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CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
ODE A JACKSON DE FIGUEIREDO
JACKSON,
nem amigo nem inimigo,
nem mesmo (o que seria cómodo) espectador displicente na sua poltrona
espiando teus gestos, tuas palavras e obras,
mas distante, extraordinariamente distante daquilo que foi a tua vida,
mais distante ainda dos mundos que exploraste, viajante inquieto, sem tempo para esgotá-los,
e só te conhecendo bem depois que abriste os braços para morrer,
aqui estou, testemunha, depondo.
Jackson,
os que te conheceram e te amaram,
os que te conheceram e não te amaram,
os que não tiveram tempo de te amar,
os que não cruzaram no teu destino, os que ignoram o teu nome, os que jamais saberão que exististe,
estão todos um pouco mais pobres do que eram antes.
Uns perderam o amigo.
Outros, o inimigo, o grande e belo inimigo que orgulha.
Outros nada perderam, e é tão triste, tão doloroso não perder nada.
Como estes, eu me sinto pobre da pobreza de não ter sido dos teus, Jackson,
e eu o sinto verdadeiramente por todos aqueles que jamais suspeitarão disso.
Voltou o tempo dos prodígios.
Ainda há pescas maravilhosas, eu sei,
e os peixes que arrebataste a um mar mais crespo que o de Tiberíades
estão cantando a glória do Senhor.
Milhares de escamas, milhares de dorsos, de luzes, de almas
elevam um cântico tão puro que a terra se mistura com o céu
e nem se percebe o pescador que as ondas arrebatam,
que as ondas arrebatam violentamente, para depois se apaziguar,
enquanto o corpo mergulha e os peixes cantam a glória do Senhor.
Agora sentimos que estás mais perto de nós,
que por obscuros caminhos nos chegamos mais a ti,
(pouco importam as ondas e esta camada de terra que nos separa de tuas espécies em decomposição).
Muitas coisas nos ensinou a tua morte, que a tua boca não soubera exprimir
e a tua pesca mais opulenta, Jackson, foi a de ti mesmo pelo oceano,
pesca terrível e prodigiosa de amor e de redenção.
Belo Horizonte, 1929.