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Eduardo Souto de Moura, arquitecto português, vence Prémio Arnold W. Brunner da Academia Americana de Artes e Letras pela "sua contribuição significativa para a arquitectura".
Este Prémio foi instituído em 1955, com o propósito de distinguir arquitectos, de qualquer nacionalidade que "tenham dado uma contribuição significativa à arquitectura como arte".
MÁRIO DE CARVALHO
DE ANTEMÃO
Tocaram-me na cabeça om um dedo terrificamente
doce, Sopraram-me,
Eu era límpido pela boca dentro: límpido
engolfamento,
O sorvo do coração a cara
devorada,
O sangue nos lençóis tremia aida:
Metia medo,
Se um cometa pudesse ser chamado como um animal:
ou uma braçada de perfume
tão agudo
que entrasse pela carne: se fizesse unânime
na carne
como um clarão,
Um anel vivo num dedo que vai morrer:
tocando ainda
a cabeça o rítmico pavor
do nome,
O leite circulava dentro delas,
É assim que as mães se alumiam
e trazem para si o espaço todo
como
se dançassem,
São em si mesmas uma lenta
matéria ordenada, Ou uma
crispação: uma ressaca,
E quando me tocaram na cabeça com um dedo baptismal:
eu já tinha uma ferida
um nome,
E o meu nome mantinha as coisas do mundo
todas
levantadas
Que lhe estendas os dedos aos dedos: lhe devolvas
o sangue, Como as estrelas duplas
duplamente
se dão força,
E fique assim - astro grande estanque
cosido em sangue: e a luz
obturada,
E então no seu pneuma luminoso:
um astro cheio, Coração: astéria: carne
de olaria pulsando, O espasmo
da mão às vezes
se arranca aos recessos da cabeça um relâmpago,
Ou se retira ao braço o movimento
pela musa do sexo, Ou à vertigem se retira
o rasgão do ar
na dança,
Assim a estrela com dois membros
cravados recebendo
o tremor do mundo, E toda essa
massa peristáltica esmaga
a argila táctil: um pequeno músculo
convulso no fundo de água:
um troço de sangue nas costas, Que lhe passes
pelas roupas e nudez
as tuas armas, Ou lhe ponhas no escuro
um incêndio:
e te ilumines dele, E a tua cara se faça
miraculada
à combustão, E entres rutilante por uma porta
para outra porta, Essa porta que dê
para uma porta de ti própria,
A mão ateando a escrita que se desloca
brilha direita,
Toca-te toda: tocas no chão
através dela, A terra
treme
quando lhe tocas, Tudo
se transmite e trannsforma,
A gangrena é uma força, Tu és a raiz dele,
Estás dentro
da luz de fora, Como o choque
sísmico
da estrela
POEMA DE HERBERTO HELDER in "POESIA TODA" EDIÇÃO 406, MARÇO DE 1996, ASSÍRIO & ALVIM
Jeremias estava só
perante a verdade e a inocência
encerradas no fundo de uma gaveta
ou noutro sítio qualquer
na forma de papéis escritos com letra maiúscula e levemente inclinada para o lado oposto do coração,
e com flores desenhadas no intervalo dos espaços em branco
por falta das palavras certas ou momentâneo esquecimento,
talvez para descobrir nas pétalas o perfume para incensar a memória. É o que recorda.
Era apenas um rapaz no início da adolescência
quando os seus olhos e ouvidos testemunharam
de maneira fortuita,
escondidos atrás do pesado reposteiro,
a poucos passos do sítio onde
sentados
com os cotovelos apoiados na pesada e enorme mesa de carvalho
as pessoas que vagamente conhecia
discutiam a leitura do manifesto que o seu avô escrevera e
titulara de "Construir a Esperança".
Mais tarde decobriu que se sentia prisioneiro
no sonho de
ele também
e em memória do seu avô
construir a esperança - para alguns uma palavra grotesca e subverssiva,
outros acusavam-no de terrorista do pensamento e da palavra.
Jeremias sentia-se só
precisava de descobrir o paradeiro dos papéis -
deviam ser os únicos com flores no lugar das palavras -
para provar que outras pessoas
muito mais antigas que ele
já falavam e escreviam sobre a
construção da esperança.
O seu único medo era que
as flores tivessem crescido tanto
que sufocariam as letras das palavras do
texto que defenderia a sua verdade
e sua inocência
para jamais se sentir só
tinha a esperança
a alma
e o tempo
necessários para a sua redenção.
