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#1610 - Os insustentáveis

por Carlos Pereira \foleirices, em 08.02.12

por BAPTISTA BASTOS

 

Aguiar-Branco chegou e disse. Na cara de generais, coronéis e afins, decretou que a tropa, tal como está, é financeiramente insustentável. A afirmação caiu mal, ainda por cima porque pressupunha a redução drástica de efectivos. É um sinal dos tempos. Desde que este Governo ascendeu ao poder, fomos sabendo, com sobressalto e resignação, que a pátria é insustentável. Na saúde, na educação, na assistência social, na justiça, na segurança, nos transportes públicos, na RTP, na RDP, nas pensões e nas reformas, sem a supressão dos subsídios de férias e do décimo segundo mês, com a manutenção da tolerância de ponto no Carnaval, a pátria não consegue sustentar-se a si mesma. Pergunta-se: então, como se aguentou, até agora? Com dívidas, golpadas, ardis e manigâncias?

 

Nesta teoria de "insustentabilidade", os próprios portugueses estão incluídos. O Governo não sabe o que fazer deles, e incita-os a emigrar, com o descaramento de quem é incapaz de solucionar o problema e assim dissimula a sua incompetência política e ética.

 

Mas as coisas complicam-se. E as decepções vão-se acumulando. A solidariedade parece estar desempregada na Europa. O imigrante é olhado de soslaio. Uma das facetas essenciais do neoliberalismo é reduzir a democracia às funções de "superfície" e estimular o individualismo. O "estrangeiro" é o inimigo. A possibilidade de escolha, apanágio das sociedades democráticas, dissolveu-se: não há oásis; o conceito de pluralidade transformou-se numa hostilidade que ronda a abjecção. O jornalista Noé Monteiro, correspondente na Suíça da RTP, foi o autor, no domingo, p.p., de uma pungente reportagem sobre portugueses que tentaram fugir à fome e à miséria e entraram num outro crisol do inferno. A Suíça, outrora acolhedora, embora áspera e burocrática, ela própria feita de politeísmo de culturas e de valores, é uma incerteza irredutível. O neoliberalismo impôs a normalização das estruturas e dos comportamentos. O mundo, hoje, é um lugar de vazio, de afronta e de desumanização.

Em Portugal, ameaçados pelas contingências de uma filosofia política que alastrou como endemia, os portugueses não sabem que fazer. Aliás, como as hesitações, as derivas e as perplexidades de quem nos governa. Esta gente quer-nos levar para aonde?

 

Parece que ninguém possui capacidade e talento para enfrentar a realidade circundante. "Todos somos culpados." A frase, utilizada por quem, realmente, é responsável, serve de encobrimento a uma experiência político-económica que deixou a Europa de rastos e promoveu a mediocridade como norma. O surgimento de Merkel e de Sarkozy pertence a essa lógica do absurdo, incapaz de resolver a complexidade criada pela sua própria irracionalidade.

 

Estamos num ponto da História em que todos somos "insustentáveis".

 

In "Diário de Notícias"

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publicado às 20:29


#1564 -Porto Editora reforça catálogo

por Carlos Pereira \foleirices, em 07.01.12

O Grupo Porto, do qual fazem parte as chancelas Porto Editora, Sextante e Albatroz, apresentou hoje as novidades editoriais para o primeiro semestre de 2012. Quase seis dezenas de títulos dos quais se destacam Grande Arte' a obra prima do brasileiro Rubem Fonseca, Adão no Eden, de Carlos Fuentes e Últimas Noticias do Sul, uma viagem pela Patagónia que junta textos de Luís Sepulveda a fotos de Daniel Mordzinsky.

 

Três nomes fundamentais das literatura contemporânea que transitaram de outras editoras directamente para o grupo Porto que no ano passado já tinha conseguido os direitos de publicação de Isabel Allende e de Jorge Luís Borges, (este através da Quetzal).

 

Das obras que serão lançadas até Julho fazem parte Lágrimas na Chuva da espanhola Rosa Montero, Baku-Últimos Dias, de Olivier Rolin, Os Malaquias de Andrea del Fuego, vencedora do Prémio Saramago, ou Os Filhos de Alexandria de Françoise Chandernagor.

 

Serão ainda publicadas obras de vários autores portugueses como Teolinda Gersão, João Pedro Marques, Sofia Marrecas Ferreira, Miguel Miranda, Joel Neto, João Bouza da Costa, entre outros.

 

Fernando Pessoa chega ao Grupo Porto pelas mãos de um ex-ministro da Justiça brasileiro, José Paulo Cavalcanti Filho. A obra que resulta de dez anos de pesquisa em torno do poeta português intitula-se Uma Quase Autobiografia.

 

O grupo aposta ainda em best sellers como Sveva Casati Modignani ou Agape do padre brasileiro que arrasta multidões, Marcelo Rossi.

Dentro do nicho infanto-juvenil o destaque vai para a colecção CHERUB, da qual serão publicados dois titulos:O General e Brigands M.

 

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publicado às 19:50


#1558 - Eduardo Lourenço no nosso labirinto

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.12.11

VIRIATO SOROMENHO-MARQUES

 

O Prémio Pessoa atribuído a Eduardo Lourenço não poderia ter chegado em hora mais adequada. Quando o País se encontra encurralado pela história, talvez forçado a improvisar em meses ou escassos anos uma correcção de rumo estratégico que, normalmente, as nações demoram décadas a amadurecer. É fundamental que os decisores políticos apurem o ouvido para os conselhos que um mergulhador das profundidades da alma lusa, e um arguto perscrutador dos horizontes longínquos do destino europeu e ocidental, tem para dar.

 

A "dramaturgia europeia" é um assunto que se respira em toda a obra de Eduardo Lourenço. Nos últimos anos, o seu pensamento tem chamado a atenção para o ruidoso movimento das placas tectónicas, que parece afastar a Europa dos Estados Unidos, e ambos das suas raízes fundamentais, empurrando-os para um futuro onde o Ocidente parece condenado a ocupar um lugar cada vez menos relevante. Em 1991, a Europa, acomodada num conforto negligente, deixou a guerra regressar aos Balcãs, e teve, no limite, de pedir socorro ao poderio militar norte-americano. Em 2003, na hubris do Iraque, G. W. Bush rasgava a tábua dos valores anti-imperialistas fundacionais. Obama resgatou, por algum tempo, a esperança de se reabrirem as pontes entre os dois lados do Atlântico, até que os europeus, tal como os gregos na Guerra do Peloponeso, se atiraram ao pescoço uns dos outros na catastrófica Guerra das Dívidas Soberanas, em pleno curso. Eduardo Lourenço diz sempre não ser Cassandra. Ainda bem, acrescento eu, pois precisamos que o seu aviso seja escutado. Em toda a Europa. Ele é o nosso Voltaire, mas a sua voz tem de ir mais longe do que a de Erasmo. Para que a Europa não se estilhace outra vez.

 

in 

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publicado às 17:07


#1557 - A mentira e o desprezo

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.12.11

BAPTISTA-BASTOS

 

Parece que há excesso de portugueses em Portugal. Para remediar tão desgraçada contrariedade, o Governo decidiu minguar-nos tomando decisões definitivas. Há semanas, um secretário de Estado estimulou a emigração de estudantes. Há dias, o primeiro-ministro alvitrou que os professores desempregados ou com dificuldade em empregar-se deviam encaminhar-se para os países lusófonos, nos quais encontrariam a felicidade que lhes era negada na pátria. O dr. Telmo Correia, sempre inteligente e talentoso, elogiou, na SIC-Notícias, a sabedoria cristã de tão arguta ideia.

Acontece um porém: e os velhos? Que fazer dos velhos que enchem os jardins e a paciência de quem governa? Os velhos não servem para nada, nem sequer para mandar embora, não produzem a não ser chatices, e apenas valem para compor o poema do O'Neill, e só no poema do O'Neill eles saltam para o colo das pessoas. Os velhos arrastam-se pelas ruas, melancólicos, incómodos e inúteis, sentam--se a apanhar o sol; que fazer deles?

Talvez não fosse má ideia o Governo, este Governo embaraçado com a existência de tantos portugueses, e estorvado com a persistência dos velhos em continuar vivos, resolver oferecer-lhes uns comprimidos infalíveis, exactos e letais. Nada que a História não tivesse já feito. Os celtas atiravam os velhos dos penhascos e seguiam em frente, sem remorsos nem pesares.

