
Paradais
byFernanda Melchor
Translated by Sophie Hughes
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Paulo Scott, escritor brasileiro, é um dos 13 nomeados da edição deste ano do Prémio Booker Internacional com o livro "Marrom e Amarelo" com a tradução para a língua inglesa de Daniel Hahn.
The 13 long listed novels have been announced. They are works of fiction translated into English from 11 languages and originate from 12 countries across four continents – including Hindi for the first time.
This year’s longlist includes previous winners Olga Tokarczuk, Jennifer Croft, David Grossman and Jessica Cohen, alongside authors translated into English for the first time.
Independent presses with a mission for bringing the world’s fiction to English-speaking readers have dominated, with Tilted Axis - the publisher founded by Man Booker International Prize winner Deborah Smith - appearing on the list for the first time with three titles.
The shortlist of six will be announced on 7 April and the winners of the prize will be named on 26 May 2022.
byFernanda Melchor
Translated by Sophie Hughes
byMieko Kawakami
Translated by Samuel Bett David Boyd
bySang Young Park
Translated by Anton Hur
byNorman Erikson Pasaribu
Translated by Tiffany Tsao
byClaudia Piñeiro
Translated by Frances Riddle
byViolaine Huisman
Translated by Leslie Camhi
byDavid Grossman
Translated by Jessica Cohen
byPaulo Scott
Translated by Daniel Hahn
byJon Fosse
Translated by Damion Searls
byJonas Eika
Translated by Sherilyn Hellberg
byGeetanjali Shree
Translated by Daisy Rockwell
byOlga Tokarczuk
Translated by Jennifer Croft
byBora Chung
Translated by Anton Hur
Cristina Robalo-Cordeiro, professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, venceu o Grande Prémio de Ensaio Eduardo Prado Coelho, da Associação Portuguesa de Escritores (APE), em conjunto com a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, com a obra "O Véu de Maia - Relendo Almeida Faria".
Esta obra foi publicada por Edições Minerva em 2020.
Descobri que A Barbearia do Senhor Luís estava aberta. Fiquei feliz... pois pensava que encerrara as portas do seu distinto estabelecimento.
O dono da Barbearia, Luís Novaes Tito, continua na mesma. Coerente. inteligente, sem medos, apesar de pontuais desacordos.
O meu respeito por um velho amigo com quem aprendi algumas coisas.
Tentarei passar pela Barbearia todos os dias para o cumprimentar e pôr a conversa em dia.
Os meus cumprimentos.
Ouço um disco da Dulce Pontes, aqueles fados imortais, Canção do Mar, Povo que lavas no rio, Se voasses para perto de mim... todas canções maravilhosas.
Isso ajuda-me a suportar a distância, o tempo faz o sentimento, transforma-o e idealiza-o, imagino o brilho suave nas terras escarlates do Alentejo, naquela estrada que leva ao Sul e atravessa aldeias adormecidas. E hoje dou comigo a pensar no que a actual namorada do meu filho, o seu primeiro amor, lhe perguntará daqui a alguns anos quando se voltarem a encontrar, com uma outra vida desenhada e outras respirações partilhadas, para ambos, imagino as suas questões, se eu ainda estiver vivo, ela poderá perguntar-lhe:
E o teu pai? Ainda encerrado na sua gruta, o seu escritório e ateliê de criação? A procurar palavras e a juntá-las, transmitindo uma ideia, um momento que conseguiu captar, uma pata com os seus patinhos? uma imagem para desenhar ou colorir? uma música que não lhe sai da cabeça e não o deixa em paz até a ter gravado? Ainda tão solitário e afastado de tudo e de todos, sozinho com as suas memórias indefiníveis excepto através dos seus poemas? Continua um misantropo? revoltado contra a ignomínia dos políticos e apoiantes de movimentos políticos ou sindicais hipócritas? Ainda fala das suas noites bravas e das cores do céu cujos perfumes dizia respirar, quando dizia que alguém era um poema que vivia dentro de si e através do qual chegava ao seu coração e aos seus tormentos? Invejoso, mas com admiração, não cobiça, sentimemnto que diz nunca ter tido e que deixou aos medíocres que desperdiçam a sua energia preocupando-se com os outros.
