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ANTÓNIO LOBO ANTUNES
A FELICIDADE
Há quanto tempo estamos juntos meu Deus, não era assim ao princípio, não foi assim durante algum tempo e depois, a pouco e pouco, isto, esta ideia de para quê que se irá eternizando a menos que ela lhe apeteça deixá-lo mas porquê deixá-lo tanto mais que ele não incomodava, ia durando por ali, não aborrecia, não fazia perguntas, quase não ocupava espaço
Olhou em volta, para a casa onde morava, e sentiu-se um estranho. Pensou
– Não vivo aqui
pensou
– Nunca vivi aqui
porque tudo lhe parecia insólito, móveis, bilelôs, jornais que não lia, até o quadro que lhe tinham oferecido era de outra pessoa, não sabia ao certo qual, aliás pouco lhe importava, considerava as coisas numa indiferença mansa conforme considerava o prédio do outro lado da rua, sem repugnância nem afecto, via janelas, cortinas, talvez as pessoas que ali morassem se sentissem bem, não as conhecia, passava os dias num quarto pequeno, a maior parte do tempo a observar a parede, sem sentir nada a não ser que era um inútil, perguntou-se para dentro
– O que faço eu aqui?
sem achar a resposta, também pouco lhe importava a resposta, deixara de se fazer perguntas, de imaginar outra vida, não lia os jornais no sofá porque não eram dele, não mexia em nada, não abria gavetas, dizia-se apenas
– O que faço eu aqui?
sem esperar resposta alguma, que respostas haveria, mesmo que houvesse respostas não acreditava nelas, aliás a mulher também não falava a não ser com os amigos, o telemóvel dela constantemente a tocar, entrava, saía, às vezes um sorriso rápido, às vezes sorriso nenhum, a maior parte das vezes sorriso nenhum, ia para a cama mais cedo do que ela que ficava diante da televisão interessada num programa qualquer, dantes conversavam, agora frases curtas a propósito de assuntos que esqueciam logo, levantava-se da cadeira, ia beber água à cozinha, tornava a sentar-se, não lhe apetecia sair, não lhe apetecia comer fora, o que podia contar sem interesse nenhum, durante o jantar a mulher falava com a filha, não falava com ele, assuntos que não lhe diziam respeito acerca de pessoas que não fazia ideia quem eram e ele calado a escutá-las, pensando
– E agora?
sem que agora nenhum lhe ocorresse, não se sentia amargo, não se sentia infeliz, sentia-se um cacto no vaso, sentia-se um estrangeiro, sentia-se sobretudo supérfluo, quem precisa de mim, quem se inquieta comigo, a quem faço eu falta e não fazia falta a ninguém, já não tinha pais, tinha um irmão ainda mas não se viam há meses embora morassem na mesma cidade, gostava do irmão, gostava da cunhada, ignorava se o irmão e a cunhada gostavam um do outro, pensava
– Se eu tivesse dinheiro
e se eu tivesse dinheiro o quê, alguns colegas ainda que lhe contavam a vida deles, perguntavam
– O que é que tu achas?
e ele, que não achava nada, inventando que achava, os colegas
– Pois é
dividiam a conta no fim, um aperto de mão e adeus, um ou outro
– Pareces esquisito
ele conseguia um sorriso
– Esquisito?
que não queria dizer nada, voltava para casa devagarinho cruzando-se com estranhos para quem não olhava e que não olhavam para ele, a pensar
– O que pode a minha mulher sentir por mim?