Mas há outro problema. A fome. A fome que alastra como endemia, toca a quase todos, abate-se nos velhos e, agora, nos miúdos. Os miúdos das escolas chegam às aulas com as barrigas vazias: pais desempregados, famílias desgarradas, "a infância, ah!, a infância é um lugar de sofrimento, o mais secreto sítio para a solidão", disse-o Ruy Belo; e as escolas já não têm o que lhes dar. As cantinas reabrem, mesmo durante as férias, e sempre se arranja uma carcaça, um leite morno, nada mais, oferecidos por quem dá o pouco que não tem.

Vêm aí mais fome, mais miséria, mais desespero, mais assaltos, mais violência, mais velhos desamparados, mais miúdos espantados com tudo o que lhes acontece e não devia acontecer. Mais desemprego, num movimento cumulativo, mecânico a automático, como nos querem fazer crer. Diz o Governo. Como se esta realidade fosse natural; como se a semântica moderna da sociedade explicasse a amoralidade da eliminação da justiça e a inevitabilidade do que sucede.

 

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publicado às 17:03


#1555 - Novo livro de Gonçalo M. Tavares

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.12.11

 

'Canções Mexicanas' é o mais recente livro de Gonçalo M. Tavares. Editado pela Relógio D'Água, o livro regista a passagem do escritor pela Cidade do México há quatro anos.

 

A obra é uma ficção fragmentária sobre um homem inquieto que mergulha numa cidade que "não tem rios de água mas sim de gente", onde as crianças mandam e os adultos obedecem, onde as casas e as ruas perdem as fronteiras.

A editorial Caminho editou, também este mês, outro livro de Tavares. Chama-se 'Short Movies' e representa uma tentativa de fazer um filme a partir de fragmentos de texto que aspiram chegar à máxima visualidade possível.

 

Ler as primeiras páginas deste livro aqui.

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publicado às 18:02


#1551 - O caixote do lixo

por Carlos Pereira \foleirices, em 14.12.11

Vasco Graça Moura

 

Para o ano, é provável que Portugal seja um dos piores sítios da Europa para se viver. Tudo nos vai cair em cima, sem apelo nem agravo, e nesse monturo de entupimentos acumulados, deixará de fazer sentido o eufemismo que por enquanto consiste em se falar de "apertos de cinto". Não vamos ficar de cinto mais apertado: vamos ser estrangulados, sem alternativa, por uma série de violências oficiais e oficiosas.

 

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publicado às 17:45


#1550 - Quem está por detrás de Merkel?

por Carlos Pereira \foleirices, em 14.12.11

BAPTISTA-BASTOS

 

Que Europa se espera da Europa, depois da reverente entronização de Angela Merkel feita por essas sobras menores de "estadistas", reunidas numa cimeira tão desacreditante quanto insensata? Os que nela participaram, de regresso a seus países, proferiram declarações graciosamente imbecis e desprovidas de qualquer centelha de dignidade. A alemã foi a vencedora do conclave e parece que nenhum dos presentes deu conta rigorosa dos perigos que representa. Como lucidamente Viriato Soromenho-Marques escreveu no DN (segunda-feira, 12, pág., 8), "a senhora Merkel, mãe do monstro de pobreza e proteccionismo que quer oferecer como rosto da Europa futura, tem um problema fundamental, que é a arma apontada à cabeça de 500 milhões de europeus. A sua tacanhez mental é ainda maior do que a sua influência letal sobre os primeiros-ministros que actualmente governam a Europa. Uma medrosa selecção, que parece ter saído dos lesionados das divisões de honra dos campeonatos distritais de futebol (...)."

 

O projecto imperial está à vista. E tanto Helmut Kohl (CDU, o partido dela) quanto Helmut Schmidt (SPD), horrorizados com o caminho que as coisas estão a tomar, vieram a público exigir que se questionasse a verdadeira dimensão do empreendimento. Não se serviram de metáforas para esclarecer os seus pontos de vista: usaram analogias históricas a fim de agitar as cabeças quadradas dos dirigentes políticos.

 

Aceitando-se o facto de que a senhora Merkel ser tida e havida como tonta, quem está por detrás dela?, quais os ideólogos que a impulsionam?, quais os poderes que nos querem condenar a uma espécie de desconstrução identitária? Porque é disso que se trata, quando se desarma o princípio de equilíbrio social e se o substitui por um jogo de hegemonia do mais forte, com a decorrente submissão total do mais fraco.

 

A Europa, nas mãos de Angela Merkel (o pobre Sarkozy faz papel de compère resignado e cortês), favorece o aparecimento dos nacionalismos e da proeminência aguerrida do económico sobre o político. O hiato criado por estas circunstâncias faz- -nos viver na ilusão de que as previsíveis derrotas da alemã e do francês, nas próximas eleições, nos permitirão respirar melhor.

 

Mas a questão não reside em eleições: está nas deformidades de um sistema que conduz a tudo, até a ressurreições dos fascismos. Em causa emerge não apenas a ameaça de eliminação dos padrões, sob os quais nos habituámos a viver, como a benevolência com que estes dirigentes europeus admitem a servidão. A mediocridade circundante conduz a tudo: até à imprudente aceitação do económico, não como utensílio mas como valor absoluto. Para não irmos mais longe, basta olhar Portugal e atentar na pobreza intelectual e nas debilidades éticas e políticas dos que nos dirigem.

 

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publicado às 13:13


#1548 - Risco moral

por Carlos Pereira \foleirices, em 08.12.11

por VIRIATO SOROMENHO MARQUES

 

Na cimeira de Paris, no passado dia 5, Sarkozy e Merkel reconheceram que foi um erro exigir aos bancos que aceitassem uma reestruturação "voluntária" de metade da dívida pública grega. Imposta, contra a opinião do BCE e de 99% dos especialistas económicos mundiais. O caso da violação dos contratos com os bancos, obrigando-os até a renunciarem aos caros mecanismos de redução de risco (CDS), retrata o triste estilo de liderança do Directório germano-gaulês. Na verdade, o seu projecto de transformar a Zona Euro numa masmorra de disciplina fiscal, sem respeito pelas instituições comunitárias, e tratando os povos submetidos à austeridade como gado, é não só uma má ideia política. Pior do que um crime, é um erro, como diria Talleyrand. Na verdade, desde Janeiro de 2010 que o Directório assumiu a condução da crise da Zona Euro. A pobre Grécia, com apenas 2% do PIB, foi acusada de estar a incorrer num "risco moral" (moral hazard), o que significa querer que sejam os outros a pagar os danos dos seus erros ou vícios. Chegados ao ponto em que nos encontramos, com toda a Zona Euro a ser abandonada pelo investimento estrangeiro, com o fracasso de todos os instrumentos e receitas do Directório, com a possibilidade de implosão da Zona Euro, é caso para perguntar se não estão Merkel e Sarkozy a incorrer num gigantesco risco moral que todos corremos o risco de ter de pagar de forma brutal? O grande problema que paira sobre o decisivo Conselho Europeu, que hoje começa, não é a ausência de bondade das propostas do par dirigente. O problema é a sua total falta de inteligência. O Directório pensa mal. Tem ideias tontas. Nada de mais mortífero do que a mediocridade atrevida ao volante da política.

 

 

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publicado às 18:57


#1510 - Uma semana crucial

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.11.11

VIRIATO SOROMENHO-MARQUES

 

Os próximos cinco dias vão, muito provavelmente, ficar na história. Destaco três notas de agenda:

1. A Zona Euro enfrenta uma inédita míngua de crédito em duas grandes economias: a Itália e a Espanha. A tese que até agora tem prevalecido da epidemia e do contágio, ilustrada pela queda em sucessão de três pequenas economias (Grécia, Irlanda e Portugal) vai ser submetida ao teste definitivo da realidade. Tudo indica que a explicação sistémica (que temos defendido desde sempre nestas crónicas) é a única que se adequa à realidade. A Zona Euro não poderá sobreviver indefinidamente ao ataque simultâneo e em pinça sobre Roma e Madrid. A taxa de 7% para a dívida pública a 10 anos mostra que toda a resiliência tem limites.

 

2. O silêncio do Directório terá de ser quebrado esta semana. Suspeito que a clivagem, até agora quase silenciosa, entre Paris e Berlim vai tornar-se visível e vocal. Prova clara disso é a entrevista do ministro francês, François Baroin, reclamando para o FEEF uma licença bancária, que lhe permitiria, por via indirecta e sem molestar os Tratados, fazer do BCE o instrumento de combate eficaz na guerra que a Zona Euro trava contra as paixões mistas dos mercados (o pânico da maioria, e a gula dos especuladores). Suspeito que Berlim tirará da cartola mais uma ideia esdrúxula (o financiamento do FMI pelo BCE?), que corre o risco de adensar a fuga de capitais de tudo o que cheire a Europa.

