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Natércia Freire
VILA PERDIDA
A vila não é aqui.
Vamos cegos mas sabemos
que a vila não é aqui.
Entre chaparrais e moitas,
se me afoito, se te afoitas
onde os tectos e os jardins
da vila que só eu vi?
Correm verões para a beira-rio
na velha vila deitada.
Correm verões anos a fio.
E a casa que está fechada,
a casa que nos ouviu
passos de voz compassada,
jaz na música do tempo,
humana, morta, inundada.
(Há romãzeiras no vale,
há pegos de água brilhante,
sons lentos, no salgueiral
de um murmúrio rastejante.)
Não estou aqui, nem ali.
Mas foi de lá que eu parti
com rumo à minha Cidade.
Sentei-me à beira da estrada.
Moços, pássaros, ciganos,
vi que passavam em bando.
E eu não perguntei o quando.
Parti nos sonhos de todos
e até de mim me esqueci.
Porque era longe a Cidade
de um correio me servi.
Escrevi cartas para Deus.
Respostas de eternidade
recebi e recebi.
O regresso não o encontro
nos passos que um dia demos.
Mora num dia incompleto;
baila os rostos esfumados,
veste-se de oiro e de preto.
Está no fundo da lagoa,
é de vidro e soa e voa.
Poema de Natércia Freire, Poesia Completa, QUASI EDIÇÕES, 2006