e de facto o que podia a mulher sentir por ele, não era um marido, era um hábito, uma cara a que se acostumara como às cadeiras ou à cama, mais nada, sou um objecto, uma jarra, uma dessas almofadas que dão cor aos sofás, uma certa cor aos sofás e acabou-se, há quanto tempo estamos juntos meu Deus, não era assim ao princípio, não foi assim durante algum tempo e depois, a pouco e pouco, isto, esta ideia de para quê que se irá eternizando a menos que ela lhe apeteça deixá-lo mas porquê deixá-lo tanto mais que ele não incomodava, ia durando por ali, não aborrecia, não fazia perguntas, quase não ocupava espaço, não queria mudar o canal da televisão, ficava no seu canto a trabalhar sozinho, traduzia livros técnicos com a ajuda de um dicionário, tomava um comprimido de oito em oito horas porque às vezes o coração se desviava, não gritava nunca, não discutia, aceitava os silêncios, talvez fumasse demais dado que às vezes a respiração se interrompia, mas não era gastador, não ligava ao dinheiro, não aborrecia ninguém, quando o chamavam para a mesa ia para a mesa, arrumava no lava-loiças os seus talheres, o seu prato, depois levantava-se, agradecia e sumia-se no cubículo com as suas traduções, o cabelo já branco, já ralo, as pernas menos rápidas, os movimentos mais lentos mas não se lamentava fosse do que fosse nem protestava nunca, faltava-lhe alegria mas a quem não falta alegria, um domingo tirou a mala do armário, abriu-a sobre a cama mas tornou a guardá-la sem meter fosse o que fosse lá dentro, sentou-se na sala, não no sofá, claro, numa cadeira pequena e ficou para ali de queixo na palma, sem exprimir nenhum desejo, à espera, sozinho, não se entendia de quê.
(Crónica publicada na VISÃO 1281, de 21 de setembro de 2017)
Nação pequena que foi maior do que os deuses em geral o permitem, Portugal precisa dessa espécie de delírio manso, desse sonho acordado que, às vezes, se assemelha ao dos videntes (voyants no sentido de Rimbaud) e, outras, à pura inconsciência, para estar à altura de si mesmo. Poucos povos serão como o nosso tão intimamente quixotescos, quer dizer, tão indistintamente Quixote e Sancho. Quando se sonharam sonhos maiores do que nós, mesmo a parte de Sancho que nos enraíza na realidade está sempre pronta a tomar os moinhos por gigantes. A nossa última aventura quixotesca tirou-nos a venda dos olhos, e a nossa imagem é hoje mais serena e mais harmoniosa que noutras épocas de desvairo o pôde ser. Mas não nos muda so sonhos.
Eduardo Lourenço, «Portugal - identidade e imagem».
Nós e a Europa ou as duas razões (1988)
A extraordinária beleza comove-me...
O corpo que respeitosamente se dobra e toca a terra com a boca, com o propósito de exorcitar pecados velhos e enxotar antigos medos.
A terra agradece o respeito mas desconfia de tamanho empenho, porque são aflições do momento.
Olhas o branco do papel como se fosse um espelho. E desenhas a primeira letra, esperas pacientemente pela segunda, pela terceira até surgir a palavra. E finalmente, algo pode acontecer... E novas palavras aparecerão e farão uma fila em cima duma linha imaginária. Pensas logo em comboios; onde tu és a locomotiva e as palavras vagões. Páras na primeira estação. A plataforma está cheia de palavras: umas subirão e outras ficarão. Novas palavras acrescentadas encherão um novo vagão.
O comboio pára num apeadeiro. No apeadeiro só há vírgulas, pontos e vírgulas, dois pontos, e outros sinais gráficos. É a hora das despedidas e das boas vindas. A viagem está quase a terminar. Só falta uma estação. A estação do espanto, da admiração, da magia onde não falta um baloiço onde estás sentada empurrado pela vovó, num extraordinário jardim que desenhaste com as palavras que já conheces , e que para ti já têm cor, cheiro, forma, significado.
Para a minha neta Francisca e a avó
No Outono
as manhãs são tranquilas
e as tardes melancólicas
a folha que era verde
lentamente muda de cor e
tem ainda o odor tardio
dos dias de verão
De 23 de Setembro a 11 de Novembro de 2017, na Sala de Exposições da Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira.
Voltaire (François Marie Arouet)
Estou caminhando para o fim,
como todos. Uns mais precisos
que outros. Menos desconfiados,
mais abúlicos. O rei Frederico,
o Grande, e eu nesta hora
somos iguais, salvo na estatura.
