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"queria ter sido como você, um escritor", afirmou George Steiner a António Lobo Antunes quando recebeu o escritor português em sua casa nos arredores de Cambridge em 9 de Outubro de 2011.
Os diálogos podem ser lidos na revista "LER", n.º 107 de Novembro de 2011
Este romance de escritura primorosa narra um percurso. É o que se opera na consciência de Pedro durante uma viagem de ônibus para o bairro do Tirol, na periferia pobre da cidade onde mora — uma espécie de panela de pressão de violência e injustiça sistemática. É lá que mora Rosane, namorada de Pedro: faz algum tempo que ele passa os fins de semana com ela.
De radinho no ouvido, lendo a intervalos, observando o que se passa dentro do ônibus e fora nas ruas, Pedro, sem se dar conta, costura as ideias. Ao fim da viagem ele não será mais o mesmo: o que vê e pensa durante o trajeto, os fatos de sua vida, seus afetos, o mundo em que está imerso, tudo reunido terá formado um novo conhecimento, mais profundo e mais crítico, mas que nem por isso o deixará desprotegido numa sociedade em que parece não haver como fugir de um destino opressivo.
O passageiro do fim do dia não deixa dúvida sobre a importância de Rubens Figueiredo no cenário literário contemporâneo no Brasil.
O livro "Passageiro do Fim do Dia" (Companhia das Letras), do carioca Rubens Figueiredo, 55, foi o grande vencedor da nona edição do Prêmio Portugal Telecom de Literatura, um dos principais da língua portuguesa.
Figueiredo, que também é tradutor de importantes autores russos como Turgenyev e Tolstói para o português, narra o trajeto de ônibus do centro a um bairro de periferia feito por Pedro em um fim de semana em que visita a namorada. Por "Passageiro do Fim do Dia" o autor recebeu o prêmio de R$ 100 mil (em agosto, a mesma obra foi vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura e ganhou R$ 200 mil).
A noção de viagem também está no segundo colocado, o português nascido em Angola Gonçalo M. Tavares, 40. "Uma Viagem à Índia" (Leya) aborda o "herói individualista" Bloom em uma estrutura narrativa que remete a "Os Lusíadas", de Camões. O prêmio da Portugal Telecom foi R$ 35 mil. O livro tem rendido vários prêmios ao autor, como o Fernando Namora/Estoril Sol 2011 (25 mil euros; cerca de R$ 60.400).
O terceiro lugar do Portugal Telecom foi para "Minha Guerra Alheia" (Editora Record), da jornalista e escritora ítalo-brasileira Marina Colasanti, 74, que recebeu R$ 15 mil. O livro narra a infância da autora, que nasceu em Asmara, capital da Eritreia (África), quando tropas italianas invadiram a região. A família da escritora retornou então à Itália e, em seguida, com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi ao Brasil.
Em 2012, o Prêmio Portugal Telecom de Literatura completa dez anos.
In
DECRETO-LEI
Desterrem o poeta.
Seu lugar não é aqui.
Nem onde, viventes,
pensais que seja.
Nem a imortalidade
dá-lhe pão ou água,
ou ar onde respira
a usura de existir.
Nômade, rebelde,
intruso, destemido,
talvez nemhum lugar
traga-lhe pouso.
E nem espera tanto,
estando velho, enfermo,
o desterro que concedeis
há muito se apura em viver
convosco a solidão
indestrutível. Desterrem
o insurrecto e que a vós,
viventes, poupem.
E o que firma o Decreto
tem o vosso semblante
e ao vos poupar, há
de poupar-se antes.
A república é um gato
que não entende o outro,
salvo o dono. E o poeta
é afrontoso, visionário,
obstinado em conjurar
as sombras que se agarram
ao dia. Subverte a razão
do Estado, por não ter
razão alguma. Contamina
a benevolência dos civis.
É animal desocupado,
o poeta. A alguns, inofensivo
como uma barata que olha
outra barata e acaba vendo
a glória, mais excelsa.
Ou néscia. Sua palavra
explode e mata, quando
a lágrima faz chover orvalho
sobre as ruas da infância.
E não há mais infância
nemhuma a defender.
E só ela pode convencê-lo
a calar e não se cala,
não renuncia à pólvora
da língua. Não renuncia
a nada, nem à luz da agonia.
Desterrem o poeta. Já se ouve
o bramido da tábua do mar,
já se ouvem os bárbaros cercando
a democracia de ganidos.
Os bárbaros, os bárbaros
não poupam nem os mortos.
