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Vê-se bem que este vento de Outubro é diferente dos outros.
Vem do sudoeste, pelo caminho da chuva,
Mas traz consigo um novo canto ou lamento
Que acorda memórias e medos e certezas.
Sei que estes olhos se fecharão em breve
E que das minhas mãos jamais se apagará a tinta.
Vi demasiadas vezes o Dragão subir ao céu no primeiro equinócio
E lançar-se no abismo quando o Verão acaba.
A terceira linha do hexagrama Lî mostra-me como o sol a declinar,
Esquecido da minha cítara de argila
E lamentando-me como um velho, que sou.
E, no entanto, há muitos anos, no palácio,
Senti atrás de mim o deslizar de uns sapatos de seda.
Quando me voltei, vi um rosto branco como a magnólia,
E para sempre os meus olhos guardaram o seu doce veludo.
Ninguém sabe, ninguém vê,
Só a minha mãe, ao morrer,
Descobriu as pétalas que caíam com as minhas lágrimas,
E suspirou.
Não voltei a ver a princesa tão perto,
E confunde-me que ela seja ainda em mim ausência e presença,
Sobretudo neste dia de Outubro,
Em que do sudoeste sopra um vento diferente,
Escutado também pelos olhos do esquilo no ramo do salgueiro.
A princesa, a mais bela das filhas do imperador,
Partiu de manhã, no meio da névoa,
E a sua liteira era escoltada por muitos cavaleiros.
Julgava o pai que, dando-a em casamento a um governante inimigo,
Salvaria o Norte do país das incursões armadas,
O que não sucedeu.
Tudo isto registei, há muito, no Livro da História,
Poe ser essa a função de um calígrafo da corte.
Diz Li Shang-Yin
Que nunca se deve deixar abrir o coração com as flores da Primavera,
Pois uma polegada de amor é uma polegada de cinza.
Poema de Maria Amélia Neto