia foi esta, mas não houve dramaturgo que a escrevesse...

Abraça-o

 

Fernando Pessoa

 

Fonte: PESSOA, Fernando. In “Correspondência (1905-1922)”, Lisboa: Assírio & Alvim, 1999, p.150. / in "Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa". Lisboa: Ática, 1966.  p. 135. /e TRIBUNA da Imprensa, Rio de Janeiro, 12-13 de Fevereiro de 1955, com o título “Carta inédita de Fernando Pessoa a Ronald de Carvalho”. [mantida a grafia original]

 

 

Autor - Templo Cultural Delfos

Elfi Kürten Fenske - Ano VII, 2017.

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publicado às 09:59

 

É raro um país e uma língua ganharem num só dia quatro poetas maiores. Mas foi precisamente o que ocorreu em Lisboa, no dia 8 de Março de 1914.

 

Fernando António Nogueira Pessoa nasceu nessa capital recatada e algo melancólica a 13 de Junho de 1888. O exército, o funcionalismo público e a música figuravam já na história familiar. Em Janeiro de 1894, após a morte do pai e do irmão bebé, Pessoa começa a inventar "heterónimos" - pessoas imaginárias com as quais povoa um "teatro íntimo do ser". São seis anos de correspondência trocada com um interlocutor fictício. A mãe volta a casar e a família muda-se para Durban, na África do Sul. É na província do Natal que surge um tal Alexander Search, personagem idealizada, para quem Pessoa inventa uma biografia de traça um horóscopo; e é sob esse nome duma transparência calma que ele escreve em inglês poesia e prosa.  Seguir-se-ão mais setenta e duas personagens à procura de autor. De início, escrevem na linha de Shelley e Keats, de Carlyle, Tennyson e Browning.

 

Em 1905, o jovem empresário de eus volta a Lisboa, para logo abandonar a universidade e se tornar autodidacta. Até ao fim dos seus dias, Pessoa trabalha no comércio em part-time e ganha modestamente a vida; correspondente de línguas estrangeiras, traduz e escreve cartas em francês e inglês. Faz também, esporadicamente, traduções para uma antologia literária. Esta existência marginal e autónoma liga Pessoa a outros mestres da modernidade urbana, tais como Joyce, Svevo (Trieste e Lisboa têm em comum um certo brilho espiritual) e, em certa medida, Kafka. Até 1909, a poesia atribuída a Alexander Search prossegue em inglês, à excepção de seis sonetos portugueses. 1912 é o ano de mudança. Pessoa envolve-se nos numerosos círculos literários, estéticos, políticos e morais, bem como em tertúlias e publicações efémeras que emergem da profunda crise social que Portugal atravessa. (Num ano emigram setenta e sete mil pessoas.) A vida privada de Pessoa - em que alternam o mundo do Café Lisboa e a solidão radical - encontra expressão no muito particular Livro do Desassossego e no primeiro rascunho de um longo poema inglês. A desintegração numa incandescência quádrupla dá-se nesse dia de Março de 1914 e continua a ser um dos fenónemos mais notáveis da literatura.

 

Relembrando a ocorrência (em carta de 1935), Pessoa refere-se  a "uma espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir... Aparecera em  mim o meu mestre". Alberto Caeiro escreve trinta e tal poemas a uma velocidade impressionante. Estes são "imediata e totalmente" seguidos por seis poemas de um tal Fernando Pessoa. Mas Caeiro não aparece sozinho. Tem dois discípulos principais e um é Ricardo Reis:

 

"E, de repente, em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a "Ode Triunfal" de Álvaro de Campos - a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.

 

Criei, então, uma coterie inexistente. Fiz aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa"

 

Pseudónimos, noms de plume, obras anónimas e toda a espécie de disfarces retóricos são tão velhos como a literatura. Os motivos são os mais variados. Vão da escrita política clandestina à pornografia, da ocultação jocosa aos graves desiquilíbrios de personalidade. O secret sharer (familiar em Conrad), o "duplo" aprovativo ou ameaçador é motivo recorrente - a prová-lo estão Dostoievsky, Robert Louis Stevenson e Borges. Assim também o tema, velho como o rapsodo homérico, da poesia "ditada" pela investida directa e literal das musas, que o mesmo é dizer pelas vozes dos deuses e defuntos. Neste sentido de "inspiração", de "ser escrito em vez de escrever", as técnicas da escrita automática antecedem em muito o surrealismo. Um número considerável de grandes escritores viraram positivamente as costas a si próprios, às obras e aos estilos da juventude, a ponto de quererem destruí-los. A multiplicidade (ou o ego tornado legião) pode ter um carácter festivo, como Whitman, ou auto-irónico e sombrio, como em Kierkegaard. Há disfarces e imitações que nem o estudo mais rigoroso alguma vez detecta. Simenon não conseguia lembrar quantos romances concebera, nem os antigos e múltiplos pseudónimos. Já com muita idade, o pintor de Chirico irrompia vociferando pelas galerias e museus, aterrorizando os que o ouviam declarar que eram falsos quadros famosos desde sempre conhecidos como seus. Fazia-o porque tinham deixado de lhe agradar ou porque já não se reconhecia neles? Como proclamava Rimbaud, ao instaurar a modernidade: 'Je' est un autre. 'Eu' é um outro.

 

Todavia, o caso Pessoa continua a ser  sui generis. Não tem paralelo, e não só pela estrutura quádrupla mas devido à diferença nítida entre as quatro vozes. Cada uma tem físico e biografia próprios, pormenorizados. Caeiro é louro, sem cor e de olhos azuis. Reis tem pele escura e mate, e "Campos, entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao  lado, monóculo", como nos diz Pessoa. Caeiro mal frequentou a escola e não trabalha, vive de um pequeno rendimento. Reis é médico, foi educado pelos Jesuítas e, devido às suas covicções monárquicas, auto-exila-se no Brasil. Campos é latinista e engenheiro naval. As suas inter-relações, tanto literárias como temperamentais, são de uma opacidade e finura jamesianas, como o são os diferentes tipos de afinidade com o próprio Pessoa. O Caeiro de Pessoa produz poesia impulso espontâneo, imediato. A obra de Ricardo Reis é fruto de uma decisão quase analítica e abstracta. As afinidades com Campos são as mais obscuras e complexas. "É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu, menos o raciocínio e a afectividade". A linguagem de Campos é muito parecida com a de Pessoa; Caieiro tem um português descuidado e às vezes incorrecto; ao passo que Reis é um purista, cujo idioma por vezes rebuscado Pessoa considera um exagero. E faz uma observação muito interessante: é a prosa de Reis e de Campos que lhe é mais difícil "simular". A poesia dos heterónimos, porque mais espontânea, é de composição mais fácil.

 

Na introdução à belíssima antologia A Centenary Pessoa (Carcanet), editada por Eugénio Lisboa e L. C. Taylor, Octavio Paz explora o tema do labirinto. Vê Caeiro, Reis e Campos como "os protagonistas de um romance que Pessoa nunca escreveu". Mas Pessoa "não é um inventor de personagens poéticas, é um criador de obras poéticas", afirma Paz. "A diferença é crucial." As biografias imaginárias, as anedotas e o "realismo mágico" do contexto histórico, político e social em que cada uma das máscaras se desenvolve acompanham e esclarecem os textos. É uma autonomia enigmática, que  faz com que Reis e Campos cheguem a tratar Fernando Pessoa com condescendência ou ironia. Por sua vez Alberto Caeiro, como já vimos, é o mestre cuja autoridade brusca e rasgo criador desencadeiam toda a construção dramática. Paz distingue com perspicácia o que anima estes espíritos.

 

Caeiro é agnóstico e quer anular a morte negando a consciência. Tem uma posição de paganismo existencial. Há nos seus escritos e na sua persona vestígios da calma e da sagacidade orientais. A sua fraqueza, adianta Paz, consiste na obscuridade e insignificância da experiência que diz personificar. Morre novo. Como Caeiro, Campos pratica o verso livre e procede com tanta irreverência face ao português corrente como ao clássico. Ambos são pessimistas, amantes da realidade concreta. Mas enquanto Caeiro é um inocente, que cultiva a tamperança filosófica e o recolhimento, Campos é um dandy exótico. Mais uma vez, é Paz quem explica de maneira incisiva: "Caeiro pergunta a si próprio: o que sou eu? Campos: quem sou eu?" Para Campos, a pergunta quase soçobra sob o clamor da máquina, sob o uivo da tecnologia moderna na fábrica e nas ruas da moderna metrópole. Tendo no início declarado que a sensação é a única realidade. Campos acaba por interrogar-se sobre a sua própria realidade (o que é irónico, se pensarmos no primeiro e mais célebre poema, a "Ode Triunfal").

 

Ricardo Reis é o mais complexo de todos os disfarces.

 

Asceta, tem predilecção pelos géneros neoclássicos extremamente elaborados, como o epigrama, a elegia e a ode. É essa combinação raríssima de estóico e esteta (não haverá aqui um eco de Walter Peter?) que, na perfeição técnica dos poemas curtos, busca a reconciliação tranquila com o destino. Pessoa chama a atenção para as obras inéditas de Reis. Estas incluem "Um Debate Estético Entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos" e notas críticas sobre Caeiro e Campos, que Pessoa caractriza como modelos de precisão verbal e desacerto estético. (São tão fantasticamente tortuosos o labirinto de Pessoa e a sua câmara de espelhos que, em comparação, até mesmo Borges ou Paz - qualquer um deles mestre em labirintos - parecem rectilíneos.) E aquele que movimenta as marionetas (passe a comparação grosseira)? Octavio Paz tem dele uma visão essencialmente ausente

 

     Não vai nunca aparecer: não existe esse outro.