E os relógios despertam com certa
pressa de tomar a carruagem
e a estrada, tomar os indícios
da vida pela mão e embalar
o tempo que nos falta.
Vivi na corte, como se tivesse
que ser espirituoso, bufão,
irônico, dócil, cortesão
sem deixar de ser lúcido,
um veterano ator de rugas
que não são cortesãs. Estúpidas.
Servi à corte - sapiente, filósofo,
enciclopédico de sonhos
escritor de alegórico engenho,
um humorista do abismo.
E como segurar esta laminar
inteligência, salvo cortando,
cortando, até que fique
a essência, o núcleo divisor
entre a cultura e o homem.
E a burrice infesta
esta nobreza,
que ao mérito inveja
e mais ao gênio.
Com fervor me toco.
Vou-me despedindo
dos despejos, criados,
femenis vaidades.
Decoroso:.
Ouso falar aos pósteros:
meu uso de linguagem -
sóbrio, justo é francês,
cartesiano e de menos,
até o osso. De onde
não ultrapassa a faca.
Escondo o desgosto
de ver-me enfraquecer,
por ter já sido lépido,
ágil, elétrico. Tudo
é de menos
para os que em futuro
apostam.
Olho a manhã por último.
É doce, não sabe em que
caminho se adivinha o fim,
ou o atalho. E nem carece
de saber. Não traio
este destino em mim.
Verney e o pomposo
Castelo não me eximem
de rir. Mostro-me mais
humano, não tão calculista
ou frio, como pensam
conterrâneos. E esses
nem conseguem expor
a ausência de olhos.
Sou um voluptuoso
do infortúnio e eles,
nada. E o talento
de existir não para.
Menino de tanto ver,
bebo o fiim
como um vinho
de fina, casta
e solteira garrafa.
Provo. É estrangeiro,
o corpo. Minha ferocidade
não se apaga.
Mesmo morto.
POEMA DE CARLOS NEJAR, POETA BRASILEIRO, RETIRADO DO LIVRO "OS VIVENTES", PÁGINAS 312, 313, 314, 315, EDITADO POR LEYA BRASIL, DEZEMBRO DE 2010
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BIOGRAFIA
Quinto ocupante da cadeira nº 4, eleito em 24 de novembro de 1988, na sucessão de Vianna Moog, foi recebido em 9 de maio de 1989 pelo Acadêmico Eduardo Portella.
Carlos Nejar, poeta, ficcionista, crítico, nasceu em Porto Alegre (RS), em 11 de janeiro de 1939.
Fez sua formação primária, secundária e o curso clássico no Colégio do Rosário em Porto Alegre.
Iniciou na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul o curso de Letras Clássicas, não o concluindo. Formou-se, pela mesma Universidade, em Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) em 1962.
Fez exame de Suficiência na Universidade Federal de Santa Maria (RS), tendo sido aprovado para lecionar Português e Literatura no 2.o ciclo do magistério estadual.
Fez concurso para o Ministério Público do RS. Assumiu a função em 1963, atuando em diversas comarcas do Rio Grande do Sul: Pinheiro Machado, Bagé, Taquari, Uruguaiana, Itaqui, São Jerônimo, Erexim, Caxias do Sul e Porto Alegre, pelo critério do merecimento.
De 1965 a 1973, foi também professor de Português e Literatura nos seguintes estabelecimentos estaduais de ensino: Escola Normal Álvaro Haubert e Colégio Estadual São Patrício, em Taquari; Colégio Estadual Castro Alves, em São Jerônimo; Escola Normal José Bonifácio, em Erexim; Colégio Estadual Cristóvão de Mendonza, em Caxias do Sul.
Inês Pedrosa, escritora, é também editora. Acaba de montar a "Sibila Publicações", uma editora que vai priveligiar a escrita feita por mulheres.
Joumana Haddad e Maria Antónia Palla são as primeiras escritoras publicadas pela novíssima Editora.
No âmbito da programação de artes plásticas, a biblioteca municipal apresenta a exposição de desenho e escultura "Figuras de estilo" de Eduarda Coimbra e Telmo Mota.