Continua tão solitário, tão afastado de tudo, após ter conhecido certas glórias e certas luzes? Revoltado contra as sentinelas da moralidade nas suas cidadelas, intransigentes, contra aqueles que cultivam com talento a denúncia, ele que se alimenta da imprevisibilidade do som das palavras e que vê em cada velho músico uma beleza digna de uma pintura de Miguel Ângelo. Esses Mick Jaggers, esses Keith Richards, septuagenários enrugados e marcados mas tão belos pelas suas vivências.
Ainda tem aqueles ímpetos para misturar violentamente cores numa tela infernal que ninguém entende, mas na qual ele vê o deserto florescer ou um pequeno fosso amargo de riquezas íntimas? Ainda diz que as palavras são sons, a música, cores, e a çpintura, frases coloridas e que, portanto, as expressões das três artes são idênticas e se fundem?
Não sei o que o meu filho poderá responder, sei, pelo menos espero, que ele lhe dirá que passou comigo os melhores anos da sua vida familiar e que o amor que lhe dei foi o principal, a arte é apenas uma mensagem que deixarei àqueles que apreciei e amei na vida e que me terá ajudado a viver, sobreviver e morrer e, na verdade, isso é o principal.
TEXTO DE TIMOTHY HAGELSTEIN, DO LIVRO "APNEIAS EMOCIONAIS - POESIAS, PROSAS E NOTAS BIOGRÁFICAS", EDIÇÃO GUERRA E PAZ, EDITORES, NOVEMBRO DE 2021, TRADUÇÃO DE ANA PAULA FILIPE.
já não tenho tempo para ganhar o amor, a glória ou a Abissínia,
talvez me reste um tiro na cabeça,
e é tão cinematográfico e tão sem número o número dos efeitos especiais,
mas não quero complicar coisas tão simples da terra,
bom seria entrar no sono como num saco maior que o meu tamanho,
e que uns dedos inexplicáveis lhe dessem um nó rude,
e eu de dentro o não pudesse desfazer :
um saco sem qualquer explicação,
que ficasse para ali num sítio ele mesmo sítio bem amarrado
- não um destino à Rimbaud,
apenas longe, sem barras de ouro, sem amputação de pernas,
esquecido de mim mesmo num saco atado cegamente,
num recanto pela idade fora,
e lá dentro os dias eram à noite bem no fundo,
um saco sem qualquer salvação nos armazéns obscuros
POEMA DE HERBERTO HELDER in "SERVIDÕES", EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, MAIO DE 2013
São corpos pendurados em paredes de sombras, registados em papel com a ajuda de um relâmpago emitido por uma velha máquina fotográfica. Poses artísticas forçadas de pais, avós, filhos dos filhos, tias solteiras, putos ranhosos que também aparecem mas que não foram convidados por falta de espaço e não ser domingo - era o argumento...
Ser fotógrafo era também ser encenador e mestre na arte de dispor as almas nas suas diversas posições e atitudes para, no final, parecerem actores ou figurantes numa cena de teatro burlesco, de marionetes . Era considerado no seu meio e entre os seus pares um verdadeiro mestre na arte de fixar para a posteridade os momentos em memórias que alguém guardaria numa caixa qualquer ou num caixilho que ficaria em equilíbrio numa parede qualquer de um compartimento da casa.
As expressões do rosto e as formas diversas que o corpo assumia reflectiam estados psicológicos, de humor, de hierarquias bem vincadas pela posição de cada um no espaço geográfico da lente da máquina que dava para perceber a importância que cada um tinha e o seu papel na estrutura social e familiar.
Era um verdadeiro alquimista, um mágico que no quarto escuro apenas iluminado por uma luz vermelha conseguia dar vida a películas mergulhadas num caldo químico, como se fosse o útero onde se formava, célula a célula, um corpo que era expulso depois de estar completamente pronto.
Era um poeta que escrevia e fixava um momento da vida para a posteridade.
AFAGAR A MEMÓRIA
Desenho a tua ausência,
perdoo-te por existires;
alquimia que mistura
a chuva do passageiro.
Gestos de amor esquecidos
e esperanças nocturnas
da minha infância destruída
levaram afinal à minha fortuna.
Podes a minha memória afagar
para eu sempre em ti acreditar?
POEMA DE TIMOTHY HAGELSTEIN "in Apneias Emocionais" edição Guerra & Paz, Novembro de 2021, tradução de Ana Paula Filipe
O vazio está sentado no centro de uma estrela
com a cabeça apoiada num pensamento incolor, transparente, inodoro,
inclinando-se para o lado que o vento soprar
provocando o tédio
bocejando até a boca não poder abrir-se mais
criando um sopro de ar
que circula entre a garganta e o exterior do corpo
situado no limite da vertigem, da tolerância, do vómito
e que devora a vontade de se opôr ao ruído opaco das palavras
sentado ao lado do vazio que deixa de ser, por isso,
o centro da estrela.
