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#2654 - Em Berlim

por Carlos Pereira \foleirices, em 30.10.17

 Fatos Arapi (1930)

 

EM BERLIM

 

Outro modo de andar; outras vozes de chuva aqui.

Não ressoa o bronze do trovão das minhas montanhas

nem regressa o seu eco ensurdecedor

a goçpear-me outra vez e mais outra vez...

Tem um não sei quê o caminho aqui, o voo da chuva...

O calor que sobe do corpo desta mulher molhada,

as pombas em Kurfurstendamm,

igrejas e templos feridos pelas guerras.

Aqui se derrama uma alma imensa, e macia, de chuva,

e cai sobre mim, como sobre uma oliveira verde

que caminha, sentindo como as suas raízes

- como no sul - se enterram para se irem nutrir

entre antigas necrópoles.

 

Fatos Arapi nasceu em Vlorë (Albânia) em 1930.  Licenciado em Economia pela Universidade de Sofia, vive em Tirana, onde é jornalista, prosador e poeta. É considerado um dos poetas mais representativos da Albânia contemporânea

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publicado às 22:43


#2653 - YES -Soon

por Carlos Pereira \foleirices, em 30.10.17

 

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publicado às 21:31


#2652 - Um poema de António Ramos Rosa

por Carlos Pereira \foleirices, em 30.10.17

 

Que a palavra seja um volume ardente e preciosamente nu

e que trema porque o seu centro é obscuro e incerto

e que se perca na sua chama como numa nuvem

que o seu brilho não apague o movimento da sua sombra

e errante se extinga agravando a solidão de um exílio como um país de sangue

Ese for veementemente como uma onda vermelha

que nela perpasse um húmido murmúrio de névoa

Que a argila reverdeça na prateada lama das suas luas de areia

e mais do que tudo o coração e o olvido se reúnam

entre as luzes e as sombras do seu outono de água

Que a fronte se torne alta de terra vento e chama

porque nela o silêncio é a pureza que vibra

sobre o sangue incessante 

Se arder para o corpo do dia que arda para o corpo da noite

Como um arco lentíssimo sobre um espaço de vento e solidão

ou um ouvido solitário de árvore

ela será luminosa harmonia que se esvai

na sua imperfeição de sombra enamorada

e unir-nos-á docemente à sua fugidia sombra

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publicado às 18:35


#2651 - Edições discográficas

por Carlos Pereira \foleirices, em 29.10.17

 

 Vai ser editada a 3 de Novembro próximo uma caixa com 355 discos (entre cd e dvd) e que inclui a integral das edições discográficas lançadas pelo maestro austríaco Herbert Van Karajan (1908-1989) através da etiquetas da Deutsche Grammophon e da Decca.

Karajan foi durante 35 anos maestro na Orquestra Filarmónica de Berlim.

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publicado às 15:05


#2650 - Prémio Literário José Saramago

por Carlos Pereira \foleirices, em 29.10.17

 

Julián Fuks, escritor brasileiro, vence Prémio Literário José Saramago atribuído pela Fundação Círculo de Leitores com o livro "A Resistência" editado pela Companhia das Letras

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publicado às 14:52


#2649 - LIVROS E LEITURAS

por Carlos Pereira \foleirices, em 29.10.17

 Maya Angelou (1928-2014)

 

Figura fundamental da cultura afro-americana e da luta pelos direitos civis nos EUA dos anos 60, ao lado de Martin Luther King e Malcolm X, Maya Angelou (1928-2014) celebrizou-se com a publicação deste primeiro volume autobiográfico, incentivada pelo seu grande amigo e escritor James Baldwin. A sua extensa obra poética – que lhe valeria a nomeação para o Prémio Pulitzer em 1972 – e o activismo social granjearam-lhe um lugar maior na cultura americana. No seu empolgante percurso de vida, da pobreza à consagração, trabalhou em clubes nocturnos como cantora de calipso e, aos 16 anos, foi a primeira revisora negra nos eléctricos de São Francisco. Na sua escrita, nunca deixou de acreditar no direito à sobrevivência num mundo ameaçado pelo ódio. Além da sua extensa autobiografia, é autora de livros de poesia como And Still I Rise (1978) e On the Pulse of Morning (1993).

 

Maya Angelou enfrenta a sua vida com uma admiração tocante e com uma dignidade luminosa. James Baldwin

Grandioso livro de memórias, Sei porque Canta o Pássaro na Gaiola (1969) é uma poética viagem de libertação e um glorioso bater de asas num mundo opressivo. Este relato inspirador da infância e da juventude da autora, nos anos 30 e 40, devolve-nos o olhar de uma extraordinária criança sobre a violência inexplicável do mundo dos adultos e a crueldade do racismo, na procura da dignidade em tempos adversos. Do Arkansas rural às cidades da Califórnia, Maya Angelou traça neste livro um tocante retrato da comunidade negra dos Estados Unidos, durante a segregação, e de uma consciência que, incapaz de se resignar, desperta rumo à emancipação. Um clássico americano que marcou gerações e que conserva toda a sua actualidade.

 

 

Informação retirada do site da Editora Antígona

 

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publicado às 13:56


#2648 - Poema em que dos meus cuidados se trata

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.10.17

 UWE KOLB (17 DE OUTUBRO DE 1957)

 

POEMA EM QUE DOS MEUS CUIDADOS SE TRATA

 

I

O papel do vento no fim do mundo

ainda é desconhecido, mas qundo o crânio descoberto

se ergue nesta atmosfera e o herói abandonado avança

por ruas mais quentes

dominado pelo desejo de chegada,

o caminho torna-se corrida, espera

a alma (qual relógio de quartzo ou de pedra milenária

à discrição e poupado desde aquele primeiro

som próprio),

chamada, exigida e inabalável

afastando o casaco, o cachecol, os sapatos húmidos, palavra

a palavra, tabu a tabu,

descansando, descodificando de onde, de dentro de onde,

para poder inventar -

... as matérias da infância. De facto não se assemelham.

Adulto, ousa aqui, sendo o mesmo,

descoberta e ermitério.

 

2

No meio da corja de eunucos modestos

de desistentes no meio deste povo azul,

pregar a pátria: a consciência

com o nome de dúvida fraterna,

a folha negra, brilhante, que se levanta

como olhar, fala, riso dos

sempre e ainda obrigados a encher frigoríficos.

 

3

Tão minúsculo começa o poema, enfaticamente

asfixia, nada explica além de si próprio,

remetido, como sempre, à sua resistência

às duas supralínguas alemãs,

continua agora arritmicamente (infelizmente, amor)

aterra por fim despedaçado e desviado:

tempo e lugar já não se podem escolher,

são ilha como balão preso

e tudo o que se experimentou em Patmos.

 

Poema de Uwe Kolbe, poeta alemão

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publicado às 19:58

 

É raro um país e uma língua ganharem num só dia quatro poetas maiores. Mas foi precisamente o que ocorreu em Lisboa, no dia 8 de Março de 1914.

 

Fernando António Nogueira Pessoa nasceu nessa capital recatada e algo melancólica a 13 de Junho de 1888. O exército, o funcionalismo público e a música figuravam já na história familiar. Em Janeiro de 1894, após a morte do pai e do irmão bebé, Pessoa começa a inventar "heterónimos" - pessoas imaginárias com as quais povoa um "teatro íntimo do ser". São seis anos de correspondência trocada com um interlocutor fictício. A mãe volta a casar e a família muda-se para Durban, na África do Sul. É na província do Natal que surge um tal Alexander Search, personagem idealizada, para quem Pessoa inventa uma biografia de traça um horóscopo; e é sob esse nome duma transparência calma que ele escreve em inglês poesia e prosa.  Seguir-se-ão mais setenta e duas personagens à procura de autor. De início, escrevem na linha de Shelley e Keats, de Carlyle, Tennyson e Browning.

 

Em 1905, o jovem empresário de eus volta a Lisboa, para logo abandonar a universidade e se tornar autodidacta. Até ao fim dos seus dias, Pessoa trabalha no comércio em part-time e ganha modestamente a vida; correspondente de línguas estrangeiras, traduz e escreve cartas em francês e inglês. Faz também, esporadicamente, traduções para uma antologia literária. Esta existência marginal e autónoma liga Pessoa a outros mestres da modernidade urbana, tais como Joyce, Svevo (Trieste e Lisboa têm em comum um certo brilho espiritual) e, em certa medida, Kafka. Até 1909, a poesia atribuída a Alexander Search prossegue em inglês, à excepção de seis sonetos portugueses. 1912 é o ano de mudança. Pessoa envolve-se nos numerosos círculos literários, estéticos, políticos e morais, bem como em tertúlias e publicações efémeras que emergem da profunda crise social que Portugal atravessa. (Num ano emigram setenta e sete mil pessoas.) A vida privada de Pessoa - em que alternam o mundo do Café Lisboa e a solidão radical - encontra expressão no muito particular Livro do Desassossego e no primeiro rascunho de um longo poema inglês. A desintegração numa incandescência quádrupla dá-se nesse dia de Março de 1914 e continua a ser um dos fenónemos mais notáveis da literatura.

 

Relembrando a ocorrência (em carta de 1935), Pessoa refere-se  a "uma espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir... Aparecera em  mim o meu mestre". Alberto Caeiro escreve trinta e tal poemas a uma velocidade impressionante. Estes são "imediata e totalmente" seguidos por seis poemas de um tal Fernando Pessoa. Mas Caeiro não aparece sozinho. Tem dois discípulos principais e um é Ricardo Reis:

 

"E, de repente, em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a "Ode Triunfal" de Álvaro de Campos - a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.