Só os viventes resistem;
a república não sabe expiar
as suas culpas, cenários
que prende no viveiro.
E até os cães perseguem
o poeta com seus dentes
de léguas. E a palavra
ao cão persegue e o cão
a outro. E não carece
o poeta de vossa caridade
desatenta. Carece da praça
de uma palavra apenas:
a praça de um soluço.
Desterrem o poeta.
E ficará vossa consciência
em paz, junto aos vindouros.
Desterrem o poeta.
Desterrem o futuro.
Poema de Carlos Nejar in "Os viventes"
O Prémio Médicis para o melhor romance francês foi atribuído a Mathieu Lindon por "Ce qu’aimer veut dire", enquanto o prémio para melhor livro estrangeiro foi para o israelita David Grossman e para o livro "Até ao fim da terra", que será editado em Portugal pela Dom Quixote em Abril de 2012.
Este sétimo romance de Grossman conta a história de uma mulher de Jerusalém, chamado Ora, que deixa a sua casa para evitar receber o anúncio da morte do seu filho Ofer, numa operação militar.
Grossman perdeu o seu filho, Uri, há cinco anos. Uri, que tinha na altura vinte anos, morreu quando um míssil atingiu o tanque em que seguia, no Sul do Líbano, dois dias antes de entrar em vigor um cessar-fogo imposto pelas Nações Unidas. Quando David Grossman começou a escrever « Até ao fim da terra », Uri estava a cumprir o serviço militar. O livro foi terminado depois da morte do filho.
O livro de Mathieu Lindon é uma homenagem ao filósofo Michel Foucault, que morreu em 1984 e era amigo de Lindon.
In
A fadista Mísia recebe, este domigo, no Cinema Odeon, em Florença, o Prémio Gilda, no decorrer do 33.º Festival Cinema e Donne, a decorrer naquela cidade italiana e no qual é homenageada.
foto Bruno Simões Castanheira/Global Imagens |
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Mísia |
O prémio distingue mulheres no cinema que provêm de outras áreas ou mulheres do cinema com actividade criativa noutros territórios, segundo uma nota da organização enviada à Lusa.
Durante a homenagem à artista portuguesa, será exibido o último filme em que Mísia participa, 'Passione', documentário sobre a canção napolitana realizado por John Turturro.
Antecederam Mísia neste prémio, criado em 2009, Anna Karina, a atriz da "nouvelle vague" francesa, protagonista de "Vivre sa vie", de Jean-Luc Godard, e a atriz italiana Teresa Saponangelo.
ULISSES
Vaguei dez anos
desde Troia.
Não sou herói,
mas homem
marcado pela pátria.
Fui povo.
E por amar o tempo
combatendo,
eu vim do Inferno.
Andante
de praias e mulheres,
nenhuma aurora
comigo velejava,
embora velejasse
mais tarde
com meus ossos.
Circe era um corpo
apenas e na alma
o limite saturava.
Nem Calipso, a ninfa,
conteve o meu exílio.
Amarrado ao mastro,
tapados os ouvidos,
apaziguei a morte
e seu coro celeste.
Ninguém eu sou.
No inferno vi Tirésias.
Consultei na sombra dele
a sombra da minha mãe
e a sombra deste barco
que me leva.
Ninguém eu sou
sem pátria
e a ela escrevo
a eternidade
em mim.
Na espuma escrevi
Penélope e meu filho.
Povo escrevi. Destino.
Regressei. Pedinte fui,
revi Argos - meu cão -
e aos pretendentes
com mão certeira
revelei a morte.
E uma cicatriz
me desvendou.
Ninguém
é Ulisses por acaso.
Poema retirado do livro "Os viventes" de Carlos Nejar.
Os viventes é obra única, orginalmente lançada em 1979 e definida pelo crítico literário português Eugénio Lisboa como um livro que reune "algo de austeramente bíblico" e uma "poesia fraternal, que julga, mas conforta, e nos dá fórmulas simples de vida e entre-ajuda".
Nestes poemas, Carlos Nejar não expressa apenas sua profunda afeição pelos seres reais e imaginários, mas procura resgatar de cada um a sua anima, aquela essência tantas vezes esquecida ou menosprezada. Para o poeta, todas as criaturas - do torturado Jó ao exploradoe Roald Amundsen, de um inseto ao filósofo Friedrich Nietzsche - estão de alguma forma unidas, pois "não há pátria / a quem ama".
A esta edição foram acrescentados 300 novos poemas.
Edição brasileira editada pela Leya em 2011.