Credit: Getty Images/Keystone
A STANISLAW WYSPIANSKY
Do outro lado do mundo,
De uma pequena ilha embalada no grande regaço do mar,
De uma pequena ilha sem história,
(Fazendo a sua própria história, lenta e desajeitadamente,
Juntando isto e aquilo, encontrando o padrão, resolvendo o problema,
Como uma criança com uma caixa de tabuinhas),
Eu, uma mulher, com a marca do pioneiro no meu sangue,
Cheio de uma força juvenil que consigo guerreia e ignora leis,
Canto em teu louvor, guerreiro magnífico; Eu proclamo a tua batalha triunfante.
O meu povo não teve nada contra o que lutar;
Trabalharam à luz clara do dia e manipularam o barro com dedos rudes;
A Vida - uma coisa de sangue e músculo; a Morte - um enterro de desperdícios.
Que poderiam saber de fantasmas e presenças invisíveis,
De sombras que obscurecem a realidade, da escuridão que nega a manhã?
Límpida e suave é a água que escorre das suas montanhas;
Como poderiam conhecer ervas venenosas, gavinhas podres que estorvam?
A tapeçaria tecida com os sonhos da tua infância trágica
Eles rasgariam com as suas mãos inábeis,
A luz triste e pálida da tuua alma apagariam com o seu riso infantil.
Mas os mortos - os velhos - Oh Mestre, aí te pertencemos;
Oh Mestre, somos crianças e aterrados pela força de um gigante;
Como saltaste vivo para o túmulo e lutaste com a Morte
E encontrste nas veias da Morte o sangue vermelho florindo
E ergueste a Morte nos teus braços e a mostraste a todo o povo.
A tua foi uma tarefa mais pessoal que os milagres do Nazareno,
O teu um encontro mais estrénuo que as ordens mais amáveis do Nazareno.
Stanislaw Wyspiansky - oh homem com o nome de um combatente,
Através destes milhares de quilómetros estilhaçados de mar, em alta voz te proclamam;
Dizemos «Ele jaz na Polónia, e a Polónia pensa que ele morreu;
Mas ele disse não à Morte - ele jaz ali, acordado;
O sangue do seu grande coração pulsa vermelho nas suas veias».
Poema de Katherine Mansfield, escritora neozelandesa, (1888-1923) traduzido por José Alberto Oliveira
Aos crentes. Aos não crentes. Aos cerca de 7,8 bilhões de pessoas que habitam esta planeta,
desejo-vos um Bom Natal.
Dois homens - um deles na ficção, o outro na vida real - tiveram oportunidade de assassinar Hitler antes que ele desencadeasse a Segunda Guerra Mundial. Um mal menor teria impedido um mal maior. Se é legítimo pensar que aqueles dois homens deveriam ter disparado sobre o Führer para evitar a morte de milhões, até que ponto podemos decidir quem merece viver ou morrer?
Tomás Nevinson, marido de Berta Isla, cai na tentação de regressar aos Serviços Secretos após uma temporada de ausência. Estamos no ano de 1997. Tomás é incumbido de se deslocar a uma cidade do Noroeste de Espanha para identificar uma pessoa que, dez anos antes, participara em atentados do IRA e da ETA.
A missão é-lhe atribuída pelo seu ex-chefe, Bertram Tupra, figura ambígua que já anteriormente lhe atrapalhara a vida. Ambos são anjos desagradáveis que devem velar pela tranquilidade dos demais. Feito espião que sonda a verdade, Javier Marías constrói uma intriga inquietante, uma reflexão profunda acerca do alcance e das consequências das nossas acções.
Quão longe podemos ir para evitar o triunfo do mal? E, num mundo de claro-escuro, como podemos estar certos do que é o mal?
Tomás Nevinson é o retrato do que acontece a alguém a quem já tudo aconteceu, o retrato de um homem que tenta intervir na História e acaba desterrado do mundo.
HELENA BUESCU, professora universitária da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde leciona Literatura Comparada, foi galardoada com o Prémio Literário Vergílio Ferreira atribuído pela Universidade de Évora.
