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São corpos pendurados em paredes de sombras, registados em papel com a ajuda de um relâmpago emitido por uma velha máquina fotográfica. Poses artísticas forçadas de pais, avós, filhos dos filhos, tias solteiras, putos ranhosos que também aparecem mas que não foram convidados por falta de espaço e não ser domingo - era o argumento...
Ser fotógrafo era também ser encenador e mestre na arte de dispor as almas nas suas diversas posições e atitudes para, no final, parecerem actores ou figurantes numa cena de teatro burlesco, de marionetes . Era considerado no seu meio e entre os seus pares um verdadeiro mestre na arte de fixar para a posteridade os momentos em memórias que alguém guardaria numa caixa qualquer ou num caixilho que ficaria em equilíbrio numa parede qualquer de um compartimento da casa.
As expressões do rosto e as formas diversas que o corpo assumia reflectiam estados psicológicos, de humor, de hierarquias bem vincadas pela posição de cada um no espaço geográfico da lente da máquina que dava para perceber a importância que cada um tinha e o seu papel na estrutura social e familiar.
Era um verdadeiro alquimista, um mágico que no quarto escuro apenas iluminado por uma luz vermelha conseguia dar vida a películas mergulhadas num caldo químico, como se fosse o útero onde se formava, célula a célula, um corpo que era expulso depois de estar completamente pronto.
Era um poeta que escrevia e fixava um momento da vida para a posteridade.
AFAGAR A MEMÓRIA
Desenho a tua ausência,
perdoo-te por existires;
alquimia que mistura
a chuva do passageiro.
Gestos de amor esquecidos
e esperanças nocturnas
da minha infância destruída
levaram afinal à minha fortuna.
Podes a minha memória afagar
para eu sempre em ti acreditar?
POEMA DE TIMOTHY HAGELSTEIN "in Apneias Emocionais" edição Guerra & Paz, Novembro de 2021, tradução de Ana Paula Filipe