“Simbiose entre desenho e escultura, gravitando em redor de referências literárias, esta exposição propõe uma viagem às fronteiras da representação onde as técnicas académicas se fundem com uma estética maneirista, conceptual e contemporânea." Eduarda Coimbra e Telmo Mota.
patente de 23.set.2017 a 11.nov.2017
horário:
seg. a sex. 10h00 » 19h00
sáb. 10h00 » 17h00
Informação retirada da página do Facebook da Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira
ALEXANDRA DE PINHO (SECRETOS REGISTOS) - TECIDOS, DESENHOS E RESINA DE POLIÉSTER
QUADRO COM 20x20 cm - 2005
O mundo escurece
para quem nunca sonha,
não vê,
não se interroga:
como se o pavio de velas terminasse,
um a seguir ao outro,
até ao último milímetro de luz.
Por isso, o medo
ganhará vontade e
tomará conta de nós,
aprisionará o dia
e será sempre noite,
e reduzirá as estações a um inverno eterno.
E os nossos olhos cegarão
E as nossas bocas se fecharão
pois o tempo de ver, de falar, de protestar
já esgotou.
ALEXANDRU VLAHUTA (1859 - 1919)
DESPEJO
Gente coitada, não pagou a renda
E a tralha para a rua lhes deitaram:
Roupas de pobre - só trapos rasgados...
Esta mudança parece agonia.
E a chuva molha com seu ar de troça
Velhos farrapos, móveis roídos
Pelo caruncho, nus, desvergonhados.
Há dentro deles uma alma que chora.
E a cama ainda pensa nas carícias
Que amparou e que à dor deitaram
Dois magrizelas com as mãos de cera...
Oh, malditos amores da pobreza!
E grita ao vento: Mas por que direito
A mulher fraca, esfomeada, atira
Nova vida ao inferno - por um beijo?
Entre os pobres o amor é um crime.
Chia a carroça à chuva: sua ruína
Devagar vai seguindo um operário,
Cabeça baixa, seco, de dor mudo,
E os olhos tristes para trás nem vira.
Ao lado, a mulher cansada, leva
Dois miúdos pela mão. E em silêncio,
Vão sem parar - nem eles sabem onde,
E a chuva os açoita sem piedade.
Tormento horrível, quase ameaça
Oculta-se no monte de farrapos,
No carro velho que a gemer estala,
Nos quatro vagabundos macilentos.
Essa miséria que os caminhos trava,
Os móveis desengonçados, gastos,
Que a lama cortam rumo ao futuro,
Sáo como início de uma barricada.
Poema do poeta romeno Alexandru Vlahuta, tradução de Doina Zugravescu
A rua inclina-se até ao rio manso, frágil, e às vezes - muito poucas, é verdade - um nadinha violento. Uma questão de humores que têm a ver com as conversas fiadas que ele escuta dos salgueiros que têm a raiz nas suas margens, ou das tropelias de rapazotes inconscientes, que ele não suporta, que lhe provocam azia e problemas de barriga. O único ser vivo que ele tolera, porque não tem outro remédio, é um pequeno peixe de escamas alaranjadas que também tem as suas azias quando a qualidade da água lhe merece desconfiança. Então pequenas escaramuças acontecem - entre o peixe e a água do rio - e pequenas ondas de protesto atiram com a água para fora das bordas. É o único momento de bulício e de desassossego que acontece naquela rua.
A rua, com pouco comprimento, tem seis casas de cada lado, pintadas de branco com uma lista amarela ou azul na parte inferior da parede, com um pequeno jardim na frente e, nas traseiras uma pequena horta, começa numa pequena praça ajardinada que tem no centro um belo coreto em ferro forjado e acaba na margem direita do rio. À mansidão dos dias, mansos dias se sucedem até que, um dia, alguém teve a ousadia de plantar nos postes de iluminação pública cartazes a reclamar a atenção dos habitantes habilitados ao voto para promessas que eles não necessitavam e não compreendiam. Sentiam-se tratados como tolos. Alto aí! Disseram todos.