     O que aparece mesmo e se insinua, a alteridade que

     não tem nome, o que náo é dito e as nossas pobres

     palavras invocam... Será a poesia? Não: a poesia é

     o que fica e nos consola, é a consciência das

     ausências. É de novo, quase imperceptível, um rumor 

    de  alguma coisa: Pessoa ou a iminência do

     desconhecido.

 

Paz traça de Pessoa uma silhueta que, sendo um adeus subtil, corre o risco de obscurecer um facto central. Do jogo de espectros da heteronímia emerge uma poesia vigorosa. Muito justamente, Pessoa figura na lista sugestiva (embora algo juvenil) das vinte e seis figuras principais "do cânone ocidental".

 

O português é uma língua resistente. Pertencendo embora à família das línguas românticas, as guturais dão-lhe um tom eslavo. Além disso, e à falta de tradução adequada para inglês dos Lusíadas de Camões - o grande épico das explorações e do trágico império - para a grande maioria a literatura portuguesa (que, evidentemente, inclui a do Brasil) continua desconhecida. O que nos torna ainda mais gratos a Keith Bosley, pela selecção e tradução dos quatro poetas. Primeiro a voz de Pessoa: "Não sei quem me sonho..."; "Ditosos a quem acena / Um lenço de despedida!"; "Dá a surpresa de ser." Ou o característico "O mais do que isto / É Jesus Cristo, / Que não sabia nada de finanças / Nem consta que tivesse biblioteca..."

 

Há o registo nebuloso e irónico, com o constante apelo ao mar, a um Portugal quase solto das amarras europeias:

 

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

 

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

 

Ouvimos em seguida a sensualidade filosófica de Caeiro:

 

Não me importo com as rimas. Raras vezes

Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.

Penso e escrevo como as flores têm cor

Mas com menos perfeição no meu modo de esprimir-me

Porque me falta a simplicidade divina

De ser todo só o meu exterior.

 

Há versos de uma concisão inesquecível (em que algo parece lembrar Emily Dickinson): "Li hoje quase duas páginas / Do livro dum poeta místico. / E ri como quem tem chorado muito." Caeiro saúda o transitório. Para ele "a recordação é uma traição à natureza", ela própria sempre em mudança. Pede aos pássaros que, no voo, lhe ensinem a arte de passar sem deixar rasto. A busca da unidade, das verdades absolutas - esse modelo platónico tão peremptório na poesia ocidental - é meramente "uma doença das nossas ideias". As reflexões de Caeiro sobre a morte e a realidade póstuma denotam um estranho orgulho, porque ele foi "gentio como o sol e a água" e deu-lhe por fim "o sono como a qualquer criança".

 

Ricardo Reis é totalmente diferente: rato de biblioteca, médico, conhecedor da mitologia antiga e criador de elaboradas formas métricas e de um estilo de alto funcionário. Por vezes, uma versão mais austera de Swinbum e Gautier, ao escutar e ao reproduzir "O ritmo antigo que há em pés descalços, / Esse ritmo das ninfas repetido." Um esteta fin-de-siècle que prefere  "rosas à pátria" e vê em  Cristo "um deus a mais no eterno". Mas também o lírico capaz dum raro fulgor epigramático, que já encontráramos em Walter Savage Landor (talvez o  verdadeiro modelo de Reis):

 

     Quando, Lídia , vier  o nosso outono

     Com o inverno que há nele, reservemos

     Um pensamento, não para a futura

     Primavera, que é de outrem,

     Nem para o estio, de quem somos mortos,

     Senão para o que fica do que passa - 

     O amarelo actual que as folhas vivem

     E as torna difererentes.

 

Campos é o retórico loquaz, o bardo na mais alta acepção. Mas sabe rir de si próprio com gosto e com audácia. A "Ode Triunfal" pode bem emparelhar com "The Bridge" de Hart Crane, enquanto texto-chave da paisagem  industrial moderna. "Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hó la foule!" Como a robusta democracia de Campos deve ter chocado o Pessoa espiritual e delicado! E como deve ter assustado Reis, o helenista evasivo e vitoriano!

 

     Ah,  e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,

     Que emprega  palavrões como palavras usuais,

     Cujos filhos roubam às portas das mercearias

     E cujas filhas aos oito anos - eu acho isto belo e amo-o! -

     Masturbam homens de aspecto decente nos vãos 

     de escada.

 

A "Tabacaria" é um dos poemas mais famosos  de língua portuguesa. (Pessoa era um fumador convicto.) Não é cinismo, é antes uma espécie de desencanto exaltado o que faz a pequena "comer chocolates", pois, "não há mais metafísica no mundo senão chocolates", e o poeta vê o papel de prata "no chão, como tenho deitado a vida". Visto que "toda a gente sabe como as grandes constipações / Alteram todo o sistema do universo". E fazem espirrar até à metafísica", o poeta só aconselha um remédio: "Preciso de vedade e da aspirina." Hazlitt fala com reverência de uma sensibilidade capaz de imaginar e articular um lago e uma Cordélia. Não é menos surpreendente, em toda a sua extensão, o alternar de vozes e temperamentos de Pessoa, a multidão que dele sai.

 

Este tributo  pelo centésimo aniversário, belamente ilustrado, oferece-nos extractos reprersentativos da prosa de Pessoa, bem como crítica, esboços biográficos e documentos. "Fausto", o extenso drama filosófico, é que foi omitido. Pessoa começou a trabalhar nessa suma em 1908 e - à semelhança de Goethe - continuou-a até 1933. Há críticos, nomeadamente em França, que a consideram uma obra-chave, um arquipélago ainda por descobrir. Os editores incluíram duas entrevistas póstumas, imáginárias, das quais até mesmo a melhor parece tê-los traído. O Ano da Morte de Ricardo Reis", de José Saramago que, em 1991, foi traduzido para inglês por Giovanni Pontiero, é um dos maiores romances da literatura europeia recente. Fala do regresso de Ricardo Reis do Brasil, de eros e fascismo em Lisboa e do encontro de Reis com o seu defunto progenitor. Nada de tão apurado se escreveu sobre Pessoa e seus tons contraditórios. Nas palavras de Fernando Pessoa:

 

     Se as coisas são estilhaços

     Do saber do universo,

     Seja eu os meus pedaços,

     impreciso e diverso

 

Foi e não foi.

 

Texto de George Steiner publicado no "The New Yorker" em 8 de Janeiro de 1996 e traduzido por Helena Cardoso para a Revista Tabacaria, número um, Verão de 1996, páginas 46, 47, 48 e 49

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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publicado às 18:45


#2543 - CASARIO E FIGURAS DE UM SONHO

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.08.17

Casario e Figuras de um Sonho - Dominguez Alvarez

 

Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda.

Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.

Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias

e dos movimentos.

 

Fernando Pessoa in «Poemas Ocultistas»

(Selecção e Glosa de Petrus - O. C., 2.º v., p.262),

C.E.P., s/d (p.43)

Retirado do Catálogo "Azares da Expressão ou a Teatralidade na Pintura Portuguesa - Algumas obras do CAM

 

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publicado às 21:38


#2482 - Poemas inéditos de Fernando Pessoa

por Carlos Pereira \foleirices, em 01.07.17
 
 

O grupo editorial mexicano Fondo de Cultura Económica, que possui filiais em 11 países, acaba de colocar no mercado brasileiro a antologia bilíngue “Pessoa Múltiple”, organizada pelos professores Jerónimo Pizarro e Nicolás Barbosa. A antologia, reúne em um só volume, parte da produção do poética de Fernando Pessoa, com destaque para os poemas franceses e ingleses e o os livros “Rubayiat” e “Quadras”, além de poemas inéditos.

 

Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, em junho de 1888, e morreu em novembro de 1935, na mesma cidade, aos 47 anos, em consequência de uma cirrose hepática. Seus poemas mais conhecidos foram assinados pelos heterônimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, além de um semi-heterônimo, Bernardo Soares, que seria o próprio Pessoa, um ajudante de guarda-livros da cidade de Lisboa e autor do “Livro do Desassossego”, uma das obras fundadoras da ficção portuguesa no século 20. Além de exímio poeta, Fernando Pessoa foi um grande criador de personagens. Mais do que meros pseudônimos, seus heterônimos foram personagens completos, com biografias próprias e estilos literários díspares.

Após sua morte, em seus “baús cheios de gente”, foram encontrados mais de 30 mil escritos que, ainda hoje, continuam sendo editados e que, pouco a pouco, vão sendo conhecidos em toda a sua amplitude.

 

Sobre os antologistas

Jerónimo Pizarro é professor, tradutor, crítico e editor, responsável pela maior parte das novas edições e séries de textos de Fernando Pessoa publicadas em Portugal desde 2006. Nicolás Barbosa é estudante de PhD em Literatura Portuguesa da Universidade Brown (E.U.A.), professor de inglês na Universidade Nacional da Colômbia, tradutor e intérprete.

