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Quando as palavras estão vazias...
Um rabisco para preencher o esquecimento
O teu transparente corpo
suspenso de um filamento invisível de luz.
Os dias correm súbitos. Fogem das próprias sombras, dos medos e incertezas como adolescentes que ruborizam perante o olhar irónico e prometedor das raparigas num bailarico de domingo.
Já é conhecida a longa lista de finalistas ao Prémio Literário Man Booker International 2019.
A curta lista é revelada a 9 de Abril, e no dia 21 de Maio é anunciado o nome dos vencedores - Autor e Tradutor.
Esta primeira lista é composta por 13 romances escolhidos pelo júri do Prémio que é presidido por Bettany Hughes.
Importa referir que é a última vez que este prémio literário terá a denominação de Man Booker, pois o grupo Man deixa de patrocinar este Prémio Literário.
A Fundação Crankstart tomará o seu lugar.
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Submitted by Man Booker Prize on Tue, 2019-03-12 17:32
The Man Booker International Prize has today, Wednesday 13 March, revealed the ‘Man Booker Dozen’ of 13 novels in contention for the 2019 prize, which celebrates the finest works of translated fiction from around the world.
The prize is awarded every year for a single book, which is translated into English and published in the UK and Ireland. Both novels and short-story collections are eligible. Authors and translators are considered to be equally important, with the £50,000 prize being split between them. In addition, each shortlisted author and translator will receive £1,000. The judges considered 108 books.
2019 longlist is:
Author (Original Language –Country/territory), translator, title (publisher/imprint)
The longlist was selected by a panel of five judges, chaired by Bettany Hughes, award-winning historian, author and broadcaster, and is made up of writer, translator and chair of English PEN Maureen Freely; philosopher Professor Angie Hobbs; novelist and satirist Elnathan John and essayist and novelist Pankaj Mishra.
Bettany Hughes, chair of the 2019 Man Booker International Prize judging panel, said:
‘This was a year when writers plundered the archive, personal and political. That drive is represented in our longlist, but so too are surreal Chinese train journeys, absurdist approaches to war and suicide, and the traumas of spirit and flesh. We’re thrilled to share 13 books which enrich our idea of what fiction can do.’
Apenas meia dúzia de passos separava os lugares que agora têm outros nomes: de gente conhecida, de gente que ninguém conhece ou que nenhuma importância tiveram. Questões de vaidade.
A porosidade do tempo, cuja geometria partiu em pedaços mais longos a alma, o carácter e a fraternidade dos antigos lugares que poucos já conhecem, e que apenas a idade certa permite identificar cada um dos territórios onde ganhamos raízes e memórias que jamais se perderam apesar da distância temporal e afectiva que a cronologia dos dias vai impondo e derramando sobre as nossas cabeças singulares sombras de anémico esquecimento.
Os lugares eram o mundo. O nosso mundo. As nossas possessões. Lugares de brigas e descobertas, de encontros furtivos, de brincadeiras, da inocência. Lugares com nomes poéticos, românticos, ancestrais e que identificavam com rigor cada membro dessas pequenas comunidades. As pessoas eram os lugares e os lugares eram as pessoas com as suas peculiaridades, personalidades, carácter. E os cheiros. Como eram importantes os cheiros e os sons produzidos por animais e pessoas nas suas labutas diárias.
Pois, os lugares tinham nome; as pessoas tinham nome - Pontão, Eiras de Cima, Eiras de Baixo, Misericórdia, Reboleiro, Santo André, Ameal, Milheirós, Remolha, Calvário, Cavaco, Velha, Picalhos, Lambro, Pombos, Moinhos, Piedade, Lavandeira, Rossio, Montinho, Além-do-Rego, Cruz, Seixo, Balteiro, Penas, Vila Boa...
Hoje somos, cada vez mais, anónimos figurantes, ou apenas um código de barras, um algoritmo, números. Apenas isto; e os lugares de outrora que eram o centro do nosso mundo modificaram-se e hoje a geografia reflecte novas atitudes, novos comportamentos e o umbigo passou a ser o centro do nosso mundo.
O dia está lindo.
Que merda... o dia está lindo!
Que maneira foleira de dizer as coisas;
Um azul perfeito
Um verde mais verde
As roupas baloiçam no fio do arame -
parece que fazem surf.
Os grilos calaram-se, já não suportam o verde da dieta.
As formigas nunca se cansam, por causa da moral da história.
As cigarras celebram os dias
A bandeira nacional está excitada num país de murchos que facilmente se excitam por tão pouco e
depois reclamam «isto é um país de merda».
Esquizofrenias de um país velho em idade e gente.
As cores - vermelha e verde - há muito tempo se misturaram
e conceberam uma cor castanha...
merda... o dia está lindo.
