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#3292 - EM LOUVOR DO VENTO

POEMA DE RUY

por Carlos Pereira \foleirices, em 19.06.23

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EM LOUVOR DO TEMPO 

 

Às vezes talvez uma simples dor no dedo mínimo de um pé ou o brilho nos olhos de uma mulher

que passa e passa decididamente decerto para sempre e sinto ser possivelmente essa mão

inconfundível devido a uma determinada pressão no ombro desde sempre esperada

sim talvez essa dor ou esse brilho ou esse brilho e essa dor simultaneamente

distraem-me do vento que roda lá fora que roda loucamente lá fora que roda como se rodar fosse para ele uma verdadeira maneira de ser que roda envergando todas as suas vestes de inúmeras peças tufadas compridas e transparentes

e ascende das areias invariavelmente passivas da praia humilde feminina sensível às constantes embaixadas envolventes do mar até às pedras altas do velho forte altas e altivas no cimo dasua altura e da sua idade

na forma de um vulto esguio redondo e rodopiante de pinheiro ou simples ampulheta ou clepsidra

O vento a essas horas incertas perdidas da noite quando a obscuridade desde há tanto que mais parece desde sempre cobriu com o seu manto todas as coisas designadamente os compridos corpos humanos 

e abafou os miúdos inumeráveis ruídos que costumam acompanhar a luminosidade cega do dia

entoa então por vezes nas árvores e nas casas e  em coisas como os arames e as mais variadas saliências da terra

o seu canto levíssemo levitante vagamente triste cortante mais cortante mesmo

que a faca cujo gume acaba de sair das múltiplas mãos dos móveis amoladores

um canto que faz lembrar o uivo de certos animais feridos talvez na raiz  da sua sensibilidade

ou a súbita irrupção dos primeiros violinos numa sala abafada pelo

veludo das cadeiras ou as peles das senhoras da alta sociedade

um canto próprio inconfundível decerto inolvidável para quem uma noite o ouviu

dificilmente dicionarizável porque a essas horas  os académicos dormem

sonhando talvez com o discurso de ingresso de um novo membro na academia

e o vento é de uma sociabilidade altamente duvidosa e canta canta nas dobras da noite

Eu estou deitado e então sinto a ponta das pés nos lençóis recém-mudados

sinto como mais uma parte do meu corpo os próprios lençóis

e imediatamente faço calar o coro que na rádio canta o messias de haendel

e abre assim um espaço que não é o do meu quarto mas sim o da catedral

de toledo aconchegada na penumbra de certas tardes dos fins de maio

O vento vem na sua suavíssima voz e toda a gente morre de súbito para mim

os cuidados deitados talvez comigo desaparecem inspiro profundamente

e sinto-me tão bem que até me parece penoso dizer que me sinto tão bem

não vá eu deixar porventura de me sentir assim tão bem não vá o vento calar-se

Deve haver algures no meu corpo um lugar expressamente reservado para a voz do vento

uma cavidade qualquer assim como as salas dos aeroportos destinadas às pessoas muito importantes

mas esta minha só para o vento a única pessoa muito importante agora para mim

As ramadas das árvores agora sim agora devem viver

agora devem manifestar vivamente que vivem

haverá talhadas  luminosas e brancas na crista das inúmeras ondas do mar da baía

e eu oiço completamente o vento e ouvir o vento é suficiente para me sentir vivo

para  sentir as amplas asas da paz abertas no peito no leve leque das suas penas

Desvaneceram-se decididamente na vasta sede da noite

as rápidas mulheres munidas de imensos pés que sem reserva amei

jamais imprimi palavra alguam nas páginas brancas do papel tão brancas e  sucessivas como dias

não tenho passado nem coisas quaisquer a fazer acabo até agora mesmo de nascer 

Neste momento sou apenas sou pelo menos desde os pés da cama até  aqui à cabeceira a voz vasta do vento

e a minha cama range como quando pomos os pés nesses velhos sobrados  onde se deixa grelando a batata entre

cresce  o ritmo da minha respiração o pulso bate-me cada vez mais apressadamente 

volto-me vagamente vagarosamente mais ou menos lá para donde pressinto que o vento vem

é possível que morra de um momento para o outro quando menos espere

e a cabeça me fique a baloiçar ao vento de um lado para o outro primeiro

de parede para parede do quarto depois lá fora entre leste e oeste

Há um vento impetuosamente solto na noite da minha vida um vento

 mais louco do que mulheres esbeltas e lentas nos seus longos cabelos

e sinto que as pontas dos pés me chegam mais longe cada vez mais longe

e não leio na agenda nenhumas horas marcadas nem sei de locais de encontro o leve sabor amargo

não necessito tomar o metro pedir gim tónico que vá bebendo gole

a gole no bar desertió pensando talvez que ali esteve um dia hemingway esperando talvez como eu

saboreando o leve sabor amargo do gim desfazendo o limão vendo as cortinas esvoaçar ao vnto