Considerada uma autoridade incontestável dos estudos comparatistas, publicou 12 livros de ensaio, tendo a sua última obra "O Poeta na Cidade: A Literatura Portuguesa na História" vencido o Grande Prémio de Ensaio Eduardo Prado Coelho, da Associação Portuguesa de Escritores.
________________________________________________________
Prémio Vergílio Ferreira
A Universidade de Évora atribui desde 1997 o Prémio Vergílio Ferreira ao conjunto da obra literária de um autor de língua portuguesa destacado no âmbito da narrativo e/ou do ensaio.
Foi em 1959 que Vergílio Ferreira (1916-1996) publicou o livro que lhe rendeu o Prémio Camilo Castelo Branco da Sociedade Portuguesa e também aquele que o ligará para sempre a Évora. A obra “Aparição” retrata a cidade, na qual o autor ainda viveu, durante a época do salazarismo, fazendo referência a algumas marcas ainda presentes nos dias de hoje e levando o leitor a conhecer alguns dos locais mais emblemáticos de Évora, como é o caso do próprio Colégio do Espírito Santo. A cerimónia de entrega do Prémio Vergílio Ferreira realiza-se anualmente a 1 de março, o dia em que se assinala também o aniversário da morte do seu patrono.
não os encontrarás com regularidade
pois não se encontram
onde se encontra
a multidão
estes seres ímpares,
não há muitos
mas deles
vêm
os poucos
bons quadros
as poucas
boas sinfonias
os poucos
bons livros
e outras
obras.
e dos
melhores
entre os estranhos
talvez
nada.
eles são
os seus próprios
quadros
os seus próprios
livros
as suas próprias
obras.
às vezes penso
que
os vejo - por exemplo
um determinado
velho
sentado num
determinado banco de jardim
de uma determinada
forma
ou
uma cara fugaz
num carro
que passa
em direcção
contrária
ou
há um certo
gesto de mãos
do rapaz ou
da rapariga
a embalar compras
em sacos
de supermercado.
às vezes
até é alguém
com quem se vive
há algum
tempo -
dás conta de
um fugidio
olhar luminoso
que nunca lhes viras
antes.
às vezes
apenas notas
a sua existência
subitamente
e de forma vívida
alguns meses
alguns anos
depois de
partirem.
lembro-me
de um caso
assim -
ele tinha
cerca de 20 anos
bêbedo
às 10 da manhã
a fitar
um espelho partido
em Nova Orleães
cara sonhadora
contra
as paredes
do mundo
para
onde
fui eu?
POEMA DE CHARLES BUKOWSKI, DO LIVRO "OS CÃES LADRAM FACAS (ANTOLOGIA POÉTICA", EDIÇÃO ALFAGUARA, NOVEMBRO DE 2018
"As Pessoas Invisíveis", romance escrito por José Carlos Barros, foi a escolha, por unanimidade, do Júri do Prémio Leya 2021.
O Prémio Leya foi criado em 2008 com o objectivo de distinguir um romance inédito escrito em português.
______________________________________________________________________________________________
José Carlos Barros nasceu em Boticas em 1963. Licenciado em Arquitetura Paisagista pela Universidade de Évora, foi diretor do Parque Natural da Ria Formosa. É autor de dois romances e de nove livros de poesia, tendo sido distinguido com vários prémios literários. Vive no Algarve, em Vila Nova de Cacela, desde finais dos anos oitenta.
OS TAGARELAS
o rapaz de pés enlameados atravessa-me a
alma
a falar de recitais, de virtuosos, de maestros,
dos romances menos conhecidos de Dostoiévski;
a falar de como corrigiu uma empregada de mesa,
uma bimba que desconhecia que o molho francês
era feito disto e daquilo;
tagarela sobre as Artes até
eu odiar as Artes,
e não há nada mais limpo
do que voltar para um bar ou
do que ir para o hipódromo
e vê-los correr
ver coisas a passar sem este
clamor e falatório,
falar, falar, falar,
a boquinha a mexer, os olhos a piscar,
um rapaz, uma criança, doente com as Artes,
a agarrar-se a elas como à saia da mãe,
e pergunto-me quantos dezenas de milhares
existem como ele por esta terra
em noites chuvosas
em manhãs soalheiras
em serões que prometiam paz
em salas de concerto
em cafés
em recitais de poesia
a falar, a sujar, a discutir.
é como o porco
que vai para a cama
com uma mulher linda
e por causa disso
deixas de querer aquela mulher.