 

3. Para Portugal, apenas um conselho. O primeiro-ministro deve concentrar-se em impedir que a opinião pública acabe mesmo por acreditar que é Miguel Relvas quem chefia o governo. Seria útil que o PM deixe o Presidente da República trabalhar. Depois de muitos erros e ambiguidades, Cavaco Silva é hoje a mais sensata voz de Portugal em matéria de crise europeia. Não será isso "cooperação estratégica"?

 

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publicado às 11:58


#1499 - Zelig em São Bento

por Carlos Pereira \foleirices, em 14.11.11

VIRIATO SOROMENHO-MARQUES

 

A política doméstica de Portugal é hoje, inteiramente, política europeia, ou melhor, política alemã. O que se passa em Portugal, como ficou provado na discussão do Orçamento, é uma grosseira simulação de uma liberdade que o País já não tem. O Executivo de Passos Coelho, salvas as devidas distâncias, tem tanta margem de manobra sobre o guião das políticas públicas como os governos de Quisling, na Noruega, ou de Pétain, em França, nos anos da Ocupação. Para esta grotesca ficção de aparente normalidade, colaboram também os ardores retóricos da Oposição, em particular os antigos ministros de Sócrates, agora sem gravata, e indumentária mais leve. A nossa política entrou, definitivamente, para o registo das actividades circenses. Ficou definitivamente confirmado que o chefe do Governo padece do sindroma de Zelig, bem abordado no filme com o mesmo nome, rodado por Woody Allen, em 1983. Já se percebeu que Passos Coelho não consegue estabilizar uma ideia, pois o centro do seu discurso oscilatório não se encontra no âmbito de uma actividade mental endógena, a que chamamos pensamento, mas nas trocas emocionais com os seus interlocutores, sobretudo se forem vislumbrados como poderosos. Junto de Merkel, nega os eurobonds, que antes defendera. Junto de Juncker, recusa negociar com a troika qualquer correcção do memorando, quando antes o havia sugerido. Agora, que a Zona Euro está à beira do abismo, Passos Coelho pisa a única hipótese de salvação, que até o distraído Cavaco Silva considera fundamental: a declaração por parte do BCE da disponibilidade para intervir "ilimitadamente" no mercado secundário da dívida pública. Portugal, nesta hora crítica, continua órfão de liderança. Mas a senhora Merkel está de parabéns. Mesmo neste "indisciplinado" país, encontrou um feitor à sua altura.

 

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publicado às 16:34


#1480 - O ouro do Reno

por Carlos Pereira \foleirices, em 11.11.11

 

A União Europeia parece hoje uma ópera de Wagner, de onde foram retirados todos os deuses, todas as ninfas, todos os heróis, todos os gigantes, e apenas restaram os anões. Dia 9, quando a Itália atravessou o Rubicão dos 7% da dívida a dez anos, ficou patente o fracasso absoluto da estratégia que foi imposta, com disciplina e método, pelo Governo alemão, com a cumplicidade do Eliseu: a) esvaziar as instituições europeias, em especial os Presidentes da Comissão e do Eurogrupo; b) levar a cabo medidas de quarentena para evitar o "contágio" do vírus da dívida soberana, começado na Grécia; c) violentar todas as regras da lógica formal, da ciência económica, e do bom senso, ao acreditar que é pela austeridade recessiva que a Europa poderá reequilibrar-se; d) recusar qualquer reforma estrutural dos Tratados, como se o problema sistémico da Zona Euro não tivesse origem no carácter monstruoso da UEM, como obra imperfeita e inacabada.

 

Se a Itália cair, a crise europeia entrará num buraco negro. Numa fase de turbulência total, como ocorre num metal que entra em colapso sob uma pressão térmica insuportável. Ontem, o BCE fez saber que ia ajudar a Itália, e de imediato os juros da dívida de Roma recuaram. Depois veio Klaas Knot, o Presidente do Banco Central holandês, dizer que, afinal, o BCE pouco pode fazer, lançando sombra sobre a única esperança que nos resta... Reina a cacofonia. Em Berlim já se fala de mutualização da dívida europeia, perante uma chanceler inamovível. Sar-kozy sonha com uma Europa quase só franco-alemã. Ao evocarmos, hoje, os dez milhões de jovens europeus sacrificados na Grande Guerra, talvez seja preciso recordar ao Presidente francês que entre a França e a Alemanha há o Reno. Um rio onde jaz o anel de sangue, de uma violenta história. Prestes a regressar, pelo desvario dos anões nibelungos que nos desgovernam.

 

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publicado às 21:44


#1355 - Alerta europeus!

por Carlos Pereira \foleirices, em 10.05.11

 

1. Festejou-se ontem o Dia da Europa, com a União a entrar numa decadência profunda, dificilmente disfarçável. Os grandes valores europeus - como a unidade e a solidariedade - estão, como dizemos, pelas ruas da amargura. Os egoísmos nacionalistas reaparecem em força - e perigosamente - e os populismos, demagógicos e sem princípios, contaminam países que se consideravam sensatos, como a Finlândia, a Eslováquia e o Reino Unido. Vamos, alegremente, a caminho de novos e perigosos conflitos que põem em causa a paz e em que uma faúlha se pode transformar em guerra aberta. Os povos europeus já se esqueceram do que foram os anos trágicos de 1939-45?

 

É certo que não temos hoje um Hitler nem sequer um Mussolini. Nem passámos ainda por uma guerra preparatória, como foi a tão cruel guerra civil espanhola! Mas, como se viu no passado, uma simples fogueira pode gerar um grande incêndio, sem quase nos apercebermos, como sucedeu no ano fatídico de 1939. Precisamos pois de evitar, sem perda de tempo, que um ou vários conflitos aparentemente menores, nos voltem a empurrar nesse caminho.

 

É caso para se alertarem os Povos da Europa. Não deixemos morrer um projecto de paz, de liberdade, de justiça social e de bem-estar para todos - único no mundo - como é a União Europeia. Atenção: não temos hoje líderes à altura, nos grandes países europeus, tenho-o escrito repetidamente. Merkel, Sarkozy, Berlusconi, Cameron, para só citar os maiores, são políticos de vistas curtas, sem alma nem valores, que não vêem sequer a médio prazo... Só os seus interesses politiqueiros imediatos os movem.

 

Pondere-se a notícia, logo desmentida, publicada na revista alemã Der Spiegel, a propósito da ameaça grega de sair da Zona Euro e talvez mesmo da União. Causou o pânico entre os Grandes Estados europeus que se reuniram em petit comité, sem nada transparecer, como de costume, para o eleitorado. Foi, aliás, desmentida, no dia seguinte, pelo primeiro-ministro grego, Papandreou. Mas o pânico espalhou-se, o que demonstra as fragilidades e os receios da União Europeia que hoje temos...

 

Outro exemplo: a recusa da França do Presidente Sarkozy de receber uma centena de imigrantes vindos da Tunísia, de passagem pela ilha italiana de Lampedusa. Berlusconi, furioso - e desta vez com razão - ameaçou sair da União. Sarkozy deslocou-se a Itália para apaziguar Berlusconi e, como não encontraram uma solução a contento de ambos, resolveram propor o fim do Tratado de Schengen, ou seja: voltarmos às fronteiras cerradas no espaço europeu. Imagine-se! Duas grandes conquistas da União Europeia - a moeda única e o desaparecimento voluntário das fronteiras - poderiam ser sacrificados, segundo os líderes europeus, apenas para satisfazer interesses menores, meramente circunstanciais. O que revela bem a fraqueza dos lÍderes que hoje governam a Europa e o seu desinteresse efectivo pelo projecto comunitário.

 

In "DN"

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publicado às 15:22


# - 1341 O apelo de Mário Soares, hoje no 'DN'

por Carlos Pereira \foleirices, em 22.03.11

 

No 'DN' de hoje, pode ler o "apelo angustiado" de Mário Soares

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publicado às 15:43


#1285 - A tendência da servidão

por Carlos Pereira \foleirices, em 26.05.10

 

O Público, cuja prudência na afirmação é correlativa à recusa da metáfora, colocou na primeira página de 23 de Maio, entalada entre Mourinho e a conclusão da série de televisão Perdidos, uma acusação terrível: "As causas que amarram a economia ao marasmo. Um problema que começou com Cavaco e com Guterres." O distinto periódico não só se distraiu no cacófato como acordou um pouco tarde para uma evidência conhecida há duas décadas.