O livro pode ser adquirido na livraria cultura. Os poemas selecionados são inéditos em antologias ou não foram publicadas em edições brasileiras.

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publicado às 17:57


#2417 - A MENTE DE ALBERTO CAEIRO EM 10 TRECHOS DE SUAS POESIAS

por Carlos Pereira \foleirices, em 30.05.17

publicado em literatura por Joana Ferraz - REVISTA OBVIOUS

Uma seleção de versos para conhecer os temas e compreender a mente de Alberto Caeiro, o poeta da Natureza e heterônimo de Fernando Pessoa.

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Costumo dizer que Fernando Pessoa era Fernando Pessoas. Gosto desse trocadilho besta, mas muito verdadeiro. Sim, muito verdadeiro. Seus heterônimos são pessoas como eu e você. Eles têm data de nascimento e morte. Têm mapa astral – que o próprio Pessoa elaborava. Têm uma história de vida pessoal e um estilo único de escrita.

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Mas o que mais me impressiona é que eles são tão diferentes que chegam a ter pontos de vista contrários sobre o mundo. Enquanto um vangloria as máquinas e as construções, outro só encontra a verdade na Natureza do Ribatejo. Este último é o Alberto Caeiro, o pastor amoroso, o guardador de rebanhos, o poeta do não-pensar. Aquele que parece ter nascido de uma semente de erva do mato.

 

Para entender esse mestre, podemos imaginar que estamos aqui nessa vida, habitando esse planeta, e com isso criamos problemas demais. Procuramos muitas respostas para as nossas perguntas, o que só nos gera conflito. Desejamos demais o que não estamos vendo e assim perdemos o poder de desfrutar o que já estamos vendo.

 

Alberto Caeiro é a riqueza do mais simples. É uma ilha onde moramos e de onde tudo provém.

 

Selecionei aqui alguns trechos de alguns de seus poemas, com o intuito de conhecermos a mensagem desse loiro magrelo de olhos azuis. Um ser da natureza que não se considera mais que uma planta ou uma pedra. Que possamos ler, lendo. Sem mais perguntas, apenas vendo. Afinal, segundo nosso poeta, os pensamentos atrapalham demais o simples sentir.

 

 

 

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publicado às 21:53


#2274 - TABACARIA

por Carlos Pereira \foleirices, em 10.04.17

 

(Fernando Pessoa)

 

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

 

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

 

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

 

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

 

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

 

 

 

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publicado às 18:13


#2270 - O poema perdido de Fernando Pessoa

por Carlos Pereira \foleirices, em 08.04.17
O poema perdido de Fernando Pessoa

O poema perdido de Fernando Pessoa

 

Fernando Pessoa é uma mina de diamante inesgotável. Quando se acredita que não há mais nada a descobrir, aparece alguma coisa, e relevante. Agora, surge um novo e belo poema, pelas mãos do advogado brasileiro José Paulo Cavalcanti Filho. O biógrafo do bardo português adquiriu um “livro de autógrafos”, no qual, durante uma travessia marítima, em 1918, o adolescente José Osório de Castro Oliveira (1900-1964) colhia recordações de seus companheiros de viagem.

No lugar de uma anotação trivial, Fernando Pessoa escreveu um poema:

 

Cada palavra dita é a voz de um morto.

Aniquilou-se quem se não velou

Quem na voz, não em si, viveu absorto.

Se ser Homem é pouco, e grande só

Em dar voz ao valor das nossas penas

E ao que de sonho e nosso fica em nós

Do universo que por nós roçou

Se é maior ser um Deus, que diz apenas

Com a vida o que o Homem com a voz:

Maior ainda é ser como o Destino

Que tem o silêncio por seu hino

E cuja face nunca se mostrou.

Fernando PessoaO poema foi publicado pelo jornal “Folha de S. Paulo” e alcançou repercussão em Portugal. O jornal “Público”, do país de Fernando Pessoa, menciona que o poema havia sido recolhido por “João Dionísio na edição de 2005 da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, ‘Poemas de Fernando Pessoa: 1915-1920’. Só que a versão que agora veio a lume é anterior e substancialmente diferente da já publicada, e tudo leva a crer que é a versão definitiva do poeta. Foi escrita, aparentemente de uma só penada, em 1918 — tinha Pessoa 30 anos”.

 

In "REVISTA BULA"

 

 

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publicado às 20:14


#2243 - DO LIVRO DO DESASSOSSEGO

por Carlos Pereira \foleirices, em 26.03.17

...O velho sem interesse das polainas sujas, que cruzava
freqüentemente comigo às nove e meia da manhã? O caute-
leiro coxo que me maçava inutilmente? O velhote redondo e
corado do charuto à porta da tabacaria? O dono pálido da
tabacaria? O que é feito de todos eles, que, porque os vi e os
tornei a ver, foram parte da minha vida? Amanhã também
eu me sumirei da Rua da Prata, da Rua dos Douradores, da
Rua dos Fanqueiros. Amanhã também eu — a alma que
sente e pensa, o universo que sou para mim — sim, amanhã
eu também serei o que deixou de passar nestas ruas, o que
outros vagamente evocarão com um "o que será dele?". E
tudo quanto faço, tudo quanto sinto, tudo quanto vivo, não
será mais que um transeunte a menos na quotidianidade de
ruas de uma cidade qualquer (...)

 

Fernando Pessoa - Excerto do Livro do Desassossego (Edição Brasileira)

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publicado às 20:07


#1966 - Odes

por Carlos Pereira \foleirices, em 03.04.16

 FERNANDO PESSOA

 

Tirem-me os deuses

Em seu arbítrio

Superior e urdido às escondidas

O Amor, glória e riqueza.

 

Tirem, mas deixem-me,

Deixem-me apenas

A consciência lúcida e solene

Das coisas e dos seres.

 

Pouco me importa

Amor ou glória.

A riqueza é uim metal, a glória é um eco

E o amor uma sombra.

 

Poema de Ricardo Reis in "Odes", edição Ática, Abril de 1978

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publicado às 20:04


#1875 - Fernando Pessoa explicando a origem dos seus heterónimos

por Carlos Pereira \foleirices, em 30.09.13

 

"Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1,30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos - o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo porém liso e normalmente apartado ao lado, monóculo.

 

Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma - só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de Jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontâneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas féria fez a viagem ao Oriente de onde resultou o "Opiário". Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.

 

Como escrevo em nome desses três?...

 

Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que sùbitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de "ténue" à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoàvelmente mas com lapsos como dizer "eu próprio" em vez de "eu mesmo", etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado.

 

O difícil para mim é escrever a prosa de Reis - ainda inédita - ou de Campos. A simulação é mais fácil, até poruqe é mais espontânea, em verso."

 

 

(Excerto de uma carta de Fernando Pessoa dirigida a Adolfo Casais Monteiro, sobre a origem dos seus heterónimos. Publicada na revista "Presença", n.º 49, Junho, 1937).

 

Este texto foi retirado do livro "Poesias de Álvaro de Campos", Edições Ática, Março de 1980

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publicado às 19:12


#1821 - Obra revisitada

por Carlos Pereira \foleirices, em 23.01.13

 

Confira entrevista com o colombiano Jerónimo Pizarro, que é um dos maiores conhecedores de Fernando Pessoa na atualidade. Nos últimos anos, ele se dedicou ao estudo do espólio do autor português e descobriu alguns inéditos.

 

O guardador de livros de Pessoa

“Ele é como aquele personagem do Humberto Eco. É capaz de andar de olhos fechados na biblioteca e não se perder. Domina como ninguém o espólio.” A frase de Antonio Cardiello sobre Jerónimo Pizarro define bastante bem a posição alcançada pelo pesquisador colombiano no universo da pesquisa sobre Fernando Pessoa. Em 2003, quando começou a estudar os milhares de folhas deixados pelo poeta, Pizarro ficou tão encantado que praticamente morava na Biblioteca Nacional de Lisboa. Os muitos anos debruçados sobre os papéis na tarefa quase detetivesca de compreender sinais gráficos, montar quebra-cabeças que faziam de folhas soltas um conjunto, procurar relações entre documentos, fez do jovem pesquisador um dos maiores conhecedores na atualidade da obra de Pessoa. Organizado e metódico, conseguiu reunir um grupo de investigadores e revolucionar os estudos acadêmicos sobre o autor. Além disso, com o apoio de uma editora, levou ao grande público esses achados.

 

Agora, de volta à Colômbia para comandar uma cátedra que leva o nome do poeta, o acadêmico tem por objetivo disseminar a cultura portuguesa e tornar cada vez mais conhecido, também em castelhano, o nome de Fernando Pessoa.

Leia a entrevista que Jerónimo Pizarro concedeu à BRAVO!.

 

Bravo!: Qual o critério que vocês têm para publicar Fernando Pessoa. Todos os papéis deixados por ele são considerados “publicáveis”? Como funciona a seleção?