 

Criei, então, uma coterie inexistente. Fiz aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa"

 

Pseudónimos, noms de plume, obras anónimas e toda a espécie de disfarces retóricos são tão velhos como a literatura. Os motivos são os mais variados. Vão da escrita política clandestina à pornografia, da ocultação jocosa aos graves desiquilíbrios de personalidade. O secret sharer (familiar em Conrad), o "duplo" aprovativo ou ameaçador é motivo recorrente - a prová-lo estão Dostoievsky, Robert Louis Stevenson e Borges. Assim também o tema, velho como o rapsodo homérico, da poesia "ditada" pela investida directa e literal das musas, que o mesmo é dizer pelas vozes dos deuses e defuntos. Neste sentido de "inspiração", de "ser escrito em vez de escrever", as técnicas da escrita automática antecedem em muito o surrealismo. Um número considerável de grandes escritores viraram positivamente as costas a si próprios, às obras e aos estilos da juventude, a ponto de quererem destruí-los. A multiplicidade (ou o ego tornado legião) pode ter um carácter festivo, como Whitman, ou auto-irónico e sombrio, como em Kierkegaard. Há disfarces e imitações que nem o estudo mais rigoroso alguma vez detecta. Simenon não conseguia lembrar quantos romances concebera, nem os antigos e múltiplos pseudónimos. Já com muita idade, o pintor de Chirico irrompia vociferando pelas galerias e museus, aterrorizando os que o ouviam declarar que eram falsos quadros famosos desde sempre conhecidos como seus. Fazia-o porque tinham deixado de lhe agradar ou porque já não se reconhecia neles? Como proclamava Rimbaud, ao instaurar a modernidade: 'Je' est un autre. 'Eu' é um outro.

 

Todavia, o caso Pessoa continua a ser  sui generis. Não tem paralelo, e não só pela estrutura quádrupla mas devido à diferença nítida entre as quatro vozes. Cada uma tem físico e biografia próprios, pormenorizados. Caeiro é louro, sem cor e de olhos azuis. Reis tem pele escura e mate, e "Campos, entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao  lado, monóculo", como nos diz Pessoa. Caeiro mal frequentou a escola e não trabalha, vive de um pequeno rendimento. Reis é médico, foi educado pelos Jesuítas e, devido às suas covicções monárquicas, auto-exila-se no Brasil. Campos é latinista e engenheiro naval. As suas inter-relações, tanto literárias como temperamentais, são de uma opacidade e finura jamesianas, como o são os diferentes tipos de afinidade com o próprio Pessoa. O Caeiro de Pessoa produz poesia impulso espontâneo, imediato. A obra de Ricardo Reis é fruto de uma decisão quase analítica e abstracta. As afinidades com Campos são as mais obscuras e complexas. "É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu, menos o raciocínio e a afectividade". A linguagem de Campos é muito parecida com a de Pessoa; Caieiro tem um português descuidado e às vezes incorrecto; ao passo que Reis é um purista, cujo idioma por vezes rebuscado Pessoa considera um exagero. E faz uma observação muito interessante: é a prosa de Reis e de Campos que lhe é mais difícil "simular". A poesia dos heterónimos, porque mais espontânea, é de composição mais fácil.

 

Na introdução à belíssima antologia A Centenary Pessoa (Carcanet), editada por Eugénio Lisboa e L. C. Taylor, Octavio Paz explora o tema do labirinto. Vê Caeiro, Reis e Campos como "os protagonistas de um romance que Pessoa nunca escreveu". Mas Pessoa "não é um inventor de personagens poéticas, é um criador de obras poéticas", afirma Paz. "A diferença é crucial." As biografias imaginárias, as anedotas e o "realismo mágico" do contexto histórico, político e social em que cada uma das máscaras se desenvolve acompanham e esclarecem os textos. É uma autonomia enigmática, que  faz com que Reis e Campos cheguem a tratar Fernando Pessoa com condescendência ou ironia. Por sua vez Alberto Caeiro, como já vimos, é o mestre cuja autoridade brusca e rasgo criador desencadeiam toda a construção dramática. Paz distingue com perspicácia o que anima estes espíritos.

 

Caeiro é agnóstico e quer anular a morte negando a consciência. Tem uma posição de paganismo existencial. Há nos seus escritos e na sua persona vestígios da calma e da sagacidade orientais. A sua fraqueza, adianta Paz, consiste na obscuridade e insignificância da experiência que diz personificar. Morre novo. Como Caeiro, Campos pratica o verso livre e procede com tanta irreverência face ao português corrente como ao clássico. Ambos são pessimistas, amantes da realidade concreta. Mas enquanto Caeiro é um inocente, que cultiva a tamperança filosófica e o recolhimento, Campos é um dandy exótico. Mais uma vez, é Paz quem explica de maneira incisiva: "Caeiro pergunta a si próprio: o que sou eu? Campos: quem sou eu?" Para Campos, a pergunta quase soçobra sob o clamor da máquina, sob o uivo da tecnologia moderna na fábrica e nas ruas da moderna metrópole. Tendo no início declarado que a sensação é a única realidade. Campos acaba por interrogar-se sobre a sua própria realidade (o que é irónico, se pensarmos no primeiro e mais célebre poema, a "Ode Triunfal").

 

Ricardo Reis é o mais complexo de todos os disfarces.

 

Asceta, tem predilecção pelos géneros neoclássicos extremamente elaborados, como o epigrama, a elegia e a ode. É essa combinação raríssima de estóico e esteta (não haverá aqui um eco de Walter Peter?) que, na perfeição técnica dos poemas curtos, busca a reconciliação tranquila com o destino. Pessoa chama a atenção para as obras inéditas de Reis. Estas incluem "Um Debate Estético Entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos" e notas críticas sobre Caeiro e Campos, que Pessoa caractriza como modelos de precisão verbal e desacerto estético. (São tão fantasticamente tortuosos o labirinto de Pessoa e a sua câmara de espelhos que, em comparação, até mesmo Borges ou Paz - qualquer um deles mestre em labirintos - parecem rectilíneos.) E aquele que movimenta as marionetas (passe a comparação grosseira)? Octavio Paz tem dele uma visão essencialmente ausente

 

     Não vai nunca aparecer: não existe esse outro.

     O que aparece mesmo e se insinua, a alteridade que

     não tem nome, o que náo é dito e as nossas pobres

     palavras invocam... Será a poesia? Não: a poesia é

     o que fica e nos consola, é a consciência das

     ausências. É de novo, quase imperceptível, um rumor 

    de  alguma coisa: Pessoa ou a iminência do

     desconhecido.

 

Paz traça de Pessoa uma silhueta que, sendo um adeus subtil, corre o risco de obscurecer um facto central. Do jogo de espectros da heteronímia emerge uma poesia vigorosa. Muito justamente, Pessoa figura na lista sugestiva (embora algo juvenil) das vinte e seis figuras principais "do cânone ocidental".

 

O português é uma língua resistente. Pertencendo embora à família das línguas românticas, as guturais dão-lhe um tom eslavo. Além disso, e à falta de tradução adequada para inglês dos Lusíadas de Camões - o grande épico das explorações e do trágico império - para a grande maioria a literatura portuguesa (que, evidentemente, inclui a do Brasil) continua desconhecida. O que nos torna ainda mais gratos a Keith Bosley, pela selecção e tradução dos quatro poetas. Primeiro a voz de Pessoa: "Não sei quem me sonho..."; "Ditosos a quem acena / Um lenço de despedida!"; "Dá a surpresa de ser." Ou o característico "O mais do que isto / É Jesus Cristo, / Que não sabia nada de finanças / Nem consta que tivesse biblioteca..."

 

Há o registo nebuloso e irónico, com o constante apelo ao mar, a um Portugal quase solto das amarras europeias:

 

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

 

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

 

Ouvimos em seguida a sensualidade filosófica de Caeiro:

 

Não me importo com as rimas. Raras vezes

Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.

Penso e escrevo como as flores têm cor

Mas com menos perfeição no meu modo de esprimir-me

Porque me falta a simplicidade divina

De ser todo só o meu exterior.

 

Há versos de uma concisão inesquecível (em que algo parece lembrar Emily Dickinson): "Li hoje quase duas páginas / Do livro dum poeta místico. / E ri como quem tem chorado muito." Caeiro saúda o transitório. Para ele "a recordação é uma traição à natureza", ela própria sempre em mudança. Pede aos pássaros que, no voo, lhe ensinem a arte de passar sem deixar rasto. A busca da unidade, das verdades absolutas - esse modelo platónico tão peremptório na poesia ocidental - é meramente "uma doença das nossas ideias". As reflexões de Caeiro sobre a morte e a realidade póstuma denotam um estranho orgulho, porque ele foi "gentio como o sol e a água" e deu-lhe por fim "o sono como a qualquer criança".