O dr. Cavaco encheu o País de betão inútil. Recebeu oceanos de dinheiro para resolver dificuldades essenciais (repito: essenciais) e deu um tratamento uniforme aos problemas relativos ao desenvolvimento. Confundiu tudo. É um dos maiores embustes políticos de que há memória. O eng.º Guterres fez o percurso de interpretação clássica: o mal está na educação. Era a sua paixão ardorosa e a apoquentação da sua alma repleta de piedosas referências. O Cavaleiro de Oliveira escreveu que vivíamos numa "fermosa estrivaria." Guterres, num "pântano". Fugiu e escancarou as portas à direita mais abstrusa.

Se o nosso presente está ameaçado pela própria contingência da realidade que o envolve, deve-se a estes senhores, e a muitos mais outros, a perda da unidade de sentido que faz funcionar um país, uma nação. Tudo o que foi ministro da Economia e das Finanças tem passado pelas televisões apresentando respostas para a crise que não previram, ou que anteviram e não avisaram, ou que fomentaram por negligência e inépcia. Agora, são todos sábios e enunciam algo de semelhante ao fim da pátria tal como a conhecemos, e ao ocaso da democracia por ausência de cidadania. Enfim, dizem, a nossa tendência é a da servidão.

Fomos os "alunos exemplares" de Bruxelas: aceitámos a destruição do nosso tecido produtivo com a submissão de quem não foi habituado a expor questões e a enumerar perguntas. Pescas, agricultura, tecelagem, metalurgia, pequenas e médias empresas desapareceram na voragem, em nome da "incorporação" europeia. A lista de cúmplices desta barbaridade é enorme. Andam todos por aí. Guterres trata dos famintos do Terceiro Mundo; Barroso, dos "egocratas" de barriga cheia; os economistas que nos afundaram tratam da vidinha, com desenvolta disposição. Nenhum é responsável do crime; e passam ao lado da insatisfação e da decepção permanentes, como cães por vinha vindimada.

Impuseram-nos modos de viver, crenças (a mais sinistra das quais: a da magnitude do "mercado"), um outro estilo de existência, e o conceito da irredutibilidade do "sistema." Tratam-nos como dados estatísticos, porque o carácter relacional do poder estabelece-se entre quem domina e quem é dominado - ou quem não se importa de o ser.

 

Crónica de BAPTISTA-BASTOS in DN

 

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publicado às 23:35


#1284 - "A literatura infantil deveria ser subsidiada"

por Carlos Pereira \foleirices, em 26.05.10

 

Miguel Sousa Tavares confessa que tem projectos literários na gaveta. Sugere-se que a editora encomende um assalto a sua casa para o privar do computador. Da última vez funcionou... Liquidou um romance por falta de empatia e tem uma peça parada. Lança agora um livro infantil.

 

In "Diário de Notícias"

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publicado às 23:28


#1214 - Haiti. Onde estava Deus? (2)

por Carlos Pereira \foleirices, em 20.02.10


Como se lê no documento da Associação de Teólogos João XXIII, aqui citado na semana passada, a pergunta religiosa "onde está Deus no Haiti?" "não é nem pode ser a primeira". Na tragédia do Haiti, converge um conjunto de dados: uma zona sísmica; a mão agressiva do Homem, que desflorestou o Haiti, explorou sem limites as suas reservas naturais e construiu sem o mínimo de segurança; as condições de extrema precariedade em que os colonizadores deixaram o país, a tradição esclavagista, a corrupção generalizada, a ditadura de Governos exploradores, a distribuição injusta dos recursos... O documento observa, criticamente: tudo se afundou, mas o moderno bairro rico de Pétionville, em Port-au-Prince, foi preservado.

 

A ordem internacional "está montada sobre a concentração da riqueza em 20% da Humanidade e o desamparo de boa parte dela". Governos corruptos, países ricos que os protegem por causa dos seus próprios interesses, tornam alguns povos e Estados incapazes de defender-se de catástrofes naturais. "Sem esta ordem de coisas, a catástrofe teria sido muito menor." Os haitianos são tão pobres que nem possibilidades tinham de receber e distribuir as ajudas que chegavam ao território. Assim, deve-se culpar "a actual ordem internacional que só pode sustentar-se na base do poder económico, político e militar dos países ricos e a persistente corrupção das elites dirigentes do país".

 

E Deus? Todos temos de mudar, para que não haja mais "Haitis assolados nem Palestinas massacradas nem Auschwitz nem Hiroshimas", e o Deus de Jesus deve ser "o grande acicate de justiça e solidariedade para todos os que se chamam cristãos".

Mas a pergunta atravessa a história do pensamento, e é particularmente dramática para quem acredita no Deus pessoal e criador, omnipotente e infinitamente bom. Deus quis evitar o mal, mas não pôde: então, não é omnipotente. Pôde, mas não quis: então, não é bom. Pôde e quis: então, donde vem o mal?

Aqui, também é necessário perguntar: donde vem o bem? De qualquer modo, as tentativas de resposta sucederam-se. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino argumentaram que o mal não existe em si mesmo, pois é só uma privação no bem. Ou então que Deus não quer o mal, apenas o permite como provação e castigo. Pergunta-se: e as crianças inocentes? É por causa do sofrimento das crianças que Dostoievski, em Os Irmãos Karamazov, faz Ivan dizer que entrega o "bilhete de entrada" no mundo. Em A Peste, de A. Camus, o Dr. Rieux diz ao padre que, diante da criança que morre, não pode aceitar Deus.

À famosa Teodiceia (justificação de Deus), de Leibniz, onde se defende que este é o melhor dos mundos possíveis, Voltaire contrapôs ironicamente o seu Cândido e o "Poema sobre o desastre de Lisboa", por causa do terramoto. A. Schopenhauer escreverá que este é o pior dos mundos possíveis.

Hegel dialectizou o sofrimento em Deus: a negatividade é um momento da história de Deus. Um pouco na esteira hegeliana, alguns teólogos falaram de um "Deus sofredor" e, face ao horror do Holocausto, o filósofo judeu Hans Jonas defendeu a impotência de Deus: em Auschwitz, Deus calou-se, "não porque não quis, mas porque não pôde". Pergunta-se: é claro que o poder e a bondade de Deus não podem ser concebidos ao modo humano, mas que ajuda traz um Deus impotente? Deus solidariza-se com o ser humano na cruz de Cristo.

O teólogo A. Torres Queiruga pergunta se não é contraditório pretender pensar um mundo finito sem mal. Face ao mal, que atinge crentes e não crentes, todos têm de viver e justificar a sua fé. E Hans Küng, que reconhece que o mal parece ser "a rocha do ateísmo", pergunta, com razão, na sua última obra Was ich glaube (A minha fé): "O ateísmo explica melhor o mundo" do que a fé em Deus? "No sofrimento inocente, incompreensível, sem sentido, a descrença pode consolar? Como se a razão descrente não encontrasse também neste sofrimento o seu limite! Não, o antiteólogo não está aqui de modo nenhum melhor do que o teólogo."


Artigo de Professor Anselmo Borges in Diário de Notícias

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publicado às 16:25


#1189 - Liberdade, eis a questão

por Carlos Pereira \foleirices, em 11.02.10



A questão é esta: há liberdade de imprensa em Portugal? É ociosa, a pergunta, para quem, como eu, vem do tempo em que se escrevia baixinho, tão baixinho que perdêramos muitas das palavras, por mudez e falta de uso. Já me não surpreende a desvergonha de alguns daqueles que têm desfilado nas televisões a proclamar que vivemos numa asfixia. Mas indigna-me o silêncio calculado dos que se não erguem a protestar contra a ambiguidade do assunto.

 

O alvo, naturalmente, é e tem sido José Sócrates. O homem mente compulsivamente, denegou os testamentos da esquerda, bandeou-se com a direita procedendo às mais graves traições, não possui bússola ideológica, ignora o que são convicções, é destituído de compleição de estadista e cultiva uma mediocridade feliz dissimulada numa incontinência retórica que, amiúde, o emparelha com um vendedor de feira.

 

Depois disto e com o desenrolar de acontecimentos que o perseguem, porque por ele próprio provocados -, chega-se a este melancólico resultado: José Sócrates é tolo, ingénuo ou extremamente sinistro. As escutas esclarecem não só os contornos desses defeitos como no-lo dizem da desastrosa escolha das suas companhias e das relações perigosas que tem sustentado. Enfim: Sócrates não tem amigos; tem instantes de amizade.