O vento vibra na sus voz de vento alarga aos quatro cantos

aos inumeráveis recantoa da noite as espirais translúcidas do seu vulto

infunde uma vida irritante saltitante e irrequieta em coisas

como latas amolgadas e enferrujadas precisamente nas partes amolgadas

como madeiras apodrecidas pelo salitre e pela chuva como portinholas desengonçadas 

o vento sopra na areia enverga as vestes cheias de folhos e dobras

da areia possivelmente para ter um mínimo de corpo e tornar-se visível

e bailar rodopiando no largo à volta do vulto do cruzeiro

e caminhar caminhar cada vez mais caminhar cada vez a passos mais largos

e proceder à sistemática ocupação dos mais recônditos recantos da terra

Vejo vislumbro através da janela levemente entreaberta

que o vento circula a muitos quilómetros por hora na estreita estrada

que o vento enche preenche o espaço arenoso indeciso e nublado entre estas poucas casas sonâmbulas

que passa a mão inquieta de muitos dedos abertos e dispersos e diluídos

primeiro aqui pela aldeia depois possivelmente por toda a terra

e não tardará talvez a elevar vales a aplanar muitos dos montes

num trabalho perseverante  e esgotante e esgotante que são joão baptista e cristo

aliás ocupados com outras coisas se devem ter visto  imporentes para levar a cabo

E eu aqui sem nenhuma memória abandonado até por estas paredes ainda há pouco à minha volta

apenas dispondo deste resto de corpo onde o vento pode à vontade

vibrar quanto quiser até quando quiser e assim vibrando

demonstrar que existe que vive e dizer eu sou o vento e nasci em tantos

do tal em tal sítio e a sua afirmação valer como um bilhete de identidade

Creio que morreria se não pressentisse não sei bem como

mas através de um latejo levemente diferente do coração

que o vento já tão irrequieto esta noite ficaria talvez triste

por ver desaparecer não um dos poucos amigos e admiradores veneradores

atentos e obrigados que talvez sinceramente tenha

não um espectador interessado do longo e variado festival que nestes momentos apresenta

mas uma coisa mais um obstáculo mais a demolir e a vencer

Tenho oito cadeiras trabalhosamente entrelaçadas no distante vime da juventude

quando pelas tardes de calma e calor  me banhava na vala junto ao moinho

e os vimes os mais ginasticados emissários da vegetação das margens

cortavam em tiras  a sombra que poisava ao de leve na água

tenho essas oito cadeiras disponho-as em fila com a seca solenidade de um cerimonial

e rígido e digno na minha estatura liberta enfim das volumosas volutas de barbitúricos

aguardo cheio de calma que o vento se sente multiplicadamente nas oito cadeiras que tenho

na casa caída e térrea que tenho na vida minuciosa e diária que tenho

Talvez o vento levante a voz aumente ainda mais de volume

convoque ventos de outros espaços e sopre na força irresistível da tempestade

e venha violentamente até mim e varra da minha casa

e varra da minha vida tudo absolutamente tudo o que não seja o vento

e sejam talvez coisas planas e chatas e domésticas e imensamente

miúdas e não disponham desta voz côncava do vento

Há nuvens negras que se deslocam apressadamente para o sul

há filas de canas que oscilam e fazem ao vento a elegante reverência da vassalagem

ou pelo menos da boa educação tudo se anima vibra soa na noite

O vento vai vencendo obstáculos dispõe cada vez de maior espaço

anexa pela violência territórios que ainda há pouconnlhe opunham certa resistência

ensaia agora agora a sua vastíssima valsa na ampla sala da noite

canta uiva produz esse inimitável som impossível de procurar nas páinas dos dicionários

afina a voz para as mais agudas notas do seu canto dilacerador e íntimo

Virá o dia muitos corpos afastarão finalmente da fronte os últmos véus do sono

muitos olhos procurarão a luz sentirei mais minhas as pontas dos pés

o canto quezilento e quebradiço dos pássaros no pátio nas árvores nos beirais

disputrá o lugar à voz do vento nos meus ouvidos

Voltarão primeiro um por um depois em bandos os cuidados

as pontas dos cabelos compridos de mulheres jovens entrar-me-ão para a boca

mas é provável é mesmo muito provável que algures nalguma parte profunda e perdida do meu corpo

continur vazia arejada e arrumada com o pó limpo uma sala

exclusivamente reservada à única pessoa verdadeiramente importante

até que um dia eu para sempre me veja disperso no vento e não passe

talvez de um secundaríssemo instrumento na complexa e simples orquestra do vento

 

POEMA DE RUY BELO QUE INTEGRA "TODA A TERRA", EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, FEVEREIRO 2003, E PREFÁCIO DE LUÍS ADRIANO CARLOS

 

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

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publicado às 15:18


#3245 - UM ROSTO NO NATAL

POEMA DE RUY BELO

por Carlos Pereira \foleirices, em 22.12.22

UM ROSTO NO NATAL

 

