Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]
O AMOR
De repente soube
que estava na solidão como numa casa
conhecida e opaca.
Durava o meu silêncio, poderia durar
qualquer momento: amor, entrega
ao infinito lume de cada ser.
Pouco importava.
Nem era a solidão que importava.
Nem o amor.
Podia eu respirar? Sim, podia.
Os ruídos da casa acentuavam-se no escuro.
Longe, um vidro refractava uma luz insidiosa,
terna e obsessiva.
Mas isso era longe. Noutro quarto alguém dormia.
Eu, excluído
de todos os encontros. Mas isso, agora,
tornava-se igualmente irrelevante.
A luz modificava proporções e relevos.
Os quartos abriam-se à claridade
e o teu corpo que dormia era apenas mais uma peça
de uma misteriosa mecânica.
Eu, excluído.
O silêncio por dentro da casa habitava
o começo da luz.
Os ruídos eram soltos,
aparentemente incongruentes.
Como os quartos, que abriam para outros quartos
ou para o vazio,
como os corredores, sem saída
aparente,
como as escadas
abertas para o céu
frio.
Do mesmo modo, amar pode muitas vezes
passar por esse despido desamor
que o teu corpo deitado no quarto, aberto apenas
à luz desconhecida,
me pedia e continha.
Este silêncio é da casa e é de fora da casa.
A mecânica do amor não conhece
pausas.
Desola tanta frieza,
tanta aridez consentida,
tanta angústia antiga afugentada como um erro.
É o amor. O teu corpo dorme,
o quarto arde já de tanta luz.
Vem, tudo se perdeu.
Vem, rasga, ou abre com indiferença as cortinas,
a luz há muito já que entrou
para dentro do quarto, alastrou pelos móveis,
infectou madeiras, corroeu os corredores e as passagens,
anulou os segredos.
Olha: é o amor, por fim.
Desolação e queda.
Poema de Luís Filipe Castro Mendes