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JOÃO MELO
- O seu nome?
- Qual deles?
- Bem, como é que você se apresenta?
- Depende...
- Depende?
- Sim, depende. Não sabe o que é depender?
É...
- Sei,sei. Mas depende de quê?
- Ora, não imagina? Do contexto, das minhas conveniências...
- Explique-se melhor...
- Já vi que a senhora é ingénua.
- Sou escritora.
- Ah, está bem... E posso saber porquê que quer saber o meu nome? Desculpe, mas não posso deixar de fazer esta pergunta...
- É simples. Tenho de escrever uma estória sobre
- Sobre mim? Quer dizer que eu vou passar a ser uma personagem literária e não apenas um indivíduo? Sem falsas modéstias, eu não acho que a minha vida seja tão emocionante assim... De certo modo, é mesmo muito chata!...
- Na verdade, não é bem sobre si. A sua vida será apenas o pretexto que pretendo utilizar para demonstrar que, qundo os países estão em crise, a líbido dos povos aumenta, podendo mesmo ficar completamente descontrolada. É uma tese inovadora - reconheço -, mas estou plenamente convencida da sua justeza.
- Concordo. Em tempo de crise, os homens descobrem as suas três vocações realmente essenciais: rezar, roubar e fornicar.
- As crises são, sobretudo, morais...
- É a sua opinião. A minha...
- Ora, segundo me disseram, o senhor é um exemplo desse, digamos assim, «acirramento sexual» típico das situações de crise.
- Faço o que posso, faço o que posso... Mas vale mesmo a pena contar a minha vida aos seus leitores?
- É evidente que sim. Mas, por favor, não percamos tempo. Quanto mais depressa me responder, mais depressa este conto termina...
- Costuma dizer-se que quem conta um conto acrescenta um ponto...
- Tentarei ser o mais justa e objectiva possível. Diga-me lá: como é que você se chama?
- Tenho um nome de guerra, mas só o uso em ocasiões especiais.
- Alguém lhe chamou, uma vez, porco machista...
- Isso é um slogan. Não é um nome.
- É angolano?
- Sim. Mas poderia ser malaio. Esquimó, não, por causa do frio.
- Descreva-me a sua família.
- A extensa ou a restrita?
- Como são as suas relações coma sua mãe?
- Esteja sossegada, que não desejo matá-la.
- A sua mulher já o traiu alguma vez?
- O amor tem de ser testado, nem que seja só de vez em quando...
- Quantas mulheres é que já levou para a sua cama?
- É a escritora que quer saber isso ou é a mulher?
- Tem problemas políticos?
- Não.
- E com o fisco?
- Também não.
- Ou com a Igreja?
- Sou ateu, graças a Deus.
- Tem inimigos?
- E se os tiver?
- Diga-me porquê que escreveu esta frase: «Foder é um dever revolucionário!»?
- Adivinhe. Ou então invente. A escritora é você...
- Mas não há mesmo nada de errado consigo?
- Até conhecê-la, não...
- Bolas! A sua vida não tem nenhum enredo!
- Eu avisei-a... Aliás, só a literatura é que precisa de enredo. A vida não passa de uma sequência de acasos e coincidências...
- Não posso escrever sobre si sem uma boa intriga. O que é que os meus leitores vão dizer?
- Mata-me! Mata-me!
- Quer mesmo saber o meu nome?
- Hum...
- Chamam-me The Serial Killer. Acha apropriado?
Conto de JOÃO MELO