 

Ricardo Reis é totalmente diferente: rato de biblioteca, médico, conhecedor da mitologia antiga e criador de elaboradas formas métricas e de um estilo de alto funcionário. Por vezes, uma versão mais austera de Swinbum e Gautier, ao escutar e ao reproduzir "O ritmo antigo que há em pés descalços, / Esse ritmo das ninfas repetido." Um esteta fin-de-siècle que prefere  "rosas à pátria" e vê em  Cristo "um deus a mais no eterno". Mas também o lírico capaz dum raro fulgor epigramático, que já encontráramos em Walter Savage Landor (talvez o  verdadeiro modelo de Reis):

 

     Quando, Lídia , vier  o nosso outono

     Com o inverno que há nele, reservemos

     Um pensamento, não para a futura

     Primavera, que é de outrem,

     Nem para o estio, de quem somos mortos,

     Senão para o que fica do que passa - 

     O amarelo actual que as folhas vivem

     E as torna difererentes.

 

Campos é o retórico loquaz, o bardo na mais alta acepção. Mas sabe rir de si próprio com gosto e com audácia. A "Ode Triunfal" pode bem emparelhar com "The Bridge" de Hart Crane, enquanto texto-chave da paisagem  industrial moderna. "Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hó la foule!" Como a robusta democracia de Campos deve ter chocado o Pessoa espiritual e delicado! E como deve ter assustado Reis, o helenista evasivo e vitoriano!

 

     Ah,  e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,

     Que emprega  palavrões como palavras usuais,

     Cujos filhos roubam às portas das mercearias

     E cujas filhas aos oito anos - eu acho isto belo e amo-o! -

     Masturbam homens de aspecto decente nos vãos 

     de escada.

 

A "Tabacaria" é um dos poemas mais famosos  de língua portuguesa. (Pessoa era um fumador convicto.) Não é cinismo, é antes uma espécie de desencanto exaltado o que faz a pequena "comer chocolates", pois, "não há mais metafísica no mundo senão chocolates", e o poeta vê o papel de prata "no chão, como tenho deitado a vida". Visto que "toda a gente sabe como as grandes constipações / Alteram todo o sistema do universo". E fazem espirrar até à metafísica", o poeta só aconselha um remédio: "Preciso de vedade e da aspirina." Hazlitt fala com reverência de uma sensibilidade capaz de imaginar e articular um lago e uma Cordélia. Não é menos surpreendente, em toda a sua extensão, o alternar de vozes e temperamentos de Pessoa, a multidão que dele sai.

 

Este tributo  pelo centésimo aniversário, belamente ilustrado, oferece-nos extractos reprersentativos da prosa de Pessoa, bem como crítica, esboços biográficos e documentos. "Fausto", o extenso drama filosófico, é que foi omitido. Pessoa começou a trabalhar nessa suma em 1908 e - à semelhança de Goethe - continuou-a até 1933. Há críticos, nomeadamente em França, que a consideram uma obra-chave, um arquipélago ainda por descobrir. Os editores incluíram duas entrevistas póstumas, imáginárias, das quais até mesmo a melhor parece tê-los traído. O Ano da Morte de Ricardo Reis", de José Saramago que, em 1991, foi traduzido para inglês por Giovanni Pontiero, é um dos maiores romances da literatura europeia recente. Fala do regresso de Ricardo Reis do Brasil, de eros e fascismo em Lisboa e do encontro de Reis com o seu defunto progenitor. Nada de tão apurado se escreveu sobre Pessoa e seus tons contraditórios. Nas palavras de Fernando Pessoa:

 

     Se as coisas são estilhaços

     Do saber do universo,

     Seja eu os meus pedaços,

     impreciso e diverso

 

Foi e não foi.

 

Texto de George Steiner publicado no "The New Yorker" em 8 de Janeiro de 1996 e traduzido por Helena Cardoso para a Revista Tabacaria, número um, Verão de 1996, páginas 46, 47, 48 e 49

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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#2646 - GREGOR ST JOHN - No More War

por Carlos Pereira \foleirices, em 25.10.17

 

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publicado às 18:24


#2645 - Efemérides

por Carlos Pereira \foleirices, em 23.10.17

 Nascimento de Pierre Larousse, que foi pedagogo, editor e enciclopedista

Nascimento23 de outubro de 1817, Toucy, França
Falecimento3 de janeiro de 1875, Paris, França
 
 

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#2644 - Vírgula

por Carlos Pereira \foleirices, em 23.10.17

 ANTÓNIO MARIA LISBOA

Nascimento1 de agosto de 1928, Lisboa
Falecimento11 de novembro de 1953, Lisboa

 

Vírgula

Eu menino às onze horas e trinta minutos 
a procurar o dia em que não te fale 
feito de resistências e ameaças — Este mundo 
compreende tanto no meio em que vive 
tanto no que devemos pensar. 

A experiência o contrário da raiz originária aliás 
demasiado formal para que se possa acreditar 
no mais rigoroso sentido da palavra. 

Tanta metafísica eu e tu 
que já não acreditamos como antes 
diferentes daquilo que entendem os filósofos 
— constitui uma realidade 
que não consegue dominar (nem ele próprio) 
as forças primitivas 
quando já se tem pretendido ordens à vida humana 
em conflito com outras surge agora 
a necessidade dos Oásis Perdidos. 

E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo 
e a custo na imensidão da desordem 
a que terão de ser constantemente arrancadas 
— são da máxima importância as Velhas Concepções pois 
a cada momento corremos grandes riscos 
desconcertantes e de sinistra estranheza. 

Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida. 
E abstraindo dos versos que neste poema se referem ao mundo humano 
vemos que ninguém até hoje se apossou do homem 
como o frágil véu que nos separa vedados e proibidos. 
 
 
POEMA DE ANTÓNIO MARIA LISBOA IN POESIA DE ANTÓNIO MARIA LISBOA, ASSÍRIO & ALVIM

 

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#2643 - Paixão de Hermes

por Carlos Pereira \foleirices, em 23.10.17

tabacaria 1026.jpg

 TABACARIA - N.º UM | VERÃO - 1996

 

 ÀNGEL CRESPO

Falecimento12 de dezembro de 1995, Barcelona, Espanha
 
 
PAIXÃO DE HERMES
 
Unicamente o fogo pode unir
sabedoria e ignorância
e fundi-las num novo metal
que resista à lembrança e ao esquecimento:
um íman que igualmente atrai
plenitude e carência,
feito das quatro estações.
 
Morte é o fogo para quem o ignora,
esquecimento para quem o teme,
cadeia para quem lhe foge
- e, em troca, é liberdade para quem oferece
à sua brasa e suas línguas
quanto dúvida se é
pura sabedoria ou sua ignorância.
 
POEMA DE ÀNGEL CRESPO TRADUZIDO POR JOSÉ BENTO

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#2642 - Os adágios das Sinfonias n.ºs 4, 5, 6 e 9 de Gustav Mahler

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.10.17

 

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#2641 - Surma (Débora Umbelino) - Maasai

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.10.17

 

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#2640 - Efemérides

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.10.17

 

Thomas Edison  inventa em 1879 a lâmpada elétrica

 

Nascimento de Alfred Nobel (1833-1896)

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#2639 - João Pinto Coelho venceu Prémio Leya 2017

por Carlos Pereira \foleirices, em 20.10.17

 João Pinto Coelho com o livro "Os loucos da rua Mazur" foi o vencedor do Prémio Leya 2017.

João Pinto Coelho nasceu em Londres em 1967. Licenciou-se em Arquitetura em 1992 e viveu a maior parte da sua vida em Lisboa. Passou diversas temporadas nos Estados Unidos, onde chegou a trabalhar num teatro profissional perto de Nova Iorque e dos cenários que evoca neste romance. Em 2009 e 2011 integrou duas ações do Conselho da Europa que tiveram lugar em Auschwitz (Oswiécim), na Polónia, trabalhando de perto com diversos investigadores sobre o Holocausto. No mesmo período, concebeu e implementou o projeto Auschwitz in 1st Per-son/A Letter to Meir Berkovich, que juntou jovens portugueses e polacos e que o levou uma vez mais à Polónia, às ruas de Oswiécim e aos campos de concentração e extermínio. A esse propósito tem realizado diversas intervenções públicas, uma das quais, como orador, na conferência internacional Portugal e o Holocausto, que teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, em 2012. Perguntem a Sarah Gross é o seu primeiro romance.

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#2638 - Efemérides

por Carlos Pereira \foleirices, em 20.10.17

 Nascimento de John Dewey (1859-1952) 

 

John Dewey foi um filósofo, pedagogo e pedagogista norte-americano. É considerado o expoente máximo da escola progressiva norte-americana.

 

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 Joáo de Barros (1496-1570)

 

Morre João de Barros.

 

João de Barros, por Elisabeta Mariotto

 

 João de Barros
 

Retrato de João de Barros, inDécadas da Ásia, Lisboa, Ed. de 1777-1778.