 

Jerónimo Pizarro: Consideramos que essa seleção [entre publicável e não publicável] deve ser aplicada daqui a 40, 50 anos, não agora, quando ainda desconhecemos a maior parte desse material. Admito critérios mais rígidos, ontológicos, no futuro. Quando tivermos uma visão do conjunto, fará muito sentido começar a limitar. Mas fazê-lo de maneira subjetiva, individual, é muito difícil. Até porque o que pode ser interessante para mim pode não ser para outra pessoa. E se fizéssemos assim, atingiríamos um público mais restrito, faríamos um trabalho menos completo. E acabaríamos por dar muita seriedade aos nossos juízos. Acho que temos que suspender os nossos juízos para que outras pessoas, mais tarde, com uma visão diferente das nossas, possam construir uma obra mais seleta.

 

Bravo!: Você tem a impressão de que Pessoa sabia que um dia grupos de investigadores como vocês se debruçariam sobre o espólio e publicariam esse material?

 

JP: Acho que o Pessoa sabia que a posteridade estava a sua espera, mesmo com algumas frustrações de não reconhecimento em vida. Sabia que estava a deixar alguma coisa quase armada, que são as arcas, para a posteridade. Sabia que sua vida dependia do que fosse a sua existência futura, ainda que não soubesse qual seria ela. Imaginava que sua obra, e o que tinha deixado arquivado durante anos, ia continuar a construir essa figura que ele próprio tinha construído em vida.

 

Bravo!: Ele deixou pistas para facilitar a vida de quem viria fazer esse trabalho?

 

JP: Praticamente não. Algumas pistas, mas mínimas. Acho que parte da brincadeira era deixar esse labirinto, não era deixar uma coisa já preparada. Então seria muito fácil, se tivesse deixado um mapa, instruções, seria só armar o que estava. Seria menos vanguardista, menos do seu tempo. O que muitos modernistas fizeram, tipo [James] Joyce e Pessoa, foi deixar uma coisa complexa para mais tarde porque, se as pessoas se perderem no caminho e ficarem cativadas por algo misterioso – e há muito mistério nessas arcas –, ficam presas durante muito mais tempo. Se as arcas tivessem instruções, acho que teríamos nos desinteressado muito tempo atrás.

 

Bravo!: É coincidência que tantos estrangeiros estejam estudando e publicando Pessoa?

 

JP: Acho que o que está a acontecer com grande parte da cultura e literatura portuguesa, e não só agora, se calhar há muitos séculos, é que ela atrai pessoas de todo o mundo. Lembro-me de umas palavras de Antero de Quental [escritor e poeta português do século 19] a afirmar que alguns autores portugueses estavam a ser estudados por pessoas vindas de fora. Pessoa, neste momento, é um dos motivos que estão a atrair mais interessados na cultura portuguesa.

 

Bravo!: O cálculo de vocês é de que cerca de 10 mil folhas deixadas por Pessoa, mais ou menos 30% do espólio, ainda não foram publicadas. É possível prever quanto mais de trabalho e quantos anos ainda serão necessários para conhecermos tudo?

 

JP: Sei que posso ter 40 anos mais de trabalho e não vou concluir, e podia ter 80 ou 120, e não iria concluir. E nem sequer posso muito bem imaginar como seria a conclusão. Penso em um caso com Dante Alighieri, que continuamos a pensar a Divina Comédia a escrever sobre ela. Não é só a questão de editar Fernando Pessoa, que vai continuar a ser editado durante séculos. A questão é que não há uma única maneira de editar pessoa. O Livro do Desassossego é paradigmático nesse ponto. Da mesma maneira, podemos continuar a armar muitos livros mais.

 

Bravo!: Como funciona o trabalho entre esse grupo chefiado por você? Trabalham sempre em equipe, trabalham só...

 

JP: Há uma parte que terá que ser sempre solitária, de transcrever certos manuscritos, percorrer os papéis, ler certos livros. Mas depois há uma parte coletiva, de discutir certas leituras, de discutir textos e livros que estão a ser preparados. E é uma dimensão coletiva que está em crescimento, e a única maneira que acho que faz sentido existir uma “equipe” para editar Pessoa.

 

Bravo!: Ouvi você dizer que se pesquisa pouco no espólio, que não se vai à fonte primária. Por quê?

 

JP: É um defeito das universidades. Estão muito acostumadas com a uma visão do texto como uma entidade abstrata, uma análise do texto que esquece os condicionamentos materiais. A internet e a digitalização dos arquivos vão tornar mais simples uma consciência necessária da existência material dos textos. Temos que regressar aos textos, e não só ler o que já lemos, mas perceber que os textos costumam ser um percurso, que não é uma coisa imediata. Estamos a trabalhar com um produto final e esquecer a história que está por trás, e para mim são tão importantes o texto em si e a sua análise quanto a história do texto. É muito mais complexo, interessante, e acho que pode ser uma das maneiras para sairmos da crise das humanidades.

 

REVISTA "BRAVO"

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publicado às 19:26


#1630 - Nevoeiro

por Carlos Pereira \foleirices, em 22.02.12

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NEVOEIRO

 

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

Define com pefil e ser

Este fulgor baço da terra

Que é Portugal a entristecer -

Brilho sem luz e sem arder,

Como o que o fogo-fátuo encerra.

 

Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.

(Que ânsia diatante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

 

É a Hora!

 

 

Poema de Fernando Pessoa [Ortónimo] in Mensagem, 1934

 

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publicado às 18:19


#1620 - Correspondências > Fernando Pessoa a Ofélia

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.02.12


 

Meu Be«be»zinho lindo:

Não imaginas a graça que te achei hoje à janella da casa de tua irmã! Ainda bem que estavas alegre e que mostraste prazer em me ver (Álvaro de Campos).
Tenho estado muito triste, e além d’isso muito cansado – triste não só por te não poder ver, como também pelas complicações que outras pessoas teem interposto no nosso caminho. Chego a crer que a influência constante, insistente, hábil d’essas pessoas; não ralhando contigo, não se oppondo de modo evidente, mas trabalhando lentamente sobre o teu espírito, venha a levar-te finalmente a não gostar de mim. Sinto-me já differente; já não és a mesma que eras no escriptorio. Não digo que tu própria tenhas dado por isso; mas dei eu, ou, pelo menos, julguei dar por isso. Oxalá me tenha enganado…
Olha, filhinha: não vejo nada claro no futuro. Quero dizer: não vejo o que vãe haver, ou o que vãe ser de nós, dado, de mais a mais, o teu feitio de cederes a todas as influencias de familia, e de em tudo seres de uma opinião contraria à minha. No escriptorio eras mais dócil, mais meiga, mais amorável.
Enfim…


 

Amanhã passo à mesma hora no Largo de Camões. Poderás tu apparecer à janella?
Sempre e muito teu

 

 

In: PESSOA, Fernando. Cartas de Amor. Organização, posfácio e notas de David Mourão Ferreira. Preâmbulo e estabelecimento do texto de Maria da Graça Queiroz.3ª ed. Lisboa: Ática, 1994.

 


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publicado às 11:53



Encontro Pessoa / Cioran
Nos 76 anos da morte de Fernando Pessoa e nos 100 anos do nascimento de Emil Cioran
17h00 | 30 de Novembro 2011
Sala do Departamento de Filosofia (Torre B – Piso 1) | FLUP

O Grupo de Investigação Raízes e Horizontes da Filosofia e da Cultura em Portugal do Instituto de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto tem o prazer de convidar todos os interessados para o Encontro Pessoa / Cioran - Nos 76 anos da morte de Fernando Pessoa e nos 100 anos do nascimento de Emil Cioran.

O evento terá lugar no próximo dia 30 de Novembro, pelas 17h00, na Sala do Departamento de Filosofia (Torre B – Piso 1) na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e contará com as seguintes intervenções:

* “Emil Cioran e Fernando Pessoa: salto no absoluto e «fuga para fora de Deus»”, Paulo Borges (FLUL-CFUL)
* “Tempo e palavra em Cioran”, J. M. Costa Macedo (FLUP/IF)
* “Utopia em Fernando Pessoa e Emil Cioran”, José Almeida (FLUP/IF)
* “Acerca da noção de normalidade em Cioran”, Elsa Cerqueira

| Apresentação do livro “O teatro da vacuidade ou a impossibilidade de ser eu” e do 3º número da revista “Cultura Entre Culturas, dedicado a Fernando Pessoa

A sessão terminará com a apresentação do livro “O teatro da vacuidade ou a impossibilidade de ser eu”, de Paulo Borges, e do Nº 3 da Revista “Cultura Entre Culturas”, dedicado a Fernando Pessoa, por José Meirinhos (FLUP/IF).
[Entrada livre]
Mais Informações: http://ifilosofia.up.pt/gfmc/?p=activities&a=ver&id=327

 

Retirado do blog "Revista Cultura Entre Culturas"

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publicado às 22:30


#1433 - Fernando Pessoa escreveu argumentos para filmes

por Carlos Pereira \foleirices, em 01.07.11

 

Sob o rótulo “Film Arguments”, Fernando Pessoa deixou escritos e datilografados argumentos cinematográficos em três línguas que só agora serão publicados em Portugal, bem como planos para criar uma produtora de cinema, a Ecce Film, e o respetivo logótipo.

 

Com edição, introdução e tradução de Patricio Ferrari e Claudia J. Fischer, todos esses textos de Pessoa diretamente relacionados com cinema, inéditos em Portugal, foram pela primeira vez reunidos num volume intitulado “Argumentos para Filmes”, que chega a 08 de julho às livrarias, no âmbito da coleção “Obras de Fernando Pessoa”, coordenada por Jerónimo Pizarro e publicada pela Ática, chancela da Babel.