O dono da botica que era, ao mesmo tempo, farmacêutico, merceeiro, barbeiro, conselheiro, homem com poderes estabelecidos e de confiança - por ser o mais rico dos pobres - e que toda a gente ouvia sem reservas, por ser prudente e com bom senso, incomodado com o assunto e dando corpo às vozes de protesto, assumiu o seu papel de líder e representante da população e decidiu que haveriam descer a rua em forma de procissão. E assim aconteceu. À medida que desciam a rua, os cartazes eram retirados e lançados no estrado do carro de bois. Tudo era feito em silêncio, de forma ordeira, sem sobressaltos. Quando chegaram à margem do rio, o líder cumprimentou o rio, teve uma breve conversa com o peixe, e foi acesa uma fogueira onde foi queimada a mentira e a promessa nunca cumprida, a falta de respeito, o insulto à inteligência. E os candidatos que prometiam promessas nunca mais foram vistos.
ISABEL MINHÓS MARTINS - ESCRITORA
BERNARDO P. CARVALHO - ILUSTRADOR
O livro «Daqui ninguém passa» escrito por Isabel Minhós Martins e ilustrado por Bernardo P. Carvalho venceu o Prémio Para a Paz Gustav Heinemann 2017, um dos mais importantes prémios alemães para livros infantis.
Criado em 1983, em homenagem às políticas de paz do presidente alemão Gustav Heinemann, o prémio, que tem o seu nome, é dado a livros que estimulem a coragem moral, a tolerância e os direitos humanos.
"Daqui ninguém passa" foi publicado em língua alemã sob o título "Hier Kommt Keiner Durch" pela editora Klett, de Leipzig.
A edição 2017 do prêmio Oceanos – realizado em parceria com o Itaú Cultural e com patrocínios do Itaú Unibanco, CPFL Energia e do governo de Portugal, por meio do Fundo de Fomento Cultural Português – é um marco na história das premiações literárias do mundo lusófono: a partir de 2017, o Oceanos ampliou sua abrangência para todos os livros publicados em língua portuguesa, em versão impressa e digital.
O prêmio contempla cinco categorias – Poesia, Romance, Conto, Crônica e Dramaturgia. Podem ser inscritos quaisquer livros dessas categorias que tenham sido publicados em 2016. Isso significa que o Oceanos passa a ser o prêmio de maior alcance dentro da lusofonia, constituindo um instantâneo da produção editorial nos diferentes gêneros e traduzindo a cena literária de Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Timor Leste, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial e Brasil, onde o prêmio foi criado. Além disso, obras eventualmente editadas em língua portuguesa em países não lusófonos no ano de 2016 podem ser inscritas e concorrer à edição do Oceanos 2017, conforme o novo regulamento disponível neste site.
Veja aqui os livros concorrentes
Clique aqui para baixar a lista de livros concorrentes
4 3 2 1 by Paul Auster (US) (Faber & Faber)
History of Wolves by Emily Fridlund (US) (Weidenfeld & Nicolson)
Exit West by Mohsin Hamid (Pakistan-UK) (Hamish Hamilton)
Elmet by Fiona Mozley (UK) (JM Originals)
Lincoln in the Bardo by George Saunders (US) (Bloomsbury Publishing)
Autumn by Ali Smith (UK) (Hamish Hamilton)
Eugénio Lisboa
Regresso, mas não regresso
ao paraíso perdido,
ao centro de mim, possesso
de quanto, aqui, retido,
de novo vejo, sem ver,
sendo eu quem já não sou:
mundo outro eu quero haver,
nesta fome em que me dou.
Este mar (a cor, a vida)
durou só o que durou:
a corrida é já perdida
e o barco naufragou.
No entanto, a casa é minha,
mesmo podre e desdourada:
o calor é o que antes tinha,
nela está minha morada!
(O frio é apenas meu
e não da velha cidade:
só em mim esmoreceu
o calor da mocidade.)