Acredita-se que João de Barros tenha nascido em Viseu, em 1496. No entanto, não existe prova histórica que comprove a data e o local do seu nascimento. Filho de um nobre, Lopo de Barros, teve a sua entrada facilitada na corte de D. Manuel I. Tornou-se, ainda jovem, servidor do Paço Real e "moço do guarda-roupa" do então príncipe D. João III. Reconhecendo a capacidade do jovem, D. João III, logo que subiu ao trono, em 1521, concedeu a Barros o cargo de capitão da fortaleza de São Jorge da Mina, em África. No ano a seguir à sua nomeação, João de Barros partiu para assumir o seu posto, em África. Em 1525, já em Lisboa, foi nomeado tesoureiro da Casa das Índias, função que cumpriu durante três anos. Aquando da propagação da peste negra, em 1530, refugiou-se na sua quinta, em Ribeira de Alitém, próximo a Pombal. Regressou a Lisboa dois anos mais tarde, quando foi designado pelo rei para feitor da Casa das Índias e da Mina, uma posição de grande destaque e responsabilidade. João de Barros mostrou-se um administrador comprometido e honesto, algo raro para a época. Como resultado do reconhecimento do seu trabalho, recebeu de D. João III, em 1535, duas capitanias hereditárias no Brasil, no âmbito da política de fixação dos colonos no novo mundo. Construiu, com recursos próprios, uma armada de dez navios e novecentos homens, que partiram para o novo continente quatro anos mais tarde. No entanto, a expedição não foi bem-sucedida e não atingiu o objetivo pretendido. Demonstrando uma grande honestidade e um grande carácter, João de Barros arcou com as despesas daqueles que faleceram na expedição, indemnizando as famílias dos falecidos, o que resultaria na contração de uma grande dívida, com a qual teve que lidar por toda a sua vida.

 

 

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publicado às 19:42

 Ana Margarida de Carvalho com o livro "Não se pode morar nos olhos de um gato" foi o vencedor do Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores. A escritora é, também, finalista do Prémio Oceanos, do Brasil, com este livro.

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publicado às 17:48


#2636 - FOLIO - Festival Literário Internacional de Óbidos

por Carlos Pereira \foleirices, em 19.10.17

VER PROGRAMAÇÃO AQUI»»»»

 

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publicado às 17:39


#2635 - Tu, Lisboa. Você, Lisboa. Senhora Dona Lisboa.

por Carlos Pereira \foleirices, em 18.10.17

 Antonio Tabucchi (1943-2012)

 

"No que se refere a formas de tratamento, meu caro Cardoso Pires, a tua bela língua possui um número considerável delas, para desconcerto do turista optimista que aterra no aeroporto de Lisboa munido do tranquilizador | Speak Portuguese, e para pânico do aprendiz cheio de boa vontade que tenha feito o curso linguafone  O Português em 4 Semanas.

 

Um número tão considerável que - assegurava o linguista Luis Lindley Cintra, teu companheiro de oposição àquele Salazar que parecia imortal (e que, em tempo de bocas e canetas amordaçadas, tu imortalizaste deveras, tornando-o o fóssil protagonista da tua "fábula" Dinossauro Excelentíssimo) - não deixa a tua língua ficar atrás de nenhuma outra na Europa, parecendo que, no mundo, só o fica do japonês. Bem pode dizê-lo uma  pessoa como eu que um dia, com a arrogância aprendida no manual de gramática e convencido que o Você (que na minha língua é o Lei) servia para todas as ocasiões, afrontou candidamente a infinita babel hierárquica das formas de tratamento que o português prevê. E aconteceu-lhe ouvir um miúdo da rua que, a jogar à bola no adro de uma igreja de Alfama, reagiu deste modo para com o seu companheiro de jogo demasiado individualista: "Você devia ter-me passado a bola, seu palerma!" * Ou aconteceu-lhe escutar, numa educadíssima discussão conjugal de um casal pequeno-burguês, a seguinte pérola linguística pronunciada pelo marido empertigado: "A menina tenha paciência, mas não estou de acordo consigo". * Ou ainda uma senhora de certo tom que, chamada apenas "Dona Josefa"  e não "Senhora Dona Josefa" como a sua classe exigia, considerou o pobre visitante estrangeiro um verdadeiro troglodita.

 

Isto para não falar de quando nas formas de tratamento, para complicar as coisas, se insinua o sub-reptício diminutivo, de uso muito frequente e com as nuances mais insuspeitáveis que podem significar ternura, familiaridade, confidência, mas também, em certos casos, inferioridade hierárquica e atenções servis para com o superior. Eis uma frase pronunciada durante a não remota guerra de África entre Portugal e as suas "Províncias Ultramarinas" Angola e Moçambique. Contou-ma o antropólogo e escritor José Cutileiro, alto funcionário da União Europeia em Bruxelas, onde certamente é confortado pelo uso de "Vous" da Revolução Francesa e pelo "You" dos pragmáticos albiões. A personagem era neste caso um cabo,e  o destinatário era neste caso um cabo, e o destinatário o oficial da companhia: "Meu capitão, a metralhadorazinha

está prontinha". * E o capitão, graças àqueles diminutivos, percebeu imediatamente que podia contar em absoluto com aquele cabo:  ele estava completamente ao seu serviço.

 

Vá-se lá saber como se safou o snobíssimo Beckford, refugiado na Lusitânia a chular a aristocracia portuguesa da época (à qual, aliás, reservou um desprezo arrogante, como revela o seu diário), que de certeza com o seu insuficiente "You" deve ter cometido gaffes vergonhosas. Dá-me mais prazer em Fielding, a quem aconteceu passar por Lisboa e lá morrer (repousando agora no Cemitério Monumental), e cuja ironia atenta às matizes linguísticas das classes sociais o guiou provavelmente no labirinto das formas de tratamento.

 

Formas de tratamento, Lisboa. Como bem sabes, meu caro José (aliás recorda-lo afectuosamente neste Livro de Bordo), também eu deambulei pela ponte da nau "Lisboa": não só com os pés, mas sobretudo com os passos da fantasia, das impressões, das sensações e das recordações. Aquele meu percurso bastante ilógico, que preferi chamar "uma alucinação", tornou-se um livro intitulado Requiem, que escrevi na tua língua. Não tanto por capricho, mas porque, para falar de Lisboa (e para a viver), o português impôs-se. Talvez isso tenha sido a minha maneira de lhe prestar homenagem. E no entanto não tive a coragem de a interpelar, de encontrar uma das muitas formas de tratamento para dizer: Lisboa. Eu, toscano da minha Toscana marítima, que me apaixonei por ela quando era jovem e ela uma senhora de certa idade, aprendendo com  esforço os sons por vezes roucos e por vezes de sereia que tão bem descreves neste teu livro, não sabia de que maneira devia  dirigir-me a ela. Excelentíssima Senhora Dona Lisboa? Querida Dona Lisboa? Minha Amiga Lisboa? E que pronome  pessoal usar? No embaraço da escolha, desisti.

 

Mas tu tratas Lisboa por tu, e podes bem fazê-lo. É a tua companheira. E como uma abelha visitas o seu cálice. E é por isso que a sua flor continua a florir através dos séculos na literatura portuguesa: porque há escritores e artistas como tu, que não se lembram dela apenas quando está na mó de cima, mas também nos momentos mais obscuros da sua existência, que tu atravessaste com ela.

 

Seco, sonoro como o estalido de uma vela, assim é o estilo deste teu livro de bordo, bem longe daquela escrita colorida que, revestindo de roupa reciclada um certo "realismo mágico" de boa memória, procura o sucesso fácil descrevendo Portugal como um país sul-americano da operetta, graças ao "pitoresco" que tanto agrada no estrangeiro (Portugal is different).

 

E agora fazes levantar âncora à "tua" Lisboa como um veleiro do qual és ao mesmo tempo piloto e escrivão de bordo. Porque é verdade que a tua cidade, "pousada no Tejo como uma cidade que navega", em outros tempos fez-se ao mar e penetrou nos oceanos, à aventura. E contornou Áfricas, visitou Índias e Malacas, descobriu Brasis. Em suma, "por mares nunca dantes navegados", como diz Camões, levou a Europa ao mundo e o mundo à Europa.

 

Mas nesta Lisboa também eu quero embarcar, mesmo que seja com uma tarefa humilde que no entanto me agrada: a de grumete a polir os latões.

 

Se não te importas, vou pois subir contigo para este veleiro que aparentemente está ancorado, mas que todavia viaja, viaja.

 

Texto de Antonio Tabucchi traduzido por M.C.Loureiro. Este texto foi escrito como prefácio às edições italiana e alemã do livro de José Cardoso Pires intitulado Lisboa, Livro de Bordo.

Este texto foi publicado na Revista Tabacaria da Casa Fernando Pessoa, número cinco-Inverno 1997, páginas 3, 4 e 5.

 

 

 

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publicado às 21:54


#2634 - A última entrevista de Vinicius de Moraes

por Carlos Pereira \foleirices, em 18.10.17

 

 

O poeta e compositor morreu alguns meses depois de ter concedido a entrevista ao jornalista Narceu de Almeida Filho, em 1979

Quando o jornalista Narceu de Almeida Filho bateu este longo papo com Vinicius de Moraes, em sua casa, bem situada numa tranquila rua da Gávea, no Rio de Janeiro, não poderia imaginar que, no momento da edição da entrevista, o Poetinha já não existisse mais. Vinicius estava todo animado, layout novo, de cabelos cortados, barba raspada, vestido elegantemente e sem o seu famoso boné que o acompanhou durante muitos anos. Havia emagrecido vários quilos e abandonado temporariamente as excursões musicais para dedicar-se, novamente, à poesia. Poeta do amor, Vinicius estava ainda em lua-de-mel com sua mulher, Gilda, a quem conheceu na Europa, onde ela estudava. Entre pilhas de livros, discos, um violão, dois conjuntos de som e objetos de arte, ele falava de seu objetivo maior no momento — “fazer feliz essa moça” — e olhava, apaixonadamente, para a mulher sentada ao seu lado. A entrevista foi publicada no livro “As Entrevistas de Ele Ela”, editora Bloch.

