FERNANDO GUIMARÃES
ÚLTIMAS PALAVRAS DE VIRGÍLIO
Foi junto dos pântanos que nasci. Neles vi o rosto de meus pais
e de todos os antepassados. Olham-me sempre através do lodo
tranquilamente. Quando me falam, talvez a água entre
pelas suas gargantas e as palavras tornam-se mais lentas e serenas.
Escuto-os e sei como hei-de continuar a viver ao seu lado. Eles ensinam-me
o sentido que procuro em cada frase. Reparo que um verso fica
mais perto, e descubro como as sílabas longas e breves encontram
a pouco e pouco o que é o seu justo lugar; trata-se da harmonia apenas
que lhes pertence. Há-de ser assim naturalmente e tudo se repete
sem qualquer esforço, como se os deuses estivessem ali. Mas eu sinto-me
tão frágil diante deles... Sei que os seus lábios são demasiado pesados
e, por isso, nada lhes pergunto. Espero, tranquilamente. Então eles olham-me
com contida alegria, acenam-me, fazem sinais que não compreendo
sequer: Há uma explicação que procuro ainda e fito de repente
as suas pupilas. Aí, nesse ponto negro, surpreendo aquilo que principia
a oscilar entre o nada e todas as coisas, a ignorância e o meu conhecimento:
esta será a claridade de que precisam para me ver. Não me ofusca
e é essa a luz que mais desejo agora. Mas sei que preciso
também da noite. E é acerca dela que tantas vezes escrevo. Há-de alguém
continuar a ler o que chega dessa sombra, mesmo que seja eu que a venha
dissipar para que se torne só meu o que digo. Pergunto algumas vezes
pela paz que existe em tudo o que perdemos. Imaginarei
depois a minha última viagrm. Só isto. Não é mais fácil falar sobre
a última viagen de cada um de nós? Ela arrasta-nos para o interior
da areia. Encontramos, depois, as mesmas ondas esquecidas, os sinais do mar
ou alguns versos, aqueles que há muito ficaram presos às nossas mãos.
Encontramos também aquilo que poderia ser apenas a proximidade
de qualquer sonho. Sim, porque é adormecidos que nós seguimos
por esse caminho difícil, entre sombras, com o peso das nossas pálpebras
pousadas sobre o corpo. Ah, conheço esse peso. Queria recordá-lo
como se viessem falar acerca do meu rosto com simplicidade
para que finalmente o consigam reconhecer. Mas quem há-de
escrever o que por mim não pode ser escrito, senão com o silêncio
de ambos? Este era o meu destino, o caminho que sigo
ao encontro de outras vozes, cercado pelas nuvens que existem
apenas no interior dos olhos, nessa escuridão súbita que se torna
uma secreta forma de saber. Aí descubro estas palavras e para elas quero
a mesma simplicidade, porque é assim que se fala da morte.
POEMA DE FERNANDO GUIMARÃES
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Escritores > Fernando Guimarães
Data Nasc: 03/02/1928 Naturalidade: Cedofeita, Porto
Na web:
Fernando de Oliveira Guimarães, poeta, ensaísta e tradutor, nasceu na freguesia de Cedofeita, a 3 de fevereiro de 1928.
Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra, viu editado, em 1956, o seu primeiro livro de poesia, ‘Face junto ao vento’, mas poucos anos antes já tinha debutado na revista Eros, com a publicação de alguns poemas.
Lecionou Filosofia em várias escolas do ensino secundário e colaborou em diversos jornais e revistas, como O Comércio do Porto, Jornal de Letras, Árvore.
O seu trabalho enquanto tradutor reflete afinidades literárias muito concretas – traduziu obras de Shelley, Keats, Byron, Dylan Thomas, Hugo von Hofmannsthal e Elaine Feinstein.
Trabalhou como investigador no Centro de Literatura da Universidade do Porto. Integrou o Conselho Científico e foi membro investigador do Centro de Estudos do Pensamento Português da Universidade Católica Portuguesa.
Recebeu, entre outros, o Prémio D. Dinis (1985), o Pen Clube Português (1988) e o Prémio Luís Miguel Nava (2003).
Em 1995 foi feito Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.
Fernando Guimarães é um reincidente na lista de autores galardoados com o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (APE). Em 1992, a distinção reconheceu a obra ‘O Anel Débil’ (Edições Afrontamento); volvidos 15 anos, foi o livro ‘Na voz de um nome’ (Roma Editora). Este último livro valeu-lhe também o Prémio Literário Ruy Belo 2008.