30 de Setembro de 1989
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O cavalo tem nobreza e elegância;
A raposa tem astúcia e inteligência;
O político é apenas um animal manhoso.
EDUARDO PITTA
Toda a noite a luz multiplicou
o instantâneo de um rosto intraduzível.
Esquiva, a tua morte não escapou
à ladainha de regra.
Correu uma versão torpe quando
te viram a sorrir
uma ironia de druida clandestino,
indiferente à voragem dos bárbaros.
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Glória de Sant' Anna (1925-2009)
TERREIRO DO PAÇO
cavalga o rei de ferro em seu cavalo
verdoengos os dois no pedestal
recortados lá em cima
e alonga-se a crina
em falso movimento sugerido
pela água azul inquieta deste rio
cujas ninfas suportam a epopeia
de um povo que se esparsa pelo tempo
onde semeia trigo e saramago
no mesmo vento
Poema de Glória de Sant' Anna retirado da revista "Colóquio | Letras" n.º 110-111 - Julho / Outubro de 1989
Malena, the magnificent music by Ennio Morricone from the soundtrack of the film «Malèna» by Giuseppe Tornatore, starring Monica Bellucci and Giuseppe Sulfaro, based on a story by Luciano Vincenzoni.
"Éramos um povo sem leis, mas estávamos em muito boas relações com o Grande Espírito, criador e senhor de todas as coisas. Julgáveis vós, os brancos, que éramos selvagens. Não compreendestes as nossas orações. Não procurastes compreendê-las. Quando cantávamos os nossos louvores ao Sol, ou à Lua, ou ao Vento, dissestes que éramos idólatras. Sem compreenderdes, condenaste-nos como se fôssemos almas penadas, simplesmente porque o nosso culto era diferente do vosso.
Nós víamos a obra do Grande Espírito em quase todas as coisas: no Sol, na Lua, nas árvores, no vento, nas montanhas. Por vezes aproximávamo-nos dele por intermédio destas coisas. Que mal tinha isso? Penso que tínhamos uma crença sincera no ser supremo, e uma fé maior do que a de muitos dos brancos que nos chamavam pagãos... Os índios, ao viverem junto da natureza e do Senhor da natureza, não vivem na obscuridade.
Sabíeis vós que as árvores falam? Pois falam. Falam entre elas, e hão-de, se as escutardes, falar-vos a vós. O problema dos brancos é não ouvirem. Nunca aprenderam a ouvir os Índios; por isso estimo que não ouvem outras vozes da natureza. As árvores, porém, a mim ensinaram-me muito: umas vezes a respeito do tempo, outras vezes a respeito dos animais, outras ainda a respeito do Grande Espírito."
in "A Fala do Índio", de Teri C. McLuhan, página 25, edição da Fenda Edições, Outubro de 1996
"A Terra foi criada com a ajuda do Sol, e deveria ser deixada como era... O país foi feito sem fronteiras, e não cabe ao homem dividi-la... Bem vejo os brancos enriquecerem pelo país fora, e vejo o desejo deles de nos darem terras sem valor... A terra e eu somos do mesmo espírito. A medida da terra e a medida dos nossos corpos são as mesmas. Dizei-nos, se a tal vos atreveis, que fostes enviados pelo Poder Criador para nos falardes. Julgais por certo que o Criador aqui vos enviou a fim de dispordes de nós como julgais legítimo. Se eu pensasse que fostes enviados pelo Criador, seria levado a julgar que teríeis o direito de dispor de mim. Não me entendias mal; procurai, pelo contrário, entender por completo a minha afeição pela terra. Eu nunca proclamei que a terra é minha, a fim de fazer dela o que me aprouvesse. Quem tem direito a dispor dela é quem a criou. Requeiro pois o direito de viver na minha terra, e a vós concedo-vos o privilégio de viver na vossa."
Hin-Mah-too-yah-lat-kekt (Chief Joseph), dirigente da tribo dos Nez Percé. Do Livro «A FALA DO ÍNDIO», de Teri C. McLuhan, página 48, edição FENDA EDIÇÕES, Outubro de 1996.