 

Vinicius, você andou meio desaparecido, ultimamente, viajando muito. Como você está agora?

 

E agora você entra em férias para trabalhar?

Quais os livros?

Esses dois livros que você vai publicar serão, em termos de poesia, a sua palavra final?

 

Você tem algum método de trabalho permanente, periódico, ou escreve somente quando baixa a inspiração?

 

Você ficou famoso como poeta muito cedo, antes dos 20 anos, não foi?

 

 

 

 

Post retirado da Revista Bula 

 

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publicado às 18:14


#2633 - Leyland Kirby - My Dream Contained A Star

por Carlos Pereira \foleirices, em 18.10.17

 

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publicado às 18:01


#2632 - Efemérides

por Carlos Pereira \foleirices, em 18.10.17

Hoje, 18 de Outubro, é o dia de S. Lucas.

 

________________________________

 

A 18 de Outubro de 1909 nasceu na cidade de Turim Norberto Bobbio (1909-2004).

 Formado em Filosofia e Direito, foi professor universitário e jornalista, filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e senador vitalício. Morreu na cidade de Turim no dia 9 de Janeiro de 2004.

 

 

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publicado às 17:42

 

 

Lincoln in the Bardo wins 2017 Man Booker Prize

Lincoln in the Bardo by George Saunders is named winner of the 2017 Man Booker Prize for Fiction. Lincoln in the Bardo is the first full-length novel from George Saunders, internationally renowned short story writer.

The 58-year-old New York resident, born in Texas, is the second American author to win the prize in its 49-year history. He was in contention for the prize with two British, one British-Pakistani and two American writers.

 Lincoln no Bardo é o primeiro romance de George Saunders. Nestas páginas, o autor revela-nos o seu trabalho mais original, transcendente e comovedor. A acção desenrola-se num cemitério e, durante apenas uma noite, a história é-nos narrada por um coro de vozes, que fazem deste livro uma experiência impar que apenas George Saunders nos conseguiria dar.


Ousado na estrutura, generoso e profundamente interessado nos sentimentos, Lincoln no Bardo é uma prova de que a ficção pode falar sobre as coisas que realmente nos interessam. Saunders inventou uma nova forma narrativa, caledoscópica e teatral, entoada ao som de diferentes vozes, de modo a fazer-nos uma pergunta profunda e intemporal: como podemos viver e amar sabendo que tudo o que amamos tem um fim?

 Informação  relacionada com o livro vencedor retirada da página do editor em Portugal (RELÓGIO D'ÁGUA)

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publicado às 22:42


#2630 - Tragicamente, Portugal

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.10.17

 

Adormeci.

Já não acordei:

Sou apenas um monte de cinzas

que o vento ardente espalha pela

terra onde nasci,

fui feliz,

chorei,

e... morri.

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publicado às 19:01


#2629 - HONRE-SE OS MORTOS, RESPEITE-SE OS SOBREVIVENTES

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.10.17

FOTOGRAFIA DE PAULO NOVAIS PARA A LUSA

 

Os partidos da oposição que se calem porque já foram poder e nada fizeram;

Digamos não às palavras e discursos de circunstância;

Tenhamos pudor e respeitemos e honremos os que morreram;

Castigue-se os culpados. Se houver responsabilidades políticas que estes sejam banidos para sempre do exercício de qualquer cargo político e administrativo;

Não às festinhas de "solidariedade" que servem apenas para aliviar as nossas más consciências;

Não às declarações piedosas onde se verte uma lágrima de crocodilo;

 

Curvemo-nos silenciosamente e respeitosamente e honremos os mortos e todos os sobreviventes e, por causa deles, mudar atitudes, comportamentos, políticas.

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publicado às 18:23


#2628 - Portugal, um país em chamas

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.10.17

 A aparente resignação e derrota de um homem que perdeu tudo;  a brutalidade de um drama que se repete todos os anos, que destrói, rouba e mata.

A força  de uma fotografia que mostra, também, a enorme dignidade de um homem perante a desgraça.

 

Fotografia de Adriano Miranda, Jornal Público

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publicado às 14:53


#2627 - Giovanni Battista Pergolesi "Stabat Mater"(1736)

por Carlos Pereira \foleirices, em 16.10.17

 

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publicado às 23:11


#2626 - Efemérides

por Carlos Pereira \foleirices, em 16.10.17

16 de Outubro - Dia Mundial da Alimentação.

 

16 de Outubro de 2002 - Inauguração da nova Biblioteca de Alexandria

 

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publicado às 22:28

 

 

Depois de Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, Agustina Bessa-Luís, Mia Couto, António Lobo Antunes, Mário de Carvalho, Lídia Jorge, Mário Cláudio e Alice Vieira é agora a vez de destacar a vida e a obra de Miguel Sousa Tavares.

 
Miguel Sousa Tavares, jornalista português, escritor e autor do romance português mais vendido no século XXI, será o homenageado da próxima edição do Escritaria.
 
A 10.ª edição do Festival Literário vai decorrer de 20 a 22 de outubro, sendo que a partir de dia 16 de outubro decorre uma grande feira do livro com diversas apresentações de livros e uma forte aposta na memória de edições passadas, onde marcaram presença grandes nomes da Literatura Portuguesa contemporânea. Do programa constam, ainda, exposições, teatro de rua, música, momentos de leitura, lançamento de livros e objetos que contaminam uma cidade inteira e que prometem interagir com leitores e transeuntes que vão nesta edição ser confrontados com novas experiências.
 
Miguel Sousa Tavares, filho da poetisa Sophia de Mello Breyner e do advogado e jornalista Francisco de Sousa Tavares, exerceu advocacia antes de se dedicar exclusivamente ao jornalismo.
 
Estreou-se na ficção com “Não te deixarei morrer David Crockett" (2001), constituído por um conjunto de contos e textos dispersos. Em 2003, publicou o seu primeiro romance, “Equador”, que vendeu mais de 400.000 exemplares em Portugal, traduzido em 12 línguas e editado em cerca de 30 países e adaptado para televisão, em Portugal e no Brasil.
 
Ao longo de 20 anos, Miguel Sousa Tavares tem 16 livros editados com mais de 1 milhão de exemplares vendidos.
 
Dez anos. Dez edições do Escritaria. Dez grandes nomes da literatura, num festival que mantém a tónica em homenagear um escritor de língua portuguesa, vivo, e de transformar, durante vários dias, Penafiel na cidade do Escritor(a) a homenagear.


     Consulte o Programa Completo do Escritaria 2017

 

Post retirado do "site" da Câmara Municipal de Penafiel
 

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publicado às 17:05

António Lobo Antunes
 

Avô

 Aqui de cima, tão alto sobre a Penitenciária, converso com ele, a quem o facto de eu passar muito tempo a escrever e a ler intrigava e inquietava, oiço-o, respondo-lhe, comentamos os falcões. Esteve preso lá em baixo por ter feito parte da revolta monárquica de Monsanto, onde o seu comportamento foi heróico e pagou bem caro por isso. Mas jamais o ouvi queixar-se fosse do que fosse

Ilustração: Susa Monteiro

O compartimento onde escrevo, um andar muito alto sobre as traseiras da Penitenciária, de onde vejo até falcões que passam de quando em quando com um rato nas unhas, falcões, andorinhas, gaivotas, outros pássaros, traz-me todos os dias à memória o pai do meu pai, que se chamava António Lobo Antunes e esteve uns bons tempos preso aqui. Morreu pouco depois de eu fazer dezoito anos e desde então não houve um só dia sem me lembrar dele, pelo muito amor que continuo a ter-lhe. Foi a pessoa central da minha infância, é uma das duas ou três pessoas essenciais da minha vida. Imagino-o ali de novo, nesta prisão enorme, recordo-me do meu pai contar as visitas que lhe fazia em pequeno, de mão dada com a minha avó grávida, que o trazia aqui a ele e à irmã que nasceu a seguir a ele, recordo-me do meu pai contar o medo que sentia nesta cadeia enorme, cheia de homens e ecos. Às vezes oiço as vozes dos condenados lá em baixo, durante o recreio e, sem dar por isso, não, e, dando por isso, imagino o meu avô entre eles, a sorrir-me aquele sorriso tão bonito que era o seu, um homem grande, muito forte, extraordinariamente belo e terno, que tinha por mim um amor ilimitado, que me fazia tantas festas, até na rua, e eu cheio de vergonha, a pensar

– Vão achar que somos maricas

já parvo, claro, incomodado, aflito. A minha mãe contava que uma vez, de manhã muito cedo, telefonaram ao meu pai para ele dizer que o tio João, o irmão mais velho do meu avô, tinha morrido de repente e pedindo-lhe que fosse comunicar a notícia ao meu avô. De modo que a minha mãe e o meu pai lá foram os dois, a seguir a vestirem-se à pressa, e os meus avós estavam ainda deitados. Olharam os meus pais, surpreendidos, o meu pai disse

– Pai, trago-lhe uma notícia muito triste

e segundo a minha mãe o meu avô tornou-se rígido na cama, de olhos fechados. Após um silêncio o meu pai disse

– Pai, o tio João morreu

ao cabo de outro silêncio comprido, contava a minha mãe, o meu avô abriu os olhos e respondeu

– Pensei que fosse o António

e, comentava ela, o meu avô, que gostava muito do irmão

– Até parecia aliviado.