POEMA DE CHARLES BUKOWSKI in "Os cães ladram facas"[Antologia Poética], edição Alfaguara, Novembro de 2018
Jeferson Tenório, escritor brasileiro, venceu com o livro "Avesso da Pele" o Prémio Jabuti na categoria de "Romance Literário".
Pode ver aqui a lista completa dos vencedores das outras categorias
_______________________________________________________________________________
Jeferson Tenório nasceu no Rio de Janeiro, em 1977. Radicado em Porto Alegre, é doutorando em Teoria Literária pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Estreou-se na literatura com o romance O beijo na parede (2013), eleito livro do ano pela Associação Gaúcha de Escritores. É autor também de Estela sem Deus (2018). O avesso da pele é o seu terceiro romance e está a ser adaptado ao cinema.
A AGONIA NO JARDIM
A solidão avança como onda,
ausente
toda a luz
Saísse eu deste quadro,
poderia tocar o tronco amargo,
os ramos mais esguios dessa oliveira,
libertar-me das mãos
Podia ainda, se quisesse,
inventar vento
aproveitando a chama que ele
ostenta
Devo ceder a quê?
À história que contaram
sobre mim?
Eles não sabem da história mais de dentro,
a que me fez chegar até aqui,
sabendo finalmente:
que dizer sim
era morrer por dentro
que dizer não
era afogar-me nessa longa chama,
numa Palavra -
em mim
POEMA DE ANA LUÍSA AMARAL, do livro Ágora, edição Assírio & Alvim, Fevereiro de 2020
A CASA ILUMINADA
Olhai honestamente para o vosso passado
escondido da rua pelos arbustos
oferecendo-se aos pedaços
naquilo que o rasurado quis extirpar
nos trechos sem relação que vos assaltam no sono
no desabamento, na estranheza
outro nome possível se transcreve
a face molhada por uma chuva repentina
e o seu invencível sentido
Somos ainda os nativos, os mais remotos
Assim que chegarmos ao mar alto
e perguntarmos por que razão
seremos baixados por cordas
à casa demolida ainda iluminada
POEMA DE JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA in «Introdução à Pintura Rupestre», edição Assírio & Alvim
ENTRE OS ATOS
Espantamo-nos por encontrar o mundo na nossa memória
o mundo que se começa a ouvir no fundo da casa
o mundo que circula em nós entre os corpos deitados
no meio do terreiro da dança
nas cabanas indígenas
no assobio que os indígenas trazem amarrado ao pescoço
com uma atenção fascinada
o mundo que é um dos raros animais
que sabe descer as árvores de cabeça para baixo
Espantamo-nos por uma conivência
atestada desde há muito
nos ser entregue de chofre
cheirosa como uma floresta inteira
uma agitação de enxame
uma oficina celeste
a entrelaçar-se no sopro
fosse o que fosse
a zumbir em volta do rosto
O mundo é às um toldo que desdobramos às apalpadelas
durante o dilúvio
espantamo-nos que reproduza
na nossa cabeça o grito de uma pintura rupestre
os trilhos que ninguém me diz terem mudado de sítio
as recitações entre duas tormentas
que permitirão às fibras dessa árvore interna sobreviver
o resgate e as cores das casas
onde voltados de lado
repetidamente morremos
O mundo desencadeia-se em plena noite
organiza a vida errante
escolhe itinerários, fixa as paragensele
transforma a língua daquele que o mastiga
em corpo estranho
em fabrico inédito da sua matéria anónima
e assim nos dá a contemplar
a imagem irreconhecível
POEMA DE JOSÉ TOLENTINO DE MENDONÇA in "Introdução à Pintura Rupestre"
____________________________________________________________________
Mohamed Mbougar Sarr, escritor senegalês, foi o vencedor do Prémio Goncourt de 2021 com o romance "La Plus Secrèt Mémoire des Hommes".
É o primeiro autor da África subsaariana a receber o mais importante galardão literário francês.
João Tordo venceu o Prémio Literário Fernando Namora 2021 com o livro "Felicidade".
Este prémio é atribuído pela Estoril Sol há 24 anos.
Lisboa, 1973
Nas vésperas da revolução, um rapaz de dezassete anos, filho de um pai conservador e de uma mãe liberal, cai de amores por Felicidade, colega de escola e uma de três gémeas idênticas.