 

Aí se podem encontrar seis argumentos cinematográficos incompletos da autoria de Fernando Pessoa, “quase certamente escritos ainda na época do cinema mudo”, indicam os autores da obra no prefácio.

 

Quatro dos argumentos, “todos datáveis da década de 1920”, foram escritos em inglês – um deles com diálogos em português –, com indicações como “Nota para um ‘thriller’ disparatado. Ou para um filme” ou “Meio plano para peça ou filme.”

 

Os outros dois, “de data posterior a 1917” e redigidos em francês, já foram publicados, sim, mas apenas em França, em 2007, num pequeno opúsculo da Pléiade, juntamente com a tradução francesa de dois dos argumentos ingleses, e terão agora a respetiva tradução em português.

 

À Lusa, Claudia J. Fischer, professora e investigadora do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, disse que embora tais argumentos cinematográficos não tenham até agora sido transcritos e traduzidos para português, presume que “já houvesse há algum tempo conhecimento da sua existência no espólio” de Fernando Pessoa (1888-1935).

 

“É espantoso” que tais textos não tenham ainda sido divulgados em Portugal, tendo em conta o grande número de estudiosos da obra do poeta que já teve acesso à sua famosa arca de papéis, observou a coautora deste livro, acrescentando que “além destes, há ainda outros textos que nunca foram publicados, contrariamente à ideia que existe de que tudo do Fernando Pessoa já está publicado”.

 

“Provavelmente, nunca foram levados muito a sério, porque são fragmentados, não são muito completos. Nunca chegou, ele próprio, a avançar com uma proposta de publicação, porque não teriam ainda a sua forma definitiva. Penso que será por isso”, sustentou.

 

O que Claudia J. Fischer e Patricio Ferrari acharam “particularmente fascinante” nestes argumentos ou planos para argumentos de filmes foi o facto de eles refutarem a tese de que Fernando Pessoa não se interessava por cinema, uma tese que até agora vigorava e era defendida em várias obras, incluindo o “Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português”, um volume publicado em 2008, com quase 600 artigos da autoria de 90 especialistas portugueses e estrangeiros, centrado na obra do poeta e nos traços culturais do seu tempo.

 

Essa tese tinha como fundamento excertos de alguns poemas de Álvaro de Campos, textos e correspondência de Pessoa em que este expressava uma quase aversão à sétima arte e que estão também incluídos neste livro “Argumentos para Filmes”, para melhor se entender o que afinal pensava o poeta sobre o cinema.

 

Nesses textos, “há várias referências ao cinema, muitas em tom um pouco depreciativo, mas porque está a referir-se ao cinema hollywoodiano, que considerava superficial – ou seja, há realmente um tratamento do tema do cinema, mas de um ponto de vista crítico”, apontou a investigadora.

 

Porém, como Pessoa “tinha a preocupação de ‘Fazer pela Vida’ – para citar o título do livro que Mega Ferreira escreveu sobre ele, em que ele apresenta vários projetos, patentes de máquinas, etc. –, como tinha a preocupação de rentabilizar algum produto seu, nós pensamos que estes argumentos, especialmente os ingleses, provavelmente tinham o intuito de ser comercializados no mercado anglófono – e não no português – e por isso é que estão em inglês”, referiu.

 

“São ‘thrillers’, às vezes lembram um bocadinho comédias de costumes, são sempre brincadeiras em torno de trocas de identidade, o que é muito interessante também para uma poética do Pessoa, toda a questão da identidade está muito iminente. São textos fragmentários, curtinhos, mas podem completar imensamente uma imagem do perfil que tem sido construído de Fernando Pessoa”, defendeu.

 

Outro dos capítulos do livro é dedicado aos projetos do poeta relacionados com o cinema: em 1919/1920, queria criar uma empresa que se chamaria Cosmopolis e, mais tarde, o Grémio de Cultura Portuguesa, “que eram uma espécie de agências de propaganda nacional” – explicou a professora universitária –, cuja ação passaria necessariamente pelo cinema, que Pessoa descreveu, nos seus planos, como “uma das maiores armas de propaganda que se pode imaginar” e que pretendia usar “para divulgar Portugal no mundo”.

 

É no âmbito destes dois projetos que tem a ideia – “que passou muito despercebida” – de criar uma produtora cinematográfica, a Ecce Film, sublinhou.

 

“O logótipo, completamente inédito, que nós reproduzimos no livro é invenção do Fernando Pessoa, incluindo o aspeto gráfico. Ele ensaiou vários logótipos para esta Ecce Film e imaginou já o papel timbrado e os envelopes com uma morada – que nós desconhecíamos se existia e que fomos procurar”, descreveu.

 

A morada era ‘Rua de S. Bento, números 333 e 335’ e os dois investigadores descobriram que aí existira um estúdio de cinema que era utilizado por importantes produtoras de filmes da época.

 

O que se conclui, frisou Claudia J. Fischer, e é essa a grande novidade deste livro, é que “Fernando Pessoa estava a par do que se passava no setor cinematográfico em Lisboa, interessava-se por isso e chegou mesmo a projetar qualquer atividade sua ligada ao cinema, fosse produção ou fosse divulgação”.

 

In "i"

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publicado às 20:45


#1242 - Dia Mundial da Poesia, Hoje

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.03.10

OPIÁRIO

 

                      Ao Senhor Mario de Sá-Carneiro

 

É antes do ópio que a minh'alma é doente.

Sentir a vida convalesce e estióla

E eu vou buscar ao ópio que consóla

Um Oriente ao oriente do Oriente.

 

Esta vida de bórdo ha-de matar-me.

São dias só de febre na cabêça

E, por mais que procure até que adoêça,

Já não encontro a móla pra adaptar-me.

 

Em paradoxo e incompetência astral

Eu vivo a vincos d'ouro a minha vida,

Onda onde o pundunôr é uma descida

E os próprios gosos ganglios do meu mal.

 

É por um mecanismo de desastres,

Uma engrenagem com volantes falsos,

Que passo entre visões de cadafalsos

Num jardim onde ha flores no ar, sem hastes.

 

Vou cambaleando através do lavôr

Duma vida-interior de renda e láca.

Tenho a impressão de ter em casa a fáca

Com que foi degolado o Precursôr.

 

Ando expiando um crime numa mála,

Que um avô meu cometeu por requinte.

Tenho os nervos na fôrca, vinte a vinte,

E caí no ópio como numa vála.

 

Ao toque adormecido da morfina

Perco-me em transparências latejantes

E  numa noite cheia de brilhantes

Ergue-se a lua como a minha Sina.

 

Eu, que fui sempre um mau estudante, agora

Não faço mais que ver o navio ir

Pelo canal de Suez a conduzir

A minha vida, canfora na aurora.

 

Perdi os dias que já aproveitara.

Trabalhei para ter só o cansaço

Que é hoje em mim uma espécie de braço

Que ao meu pescôço me sufoca e ampara.

 

E fui criança como toda a gente.

Nasci numa província portuguêsa

E tenho conhecido gente inglêsa

Que diz que eu sei inglês perfeitamente.

 

Gostava de ter poêmas e novélas

Publicados por Plon e no Mercure,

Mas é impossível que esta vida dure.

Se nesta viagem nem houve procélas!

 

A vida a bórdo é uma coisa triste.

Embora a gente se divirta ás vezes.

Falo com alemães, suecos e inglêses

E a minha mágoa de viver persiste.

 

Eu acho que não vale a pena ter

Ido ao Oriente e visto a India e a China.

A terra é semelhante e pequenina

E ha só uma maneira de viver.

 

Porisso eu tomo ópio. É um remedio.

Sou um convalescente do Momento.

Móro no rés-do-chão do pensamento

E ver passar a Vida faz-me tédio.

 

Fumo. Canso.  Ah uma terra aonde, emfim,

Muito a leste não fosse o oeste já!

Pra que fui visitar a India que ha

Se nao ha India senão a alma em mim?

 

Sou desgraçado por meu morgadío.

Os ciganos roubaram minha Sorte.

Talvez nem mesmo encontre ao pé da morte

Um lugar que me abrigue do meu frio.

 

Eu fingi que estudei engenharia.

Vivi na Escóssia. Visitei a Irlanda.

Meu coração é uma avòzinha que anda

Pedindo esmóla ás portas da Alegria.

 

 

Não chegues a Port-Said, navio de ferro!

Volta á direita, nem eu sei para onde.

Passa os dias no smoking-room com o conde -

Um escroc francês, conde de fim de enterro.

 

Volto á Europa descontente, e em sortes

De vir a ser um poeta sonanbólico.

Eu sou manarquico mas não católico

E gostava de ser as coisas fortes.

 

Gostava de ter crenças e dinheiro,

Ser varia gente insipida que vi.

Hoje, afinal, não sou senão, aqui,

Num navio qualquer um passageiro.

 

Não tenho personalidade alguma.

É mais notado que eu êsse criado

De bórdo que tem um belo modo alçado

Do laird escossez ha dias em jejum.

 

Não posso estar  em parte alguma. A minha

Pátria é onde não estou. Sou doente e fraco.