Pouco antes de morrer, e não morreu velho, disse-me

– Tenho tanta pena de te deixar

e sorriu-me. Depois foi-se embora e perdi-o para sempre. 
A ideia da minha morte, e já estive perto dela em mais de uma ocasião, a ideia da minha morte, quer dizer o que eu penso da minha morte, o que me consola na minha morte é a certeza que vou estar com ele de novo, aquele homem moreno

(eu que sou loiro)

de uma coragem física que me mete a um canto, de uma generosidade sem fim, com uma capacidade de amar que não encontrei em mais ninguém, com um sentido de família único, de uma fidelidade absoluta a si mesmo e aos outros, com quem não me pareço em quase nada, muito melhor do que eu, sociável, alegre, que nunca vi ler um livro, que às vezes me olhava com pena

– Quando tiveres um filho já eu estou a fazer tijolo há que tempos
tão valente, tão generoso, tão bom, salazarista, monárquico, intensamente religioso, sociável, divertido, um patriarca no sentido mais nobre da palavra, com um extraordinário talento para alcunhas

(a um conhecido político, por exemplo, chamava-lhe Pneu Mabor, porque a única coisa que tinha de bom era o ar)

amando a vida, ele que não vivia, comia os dias, com uma enorme capacidade de perdoar, um rei, um príncipe, um líder natural, o meu herói. Aqui de cima, tão alto sobre a Penitenciária, converso com ele, a quem o facto de eu passar muito tempo a escrever e a ler intrigava e inquietava, oiço-o, respondo-lhe, comentamos os falcões. Esteve preso lá em baixo por ter feito parte da revolta monárquica de Monsanto, onde o seu comportamento foi heróico e pagou bem caro por isso. Mas jamais o ouvi queixar-se fosse do que fosse. Preso, condenado, obrigado a sair de Portugal, foi para Tanger, onde uma das minhas tias nasceu e só nos anos trinta lhe permitiram regressar a Portugal, e sei que a estadia no Norte de África não foi fácil, obrigado a trabalhar numa fábrica de conservas

(ele que nascera aristocrata e rico, essas célebres fortunas da borracha do Brasil)

e nunca lhe escutei uma queixa ou lamento. Em Portugal refez a sua vida toda, não voltou ao Brasil a não ser numa ocasião, numa breve visita, com toda a família de lá à sua espera no Rio, pegado como era a esta terra aqui, ele que passou a infância em Belém do Pará e cujas memórias, até nas canções que às vezes me cantava

Mamãe diz ao Papai
que eu quero ir para a guerra
do Paraguai.
Não vês meu filho
que podes morrer
tão pequenino
que irá acontecer?

eram tão brasileiros. É que a sua alma é suficientemente grande para ocupar dois países. Nada disto eu herdei, claro. Mas basta-me o orgulho de ter o seu nome, António Lobo Antunes, e a felicidade de haver sempre recebido o seu amor. E agora não estou a olhar a Penitenciária lá em baixo. Estou com ele em Pádua a fazer a primeira comunhão na igreja de Santo António, em resultado da promessa que fez nesse sentido se eu não morresse de meningite que tive aos oito meses, como o irmão mais novo do meu pai, morto dela com a idade em que eu ia morrendo, e António Lobo Antunes também. Sabe, avozinho, acho sempre que os falcões que passam na janela me trazem recados seus. Eu sei que olha por mim e não me deixa. E o que traz nas garras não é um bicho morto é o nosso amor que continua vivo. Olhe, fico contente que este texto esteja tão mal escrito. 

Acho que me comovi demais.

 

Crónica publicada na VISÃO 1283 de 5 de outubro

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publicado às 17:53


"2623 - Efemérides

por Carlos Pereira \foleirices, em 15.10.17

Lançamento da revista Seara Nova (1921)

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publicado às 15:01


#2622 - Efemérides

por Carlos Pereira \foleirices, em 15.10.17

Hoje, 15 de Outubro, é o Dia Internacional da Bengala Branca.

 

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publicado às 14:49


#2621 - Ane Brun - Into My Arms

por Carlos Pereira \foleirices, em 14.10.17

 

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publicado às 20:02

 

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publicado às 21:24


#2619 - Armand Amar - Poem Of The Atoms

por Carlos Pereira \foleirices, em 13.10.17

 

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publicado às 12:49


#2618 - Interrogações

por Carlos Pereira \foleirices, em 08.10.17

Quando estivermos perto do fim,

ao avistar o sinal que anuncia o fim da estrada,

o que há para além do precipício?

 

Quando tudo parecer acabar,

o que haverá para além do tempo, da matéria e da luz...

um novo sopro?

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publicado às 20:25


#2617 - Clara Ferreira Alves

por Carlos Pereira \foleirices, em 08.10.17

Os políticos deixaram de ler livros. Os súbditos da tecnologia e das correntes sociais também. E o rei louco nem os livros com a cara dele na capa consegue ler.

 

Clara Ferreira Alves, a propósito de um artigo sobre John Le Carré publicado na revista «E» - A revista do Expresso - Edição 2345, de 7 de Outubro de 2017

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publicado às 20:12


#2616 - Benjamin Clementine - Winston Churchill's Boy

por Carlos Pereira \foleirices, em 08.10.17

 

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publicado às 16:56


#2615 - SPC ECO - Under my skin

por Carlos Pereira \foleirices, em 07.10.17

 

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publicado às 09:27


#2614 - Autobiografia Jorge Listopad: Na escada rolante

por Carlos Pereira \foleirices, em 06.10.17

JORNAL DE LETRAS. Colaborador do JL desde os primeiros números, escritor, professor e encenador, Jorge Listopad, checo que vivia desde a década de 50 em Portugal, morreu no domingo aos 95 anos, em Lisboa. Listopad encenou cerca de 60 peças de teatro e escreveu diversas obras de prosa, poesia e ensaio, em checo, português e francês. Republicamos aqui a 'autobiografia' que escreveu para o JL, em 2002

 

1. Se me encontrasse numa escada rolante.


2. Quando nasci (em Praga), não suspeitava que era uma das mais belas cidades do mundo mas sê-lo-ia para mim, bastantes anos mais tarde. Talvez só tivesse tido consciência do triunfo dessa beleza durante a guerra, na profunda ilegalidade em movimento pendular entre o campo e a metrópole, durante a resistência anti-nazi, quando cada poética esquina praguense podia ser trágica para sempre; ou já instalado em Paris, mais tarde, numa aprendizagem da distância. Ou a. nal, o facto de encontrar-me provisoriamente ("provisoire qui dure") em Portugal, provocou em mim o mudo desejo de rever a cidade natal.
Nasci no mês de Novembro; Novembro em língua checa: listopad. Os checos, como raros europeus, embora recebendo os instrumentos de civilização formal e institucional de Roma, romana e depois católica, ficaram residualmente quanto ao nome dos meses, num mundo anterior, de nomenclatura pagã, anímica, rente à sua origem dos elementos naturais. Culto celta? Cada mês em checo, formula a imagem do ano agrícola ou venatória, o seu sintoma, o seu aroma e cor.
Em listopad, encontras "as folhas caídas". Será que daí se anuncia o meu afecto especial para com Almeida Garrett, autor do livro de poesia do mesmo nome? Nasci, pois, em casa na época em que as parturientes davam à luz nas próprias casas, prédio que ainda existe tal e qual, cinzento, angular, onde morámos num rés-do-chão inteiro, um tanto alevantado e onde o meu pai tinha, em espaços separados, o seu consultório de dentista, um laboratório técnico adjacente e a sala de espera.
Trémula vizinhança dos meus primeiros anos. Os sons da broca à antiga. Depois da morte de minha mãe, e mediante o segundo casamento do pai com uma estomatologista-cirurgiã, toda a casa foi restaurada e adaptada para clínica dentária.
A nova família, nós mudámos, a alguns passos dali, em frente, para uma casa mais elegante, da burguesia instalada. Deus levou, Deus deu, Deus ama, dizia o pai. Não por muito tempo.
Durante e depois da guerra, na qual o meu pai morreu na prisão alemã, exemplo patriota checo, o lugar onde nasci tornou-se, por sua vez e sucessivamente, uma Associação de Amigos de Animais, uma organização local do PC, uma sucursal da Caixa Geral de Depósitos checa, uma agência da Caixa de Previdência. Numa das recentes viagens a Praga quis ir até ao fundo, é maneira de dizer, e descobri o caminho, através da janela entreaberta do velho pátio abandonado, para o quarto onde provavelmente estaria instalada a cama da mãe naquele dia 26 de Novembro, onde também nasceu, dois anos mais tarde, Pavel, que morreu bebé de poucos meses, e a irmã, irmãzinha Alena, cinco anos mais nova; talvez neste momento, enquanto escrevo, ela jogue ténis nos courts cobertos, onde se chega com os eléctricos 3 ou 17. Não paga bilhete: tem mais de 70 anos, radiosos; sempre assim, con. ante até no sofrimento. Pois, não a vi durante a guerra (cinco anos) para nos encontrarmos numa rua de Praga, não sabendo se ainda estávamos vivos. É verdade, depois também não trarmos a vi desde o ano 49 até 89 do século passado. O nosso mundo era pouco razoável.


