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BELLINI E PABLO TAMBÉM
Para o Alberto de Lacerda
Alberto Alberto
como os números enganam
você completou setenta
setenta anos de vida
três vezes mais de vivências
metade no coração
não diga nada já sei
você vai-me responder
(citando Yeats)
que o coração envelhece
mas não o seu
o seu não
o seu floresce todas as manhãs
mesmo quando o tempo é mau
e como o tempo agreste o martiriza
toca o telefone
é você
: já viu como o tempo está?
uma coisa pavorosa
não se aguenta
mas a conversa prossegue
e o seu clima interior levanta logo
começa
a resplandecer
você nisso é singular Alberto
nisso e muitas outras coisas
o seu spaghetti com peixe
por exemplo
quase ninguém acredita
- o Alberto a cozinhar?
e que gosto você põe
em fazer condimentos de alcaparras
você desencanta sítios para as comprar
você desencanta tudo
Victoria Square
(um assombro)
Paris no centro de Londres
e a pia baptismal de William Blake
e poetas que nunca foram publicados
e as galerias de arte de Mayfair
estou em crer que elas estão lá
só por si
para lhe agradar
toca o telefone
o telefone para nós dois
tornou-se fundamental
trim trim
é você de longe
Londres Boston Nova Iorque
: acabo de vir do MoMA
você não pode perder
a exposição que lá está
primeiro as suas recomendações
: vá cedo
não perca tempo
a exposição
é exigentíssima imensa
tem que ser vista com o maior rigor
depois vem o conversete
palavra sua
hoje nossa
interrompido por mil divagações
porque como
você diz
você escreveu
num poema que inspirou Octavio Paz
conversar é divino
e tem razão
e às vezes você anoitece
são nuvens sombras
o exílio
tantos exílios
ninguém pode sequer imaginar
e noutras ocasiões a gente liga
e o telefone toca toca
e você sem responder
: não ouvi
estava a ouvir música
esclarece você depois
e a sguir
: espere um momento
os seus momentos são eternidades
o auscultador pousado
apanha um leve tossir
um breve passarinhar
e de novo a sua voz
: está com paciência?
posso ler-lhe um poema
escrito no Café Picasso esta manhâ?
é claro que pode Alberto
você pode sempre Alberto
você com essa até me faz lembrar
a preta Irene do Manuel Bandeira
Manuel
poeta querido
amigo seu
tantos amigos
tantas
amizades
e a nossa também Alberto
que vai crescendo e permanece igual
que vence fusos horários
para dar vivas a Bellini
Bellini e Pablo também
que é local inter-urbana
e atravessa continentes
e me nome da qual pergunto
: tem paciência para ler isto?
é uma cantiga de amigo
que lhe dedica
a vinte de Setembro
o seu
mais do que amigo
irmão
Luís
Poema de Luís Amorim de Sousa in BELLINI E PABLO TAMBÉM, 2007. Este poema foi escrito em antecipação da data de 20 de Setembro
Londres/Fergus Falls, Minnesota 28/6-2/7 de 1998