As irmãs Kopejka são a grande atracção do liceu: bonitas, seguras, determinadas, são fonte de desejos e fantasias inalcançáveis.
Respira-se mudança - a Europa a libertar-se das suas ditaduras e Portugal a despedir-se da velha ordem - e vive-se a promessa da liberdade, com todos os seus riscos e encantos. É neste tempo e neste mundo, indeciso entre tradição e modernidade, que o nosso narrador cai num abismo pessoal.
A primeira noite de amor com Felicidade acaba de forma trágica, e o jovem vê-se enredado na malha inescapável das trigémeas Kopejka, três Fúrias que não tem poderes para controlar. À semelhança de uma tragédia grega, o herói encontra-se subjugado por forças indomáveis, preso entre dois mundos.
Felicidade é uma história de amor e assombração nas décadas que transformaram Portugal. Um romance enfeitiçante, repleto de ironia e humor, de remorso e melancolia, em que João Tordo aborda os temas do amor e da morte, e das pulsões humanas que os unem.
O Orçamento para o ano 2022 não foi aprovado. Os elos que suportavam o governo não aguentaram a pressão de perdas eleitorais sucessivas e partiram...
PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA
Meu único país é sempre onde estou bem
é onde pago o bem com sofrimento
é onde num momento tudo tenho
O meu país agora são os mesmos campos verdes
que no outono vi tristes e desolados
e onde nem me pedem passaporte
pois neles nasci e morro a cada instante
que a paz não é palavra para mim
O malmequer a erva e o pessegueiro em flor
asseguram o mínimo de dor indispensávl
a quem na felicidade que tivesse
veria uma reforma e um insulto
A vida recomeça e o sol brilha
a tudo isto chamam primavera
mas nada disto cabe numa só palavra
abstracta quando tudo é tão concreto e vário
O meu país são todos os amigos
que conquisto e que perco a cada instante
Os meus amigos são os mais recentes
os dos demais países os que mal conheço e
tenho de abandonar porque me vou embora
pois eu nunca estou bem aonde estou
nem mesmo estou sequer aonde estou
Eu não sou muito grande nasci numa aldeia
mas o país que tinha já de si pequeno
fizeram-no pequeno para mim
os donos das pessoas e das terras
os vendilhões das almas no templo do mundo
Sou donde estou e só sou português
por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez
POEMA DE RUY BELO in «Transporte no Tempo»
FALA DE UM HOMEM AFOGADO AO LARGO
DA SENHORA DA GUIA NO DIA 31 DE AGOSTO DE 1971
A mim morto no mar entre algas e corais
que notícias me dais aí da superfície
dessa única terra onde vivi
e foi minha ambição morrer pra nunca mais?
Ainda cheira a esteva por aí?
Que mundo de repente recupera
quem ao abrir um dado dicionário sente o cheiro
do jornal infantil folheado em criança
no pavimento térreo dessa adega
onde o verão intenso nem entrava
mas intensificava mesmo a humidade?
Ainda porventura a alguém
se lhe molham os olhos ao lembrar
quem à vontade meninice fora assim corria
como quem aí tem aquela única casa
afinal sua toda a sua longa vida?
Ao menos uma folha se moveu quando morri
à vista desse cerro aonde o vento dependura cantos
nas mais instáveis copas dos pinheiros
onde a névoa se adensa e cobre aquele castelo
ali erguido para humanizar o mar
e até perpetuar esse quebrar das ondas
contra esses rochedos um recurso secular
que a terra utilizou para se opor à sedução da água
instável envolvente e incapaz de conseguir a paz
como o chão que na pedra tem a máxima fixação?
Alguém notou acaso a minha falta
para além dum visível ponto de referência
um aceno do sono ou som do sino
gesto de mão sorriso silhueta?
Sentiram-se levados a exaltar-me
os que na destruição me vislumbravam
uma certa razão das suas vidas?
Alguém me aquecerá o coração ao fogo
quando o frio do fundo e das correntes
fender as minhas vísceras dispersas
por estes cinco mares onde espalho
a morte merecida pela minha condição de peixe?
Se alguém descer até estas profundidades
porventura será capaz de decifrar
o mistério reflectido nestes olhos
eternamente abertos sobre o meu amado mundo?
Alguém foi como eu profundamente vil
e muito mais o foi por conhecer que o era?
Onde dormem agora os que eu amei?
Como lhes foi possível perecer
se eu por os amar os tinha por eternos?