3. Estava onde não deveria estar? O bairro no qual vivi chama-se Letná. Nome airoso e é efectivamente uma colina com dois grandes parques, um no alto de Praga com vista ímpar dos terraços naturais e outros já saídos das mãos dos arquitectos e jardineiros; não longe, os estádios do Sparta e dos clubes concorrentes, nós, rapazes, imitávamos a peladinha. O meu pai foi dentista-mecenato dos profissionais do Sparta, eu admirava-os silenciosamente. O outro parque era um verdadeiro bosque, cheirava a rosas, a rápidos riachos, a cavalos e ao não distante Jardim Zoológico, quando o vento se levantava. Orgulhosamente aqui crescia a única magnólia de Praga, a noiva vestida de branco tépido. Em volta, os braços do Vltava como que feitos para os nossos saltos-mergulho na água.
A partir da nossa Igreja de Santo António, as ruas de Letná subiam. A Academia de Belas Artes, meia dúzia de cinemas, um piolho a projectar de modo inseguro os filmes de terror, westerns a sério e curiosamente, visto de hoje, as preciosas fitas soviéticas da primeira época; o cinema mais elegante do bairro cultivava a programação musical americana. Aí ouvi jazz.
Alexandre Ragtime Band contra a solidão da puberdade. Bairro de bonitas jovens. Uma era minha paixão e meu amor. Chamava-se Helena, morta com 17 anos, em trânsito para o campo de concentração, ano 1940. Reabro o silêncio que conservo tantos anos, séculos. Estremecimento longínquo, diria Clarice Lispector que era da sua família, da família de Helena.


4. Quando compreendi que todas as viagens eram possíveis, chorei, não dormi e cheguei a Paris, aliás via Londres, intermitente, oficiosamente. Não foi tão simples: mas um texto destes não tem, espero, a responsabilidade de causalidade, da disciplina dos factos ou o cuidado com o rumo dos caminhos. Em Paris fiz tudo. Porém, no princípio tive a oportunidade de conhecer a high-society da esquerda da Maison de la Pensée, visto que trabalhei como Chefe de Redacção do Semanário Parallèle 50 onde, entre outros, colaboravam Roger lèle Vailland, Claude Roy, Charles Morgan, Julien Benda, Edgar Morin companheiro de minha geração -, e cujo director era Gérard, isto é, Artur London, que me assustava ma non troppo.
Da guerra civil de Espanha, ao grande agente no Ocidente e numa depuração condenado à morte, em Praga, pelos seus antigos camaradas moscovitas, como é conhecido, salvo in extremis (lembre-se ou veja o filme de Costa-Gravas, ou leia o livro autobiográfico com o mesmo nome, "Confissão"). Era, pois, meu superior. Mais uma aprendizagem. Prefiro lembrar um almoço de domingo, preparado pela La Passionaria, ao gosto espanhol, novo para mim, na moradia suburbana de London e de sua mulher Lisa (que mais tarde o salvou, filha de um deputado do PCF), mais ainda preferi conhecer Camus, a paginar o seu jornal, e depois na rua Ciseau, ou pagar um café filtre, no Café Bonaparte a Tristan Tzara, pai do dadaísmo, ele sempre de casaco comprido de inverno mas sem camisa por dentro. Maçame falar assim de Paris onde vivi dez anos de estadia plena, não é justo, nem hoje adivinho as minhas sucessivas perturbações, assimilações, aculturações, no início do Paris oficial, mais tarde sem cidadania e sem dinheiro. Aqui escrevi o meu Tristão, em condições ásperas e extáticas em francês e em checo, sem saber exactamente como. E era bom. Foi bom? Aprendi televisão.
Tornei-me secretário do Rose Rouge, o cabaré da moda na Rue de Rennes, de Anouk Aimée.
Liguei-me a Marcel Marceau jovem, frequentei Roger Caillois na UNESCO, Renée dançava na Companhia de Jean Veidt, coreógrafo dito Vermelho, Mouloudjí corrigia o meu francês escrito, etcetera, etcetera e onde estais? Onde estais? tal como pergunta António Nobre exactamente em "Lusitânia no Bairro Latino" onde estava eu ainda sem saber da Lusitânia.


5. Só os pormenores podem estar certos e metafisicamente assumidos. Sou amigo de detalhes, de microcosmos, gosto dos pequenos países, há muito mais para ver. Portugal, por exemplo.
Porto, quero dizer. Não recusei a primeira chávena de lúcia-lima, na rua da Vilarinha.


6. Volto atrás. Um avô era da aldeia (Sudomìøice) que felizmente continua a ser aldeia. Com 14 anos . zeram-lhe a trouxa e despacharam-no para Viena, teve de marchar a pé até à capital do Império de então, a algumas centenas de quilómetros de distância, para casa de um tio que nunca vira antes. Tornou-se aprendiz de tipógrafo, enamorou-se de uma cozinheirinha húngara: suponho que jantaram em segredo na cozinha do patrão. Meu pai então nasceu em Viena. Com um ano, voltaram a Praga. Meu avô tornou-se conhecido editor que descobriu e criou "O Valente soldado Chveik" de Hasek, primeiro em forma de cadernos semanais.
O outro avô, de Kolin, retroseiro, com lojeca fixa que eu adorava, transportava-se, sempre cansado e sempre alegre, pelas feiras da região.
Não sei como morreu era o tempo confuso dos primeiros anos de ocupação alemã, mas encontrei-o, tantos anos depois da sua morte, na rua de São José. Parou. Parei. Revi-o depois numa rua do Fundão.
Tive ainda mais uma família de avós, evangélicos rigorosos. Todos os domingos, com um par de cavalos e . acre alugados, a hora certa, foram à missa, à cidade mais próxima. Antes de se reformar, esse avô tolstoiano, meu jardineiro-mor, era o prosaico Chefe-Caixa da Estação Central de Praga, porém, uma alta função financeira e moral.


7. Não foi boa ideia aceitar a proposta para redigir a biografia. As minhas coisas não estão nem nunca foram no seu sítio. Não tenho verdadeira autobiogra. a para além daquela parsemeada pelo que escrevo, enceno e até ensino. Seja como for, a autobiografia em forma desta prosa dedico-a com afecto aos leitores, alguns sei regulares, outros ocasionais. E aos filhos: Clara, Manuela, Joana, Bruno, Cláudia e Francisca, todos portugueses de olhos azuis, E aos afilhados não? Gil e Inês.
Subitamente cismo: não terei aceitado a encomenda para poder momentaneamente voltar à última página que durante tantos anos foi minha (se alguma coisa fosse minha) no J.L? Voltar a casa. Mas tudo o que está de um ou outro modo vivo, muda, murcha, ressuscita, transforma-se, desloca o objectivo, escreve na penúltima página e se fosse preciso para a paz da sua alma, tentaria compor a epopeia da sua vida na folha de um guardanapo. Agora passo a palavra.

 

Post retirado do JL-Jornal de Letras online

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publicado às 06:59

 ANTÓNIO LOBO ANTUNES

 

O SENHOR VICENTE

 

O senhor Vicente trabalhava na Administração do Posto de Marimba, uma terra pequena acima de Malanje, na Baixa do Cassanje. Julgo que era uma espécie de escriturário, porque não usava a farda dos funcionários coloniais nem o uniforme dos sipaios. Vestia-se à paisana, como um civil normal, era extremamente bem educado para toda a gente e eu considerava-o um génio. Tanto podia ter trinta como quarenta anos, pertencia de certeza à etnia ginga porque o seu kimbundo era perfeito, tal como o seu português, aliás, e eu gostava de conversar com ele porque aprendia sempre. Em regra ao fim da tarde passeávamos juntos sob a imensa fila das mangueiras gigantescas que iam de uma ponta à outra da vila, desde a Administração às sanzalas, ou descíamos ao rio Cambo a olhar os crocodilos. Foi numa dessas saídas que encontrámos, na picada para o rio, uma jiboia enorme que morrera engasgada com a metade traseira de uma cabra grande entalada na boca. Isto entre outras descobertas mirabolantes mas, para mim, o senhor Vicente era a personagem mais notável que conheci. Solitário e introvertido com toda a gente conversava imenso comigo. Vivia na dor permanente de se ter apaixonado por uma mulher ou rapariga branca cujos pais se opuseram com ferocidade ao casamento dela com um africano, e o senhor Vicente vivia aquele grande amor frustrado mantendo uma fidelidade absoluta a um fantasma que habitava em Luanda e nem a esmola de uma carta lhe fazia. Tomava todas as manhãs uma aspirina embora se sentisse fisicamente bem porque as doenças eram um terror para ele. Um dia disse-lhe

– Mas se está bem porquê tomar aspirina?

quando estávamos a chegar ao quimbo do Soba Macau, um senhor idoso da mais alta nobreza

(nome completo: Sebastião José de Mendonça Macau)

e de uma sabedoria infinita, que tinha muito respeito por mim devido ao facto extraordinário de eu ter olhos azuis, coisa que até então ele nunca tinha visto e portanto tratava-me por Kimbanda Kindele, o que significa feiticeiro branco, e escutava tudo o que eu dizia numa atenção respeitosa que, na prática, me dava um trabalhão. Por ordem dele lá tive que andar às voltas com um súbdito a quem um crocodilo comeu uma perna e um segundo todo furadinho pelos cornos de uma pacaça: nenhum deles morreu o que colocou o meu prestígio nos píncaros. Mas voltando ao senhor Vicente e à minha pergunta

– Se está bem porquê tomar aspirina?

o senhor Vicente estacou e respondeu-me, em voz pousada, esta evidência

– Pelo sim pelo não

contra a qual, é óbvio, eu não tinha argumentos, e voltou, de imediato, ao tema da sua vida, isto é à sua paixão contrariada, que eu escutava num silêncio côncavo, a fim de que o seu sofrimento me coubesse inteiro na alma. Não há nada mais horrível do que o mal de amor e após meses a escutá-lo acabei por soltar uma breve frase de compreensão

– Ó senhor Vicente isso é chato.