Celestial Bodies, de Jokha Alharthi (Omã). Traduzido por Marilyn Booth (Sandstone Press);
The Years, de Annie Ernau (França). Traduzido por Alison L. Strayer (Fitzcarraldo Editions);
The Pine Islands, de Marion Poschmann (Alemanha). Traduzido por Jen Calleja (Serpent’s Tail);
Drive Your Plow Over The Bones Of The Dead, de Olga Tokarczuk (Polónia). Traduzido por Antonia Lloyd-Jones (Fitzcarraldo Editions);
The Shape Of The Ruins, de Juan Gabriel Vásquez (Colômbia). Traduzido por Anne McLean (MacLehose Press);
The Remainder, de Alia Trabucco Zeran (Chile). Traduzido por Sophie Hughes (And Other Stories).
O vencedor será conhecido no próximo dia 21 de Maio
Começou, ontem, a 42ª edição do Festival Internacional de Música de Paços de Brandão, uma organização do CiRAC-Círculo de Recreio, Arte e Cultura, com sede na Avenida da Sobreira, n.º 328, Paços de Brandão, Santa Maria da Feira.
UM QUARTO AS COISAS A CABEÇA
Mesmo que fosse mais do que este quarto a minha vida
à volta da cabeça pronta a rebentar
mesmo que fossem quatro apenas as paredes
quatro paredes são de mais para uma vida
e há palavras horríveis ó meu deus sintagma da gramaticalidade
pura pura negação da vida três palavras onde
se apoia há muito o homem que afinal só fala por falar
e eu me apoio agora em holocausto ao ritmo à vibração verbal
há dizia eu palavras pavorosas que não são precisamente o adjectivo
que substituo por razões de métrica mas são palavras como
por exemplo vida e há muito haver deixado a minha infância
coisa talvez que só por havê-la deixado alguma coisa significa
e ser não já profissional qualificado mas pessoa crescida
que não leva talvez gravata mas que tem vida privada
gulosamente devassada por vizinhos companheiros de trabalho
e tem outras pessoas e tem horas e tem ruas ò meu deus
ó forma essencialmente vocativa do meu grito grande merda esta vida
Talvez haja a janela haja árvores e céu
talvez se eu caminhar ao longo do comprido corredor
que talvez una uns com os outros estes dias
talvez se houve uma entrada ao fundo haja uma saída
Hei-de passar a merda desta vida à procura de papéis?
Sempre entre mim e ao que chamam coisas há-de haver palavras
e dirão que há-de haver não só algum sentido para as coisas
mas um sentido seja ele qual for para a merda da vida
onde nasce de súbito um pequeno imenso monstro descendente de um tirano
e a mãe desse tirano descendente que podia ser tamanha como simples mãe
é mãe por profissão por pose pela posição de tão tonta cabeça
multiplicadas pelas capas das estúpidas inúmeras revistas
forma mais fugitiva de fugir à fome à alegria própria ao real
cabeça digo não apenas sem ideias mas cabeça onde já nada começa
criança que se sabe quantos quilos pesa que cor tinha
a primeira e menos metafórica das merdas que cagou
e o pai da criança que horrorosamente se apresenta como pai profissional
como marido inteirramente a par das regras da mulher
meu deus que merda metafórica esta merda desta vida
E eu ter de passar a vida à procura da chave
e procurar abrir e não saber da chave
e não existir nunca porta ou chave
e chave ser palavra ambígua ter sentido
e haver muitas palavras e muitíssimos sentidos
e a vida ser só uma e ser a vida
e haver mãos para as coisas gestos para as mãos
e não haver que porra uma saída
E esta cara esta cabeça susceptível de ser vista
e tudo quanto faço interpretado e comentado
e haver nomes e eu ser isto e não aquilo
eeu sentir-me em nomes encerrado
Quero dormir não ter esta doença de pensar
estender-me sob o céu o mais possível ao comprido
e que bastante terra cubra o meu comprido corpo
e eu seja terra apenas e a terra nada seja
Que eu durma ó meu nada e tu meu nada existas só
para na noite ouvir quem como eu é isso apenas que deseja
POEMA DE RUY BELO, RETIRADO DO LIVRO «PAÍS POSSÍVEL» - EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, JANEIRO DE 2016
Gostavas...
Gostavas de ter a lua na sala
O sol no quarto de inverno
A poesia pendurada nas hélices da ventoinha
A música suspensa das maçanetas das portas
Que alguns livros retirados da estante ficassem preguiçosamente deitados no sofá e
escolherias mais alguns para acompanhar o deleite de saborear um "Sauvignon"
E querias ver o sonho a flutuar no corpo de borboletas empoleiradas nas janelas verdes dos teus olhos
Eu gostava somente que derramasses o teu perfume "L' Interdit" sobre o seio esquerdo para animar o lado direito do meu corpo