O comissário de bórdo é velhaco

Viu-me co'a sueca... e o resto êle adivinha.

 

Um dia faço escândalo cá a bórdo,

Só para dar que falar de mim aos mais,

Não posso com a vida, e acho fatais

As iras com que ás vezes me debórdo.

 

Levo o dia a fumar, a beber coisas,

Drogas americanas que entontecem,

E eu já tão bêbado sem nada!  Déssem

Melhor cérebro aos meus nervos como rosas.

 

Escrevo estas linhas. Parece impossivel

Que mesmo ao ter talento eu mal o sinta!

O facto é que esta vida é uma quinta

Onde se aborrece uma alma sensível.

 

Os inglêses são feitos pra existir.

Não ha gente como esta pra estar fetia

Com a Tranquilidade. A gente deita

Um vintém e sai um dêles a sorrir.

 

Pertenço a um genero de portuguêses

Que depois de estar a India descoberta

Ficaram sem trabalho. A morte é certa.

Tenho pensado nisto muitas vêzes.

 

Leve o diabo a vida e a gente tê-la!

Nem leio o livro á minha cabeceira.

Enoja-me o Oriente. É uma esteira

Que a gente enróla e deixa de ser béla.

 

Caio no ópio por força. Lá querer

Que eu leve a limpo uma vida destas

Não se pode exigir. Almas honestas

Com horas pra dormir e pra comer.

 

Que um raio as parta! E isto afinal é inveja.

Porque estes nêrvos são a minha morte.

Não haver um navio que me transporte

Para onde eu nada queira que o não vêja!

 

Ora! Eu cansava-me do mesmo modo.

Qu'ria outro ópio mais forte pra ir de ali

Para sonhos que dessem cabo de mim

E pregassem comigo nalgum lôdo.

 

Febre! Se isto que tenho não é febre,

Não sei como é que se tem febre e sente.

O facto  essencial é que estou doente.

Está corrida, amigos, esta lebre.

 

Veio a noite. Tocou já a primeira

Corneta, pra vestir para o jantar.

Vida social por cima! Isso! E marchar

Até que a gente saia pla coleira!

 

Porque isto acaba mal e ha-de haver

(Olá!) sangue e um revólver lá pró fim

Dêste desassossego que ha em mim

E não ha forma de se resolver.

 

E quem me olhar, ha-de me achar banal.

A mim e á minha vida... Ora! um rapaz...

O meu proprio monóculo me faz

Pertencer a um tipo universal.

 

Ah quanta alma haverá, que eu ande metida

Assim como eu na Linha, e como eu mística!

Quantos sob a casaca carateristica

Não terão como eu o horrôr á vida?

 

Se ao menos eu por fora fôsse tão

Interessante como sou por dentro!

Vou no Maelstrom, cada vês mais pró centro.

Não fazer nada é a minha perdição.

 

Um inutil. Mas é tão justo sê-lo!

Pudesse a gente despresar os outros

E,  ainda que co'os cotovêlos rôtos,

Ser herói, doido, amaldiçoado ou bélo!

 

Tenho vontade de levar as mãos

Á boca e morder nélas fundo e a mal.

Era uma ocupação original

E distraía os outros, os tais sãos.

 

O absurdo como uma flôr da tal India

Que não vim encontrar na India, nasce

No meu cérebro farto de cansar-se.

A minha vida mude-a Deus ou finde-a...

 

Deixe-me estar aqui, nesta cadeira,

Até virem  meter-me no caixão.

Nasci pra mandarim de condição,

Mas faltam-me o sossego, o chá e a esteira.

 

Ah que bom que era ir daqui de caída

Prá cova por um alçapão de estouro!

A vida sabe-me a tabaco louro.

Nunca fiz mais do que fumar a vida.

 

E afinal o que quero é fé, é calma,

E não ter estas sensações confusas.

Deus que acabe com isto! Abra as eclusas -

E basta de comedias na minh'alma!

Opiário, uma composição de Alvaro de Campos publicada por Fernando Pessoa

e escrita em Março de 1914 No canal de Suês, a bordo.

 

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publicado às 19:49


#1209 - Bernardo Soares

por Carlos Pereira \foleirices, em 19.02.10


Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.


::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::.


O entusiasmo é uma grosseria.

A expressão do entusiasmo é, mais do que tudo, uma violação dos direitos da nossa insinceridade.

Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária.


Por mim não tive convicções. Tive sempre impressões. Nunca poderia odiar uma terra em que eu houvesse visto um poente escandaloso.


Exteriorizar impressões é mais persuadirmo-nos de que as temos do que termo-las.


O Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa (Bernardo Soares), edição de Richard Zenith - Assírio & Alvim, edição 490. 1.ª Edição: Setembro 1998 | 5.ª Edição: Março de 2005

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publicado às 21:10


#926 - Espólio de Pessoa classificado como "tesouro nacional"

por Carlos Pereira \foleirices, em 31.07.09
Espólio de Pessoa classificado como "tesouro nacional"

O espólio documental do escritor Fernando Pessoa, que inclui cartas, fotografias, livros, apontamentos, foi classificado como "tesouro nacional" pelo "relevante interesse cultural", decidiu hoje o governo em Conselho de Ministros.

 

O decreto hoje aprovado em Conselho de Ministros estipula que todo o espólio de Fernando Pessoa passa a ter interesse nacional. Essa classificação teve em conta o "relevante interesse cultural, designadamente, histórico, linguístico, documental e social" e reflecte "valores de memória, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade e exemplaridade", refere o Conselho de Ministros em comunicado.

 

Em declarações à agência Lusa, a sub-directora da Biblioteca Nacional, Maria Inês Cordeiro, explicou hoje que este é "o mais elevado grau de classificação dentro do património nacional". O decreto em Conselho de Ministros conclui um processo de classificação do espólio de Fernando Pessoa iniciado pela Biblioteca Nacional em Outubro de 2008. Esta classificação abrange todo o espólio documental conhecido e o que se vier a descobrir e impossibilita a sua saída de Portugal. O espólio documental de Fernando Pessoa está depositado sobretudo na Biblioteca Nacional, mas há documentos do escritor na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, na Casa José Régio, em Vila do Conde, nas bibliotecas municipais do Porto e Ponta Delgada e na posse dos herdeiros.


In "DN on line"

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publicado às 08:29


#866 - 'Ode Marítima' em destaque no Festival de Avignon

por Carlos Pereira \foleirices, em 10.07.09

 

A dramatização da Ode Marítima de Fernando Pessoa, encenada por Claude Régy, será um dos momentos altos da edição de 2009 do Festival de Avignon, considerado o maior acontecimento da vida teatral francesa, que começou terça-feira e decorre até dia 29. Para Hortense Archambault e Vincent Baudriller, directores do Festival, Claude Régy vai a Avignon apresentar uma das grandes obras poéticas do Século XX. Conhecido por mostrar a criação contemporânea francesa e estrangeira em matéria de Teatro e Dança, o Festival de Avignon, criado em 1947 por Jean Vilar, conta com um orçamento que ronda os 10 milhões de euros, ocupa 600 funcionários e tem uma audiência que costuma ultrapassar as 130 mil pessoas. (fonte: Correio do Minho)

 

Post retirado do blog Mundo Pessoa

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publicado às 01:02


#826 - Lançamento de ‘Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis’

por Carlos Pereira \foleirices, em 24.06.09

 

O volume Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis (Texto), que reúne ensaios de José Barreto, Steffen Dix, Patricio Ferrari, Sara Afonso Ferreira, Ana Maria Freitas, Carla Gago, Manuela Nogueira, Rita Patrício e Jerónimo Pizarro (com organização deste último, membro da Equipa Pessoa), é apresentado esta tarde, a partir das 18h30, na Casa Fernando Pessoa, pela sua directora, Inês Pedrosa.

 

Post retirado do blog "Bibliotecário de Babel"

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publicado às 12:38


A Maçonaria vista por Fernando Pessoa

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.06.09

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publicado às 15:37


Allen Ginsberg [1926-1997]

por Carlos Pereira \foleirices, em 22.04.09



Saudação a Fernando Pessoa


De cada vez que leio Pessoa penso

que me saí melhor do que ele fazendo a mesma coisa

de maneira mais extravagante - ele só vem de Portugal

eu sou da América o maior país do mundo

agora mesmo no final do século XX e se Portugal

teve um grande império no século 15 não interessa

agora encolhido a um canto da Penísula Ibérica

enquanto Nova Iorque por exemplo, vejam Nova Iorque

e se a cidade do México é maior N.I. é mais rica pensem no Empire State

Building até há pouco o maior arranha-céus do mundo -

seja como for eu gozei 61 anos do século XX

Pessoa desceu a rua do Ouro só até 1936

Ele apossou-se de Witman por isso eu apossei-me de Pessoa não

interessa o que digam porque ele está morto e não se importaria


Como é que me saí melhor que Pessoa?