Os documentos agora revelados e alguns esparsos factos ocorridos alinham-se como consequências uns dos outros, e apontam para o primeiro-ministro, sublinhando os defeitos por mim acima indicados com amena benevolência. Se havia um plano tenebroso para controlar a comunicação social; se a censura está instalada no cerne da sociedade portuguesa, é bom que se crie a tal Comissão Parlamentar de Inquérito, a fim de se averiguar a extensão e a natureza do crime - como será urgente que os jornalistas vítimas do fluxo censório venham à praça queixar-se das suas desventuras.

Há algo de torpe neste alvoroço. Um ex-ministro, agora protestador grave e atroz, foi, na sombria década cavaquista, controleiro da RTP. E um dos agora acusadores da falta de liberdade era o zeloso varejeiro do noticiário. Não cauciono, de forma alguma, tentativas de domínio da imprensa pelo poder político. Mas não colaboro neste imbróglio, que tem estimulado a perda do sentido das coisas e a adulteração da verdade histórica. A reabilitação de falsos fantasmas apenas serve para se ocultar a medonha dimensão do que ocorreu na década de 80. Os saneamentos, a extinção de títulos, a substituição de direcções de jornais e a remoção de jornalistas incómodos por comissários flutuantes eram o pão nosso de cada dia. Já se esqueceram?

Crónica de Baptista-Bastos, in "DN"

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publicado às 04:51


#1172 - Um homem sem remorsos - crónica de Baptista-Bastos

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.02.10



Tony Blair, ex-primeiro-ministro de Inglaterra, "socialista", católico recém-converso, actual conselheiro de empresas e conferencista de temas vários, fez declarações inquietantes, a uma comissão de inquérito, sobre as suas responsabilidades na Guerra do Iraque. Há muito, perdera a dignidade; restava-lhe, acaso a tivesse, um mínimo de decência. "Faria tudo outra vez", disse, sem que a cara se lhe transformasse em sal podre. Ante o assombro dos inquiridores confessou: em nenhuma circunstância da sua vida, posterior à invasão de Bagdad, "houve arrependimento, nem desculpas, nem remorsos".

 

Sabe-se: a política deixou de ser pedagogia, para se converter em malícia, omissão e mentira. Neste caso, como em muitos outros, deixa atrás de si um caudal de morte, de destruição, de horror e de ressentimento. Quando da Cimeira dos Açores, em 2003, na qual Durão Barroso foi o mordomo jovial e adulador de Bush, de Blair e de Aznar, os dados estavam lançados e as informações adquiridas. O diplomata sueco Hans Blix, chefe da missão das Nações Unidas, procurara, em vão, durante 2002, as "armas de destruição maciça" de que Saddam teria posse. As advertências de Blix, para travar o inevitável, chegaram a ser excruciantes. Mas o monumental embuste fora montado com cínica minúcia e calculada eficácia. Os senhores da guerra e os seus catecúmenos berravam com tal amplidão que abafavam as vozes da sensatez e do acerto. A lista daqueles que, em Portugal, alinharam na infâmia, só não é patética porque excessivamente abominável.

 

Perante a tragédia no Iraque, com o lúgubre desfile de crimes contra a Humanidade, de sórdidos negócios de que o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld é um dos beneficiários (está relacionado com empresas de construção, a actuar em Bagdad), pode alguém, e ainda por cima católico, como Blair, manifestar ausência de arrependimento, sendo um dos responsáveis da carnificina? A inversão de valores parece ter encontrado, no comportamento de muitos políticos, a verdadeira natureza dos seus objectivos. Desejam tornar conversíveis para a "normalidade" o que, ainda não há muito tempo, era entendido como desonestidade e vileza. Blair e seus cúmplices são culpados não somente do que acontece de medonho no Iraque como, também, de manipulação emocional e intelectual de milhões de pessoas.

As coisas vão perpassando, as afirmações de arrogância sucedem-se, a soberba das decisões chega a ser afrontosa porque resulta na miséria moral em que o mundo se afunda - e ninguém é apontado à execração, poucos combatem a hegemonia da desigualdade e da injustiça. Entretanto, os assassinos andam por aí.

 

In "DN"

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publicado às 12:43


#1171 - Novo livro de Urbano Tavares Rodrigues

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.02.10



A novela Assim Se Esvai a Vida dá título ao novo livro de Urbano Tavares Rodrigues, que reúne três obras e é apresentado hoje, às 18.30, na Livraria Barata, em Lisboa. O livro, editado pela Dom Quixote e apresentado por Francisco José Viegas, inclui "O cornetim encarnado" e "Os olhos do demónio e outros contos".

 

In "DN"

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publicado às 12:37


#1162 - A consciência manipulada

por Carlos Pereira \foleirices, em 28.01.10


O caso (noticiado pelo DN) das reformas, privilégios, regalias, mordomias, prebendas retirados a ex-administradores do BCP promove a indignação daqueles que, embora sabendo-o, não possuíam a verdadeira extensão do escândalo. Porque de escândalo se trata. Os particularismos do "mercado" criaram novas visões do mundo e desviaram, do seu sentido verdadeiro, padrões e valores que fundamentaram o essencial das nossas sociedades. Parece que tudo é permitido e, pior, admitido como normalidade o que constitui aberração e indecência.

O modelo saído da globalização trouxe inesperadas formas de violência, vulgarizou-as, simplificou- -as, através de uma bem urdida manipulação das consciências que propunha a relatividade e o anacronismo dos valores até então vigentes. Quase nenhuma força política se opôs a esta ideologia da exclusão. A grande aventura do espírito humano, que se criou e desenvolveu com as contribuições dos esforços partilhados e das experiências culturais variadas e diferentes, parece ter entrado num denso período crepuscular - de que apenas tiram proveito os "escolhidos" e os "eleitos".

E quem são estes? Que sinais distintivos os definem e notabilizam? Pouco ou nada diferem de todos nós. No entanto, a medida das suas intenções e a capacidade de metamorfose que revelam, além da sua quase inverosímil habilitação para a mentira e para a dissimulação, tornam-os os vencedores do momento. O "domínio da presença" manifesta-se, sem equívoco, como demonstração de força e de poder.

Porém, essa força e esse poder são ilusórios, por momentâneos. Eles não têm uma fortíssima crença em si mesmos. As fragilidades e temores emergem logo que as suas actividades são postas em causa. Não só é relevante o caso de Jardim Gonçalves, o todo-poderoso banqueiro dos vencimentos faraónicos, dos jactos particulares, dos não sei-quantos guarda-costas; significativo tem sido o aluir das aparências, quando a mentira é desmascarada e a pequenez do mentiroso é exposta.

O nosso desenvolvimento moral também depende muito da exemplaridade das relações entre pessoas e instituições. Há muito que perdemos a confiança nas estruturas e nas organizações do sistema. A cedência à tentação da irresponsabilidade nasceu na crença da impunidade dos prevaricadores. Cabe à educação, à Imprensa, à sociedade a tarefa de reabilitar o espírito público.

Este episódio não põe fim às desigualdades afrontosas, mas pode iluminar as obscuridades arrogantes. E, eventualmente, despertar as consciências para a revelação de que, afinal, tudo isto anda ligado, sendo a disjunção privado e público a pura hipótese de uma mistificação

 

Artigo de opinião de Baptista-Bastos no "DN"

 

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publicado às 02:17


#1103 - Ian McEwan publica novo romance em Março

por Carlos Pereira \foleirices, em 16.12.09



O escritor britânico Ian McEwan publica em Março o próximo romance, Solar, que se anuncia já polémico por ser politicamente incorrecto. O protagonista é um físico e prémio Nobel chamado Michael Beard, que ajudou a combater as alterações climáticas inventando a forma de gerar energia de um processo artificial de fotossíntese, segundo o vespertino Evening Standard.

 

Um dia, numa conferência, o cientista afirma que a razão pela qual há um desequilíbrio no mundo da ciência entre homens e mulheres é devido às diferenças inatas entre os cérebros de um e outro sexo.

 

O último número da revista New Yorker publicou, na edição electrónica, um extracto de Solar, que conta como, na juventude, Beard seduziu uma bela estudante de literatura investigando o seu tema favorito, Milton, com facilidade, por estar habituado às exigências intelectuais da física teórica.