Uma caravana de camelos desfila sobre a terra da rua da minha casa
deve ser uma miragem
mas pode não ser
porque cães excitados ladram
e os camelos disponibilizam as suas bossas
para uma boleia.
O dia está lindo...
eis uma forma preguiçosa
e nada poética de descrever o dia.
Pois, dizes tu, é falta de jeito,
enquanto o gato se roça na tua perna
e reclama uma mão sobre o pêlo, e as
filiformes minhocas põem a cabeça de fora,
como se fossem periscópios a examinarem as manobras do inimigo.
O dia está lindo.
Que maneira idiota de dizer que o dia está lindo.
Nunca saberei a resposta da pergunta
que nunca farei.
Não sei.
Não sei por que não a farei!...
A casa em frente das nossas sombras
continua desabitada.
As janelas têm cortinas em teias de aranha
tecidas nas vidraças.
À noite
uma coruja
toma conta do ar frio
e uma luz bruxuleante ilumina as partículas da poeira
que adormecem sobre
os esqueletos do mobiliário.
Murmúrios ouvem-se e
rastejam até aos nossos pés.
Escalam silenciosamente e
com agilidade os nossos corpos e
alojam-se, sem pedir licença, no
interior do ouvido.
É apenas o murmúrio
de alguém que vive só, faz demasiado tempo e
procura um confidente,
um ouvinte.
Mas não o entendemos ou
não o queremos ouvir
que o ouvido já está ocupado com outros rumores
que vêm das folhas inquietas da laranjeira
em cujos ramos bichos de vária natureza se reúnem
todas as noites
para espiar, discutir, especular, intrigar
a coruja.
Mas nada descobrem.
A coruja, apenas cuida da pequena luz bruxuleante
que aquece as várias camadas de pó que
habitam a casa
deitadas sobre o ar horizontal
de todas as coisas
existentes no seu interior.
DILIP CHITRE ||| 1938 - 2009
POEMA EM AUTO-EXÍLIO
A primeira borboleta morta da estação
Tem asas recentemente rasgadas. Os significados são transferidos
Como a humidade das ervas
Para os sapatos. A América é incrivelmente erótica.
Demasiadas pernas tornam todas estas ruas sensuais.
Em Bombaim, temos uma única centopeia
Caminhando em direcção à cidade todas as manhãs.
Lá faz tanto calor, e mesmo assim, sem modéstia,
Os que têm meios usam todas as roupas que podem.
E também, ao contrário daqui, os que têm dinheiro
Comem sem contar calorias.
Tenho saudades de casa, o que é estúpido evidentemente.
Lá nunca fui um chauvinista famoso,
Nem é a América pouco bela. Mas estou tão aterrorizado
Com esta mocidade resplandecente, esta inocência requintada,
Estas visões exóticas do resto do mundo,
Que existe algures,
Que me sinto já obsoleto,
Não sendo americano.
Talvez devesse ter sido, afinal de contas, um guru,
Ou um iogue, um gigolô, um encantador de serpentes, ou um cozinheiro
De clandestinos molhos de caril em vez de ser um poeta.
América, aqui vou eu, demasiado
Tarde
POEMA DO POETA INDIANO DILIP CHITRE
MUHAMMAD 'AFIFI MATAR || 1935-2010
O VISITANTE NOCTURNO
eram seus olhos verdes
um sonho que chorava no asfalto da rua
e os versículos da sua inocência
uma sede no homem enterrada
desatou o cavalo verde da chuva dos cravos do raio
e deslizou através das nuvens
para visitar o sonho adormecido nas camas das crianças
e alimentá-las, ou dar-lhes de beber, da fonte do verde mel.
seus pés bons
e seu corpo trémulo e nu
esfolavam-se nos mastros da noite.
e nos seus dorsos fundiam-se colunas de granito.
foi enterrado sobre os beirados dos tectos e das torres
crucificado, sangrando, mordido nas trevas pelos gatos.
o peixe negro salta na corrente do sangue
e escapa:
comboios de gente surda
trombetas que ressoam,
génios que gritam dentro de uma garrafa
vozes que clamam na garganta do asfalto
quem, no ventre tenebroso, morreu
e quando secará o sangue?
POEMA DE MUHAMMAD 'AFIFI MATAR
NÉLIDA PIÑON ||| RIO DE JANEIRO, 1937
Nélida Piñon, escritora brasileira, nascida em 1937 no Rio de Janeiro, venceu o Prémio Literário Vergílio Ferreira 2019, instituído pela Universidade de Évora. O Júri argumentou a escolha como reconhecimento pela "latitude e profundidade da sua obra".
Nélida Piñon foi a primeira mulher a presidir à Academia Brasileira de Letras.