Em 2006 foi-lhe atribuído pela Universidade de Évora o Prémio de Ensaio Vergílio Ferreira, tendo em vista o conjunto da sua obra ensaística.
A sua obra poética “Os caminhos Habitados”, venceu o Grande Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes 2014.
Bibliografia:
A Face Junto ao Vento, 1956 (poesia)
Os Habitantes do Amor, 1959 (poesia)
As mãos Inteiras, 1971 (poesia)
Três Poemas, 1975 (poesia)
Poesia 1952-1980, 1981
A Poesia da Presença, 1981 (ensaio)
Simbolismo, Modernismo e Vanguardas, 1982 (ensaio)
Casa: o Seu Desenho, INCM, 1985 (poesia)
Tratado de Harmonia, 1988 (poesia)
Poética do Saudosismo, 1988 (ensaio)
A Analogia das Folhas, Edições Lumiar, 1990 (poesia)
Poética do Simbolismo em Portugal, 1990 (ensaio)
O Anel Débil, Edições Afrontamento, 1992 (poesia)
Conhecimento e Poesia, 1992 (ensaio)
Poesias Completas, Vol.I, Edições Afrontamento, 1994
Os Problemas da Modernidade, 1994 (ensaio)
As quatro Idades, Presença, 1996 (prosa)
Diotima e as outras Vozes, Campo das Letras, 1999 (teatro)
O Modernismo Português e a sua Poética, 1999 (ensaio)
Limites para uma Árvore, 2000 (poesia)
Lições das Trevas, 2002 (poesia)
Artes Plásticas e Literatura: do Romantismo ao Surrealismo, 2003 (ensaio)
Mulher, Asa, 2006 (poesia)
Na Voz de um nome, Roma Editora, 2006 (poesia)
Sentido e Sensibilidade, Caixotim, 2007 (ensaio)
A Obra de Arte e o Seu Mundo, 2007 (ensaio)
A Poesia Contemporânea Portuguesa (3ª edição), 2008 (ensaio)
Agumas das Palavras – Poesia Reunida 1956-2008, Quasi Edições, 2008
História do Pensamento Estético em Portugal, 2009 (ensaio)
As Raízes Diferentes, Relógio d’Água, 2011 (poesia)
Os Caminhos Habitados, Edições Afrontamento, 2013 (poesia)
Principais Obras Publicadas
As suas imagens mais significativas correspondem a um empenho de captar o ritmo de tudo quanto, de algum modo, se pode dizer palpita, ou se desenvolve a partir de um núcleo geminativo. Eis uma poesia cuja ontologia poderia mesmo exprimir, em abstrato, dizendo nós não existimos, e nada existe, salvo … Ler mais | 2013, Edições Afrontamento “Há-de ser o silêncio. Ele vem de novo ao teu encontro como se o esperasses. Talvez seja maior a tranquilidade que existe no único caminho que vinhas percorrer. Sabes que se esta sombra te acompanha é porque nela habitas.” Poema da pág. 59 |
Apresenta-se aqui uma visão geral da poesia na segunda metade do século XX. Esta poesia é atravessada por alguns movimentos que vêm de um tempo anterior ou que com ela coincidem: Neo-Realismo, Surrealismo, Poesia Experimental ou, recentemente, o Pós-Modernismo. À margem destes movimentos, vários poetas mais ou menos isolados se … Ler mais | Uma obra essencialmente filosófica que dá conta do aparecimento do pensamento estético em Portugal. |
Volume de ensaios da autoria do professor e ensaísta Fernando Guimarães, em torno da obra de diversos autores portugueses, evidenciando os traços que lhes são comuns. Obra de marcante interesse para uma compreensão alargada das intersecções dos autores românticos na literatura moderna. | Em Mulher recolhe-se a poesia de Fernando Guimarães onde esta palavra, que pode estar presente ou ausente, exprime a comunicação e o encontro que se entreabrem no ser, na existência humana. Tais poemas aproximam-se de uma reflexão – digamos uma ontologia – que vai procurar o sentido que há nessa existência. |
| Plano Nacional de Leitura Livro recomendado para o Ensino Secundário como sugestão de leitura. Na primeira parte do seu novo livro, «Lições de Trevas», Fernando Guimarães procede a um convite à leitura. São poemas sobre como ler um livro, dirigindo-se ao leitor e explicando que a poesia não é tanto … Ler mais |
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INFORMAÇÃO RETIRADA DO «SÍTIO» ESCRITORES.ONLINE