De acordo com o Evening Standard, McEwan tem sido alvo de ataques na Internetàs suas obras, sobretudo ao romance Sábado, facto que um comentador atribui em parte a ressentimentos de classe e divergências políticas.[In DN]

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publicado às 13:18


#1042 - A sobrevivência da civilização

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.11.09

Anselmo Borges

 

 

 

Leszek Kolakowski morreu no dia 17 de Julho último, em Oxford. Era pouco conhecido entre nós, mas foi um filósofo ilustre. Nasceu em Radom (Polónia), em 1927. Partidário de um "marxismo humanista", foi expulso do Partido comunista e da cátedra universitária, por causa da oposição ao regime e luta pela liberdade. Deixou o país e leccionou em Universidades afamadas, como Oxford, Yale e Berkeley. "Correntes principais do marxismo" é uma obra fundamental para conhecer o marxismo, que considerou uma religião secular.

Pouco antes de morrer, o alemão DIE WELT entrevistou-o. Fica aí uma síntese da entrevista.

As profecias racionalistas sobre a religião mostraram-se falsas. "Não conto com a morte da religião nem de Deus. O país tecnologicamente mais desenvolvido do mundo, os Estados Unidos, não é de modo nenhum o mais secularizado. A secularização, longe de conduzir inexoravelmente à morte da religião, levou à busca de novas formas de vida religiosa. Nunca se chegou à vitória iminente do reino da razão. Nem só de razão vive o Homem."

Um admirável mundo novo, tecnologicamente avançado, no qual a Humanidade esquecesse "a sua herança religiosa e a sua tradição histórica" - por isso, sem fundamento para captar a sua própria vida em conceitos morais -, significaria "o fim da Humanidade". Aliás, "é sumamente improvável que a Humanidade, privada da sua consciência histórica e das suas tradições religiosas, por serem tecnologicamente inúteis, pudesse viver em paz, satisfeita com as suas conquistas".

A razão disso está em que os desejos do Homem não têm limites: "Podem crescer incessantemente, numa espiral sem fim de avidez." Mas, uma vez que o nosso planeta é limitado, somos forçados a limitar os nossos desejos. Ora, sem uma consciência dos limites, que "só pode provir da história e da religião", toda a tentativa de limitá-los "terminará numa terrível frustração e agressividade", possivelmente em grande escala. "Todas as tradições religiosas nos ensinaram ao longo de séculos a não nos vincularmos a uma só dimensão: a acumulação de riqueza e ocuparmo-nos exclusivamente com a nossa vida material presente." Assim, "a sobrevivência da nossa herança religiosa é condição para a sobrevivência da civilização".

A mais perigosa ilusão da nossa civilização consiste em o Homem pretender libertar-se totalmente da tradição e de todo o sentido preexistente, para abrir a perspectiva de uma autocriação divina. Esta "confiança utópica" e esta "quimera moderna" de inventar-se a si mesmo numa perfeição ilimitada "poderiam ser o mais impressionante instrumento do suicídio criado pela cultura humana". É que, "quando a cultura perde o sentido do sagrado, perde todo o sentido".

A religião não deve entrar no lugar que pertence à ciência e à técnica. Ela surge de outra dimensão, que "nos capacita para conviver com o fracasso, o sofrimento e a morte". Ela é o caminho que nos leva a "aceitar a derrota inexorável". Para a Humanidade, não há a última vitória, já que, "no fim, morremos".

Não se fundamentam os valores éticos na razão? "Evidentemente, os indivíduos podem manter altos padrões morais e ser a-religiosos. Mas duvido de que também as civilizações o possam fazer. Sem tradições religiosas, que razão haveria para respeitar os direitos humanos? Vendo as coisas cientificamente, o que é a dignidade humana? Superstição? Do ponto de vista empírico, os homens são desiguais. Como justificar a igualdade? Os direitos humanos são uma ideia a-científica."

As normas morais não podem assentar apenas no medo, segundo o modelo de Hobbes. Até certo ponto, "estamos programados instintivamente para a conservação da espécie". Mas não se pode esquecer que "a história do século passado mostrou inequivocamente que podemos, sem grandes inibições, aniquilar membros da nossa própria espécie. Por isso, precisamos de instrumentos de solidariedade humana, que não assentam nos nossos instintos, interesses próprios ou violência". "A falta da dimensão da Transcendência enfraquece o acordo social."

 

Artigo do Professor Anselmo Borges publicado no DN de hoje

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publicado às 19:27


#1022 - Romance inacabado de Nabokov sai no dia 17

por Carlos Pereira \foleirices, em 09.11.09
Romance inacabado de Nabokov sai no dia 17

Antes de morrer, em 1977, o autor de 'Lolita' mandou a mulher e o filho destruirem as 138 fichas escritas a lápis de 'The Original of Laura'. Eles não obedeceram e o "livro" vai agora ser editado.

 

Intitula-se The Original of Laura, é um romance que Vladimir Nabokov estava a escrever por altura da sua morte, em 1977, em Montreux, na Suíça, e que ordenou à mulher, Vera, que queimasse. Mas Vera Nabokov, e o filho Dimitri, não cumpriram a última vontade do marido e pai, e a obra, ainda em estado fragmentário (138 fichas cartonadas escritas a lápis, algumas quase ilegíveis), foi fechada a sete chaves no cofre de um banco daquela cidade.

 

Mais de 30 anos depois, esta obra incompletíssima de Vladimir Nabokov vai chegar às livrarias no próximo dia 17, numa edição de apenas 76 páginas, com o subtítulo "Um romance em fragmentos".

 

Um primeiro excerto de 5 mil palavras será publicado em exclusivo pela revista Playboy na sua edição deste mês, que sai amanhã, e o diário alemão Die Zeit já reproduziu algumas das fichas no passado dia 14 de Agosto.

Dimitri Nabokov disse que hesitou muito, e durante muito tempo, antes de ter decidido entregar The Original of Laura ao agente literário Andrew Wylie, para que este negociasse os direitos.

 

Numa entrevista dada à BBC em 2008, Dimitri justificou-se: "O meu pai disse-me certo dia quais eram os seus livros mais importantes. E fez alusão a Laura. Um autor não diz que um livro que quer destruir é importante".

Outros concordam com ele, caso de Gavriel Shapiro, professor de literatura russa na Universidade de Cornell, e especialista em Nabokov, que disse à AFP: "Dimitri tomou a decisão certa. Se o seu pai tivesse querido destruir o manuscrito, tê-lo-ia feito ele mesmo".

 

Já o escritor e crítico americano Edmund White discorda em absoluto da publicação de The Original of Laura, e declarou ao The Times: "Nabokov queria queimá-lo, por isso queimemo-lo».

Pouco antes de morrer, Vladimir Nabokov declarou à BBC que as fichas cartonadas do livro não eram "capítulos completos. Tenho que preencher as lacunas". Não chegou a fazê-lo, e agora The Original of Laura vai chegar às mãos dos leitores sob a forma de um puzzle inacabado.(In "DN")

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publicado às 13:19


#908 - Educação para o ódio

por Carlos Pereira \foleirices, em 29.07.09

Educação para o ódio


Sempre julguei, ingenuamente, que a democracia boleasse as arestas desses ódios. Nada disso.

 

Baptista Bastos in DN

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publicado às 12:18


#907 - Frases

por Carlos Pereira \foleirices, em 29.07.09


Muita parra

A entrevista ao Ministro da Cultura foi uma manifestação deprimente da pobreza dos objectivos do Governo.


Vasco Graça Moura in "DN"

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publicado às 12:13


Bela Vista

por Carlos Pereira \foleirices, em 13.05.09

Tem nome de condomínio fechado: com jardins amplos e bem tratados, campo de ténis, piscina, solário e todas as mordomias de um espaço construído para  pessoas com muito dinheiro se sentirem confortáveis e protegidas.


Mas afinal o Bairro da Bela Vista é uma metáfora...


Escreve Baptista Bastos no DN. de hoje a seguinte crónica:


Os homens incertos

Os incidentes no Bairro da Bela Vista repõem, de novo, a questão da identidade instável. Não é só a fome, a miséria, o desemprego, a promiscuidade, a ausência de perspectivas, o conceito de cerco que criaram as tensões e os conflitos. Embora essas formas de agressão social fossem mais do que suficientes para os explicar. Aqueles jovens, em última instância, não sabem quem são, e moldaram novas dimensões identitárias.

Quem são os excluídos? Quem se excluiu? Nós. Abandonámo-los. Nasceram em Lisboa mas não são lisboetas; têm a pele escura mas não se sentem africanos; as músicas de que gostam procedem dos Estados Unidos; vestem-se, falam e comportam-se de molde a reivindicarem a "diferença" a que os temos obrigado. A sua comunidade é "outra" porque essa escolha foi-lhes rudemente imposta pela nossa escabrosa indiferença.

