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Brutos...
Gesticulam com os pés
inteligência rasteira
cérebros de minhoca
argumentam usando apenas a força
a sua arma preferida
caretas disformes
risos de hiena
agressores com a mão escondida
os trabalhos sujos a outros encomendados
é conveniente ter um ar civilizado
aparentar inteligência
é preciso não falar
para não revelar ignorância
apenas «twittar»
A HIPÓTESE DO CINZENTO
Num país a preto e branco
recomendaram-me o cinzento. Um recurso
extraordinário. Com a hipótese do cinzento poderia
ensaiar
soluções inusitadas -
experimentar o morno (que não é frio nem
quente)
explorar o lusco-fusco (que
não é noite nem dia) praticar a omissão
(que não é mentira
nem verdade). Preto e branco misturados permitiam
finalmente
viver em conformidade
desocupar os extremos (tão alheios à virtude)
liquefazer-me na turba
no centro na
média
dourada. Com a paleta de cinzentos poderia
aprimorara arte da sobrevivência que
(como os mansos bem sabem) é
não estar vivo
nem morto.
POEMA DE JOÃO LUÍS BARRETO GUIMARÃES, DO LIVRO "O TEMPO AVANÇA POR SÍLABAS", PÁG.136, EDIÇÃO QUETZAL, 2019
Sentado nas margens
da sombra, quando
uma inquietação ocorre
e a penumbra escorre
até aos seus olhos aquosos
e uma réstea de luz
se torna oblíqua e
dormente, então percebe
que tudo termina
quando o delírio que vem da terra
a sua cabeça beija.
Os cães ladram três vezes
Uma balandra de algas vomita
a sua carga no mar espesso e pardo
Numa casa
algures na cidade
um rato persegue um gato
Os cães ladram três vezes
E uma velha toca bandolim
cigarro no canto dos lábios
voz rouca
hálito de rum
Os cães ladram três vezes
O mar reclama e ameaça
e o farol
empoleirado na escarpa granítica
afasta o medo
de marinheiros bêbados
Os cães ladram três vezes
O barco afunda-se
sovado por ondas sem piedade
e o rato
continua a perseguir
o gato
- Bom dia
- Bom dia
- Raios te partam, homem de deus
- Cala-te beata, não invoques o seu nome em vão
e o rato persegue o gato
a velha geme
o bandolim chora
o mar transformou os homens em gaivotas
o farol desmoronou-se
e os cães deixaram de ladrar
Os meus olhos
fotografam e
capturam a
melancolia da alma
do pássaro
que
num voo circular
se despede da árvore
que o acolheu e
foi a sua casa nos meses da
primavera e verão
Despes a alma
Depois o corpo todo
Enterras os pés na terra
Sufocas o medo
Da tua garganta salgada
Um relâmpago incendeia a noite
Os teus pés ganham raízes
Na tua boca nasce a seiva
Que desagua na terra
Alimentando-a
Os teus olhos iluminam a noite
E os caminhos da peregrinação
És a sentinela que afasta as sombras nocturnas
Que habitam nos becos da desesperança
Despes a alma
Depois o corpo todo
Vigilante Sentinela
Serena Sentinela