Seriam só eternos para mim?
Que paz lhes pesa agora sobre o peito?
O sol ainda nasce? Ouve subitamente alguma música
quem tão perdido estava que de súbito começa
e olha para tudo com os olhos limpos
de quem as coisas vê pela primeira vez?
Quem lá na minha aldeia sacrifica hoje
o porco semanal em troca dum grunhido
desfeito contra os montes circundantes?
Morto o miguel ainda fica a faca?
Ainda pelas ruas ao domingo
se tem de procurar não pôr os pés nos bêbados prostrados
convencidos talvez de vir a ter em tão precária posição
mera antecipação da humana condição definitiva
alguma solução para a sua indigna sujeição?
Ainda vem à quarta de almoster o ferrador
ferrar machos cavalos na barraca de madeira
erguida ali à beira do caminho
que me levava a casa e devolvia à vida?
Porventura o barbeiro ainda se chama marcelino?
Compram cada semana os seus trabalhadores
reunidos na praça após matar o bicho
os senhores dos pauis e vinhas e courelas?
Festeja-se na adega o termo da colheita
dessa azeitona vorazmente varejada da oliveira
sobre o espesso pano de serapilheira?
Alguém caiu de cima de uma árvore
por causa da geada de janeiro
e até da aguardente ingerida em jejum
em todos estes anos desde a morte do bizarro?
A cheia traz o s+avel pela primavera?
Há bailes na ribeira a dois quilómetros
passado o pinheiro manso pelo carnaval?
Como se chama agora a dona da farmácia?
Há fogueiras em junho onde debaixo de aparente devoção
se exalta a vida e normaliza a natureza?
Os noivos vão casar-se de carroça
e abrem de abalada as mãos cheias de confeitos sobre as testas dos miúdos
que se juntam à espera para os ver passar
e não sabem ainda como é triste a alegria?
A quem pertencem hoje as lavegadas
onde as mulheres mondavam as searas
e as folhas arrancavam às videiras
que vedavam às uvas o acesso ao sol?
Nestas núpcias eternas com a água
sobre sinos e ventos sibilantes
não se ouvirá soar a monocórdica
e harmónica música daquelas campainhas
das máquinas registadoras dessa lojas
desse porto e da vila onde dormi
os últimos dez anos de visitas começadas
num verão lembro-me bem num dia três de agosto
dentro da composição número mil e oito da cp
(alguém de letra irregular o deixou escrito num romance
comprado na estação do entrocamento
e por mim esquecido ao chegar a são bento)?
Existirá ainda o escuro casarão até talvez capaz de atenuar
a música do sino que ritmava a vida
nessa vila pequena aonde o homem
mais de frente enfrentava o frio olhar da morte?
Que é feito da pensão perto dos estaleiros
onde eu bebia com os pescadores e carpinteiros
e que deixei de vez para ir ao encontro
da musa mais discreta e silenciosa dos meus versos?
E eu que nos lençóis via a neve polar
que às vezes ao cheirá-los me sentia transportado
subitamente a sítios e a dias do passado
que só os soube na verdade apreciar
levado pela mão de camilo pessanha e dylan thomas
eu que em lençóis de linho ambicionava repousar
são de água os meus lençóis e à volta é o mar
Se me via cingido de cidade
se nem já mesmo o sol deixava entrar em casa
sem antes ele limpar os dois sapatos ao entrar
devo afinal a gestos artificiais
o meu regresso às coisas naturais
Não pense quem vier que estou sozinho
entre inúmeros peixes das profundidades
e os corpos de incontáveis pescadores
como o jovem lourenço são miguel
que aqui se despediu dessa vida de aí
a cinco salvo erro de janeiro de sessenta e cinco
Não reparam que olho com os olhos cheios de água
quem só mais do que eu pertence ao mar
por aqui habitar só aparentemente antes?
Moradores da terra fogo ou ar
sabei que o solo sólido da terra foi apenas para mim
insegurança oscilação vertigem
e que em verdade agora mais do que acabar
o que fiz foi voltar à minha origem
POEMA DE RUY BELO IN "TODA A TERRA" E RETIRADO DA COLECTÂNEA "TODOS OS POEMAS", EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM REIMPRESSO EM JANEIRO DE 2020
Se eu fosse borboleta, assumia como minha casa o teu coração.