Não nos queremos aproximar, descomprometemo-nos das responsabilidades que nos cabem, toleramo-los sem tentar compreendê-los e muito menos lhes manifestar a menor dose de afecto. Os gritos histéricos, e as poses, afinal grotescas, de Paulo Portas, a reclamar mais fortes intervenções policiais, seriam apenas repugnantes, não fossem extremamente perigosas. Elas reflectem a desprezível ignorância de quem deseja, unicamente, conservar o domínio sobre a diferença. Ou, parafraseando D. Manuel Martins, colocar uns de um lado e outros do outro.

As explosões sociais que se avizinham, devido ao acumular dos ressentimentos, e a que o Governo parece alheio, são acirradas por uma comunicação social mal preparada, pouco culta e, até, terrorista. Basta reparar nas perguntas formuladas, no enquadramento (ou na falta dele), para se perceber a distorção da "realidade" e a total vacuidade do conhecimento histórico. A informação que nos servem peca por leviandade, favorece sentimentos xenófobos e racistas, e exala um forte cheiro a retaliação. O pior é que somos impotentes para inverter esta tendência maléfica. Sem compreendermos a complexidade do assunto, a natureza delicada do problema, somos empurrados para a tirania da emoção, a qual nos coage a tomar o "outro" como assassino, ausentando-nos de culpa - como se nada tivéssemos a ver com "aquilo." E "aquilo" é, no fundo, a busca de uma expressão pessoal, entre uma cultura que se defende, por desconhecimento e receio do "outro."

Em que raio de gente nos tornámos? Fomos sempre assim, centralizando-nos num egoísmo tão feroz e num tão gelado desprezo pela humanidade? A simplificação dos elementos, a crise dos laços sociais, procria, diariamente, novas formas de indignação e movimentos irracionais de resultados imprevisíveis. "Uma fogueira preparada para incendiar o País", na acertada expressão de D. Manuel Martins.



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publicado às 11:12


Crise e crítica na Igreja

por Carlos Pereira \foleirices, em 18.04.09

Quem se não apercebeu ainda da crise por que passa hoje a Igreja Católica? Um grupo de 300 teólogos e responsáveis de comunidades de base espanhóis - alguns, como A. Torres Queiruga, Juan Masiá, J. A. Estrada, J. J. Tamayo, J. I. González Faus, teólogos de renome - acaba de publicar um documento intitulado Ante la crisis eclesial, no qual defende que "a causa principal da crise é a infidelidade ao Concílio Vaticano II e o medo das reformas exigidas".

 

Num procedimento que eles próprios consideram ser "extraordinário" - não é também extraordinária a causa que o motiva: "a perda de credibilidade da instituição católica"? -, reconhecem que "este descrédito pode servir de desculpa para muitos que não querem crer, mas é também causa de dor e desconcerto para muitos crentes".

 

Responsável fundamental é a Cúria Romana. O Concílio teceu-lhe críticas duríssimas, Paulo VI tentou pôr em marcha uma reforma, mas ela própria bloqueou--a. As culpas não são, pois, exclusivamente de Bento XVI, com quem aliás se solidarizam: "O erro grave de todos os pontificados anteriores foi precisamente deixar bloquear essa reforma urgente."

 

A primeira consequência do bloqueio é "o poder injusto da Cúria sobre o colégio episcopal", derivando daí "uma série de nomeações de bispos à margem das Igrejas locais e que busca não os pastores que cada Igreja precisa, mas peões que defendam os interesses do poder central".

 

Aqui assentam outras duas consequências: a mão estendida a posições da extrema-direita autoritária e ataques sem misericórdia contra quem está próximo da liberdade evangélica, da fraternidade cristã e da igualdade de todos os filhos e filhas de Deus, "tão clamorosamente negada hoje". Depois, há "a incapacidade para escutar", que faz com que "a instituição esteja a cometer ridículos maiores do que os do caso de Galileu". De facto, a ciência oferece dados que a Cúria prefere desconhecer, concretamente nos "problemas referentes ao início e ao fim da vida". A proclamada síntese entre fé e razão fica anulada.

 

Estas são "horas negras" para o catolicismo romano. Os autores lembram as rupturas de Fócio, que desembocou no grande cisma de 1054, e de Lutero, para sublinhar que também hoje "se não pode esticar demasiado a corda em tensão". Mas "Deus é maior do que a instituição" e "a alegria que brota do Evangelho dá forças para carregar com os pesos mortos". Por isso, os subscritores do documento, animado exclusivamente pelo amor a uma Igreja enferma, não se sentem superiores nem vão abandoná-la, mesmo que tenham de suportar as iras da hierarquia.

 

A quem se possa escandalizar lembram que a Igreja foi ao longo da sua história "uma plataforma de palavra livre". Assim, Santo António de Lisboa pôde pregar publicamente que Jesus tinha dito: "apascentai as minhas ovelhas", mas os bispos da altura entenderam: "ordenhai-as e tosquiai-as". O místico São Bernardo escreveu ao Papa, dizendo--lhe que não parecia sucessor de Pedro, mas de Constantino, perguntando: "Era isto que faziam São Pedro e São Paulo?" Comentando, o actual Papa escreveu, em 1962: "Se o teólogo de hoje não se atreve a falar dessa forma, é sinal de que os tempos melhoraram? Ou é, pelo contrário, sinal de que diminuiu o amor, que se tornou apático e já não se atreve a correr o risco da dor pela amada?"

 

Neste contexto e por ocasião da passagem dos 25 anos da sua morte, deixo aqui a minha homenagem ao antigo professor, Karl Rahner, um dos maiores teólogos católicos do século XX, que escreveu num pequeno livro que então traduzi - Liberdade e Manipulação - que a liberdade tem prioridade sobre a autoridade, que só se legitima como função de serviço; esta reinterpretação funcional da autoridade obrigará a superar "a mentalidade institucionalizada dos bispos, feudal, descortês e paternalista" e implicará a limitação temporal nos cargos eclesiásticos, incluindo o papal, que as decisões e directrizes sejam, em princípio, explicadas ao público, com razões, e que se volte a "pensar numa colaboração do povo na nomeação dos hierarcas".

 

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publicado às 19:43


Não resisti... e pronto...

por Carlos Pereira \foleirices, em 09.04.09

Elogio ao grande FC Porto

O FC Porto não é o melhor clube português no futebol internacional. É o único. É o único que, antes de um jogo contra o Manchester United, podemos esperar que jogue entre iguais. Não esperar de esperança beata - porque, essa, qualquer presidente aldrabão no universo crente que é o futebol pode prometer.

Falo de esperança legítima num clube que vai em mais de duas décadas de carreira como o melhor português e, sobretudo, atingindo aquela constância de qualidade que leva o FC Porto a ser tratado entre os maiores como um dos seus. É necessário que isso seja saudado para além do futebol. Porque, em Portugal, no campeonato dos factos contra a retórica, ganha quase sempre a conversa barata. Ontem, um dos nossos raros campeões de factos (e não de lábia) voltou a cumprir. Quem manda no restante futebol nacional que aprenda com quem foi buscar os, então, desconhecidos Hulk, Fernando e Cissokho... E o que há para aprender é isto: há quem saiba fazer e há quem não. Estes últimos deviam dedicar-se ao curling, desiludiriam menos portugueses.

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publicado às 12:41


Dicionário(Isaltino)Moraes

por Carlos Pereira \foleirices, em 01.04.09

Isaltinar foi um belíssimo achado que Isaltino Morais inventou para uma das suas campanhas eleitorais (slogan em 2005: "Vamos isaltinar!"). Belíssimo, mas que eu não entendia. Até Isaltino Morais, presidente da Câmara de Oeiras, ser agora julgado. No julgamento, ele tem dito: 1) que as suas declarações de rendimentos "não correspondem minimamente ao meu património"; 2) que ele declarava menos do que devia porque "[as declarações de rendimentos] nunca foram levadas a sério" (já agora, então, porque declarou sempre a menos e nunca a mais?!); e 3) que "as sobras das campanhas eleitorais", anteriores a 2005, depositou-as na sua conta bancária da Suíça, não para "fugir ao fisco", mas porque "fiz o que toda a gente fazia." Os pontos 1) e 2) dizem-me que "isaltinar" significa aldrabar o fisco. Não sendo o moralista que aqui vos escreve mas o amante de palavras, estou encantado. Indo mais longe, o ponto 3) diz o que é uma isaltinação pegada. Definição de isaltinação pegada: não chega aldrabar o fisco mas é preciso aldrabar também o próprio partido, ficando-lhe com "as sobras."