Conhecido em 4 Continentes tenho 25 livros em inglês e ele só 3

é em grande parte português, mas a culpa não é dele -

Os EUA são um país maior

uns meros 2 triliões condenados a passarem-se

o trabalho sujo d Reagan uma aberração do Século Americano

não representando a nossa Nação que Witman cantou em modo épico

embora preocupado com as "Democratic Vistas"

Como budista ficou pouco ufano da minha superioridade sobre Pessoa

Eu sou humilde Pessoa fazia uma diferença louca,

embora aparentemente paneleiro - igual a Sócrates,

considerem Michelangelo Da Vinci Shakespeare

o inestimável camarada Walt

Na verdade também fui suspeito na juventude uma mera bagatela

A própria Ciência destrói camadas de ozono nesta era anti-Estalinistas

envenenam a terra inteira com comunismo anti-radioactivo

Talvez eu tivesse fingido um pouco

raramente em verso, só parar proteger a reputação de outros

Francamente demasiado Cândido quanto à minha mãe com boas intenções

Pessoa falou da mãe? Ela é interessante,

poderosa para dar à luz sêxtuplos

Alberto Caeiro Álvaro de Campos Ricardo Reis Bernardo Soares & Alexander Search ao           mesmo tempo

que Fernando Pessoa o próprio um sexofrénico clássico

Confundindo personas não tão populares

fora do minúsculo reino de Portugal (até há pouco um estado policial de segunda)

Deixem-me chegar ao que interessa eh esqueci-me do que era

mas decerto me dá prazer fazer comparações entre este Ginsberg & Pessoa

de quem as pessoas falam na Ibéria e pouco nos livros em inglês

hoje a grande língua diplomática do mundo que se estende até à China

Além disso ele era um minorca, ele próprio o admite na interminável "Saudação a Walt Witman"

Enquanto eu tenho 1,72 m de altura

um pouco acima da média mundial, sem presunção,

Estou a falar seriamente sobre mim & Pessoa.

De qualquer modo ele nunca me influenciou, nunca li Pessoa

antes de ter escrito o meu célebre "Uivo" já traduzido  em 24 línguas

nunca Pessoa me infleiciou com ansiedade até hoje

Meia-noite de 12 de Abril de 88 o dar uma olhadela ao livro dele

decerto me influenciou de passagem, será razoável

mas ler uma página em tradução dificilmente prova "Influências".

Voltando a Pessoa, o que é que ele tinha para escrever? Whitman,

(Lisboa, o mar, etc.) um método peculiarmente verborreico,

diarreia oral dizem alguns - Pessoa Parlapatoa.


Tradução de Helena Barbas

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publicado às 12:58


A cidade e o quarto de Bernardo Soares

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.03.09

"Alhures, sem dúvida, é que os poentes são. Mas até

d'este quarto andar sobre a cidade se pode pensar no

infinito. Um infinito com armazéns em baixo, é certo,

mas com estrellas ao fim... É o que me ocorre neste

acabar de tarde, à janela alta, na insatisfação do

burguez que não sou e na tristeza que nunca

poderei ser"


Bernardo Soares

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publicado às 17:19


Duas grandes instituições

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.03.09

Fernando Pessoa e a Ginginha

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publicado às 17:14


...

por Carlos Pereira \foleirices, em 11.02.09

 

Poder reencarnar numa pedra, num grão de pó - chora-me na alma este desejo.


In "LIvro do Desassossego"

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publicado às 13:29


José de Almada Negreiros sobre Fernando Pessoa...

por Carlos Pereira \foleirices, em 20.01.09

..."Começo por Fernando Pessoa.

Não recordo ter estado alguma vez com Fernando Pessoa e mais outros. Ou lembro vagamente. Lembro-me apenas de ter estado anos com ele e mais ninguém connosco. O poeta Américo Durão lembra-se de ser eu o único do "Orpheu" tu-cá-tu-lá com Fernando Pessoa. Sou comovidamente grato a este testemunho público daquele poeta, tanto mais que devo não ter sido o mais assíduo companheiro de Fernando Pessoa, e o facto de os do "Orpheu" não se tratarem por tu, torna bem significativo o da sua aberta recordação. Há verificável impossível salvo do poeta.

Devo a Fernando Pessoa (repito: pela primeira vez na minha vida) a alegria de ver noutrem a oposição e não o costumado contrário nosso alheio. Obrigado Fernando. Não há aqui de quê agradecer. Também o sei. Desculpe. É a afectividade. Carinho.

De parte a parte, em ambos nós nada havia de contrários pois que nenhum dependia dessas classificações engendradas a título social para o sossego e a comodidade de uns tantos. Não. Éramos poetas. Perdão: apresentávamo-nos para poetas. Antes de bons ou maus poetas bebíamos já ambos o delirante veneno de não pertencermos a nada e sermos cá. Partíamos logo desde o respeito muito bem pesado por tudo quanto a outros lhes era forçoso participar no quotidiano. Não ter este forçoso era o nosso carimbo de poetas. Mas para melhor fazer entender o carimbo, direi que isenção que significa poeta tem arrumo na nomenclatura social e na mesma palavra que faz de réu em desclassificado.

Foi neste momento que dei a Fernando Pessoa um pequeno papel muito dobrado e que ainda o dobrei mais deante dele. Desdobrou-o com o mesmo cuidado com que o dobrei, e leu: Quer o queiramos quer não, nós (o artista) estamos muito longe de pertencer à comunidade". Assinado: Cézanne."...

Texto retirado do livro de Almada Negreiros "Orpheu", edição Ática

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publicado às 00:15


Fernando Pessoa

por Carlos Pereira \foleirices, em 15.01.09

A influência da nova geração sobre a vida portuguesa?

Nenhuma, porque não há vida portuguesa.

 

Fernando Pessoa, 1916

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publicado às 17:36


Tabacaria

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.01.09

"...

Falhei em tudo.

Como não fiz de propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.

A aprendizagem que me deram,

Desci dela pela janela das traseiras da casa,

Fui até ao campo com grandes propósitos.

Mas lá encontrei só ervas e árvores,

E quando havia gente era igual à outra,

Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?..."

 

"In "Tabacaria", de Álvaro de Campos, Colecção Centauro n.º 003,  edição Guimarães Editores, Lisboa 2008"

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publicado às 22:44


Fernando Pessoa e o Modernismo Português

por Carlos Pereira \foleirices, em 12.12.08

 

"Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português" já está nas livrarias
 
Tem quase mil páginas o "Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português" com coordenação de Fernando Cabral Martins, editado pela Caminho, e que está nas livrarias portuguesas desde ontem. Demorou dois anos a ser concretizado é um dos mais importantes lançamentos editoriais deste ano.
 

 

Fernando Pessoa é o "centro" deste livro que pretende reunir a soma dos conhecimentos actuais sobre a sua obra e sobre o Modernismo. "A ideia de um dicionário sobre o Modernismo tinha-se revelado de todo impraticável a princípio, dada a dificuldade conceptual de definir Modernismo", escreve Fernando Cabral Martins no capítulo de apresentação. O professor universitário também explica que havia a dificuldade prática de estabelecer balizas cronológicas que tornassem aceitável a sua transformação em período. Mas tudo isto foi ultrapassado quando decidiram centralizar todas as matérias na figura de Fernando Pessoa e nas datas da sua aparição pública entre 1912 e 1935. O coordenador desta obra foi tradutor e crítico de cinema, doutorou-se na Universidade Nova de Lisboa onde é professor de crítica textual e de literatura portuguesa, e reuniu neste projecto mais de 80 especialistas da área da literatura e das artes visuais (desde Abel Barros Baptista a Zília Osório de Castro), autores das cerca de 600 entradas deste dicionário que ajudam a definir os traços culturais do tempo em que Pessoa viveu. Os principais nomes, títulos, imagens e temas que se relacionam com Fernando Pessoa estão lá. O "Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português" começa com uma cronologia de Fernando Pessoa e depois segue com as entradas. Uma delas é sobre a "arca": a arca dos inéditos que foi leiloada na semana passada em Lisboa. E que nos primeiros tempos albergava sacos de papel e embrulhos atados com cordéis contendo os escritos do poeta. Outra entrada é sobre "cafés" onde se formavam tertúlias, onde se discutia pintura, literatura e política. O dicionário começa com "À Memória do Presidente-Rei Sidónio Pais" e termina com a palavra "Zen".
 