UMA VEZ QUE JÁ TUDO SE PERDEU
Que o medo não te tolha a tua mão
Nenhuma ocasião vale o temor
Ergue a cabeça dignamente irmão
falo-te em nome seja de quem for
No princípio de tudo o coração
como o fogo alastrava em redor
Uma nuvem qualquer toldou então
céus de canção promessa e amor
Mas tudo é apenas o que é
levanta-te do chão põe-te de pé
lembro-te apenas o que te esqueceu
Não temas porque tudo recomeça
Nada se perde por mais que aconteça
uma vez que já tudo se perdeu
Poema de Ruy Belo in "Homem de Palavra[s]", pág. 312 da colectânea "Todos os Poemas", edição Assírio & Alvim de Abril de 2014 (4.ª Edição)
A Invenção do livro na antiguidade e o nascer da sede dos livros.
Este é um livro sobre a história dos livros. Uma narrativa desse artefacto fascinante que inventámos para que as palavras pudessem viajar no tempo e no espaço. É o relato do seu nascimento, da sua evolução e das suas muitas formas ao longo de mais de 30 séculos: livros de fumo, de pedra, de argila, de papiro, de seda, de pele, de árvore, de plástico e, agora, de plástico e luz.
É também um livro de viagens, com escalas nos campos de batalha de Alexandre, o Grande, na Villa dos Papiros horas antes da erupção do Vesúvio, nos palácios de Cleópatra, na cena do homicídio de Hipátia, nas primeiras livrarias conhecidas, nas celas dos escribas, nas fogueiras onde arderam os livros proibidos, nos gulag, na biblioteca de Sarajevo e num labirinto subterrâneo em Oxford no ano 2000.
Este livro é também uma história íntima entrelaçada com evocações literárias, experiências pessoais e histórias antigas que nunca perdem a relevância: Heródoto e os factos alternativos, Aristófanes e os processos judiciais contra humoristas, Tito Lívio e o fenómeno dos fãs, Sulpícia e a voz literária de mulheres.
Mas acima de tudo, é uma entusiasmante aventura coletiva, protagonizada por milhares de personagens que, ao longo do tempo, tornaram o livro possível e o ajudaram a transformar-se e evoluir - contadores de histórias, escribas, ilustradores e iluminadores, tradutores, alfarrabistas, professores, sábios, espiões, freiras e monjes, rebeldes, escravos e aventureiros.
É com fluência, curiosidade e um permanente sentido de assombro que Irene Vallejo relata as peripécias deste objeto inverosímil que mantém vivas as nossas ideias, descobertas e sonhos. E, ao fazê-lo, conta também a nossa história de leitores ávidos, de todo o mundo, que mantemos o livro vivo.
Um dos melhores livros do ano segundo os jornais El Mundo, La Vanguardia e The New York Times (Espanha).
Ana Luísa Amaral, poetisa, venceu o Prémio Literário Francisco de Sá de Miranda 2021, pela obra "Ágora" editada pela Assírio & Alvim. Este prémio é promovido pelo Município de Amares.
Duas semanas antes, Ana Luísa Amaral tinha sido galardoada com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana atribuído pela Universidade de Salamanca e o Património Nacional de Espanha.
David Diop
David Diop, escritor francês e professor de literatura do século XVIII, vencedor do Prémio Literário «THE INTERNATIONAL BOOKER PRIZE 2021» com o livro "At Night all Blood is Black", vai ter uma edição em português pela editora Relógio D'Água até final deste mês de Junho.
HOMEM PERTO DO CHÃO
Na primavera quando as tardes se arredondam
e já nas praias nascem as primeiras ondas
e volta sobre o mar a ave solitária
o homem enche de ar o peito vespertino
arranca o corpo à chuva e às nuvens do inverno
e chega a ter desejos de ficar
Mas em que rosto isento de contradição
há-de ele peregrino erguer a tenda?
Não abrem na cidade à sua frente as ruas
caminha ante deus como se visse
esse deus invisível
Florescem quando passa contraditórios clarins
cantando cada um sua ideia diversa
nenhuma o levará à pátria que procura
Tenham outros tambores ele tem
a pesada cabeça entre as mãos caída
Ele que desça ao fundo de todos os olhos
que nos trazem a alma à flor da pele
também não serão lá o coração ou a infância
Quando a tarde morrer ou o outono vier
do seu olhar é que as aves todas partirão
Aí temos um homem perto como nunca nem ninguém do chão
POEMA DE RUY BELO in " AQUELE GRANDE RIO EUFRATES"