Mal acabei a frase arrependi-me logo. O senhor Vicente estacou diante de mim a ruminar a minha opinião em silêncio, cara a cara comigo, meditando cada uma das minhas sílabas até me agarrar os dois braços com as mãos e me soprar na cara, baixinho, a mais lancinante frase que alguma vez escutei:

– É chato na medida em que se torna aborrecido.

No início desta prosinha falei em génio. E de facto quem é capaz de suportar o sofrimento com uma dignidade assim e resumi-lo com o poder de condensação de um espírito superior que merece entrar de imediato na galeria dos grandes conhecedores da alma humana:

– É chato na medida em que se torna aborrecido

resume, com extraordinária simplicidade e não menos extraordinário conhecimento uma boa parte das questões essenciais da vida. A frase é cegante de evidência: as coisas chatas são chatas na medida em que se tornam aborrecidas e basta aprofundar e conhecer a extensão do aborrecimento, entrar nele, vivê-lo, pesá-lo, tomá-lo por aquilo que é para se começar a dissolver a chatice. Há qualquer coisa em

– É chato na medida em que se torna aborrecido

(ele dizia borrêcido)

que tem a cristalina simplicidade da célebre fórmula de Einstein

E = mc2

ou, sei lá, do Teorema de Pitágoras

(o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos)

e o senhor Vicente merece estar ao lado dos raríssimos espíritos de síntese que nos dão a conhecer o mundo com a simplicidade óbvia dos eleitos. Quando o grande Laplace publicou o seu livro acerca das órbitas dos planetas, ofereceu um exemplar a Napoleão, Napoleão perguntou-lhe

– E Deus?

E Laplace respondeu

– Sire, não tive necessidade de introduzir essa hipótese

tornando-se ainda mais justamente célebre por isso mas não conseguiu alcançar, no meu modesto entendimento, a profunda análise que o senhor Vicente logrou:

– É chato na medida em que se torna aborrecido

constitui, a meu ver, uma descoberta inigualável que abre estradas novas para o desvendar do espírito humano. Tenho esperança que isto seja reconhecido para glória de Portugal, de Angola também, claro, e que esta fórmula entre, majestosa e única, na curta lista das sentenças essenciais que nos oferecem o mecanismo do Mundo e abrem amplas avenidas aos, até agora tortuosos, caminhos da Alma.

 

Crónica publicada na VISÃO 1282 de 28 de setembro

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publicado às 16:07


#2612 - Kazuo Ishiguro é o novo Prémio Nobel da Literatura 2017

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.10.17

 2017 Nobel Prize in Literature

The Nobel Prize in Literature for 2017 is awarded to Kazuo Ishiguro"who, in novels of great emotional force, has uncovered the abyss beneath our illusory sense of connection with the world".

 

               Kazuo Ishiguro, escritor britânico de origem japonesa, 63 anos - nasceu na cidade de Nagasaki, Japão, fixando-se com a família no Reino Unido no início da década de 1960 - é novo Prémio Nobel da Literatura 2017.

               Destacou-se com os primeiros contos publicados na revista Granta, escreveu para cinema e televisão e é autor de canções. Com o livro "Despojos do Dia" venceu em 1989 o Booker Prize.

               A Gradiva tem seis livros do autor editados: Os Despojos do Dia (1989, vencedor do Booker Prize; adaptado ao cinema), Os Inconsolados (1995, vencedor do Cheltenham Prize), Quando Éramos Órfãos (2000, nomeado para o Booker Prize), Nunca me Deixes (2005, nomeado para o Booker Prize; adaptado ao cinema), Nocturnos (2009) e O Gigante Enterrado.

              As Colinas de Nagasaki foi editado pela editora de Francisco Vale - Relógio D'Água - em Abril de 1989.

 

 

 

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publicado às 15:26

JOSÉ MARIA EÇA DE QUEIRÓS (1845-1900)

 

"Nos finais do século XIX, Groussac pôde escrever com veracidade que ser famoso na América do Sul não era deixar de ser um desconhecido. Essa verdade, naqueles anos, era aplicável a Portugal. Famoso na sua pequena  e ilustre pátria, José Maria Eça de Queirós (1845-1900) morreu quase ignorado pelas outras terras da Europa. A tardia crítica internacional consagra-o agora como um dos primeiros prosadores e romancistas da sua época.

 

Eça de Queirós foi esta coisa um tanto melancólica: um aristocrata pobre. Estudou Direito na Universidade de Coimbra e, uma vez terminado o curso, desempenhou um cargo medíocre numa província medíocre. Em 1869, acompanhou o  seu amigo, o conde de Resende, à inauguração do canal de Suez. Passou do Egito para a Palestina, e a evocação dessas andanças perdura em páginas que muitas gerações leem e releem. Três anos depois ingressou  na carreira consular. Viveu em Havana, em Newcastle, em Bristol, na China e em Paris. O amor à literatura francesa nunca o abandonaria. Professou a estética do Parnaso e, nos seus muitos diversos romances, a de Flaubert. Em O Primo Basílio (1878) notou-se a sombra tutelar de Madame Bovary, mas Émile Zola julgou que era superior ao seu indiscutível arquétipo e juntou à sua sentença estas palavras: «Fala-lhes um discípulo de Flaubert.»

 

Cada oração que Eça de Queirós  publicou fora limada e temperada, cada cena da vasta obra múltipla foi imaginada com probidade. O autor define-se como realista, mas esse realismo não exclui o quimérico, o  sardónico, o amargo e o piedoso. Como o seu Portugal, que amava com carinho e com ironia, Eça de Queirós descobriu e revelou o  Oriente. A história de O Mandarim (1880) é fantástica. Uma das personagens é um demónio; a outra, a partir de uma sórdida pensão de Lisboa, mata magicamente um mandarim que lança o seu papagaio de papel num terraço que fica no centro do Império Amarelo. A mente do leitor hospeda com alegria essa impossível fábula.

 

No ano final do século XIX, morreram em Paris dois homens de génio, Eça de Queirós e Oscar Wilde. Que eu saiba, nunca se conheceram, mas ter-se-iam entendido admiravelmente."

 

TEXTO DE JORGE LUIS BORGES, DO LIVRO "BIBLIOTECA PESSOAL", PÁGINAS 23 E 24, EDIÇÃO QUETZAL, 2014

 

 

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publicado às 18:12


#2610 - Livros e Leituras

por Carlos Pereira \foleirices, em 02.10.17

jorge luis borges024.jpg

 

 " Ao longo do tempo, a nossa memória vai formando uma biblioteca díspar, feita de livros, ou de páginas, cuja leitura foi uma felicidade para nós e que gostaríamos de partilhar. Os textos dessa biblioteca íntima não são forçosamente famosos. A razão é clara. Os professores, que são quem dispensa a fama, interessam-se menos pela beleza do que pelos vaivéns e pelas datas da literatura e pela prolixa análise de livros que se escreveram para essa análise, não para o prazer do leitor.

 

A série que prologo e que já entrevejo quer dar esse prazer. Não escolherei os títulos em função dos meus hábitos literários, de uma determinada tradição, de uma determinada escola, de tal país ou de tal época.

 

«Que outros se gabem dos livros  que lher foi dado escrever; eu gabo-me daqueles que me foi dado ler», disse eu uma vez. Não sei se sou um bom escritor; penso ser um excelente leitor ou, em todo o caso, um sensível e agradecido leitor.

Desejo que esta biblioteca seja tão diversa como a não saciada curiosidade que me induziu, e continua a induzir-me, à exploração de tantas linguagens e de tantas literaturas. Sei que o romance não é menos artificial do que a alegoria ou a ópera, mas incluirei romances porque também eles entraram na minha vida. Esta série de livros heterogéneos é, repito, uma biblioteca de preferências.

 

María Kodama e eu errámos pelo globo da terra e da água. Chegámos ao Texas e ao Japão, a Genebra, a Tebas e, agora para juntar os textos que foram essenciais para nós, percorreremos as galerias e os palácios da memória, como escreveu Santo Agostinho.

Um livro é uma coisa entre as coisas, um volume perdido entre os volumes que povoam o indiferente Universo, até que encontra o seu leitor, o homem destinado aos seus símbolos. Acontece então a emoção singular chamada beleza, esse mistério belo que nem a psicologia nem a retórica decifram. «A rosa é sem porquê», disse Angelus Silésius; séculos depois Whistler declararia «A arte acontece».

 

Oxalá que sejas o leitor que este livro aguardava."

 

PRÓLOGO ESCRITO POR JORGE LUIS BORGES IN BIBLIOTECA PESSOAL, PÁGINAS 7 E 8 - EDIÇÃO QUETZAL, 2014

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publicado às 20:20


#2609 - Sten Erland Hermundstad - Dreams

por Carlos Pereira \foleirices, em 01.10.17

 

 

 

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publicado às 23:39


#2608 - Silêncio

por Carlos Pereira \foleirices, em 01.10.17

 

Silêncio:

O pensamento sentado num sofá de veludo a observar o peixe no aquário.

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publicado às 18:27


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