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publicado às 19:40


Legado Pessoano

por Carlos Pereira \foleirices, em 11.11.08

Ricardo Marques escreve sobre o legado pessoano na revista STORM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DEAMBULAÇÕES PELO LEGADO PESSOANO, NUM ANO DE COMEMORAÇÕES

“Anglomaniac, myopic, courteous, evasive, dressed darkly, reticent and agreeable, a cosmopolitan who preaches nationalism, “solemn investigator of futile things”, humorist who never smiles but chills our blood, inventor of other poets and destroyer of himself, author of paradoxes as clear as water and, as water, dizzying: “to pretend is to know yourself”, mysterious man who does not cultivate mystery, mysterious as the mid-day moon, taciturn phantom of the portuguese mid-day – who is Pessoa?”
Octavio Paz


Enganemos o leitor, e esquivemo-nos tal como o faria Pessoa, deixando esta longa citação para o fim. A ela voltaremos depois de terminado o arrazoado. Escritas há vinte e cinco anos, as seguintes palavras de Fernando J. B. Martinho parecem proféticas nos dias de hoje:

“Fácil será imaginar que a “vaga pessoana” irá continuar a submergir o “horizonte cultural em Portugal” nos tempos mais próximos, sobretudo se atendermos à circunstância de se avizinharem as datas das comemorações do cinquentenário da sua morte (1985) e do centenário do seu nascimento (1988)”
(Fernando J. B. Martinho, Pessoa e a Moderna Poesia Portuguesa (Do Orpheu a 1960), Lisboa, ICLP, Colecção Biblioteca Breve, vol. 82, 1991 (1983), pp.12-13)

Num ano de comemorações como é este, 120 anos volvidos do seu nascimento tão bem assinalados com a colocação de uma nova escultura do escritor, pelo belga Jean-Michel Folon (1934-2005), mesmo em frente à casa onde nasceu, pensamos ser pertinente “deambular” pelo legado de Pessoa, e pensar se faz sentido ainda pensar em Pessoa neste início de século. A premissa de trabalho que me proponho é falsa, de uma certa falsidade retórica e deveras pessoana, uma vez que desde logo o leitor minimamente informado saberá a resposta. Os exemplos desta herança que a sociedade teima em retomar são tão quotidianos quanto frequentes e não é sequer preciso este ensaio para provar que Pessoa está aqui para durar.
Posto isto, a deambulação que aqui faremos será, se quisermos, uma deambulação textual, no sentido semiótico do termo – veremos três diferentes tipos de texto e de que forma todos eles actualizam a figura, o homem e o mito na nossa cultura de hoje, bem como três momentos cronológicos deste ano, também ele, pessoano.
Em primeiro lugar, um texto escrito, poesia, evocando não Fernando Pessoa per se mas sim Esteves, o homem-personagem do longo e famoso poema de Álvaro de Campos intitulado Tabacaria (1928). Falamos de Esteves!, último livro de poesia, editado entre nós em Fevereiro, do poeta holandês René Huigen (1962-)
É muito interessante verificar esta nova vida que uma personagem tão simbólica como é o “Esteves sem metafísica” ganha neste longo poema narrativo, sobretudo por, na verdade, Esteves ter um papel tão indefinido quanto passivo no texto de Campos. Ao invés disso, Huigen pega em Esteves e dá-lhe um papel preponderante na acção narrada no poema, uma nova vida (literária) que expande a vida literária que ele tem no poema de Campos. Assim, e no que toca à forma de o concretizar, pensamos ser a definição do poeta neerlandês que apresenta este livro, Gerrit Komrij (1944-), a mais sucinta e clara: “ uma demanda, com acentos bíblicos, dantescos e homéricos, arcaica e moderna, sobre o que leva a acção a alguém que se sabe não ser levado a nada”. ( René Huigen, Esteves!, Lisboa, Assírio e Alvim, 2008
Efectivamente, é de uma viagem, de um poema épico que estamos perante, bem à maneira desses três intertextos fundamentais para a cultura ocidental que Komrij sugere e bem – a Bíblia, a Divina Comédia, e a Odisseia. Se quisermos, esta é a “demanda” do “Esteves sem metafísica” à procura da própria metafísica, num percurso que é simultaneamente pessoal e iniciático, e depois uma aventura de escrita poética bem ao gosto dos nossos dias, onde o escritor, o narrador e as personagens invocadas se misturam numa promiscuidade de níveis narrativos. Usando de um estilo torrencial e com laivos surrealistas, há uma constante citação, que se torna muito explicita em certas passagens, desses grandes poemas em prosa supracitados.
Assim, o poema começa por exortar longamente a musa Calíope para que ajude o poeta a falar “de um homem que ficou em casa/ Julgando ser-lhe o mundo um assento/ de onde um herói digno de seus feitos/ não precisava de erguer-se para,/dormindo, ir enfrentá-lo” . E assim se resume o que se passarão nas páginas do livro, todo ele uma metafórica reflexão sobre a metafísica e a vida dentro do livro, a vida das personagens como se fossem reais, e de que Esteves é clara símbolo na obra pessoana.
Na esteira desta ideia, convocaremos a novela de Mário Cláudio, Boa-Noite, Senhor Soares, saída a meio do ano, que vem retratar mais uma vez este aspecto da vida apenas pelo livro, com a nova vida que ganha Bernardo Soares, o semi-heterónimo de Pessoa, e autor da sua “autobiografia possível”, O Livro do Desassossego. Efectivamente, isto torna-se ainda mais credível se virmos que a intenção do autor com a escrita desta história foi “ver o Pessoa através de Bernardo Soares”. Assim, somos transportados para a Lisboa de entre as guerras, numa altura igualmente de afirmação do Estado Novo em Portugal, espelhado nos inúmeros episódios do quotidiano em que o livro se desdobra. Desta forma, mais do que a personagem central que é António, natural do interior profundo e que, como tantos, se desenraizou à força num contexto urbano duro a troca de uma melhor vida, poderíamos dizer que o que ganha mais importância, talvez por se sempre falar nele, mas quase nunca intervir, é “o senhor Soares”. Alvo de reverência por parte deste seu jovem de colega de trabalho, não só por “constar que é poeta”, mas precisamente devido ao seu desapego em relação à vida quotidiana que António não tem outra escolha senão viver, para sobreviver.
Por outro lado, é Lisboa a outra personagem central desta novela. Bernardo Soares, António, e as restantes personagens ( algumas retiradas igualmente d' O Livro do Desassossego, como o Patrão Vasques) são todas engolidas num contexto citadino que é, de um modo geral, muito bem ficcionado e pormenorizado por Mário Cláudio, naquilo que pensamos ser a homenagem a esse outro lado do mito pessoano que é a Lisboa por onde deambulou e sobre a qual amplamente escreveu, e que tantas vezes é indissociável de uma leitura do próprio poeta. Retenhamos esta ideia de “lugar” para o exemplo final deste ensaio.
Falemos de uma exposição, inaugurada na Gulbenkian, denominada - “Weltliteratur - Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o Mundo!”, acontecimento artístico deste final de ano. O pressuposto inicial deste evento foi o de mostrar como era possível expôr museograficamente textos literários, conjugando-os com outro tipo de textos como quadros e esculturas, presentes no museu.
Nos textos de apresentação desta referida exposição, o seu comissário, António M. Feijó, defende que a Literatura é passível de ser mostrada num espaço desses, lembrando claramente a etimologia grega da palavra museu, “o assento das musas”, e da qual a Biblioteca de Alexandria, espaço simultâneo de repositório de obras de artes e fonte de saber livresco, é um claro exemplo. A única limitação que se impõe na escolha de textos foi a de marcar um período e determinar quem e a como expôr, bem como os nexos que depois se estabeleceriam. A escolha, neste ano tão simbólico, foi a de mostrar Pessoa e alguns contemporâneos. Como o próprio diz -

O interesse em usar Pessoa é que, por um lado, em Portugal, há um lugar-comum, corrente em pessoas ligadas à literatura, que afirmam estarem cansadas de Pessoa, fadiga essa que parece, no mínimo, bizarra. (Newsletter da FCG, nº96, Lisboa, Setembro de 2008, pp.17-18)

Por outro lado, e no seguimento daquilo que diz, há a ideia, muito corrente no nosso país, que se está farto de um poeta de que se fala abundantemente, sem na verdade haver um verdadeiro acto de leitura individual e solitário dos seus textos, que esta exposição procura igualmente salvaguardar e promover. Por outro lado, o título da exposição pretende evocar uma dialéctica, sempre constante nas nossas letras, entre “os outros e nós”, o que nós produzimos num determinado lugar e o que os outros fazem, daí a ironia do conceito goethiano de “literatura universal” aqui presente – estamos, no fundo, perante uma geração cosmopolita, encabeçada por Pessoa, mas que extravassa as fronteiras de uma nação. “Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!” é verso de Cesário Verde mostrando que só há uma literatura verdadeiramente universal se for, em primeiro lugar, nacional, ecoando depois ligações que podem aproximar escritores e criadores de diversas nações e gerações. Mais uma vez, como o comissário refere a propósito desta exposição - “É a literatura do mundo partindo deste lugar, uma percepção em que a nossa capacidade foi capaz de a colocar no mundo porque ela é eminentemente deste lugar”

Assim, e como prometido, acabamos com a citação de início. Para Octavio Paz (1914-1998), amplo conhecedor de várias tradições poéticas europeias e tradutor de Fernando Pessoa para espanhol, a figura literária que é Fernando Pessoa constituia o mesmo polifacetado enigma que para nós, leitores com quase um século de distância, ainda nos faz escrever, ler e criar.
Agora, mais do que nunca, a pergunta em que urge pensar quando se evoca esta figura, pelos exemplos que deixámos atrás, talvez não seja tanto - “who is Pessoa?” (não há vida que dure tal investigação) mas sim why ou porquê Pessoa. A própria forma de ser Pessoa, como vimos neste citação e como podemos ler na sua produção literária diversa, é ser várias coisas ao mesmo tempo. Na verdade, esta pergunta final de Paz apenas está lá por cuidados retóricos do seu autor, também ele escritor, uma vez que a resposta já é dada pela enumeração que a antecede. Assim, a nossa actualização constante do homem, escritor e mito literário marca-se, em mais um ano em que não o esquecemos, pela não-aproximação a ele – e parece agora ser a época em que viveu, bem como as personagens e personas literárias que criou, o foco crescente de interesse pelos diversos agentes do meio cultural que não se cansam em retomá-lo.

 

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publicado às 14:49


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