Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
CANTO DAS IMAGENS
Ao princípio era só uma em cada olhar
após a grande divisão das águas
e mesmo, segundo disse Baudelaire, a imagem
até ao seu século do real múltiplo
era una, única e própria. Dementes
chamou este cantor aos fotogramas
que roubavam à alma a unicidade
e deram aos olhos frívolos as figuras
plurais, idênticas, dispersivas.
Era somente uma a imagem mística,
dos entes naturais aos transcendentes.
Só uma esta vermelha afelandra
embora as suas irmãs se lhe assemelhem
e desassemelhem, cada uma, sempre.
O concreto pulsava neste ritmo
das coisas parcas, poucas, singulares.
E de repente, nos olhos do poeta
cada coisa reproduziu a imagem
inumeradamente, e a ideia
decaíra no banal prolixo.
Antes, podia hesitar-se entre o modelo
e as sombras de Platão, agora as flores
malignas podem reproduzir-se no mundo
nítidas, iguais, supérfluas.
Eu ainda vejo o olhar antigo de Baudelaire
e cada coisa vibra no seu mito,
e cada imagem cria o seu espírito,
e cada cópia fotográfica muda
na liminarmente máxima diferença.
Ao crítico e amante da Pintura
as dúbias imagens decerto deram
a cada rosto um só outro rosto,
a cada paisagem uma só tela.
Já os vidros, a água, a prata traziam
a incerteza aos traçoa, como se os olhos
que nos deu a Natureza nos fossem
infiéis. E o poeta pôde resistie
a esta perda das formas consagradas
e consubstanciais das coisas que ainda
ecoam a Criação como o eco cósmico.
30 de Outubro de 1993
POEMA DE FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO
FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO
CANTO DAS IMAGENS
Ao princípio era só uma em cada olhar
após a grande divisão das águas
e mesmo, segundo disse Baudelaire, a imagem
até ao seu século do real múltiplo
era una, única e própria. Dementes
chamou este cantor aos fotogramas
que roubavam à alma a unicidade
e deram aos olhos frívolos as figuras
plurais, idênticas, dispersivas.
Era somente uma a imagem mística,
dos entes naturais aos transcendentes.
Só uma esta vermelha afelandra
embora as suas irmãs se lhe assemelhem
e desassemelhem, cada uma, sempre.
O concreto pulsava neste ritmo
das coisas parcas, poucas, singulares.
E de repente, nos olhos do poeta
cada coisa reproduziu a imagem
inumeradamente, e a ideia
decaíra no banal prolixo.
Antes, podia hesitar-se entre o modelo
e as sombras de Platão, agora as flores
malignas, podem reproduzir-se no mundo
nítidas, iguais, supérfluas.
Eu ainda vejo o olhar antigo de Baudelaire
e cada coisa vibra no seu mito,
e cada imagem cria o seu espírito,
e cada cópia fotográfica muda
na liminarmente máxima diferença.
Ao crítico e amante da Pintura
as dúbias imagens decerto deram
a cada rosto um só outro rosto,
a cada paisagem uma só tela.
Já os vidros, a água, a prata traziam
a incerteza aos traços, como se os olhos
que nos deu a Natureza nos fossem
infiéis. E o poeta pôde resistir
a esta perda das formas consagradas
e consubstanciais das coisas que ainda
ecoam a Criação como o eco cósmico
Poema de Fiama Hasse Pais Brandão escrito em 30 de Outubro de 1993 retirado do livro "Obra Breve - Poesia Reunida", páginas 558 e 559, com prefácio de Eduardo Lourenço, e edição da Assírio & Alvim n.º 0976, Maio de 2006
_____________________________________________________________________________________
Dramaturga, tradutora e poeta, formada em Filologia Germânica na Universidade de Lisboa, exerceu actividade de investigação na área da literatura e da linguística. Revelou-se com "Morfismos", no âmbito da iniciativa Poesia 61, colectânea que reflectia uma tendência poética atenta à palavra, à linguagem na sua opacidade, na busca de uma expressão depurada e não discursiva. A criação poética de Fiama Hasse Pais Brandão impõe-se pela busca de uma expressão original, onde as palavras tentam evocar uma essência perdida, anterior à erosão do tempo e do uso corrente. A desconstrução das articulações do discurso e a sua metaforização provocam um estranhamento que conduz o leitor a despir a linguagem da sua convencionalidade e a entrever o acesso pela palavra pura a um tempo primordial. O critério de "amor pela leitura" que presidiu à versão de Cântico Maior pode, por extensão, ser aplicado à obra da autora que apresenta como fontes de emoção poética "o texto que cabe na pupila: o simultâneo, a grande cena das metáforas e das comparações, a Visão multiforme do Conhecimento (pus no coração a Sabedoria de Ezra), que é parcelar nas palavras e nas imagens e que só por acumulação diurna e através da absorção pupilar (como a do ar) tende para o Todo." ("Do prefácio de Cântico Maior", reproduzido em "Apêndice" a Obra Breve, 1991). Sob o Olhar de Medeia, a obra que marca a primeira incursão no romance por parte desta autora, foi publicado em 1998. Faleceu em Lisboa no dia 20 de Janeiro de 2006.