 

Artigo de opinião de Ferreira Fernandes no "Diário de Notícias"

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publicado às 13:37


É A POLÍTICA, ESTÚPIDO!

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.01.09

Hoje, abre a reunião de Davos sem ilusões sobre a tísica economia. É novidade, aquela montanha suíça sempre foi lugar de esperança, quando não de euforia. Os personagens de Thomas Mann, em A Montanha Mágica, julgavam encontrar em Davos a cura da tuberculose. E muito depois disso, nestes anos recentes, aquele era o lugar dos Senhores do Universo. Querem nomes? John Thain, patrão da Merril Linch, Robert Rubin, do Citigroup, o alemão Adolf Merckle, um dos cem homens mais ricos do mundo, o magnata indiano Ramalinda Raju... Cada um deles era o que já se chamou O Homem de Davos - se o Australopithecusnos pôs de pé, o

Homo de Davos  pôs- -nos a julgar que seríamos ricos. Pois bem, os grupos de Thain e Rubin faliram, o Merckle suicidou-se, o Raju tem o passaporte cassado por trafulhices na sua empresa... E tudo aconteceu entre a reunião de Davos de 2008 e a deste ano, sempre em fins de Janeiro quando àquela montanha lhe dá para a magia. Davos vivia da frase de Clinton: "É a economia, estúpido..." Mas os homens dos números falharam. Este ano, em Davos, vão estar os primeiros-ministros da Rússia, da China, da Grã-Bretanha, da Alemanha...

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publicado às 13:17


O TEMPO É DOS ESPÍRITAS

por Carlos Pereira \foleirices, em 24.11.08

 


Ferreira Fernandes

 
OThe New York Times, ontem, descobriu uma das poucas profissões de vento em popa. Encolhendo a mais material das coisas, o dinheiro, empedernidos materialistas (e até funcionários da Bolsa de Wall Street) recorrem a astrólogos e às cartas do tarot. Desde que se anunciou a crise, triplicaram os clientes do Além. Quando os economistas parecem tão aluados, é normal que as pessoas comuns recorram a quem vê mais longe e sabe ler as cartas astrais. Ao reputado jornal, disse Tori Hartman, psíquico de Los Angeles: "Quando já não se acredita em quem lhe vendeu a casa nem em quem lhe emprestou dinheiro, vai-se a um espírita para ter uma perspectiva diferente..." O que não me parece verdade. Vai-se ao professor Karamba da América não em busca de diferente mas do mesmo, em grau mais colorido, que foi dado pelos governantes: certezas voláteis. Assim como assim, já que deixaram de fazer sentido de um momento para o outro as taxas quantificáveis ao centésimo (exemplo da soberba científica dos economistas), passa-se a ouvir gente tão enganada mas ao menos com turbante. Não é preciso uma bolinha de cristal para adivinhar: o tempo é dos médiuns.

 

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O primeiro mapa-mundo da água potável subterrânea

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.10.08

Unesco. Perto de 96% da água potável existente no planeta encontra-se em aquíferos que correm abaixo do chão. A maior parte, atravessa diferentes países . Um recurso estratégico global que pela primeira vez está a ser cartografado e avaliado com vista a tentar instituir regras de gestão global

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publicado às 18:20


BOM DIA, PARAÍSO!

por Carlos Pereira \foleirices, em 13.10.08

Não é de hoje nem de ontem que os sexagenários se refugiam, no seu soturno convívio, na cansada graçola de que, daí para a frente, o seu destino é perderem a identidade, em caso de atropelamento. Tenhamos sido o mais desenvolto e transpirado na estiva dos trabalhadores do porto de Lisboa, ou o melhor professor de Filosofia dos liceus deste país, os jornais dirão "sexagenário mortalmente atropelado na Avenida da Índia". Mas o que eles calam - entre várias outras coisas que fazem muitíssimo bem em calar - é que a idade lhes rouba também o nocturno e o onírico. Esse mundo que, mesmo fugido ao território da vontade, nos alça em deuses fazedores, criadores do que ninguém controla ou condiciona. De tal modo que tem de ser a imaginação vigil a preencher esse vazio. Não vou por isso dizer que sonhei, mas, mais humilde e honestamente imaginei, o que se segue - reivindicando contudo o mesmíssimo estatuto de inimputabilidade do sonho, o que nem sequer Freud questionou.

Aconteceu então que acordei com aquela antiquíssima vontade de tomar café. Lavei-me (mas não muito, porque a água deixou de correr na pendência do sacramento), vesti-me (mas não muito, porque do último fato já só me restavam as calças) e desci ao jardim público. Bebi no quiosque meio café aguado por quinze cêntimos e fui sentar-me no meu banco habitual, munido de um cartuchinho de papel pardo com os salvados do milho que compro ao mês. Sentei-me e, enquanto os pombos afluíam de todos os lados, pus-me a pensar, prazenteiro, na extraordinária fortuna que a Fortuna reservou à minha geração. Talvez não tenhamos sido melhores do que as outras. Mas, que raio!, investimos nas incertezas (sem qualquer pulsão de jogadores de casino); suámos brio e privámo-nos de muitos dos deleites sem alma que o quotidiano oferecia ao preço da uva mijona; e alguns - tantas vezes os melhores de entre nós - deram o sangue. Tudo isto porque - fôssemos da esquerda católica, ou da laica, ou comunistas, ou libertários - tínhamos o crânio povoado pelos fantasmas difusos, mas estimáveis, da liberdade, da igualdade, da fraternidade, do fim da exploração do homem pelo homem, das mãos dadas sem olhar a quem, do amor como irmão gémeo da razão - enfim, da vida como festa a ser fruída.

Estava eu nisto quando, da minha esquerda, oiço uma voz: "Como está? Já não se lembra de mim? Sou o Varela, o sem-abrigo que, na Rua 4 de Infantaria, dormia e tomava conta, durante a noite, do Citroën Dyane do seu amigo Luís…" "Ó sr. Varela, está bom?", tropecei eu, que o não reconhecera. Já o Varela, que trazia um pacotinho igual ao meu, deitava alpista aos pombos, quando me tocaram o braço direito. Era um senhor andrajoso e afável, sobraçando outro magro pacote de milho, a perguntar se podia sentar-se do outro lado do banco. Que sim, claro, entaramelei eu - e ele sentou-se. E atirou-me: "Posso-me apresentar? Eu sou o Américo. Tive mais cortiça que ninguém e na companhia dos petróleos nada se fazia sem o meu consentimento. Mas isso foram outros tempos…" "Ah", disse eu, no esbugalho de olhos que as pálpebras ainda aguentam, "muito gosto"…

E então conversámos os três, distribuindo, com a parcimónia dos tempos, o milho pelos pombos, que já nos trepavam pelas calças. Falámos da vida, do destino e da cidade, de vista cansada e hemorróidas, de flores, pinguins ameaçados e economias emergentes. Depois, por sugestão do Varela, cada qual torceu o papo ao seu pombo e lá fomos - naquela ternura inconfessada e a fingir frieza com que o Claude Rains tomou o braço do Humphrey Bogart, a fechar o Casablanca - até ao meu quintal, para uma cabidela alternativa de que só o Américo sabia a receita.

Foi bom, foi solto, distendido, irresponsável. Os amanhãs não cantaram, mas os ontens não pesaram. No fim, talvez o Américo tenha contido uma lágrima pelo charuto perdido, o Varela pelo charro e eu pelo cigarro, mas não mais do que isso.

E eu dei comigo a pensar, mas sem gozo nem rancor: como é possível que o empenho generoso de tantos tenha falhado, tão dolorosamente e durante tanto tempo, para agora, em menos de duas décadas, a pura inépcia de um bando mundial de yuppies, que restauraram o blazer (mas também a peúga branca) e cuja cabecinha jamais foi visitada por um qualquer conhecimento que a aritmética não possa exprimir, vir entregar-nos, de bandeja, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, o fim da exploração, as mãos dadas sem olhar a quem… etc. A propriedade, não a tendo Proudhon abolido, exauriu-se e, com isso, a igualdade e a fraternidade instalaram-se, de seu natural. A liberdade acabou feita: talvez pelo desinteresse, mas aí está. Exploração, não tem como nem para quê. E eis que a vida virou festa a ser fruída. (Ainda que um tanto à custa dos pombos.) Qual quê! Nem Criação nem Big Bang. Nem Deus nem Darwin. Viva a escola de Chicago! | 

 

 Crónica de Nuno Brederode Santos no "DN"

 

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publicado às 18:08


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