Caiu sobre o país uma cortina de silêncio

a voz distingue o homem mas há homens que

não querem que os demais se elevem sobre os animais

e o que aos outros falta têm eles a mais

No dia de natal eu caminhava

e vi que em certo rosto havia a paz que não havia

era na multidão o rosto da justiça

um rosto que chegava até junto de mim da nicarágua

um rosto que me vinha de qualquer das indochinas

num mundo onde o homem é um lobo para o homem

e o brilho dos olhos o embacia a água

Caminhava no dia de natal

e entre muitos ombros eu pensava

em quanto homem morreu por um deus que nasceu 

A minha oração fora a leitura do jornal

e por ele soubera que o deus que cria

consentia em seu dia o terramoto de manágua

e que sobre os escombros inda havia

as ornamentações da quadra do natal

Olhava aquele rosto e nesse rosto via

a gente do dinheiro que fugia em aviões fretados

e os pés gretados de homens humilhados

de pé sobre os seus pés se ainda tinham pés

ao longo de desertos descampados

Morrera nesse rosto toda uma cidade

talvez pra que às mulheres de ministros e banqueiros

se permita exercitar melhor a caridade

A aparente paz que nesse rosto havia

como que prometia a paz na indochina a paz na alma

Eu caminhava e como que dizia 

àquele homem de guerra oculta pela calma:

se cais pela justiça alguém pela justiça

há-de erguer-se no sítio exacto onde caíste

e há-de levar mais longe o incontido lume

visível nesse teu olhar molhado e triste

Não temas nem sequer o não poder falar

porque fala por ti o teu olhar

Olhei nais uma vez aquele rosto era natal

é certo que o silêncio entristecia

mas não fazia mal pensei pois me bastara olhar

tal rosto para ver que alguém nascia

 

Poema de Ruy Belo, in "País Possível"

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publicado às 15:48


#3186 - PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA

POEMA DE RUY BELO

por Carlos Pereira \foleirices, em 28.10.21

PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA

 

Meu único país é sempre onde estou bem

é onde pago o bem com sofrimento

é onde num momento tudo tenho

O meu país agora são os mesmos campos verdes

que no outono vi tristes e desolados

e onde nem me pedem passaporte

pois neles nasci e morro a cada instante

que a paz não é palavra para mim

O malmequer a erva e o pessegueiro em flor

asseguram o mínimo de dor indispensávl

a quem na felicidade que tivesse

veria uma reforma e um insulto

A vida recomeça e o sol brilha

a tudo isto chamam primavera

mas nada disto cabe numa só palavra

abstracta quando tudo é tão concreto e vário

O meu país são todos os amigos

que conquisto e que perco a cada instante

Os meus amigos são os mais recentes

os dos demais países os que mal conheço e

tenho de abandonar porque me vou embora

pois eu nunca estou bem aonde estou

nem mesmo estou sequer aonde estou

Eu não sou muito grande nasci numa aldeia

mas o país que tinha já de si pequeno

fizeram-no pequeno para mim

os donos das pessoas e das terras

os vendilhões das almas no templo do mundo

Sou donde estou e só sou  português

por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez

 

POEMA DE RUY BELO in «Transporte no Tempo»

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publicado às 06:09


#3185 - FALA DE UM HOMEM AFOGADO AO LARGO DA SENHORA DA GUIA NO DIA 31 DE AGOSTO DE 1971

POEMA DE RUY BELO

por Carlos Pereira \foleirices, em 25.10.21

FALA DE UM HOMEM AFOGADO AO LARGO

DA SENHORA DA GUIA NO DIA 31 DE AGOSTO DE 1971

 

A mim morto no mar entre algas e corais

que notícias me dais aí da superfície

dessa única terra onde vivi

e foi minha ambição morrer pra nunca mais?

Ainda cheira a esteva por aí?

Que mundo de repente recupera

quem ao abrir um dado dicionário sente o cheiro

do jornal infantil folheado em criança

no pavimento térreo dessa adega

onde o verão intenso nem entrava

mas intensificava mesmo a humidade?

Ainda porventura a alguém

se lhe molham os olhos ao lembrar

quem à vontade meninice fora assim corria

como quem aí tem aquela única casa

afinal sua toda a sua longa vida?

Ao menos uma folha se moveu quando morri

à vista desse cerro aonde o vento dependura cantos

nas mais instáveis copas dos pinheiros

onde a névoa se adensa e cobre aquele castelo

ali erguido para humanizar o mar

e até perpetuar esse quebrar das ondas

contra esses rochedos um recurso secular

que a terra utilizou para se opor à sedução da água

instável envolvente e incapaz de conseguir a paz

como o chão que na pedra tem a máxima fixação?

Alguém notou acaso a minha falta

para além dum visível ponto de referência

um aceno do sono ou som do sino

gesto de mão sorriso silhueta?

Sentiram-se levados a exaltar-me

os que na destruição me vislumbravam

uma certa razão das suas vidas?

Alguém me aquecerá o coração ao fogo

quando o frio do fundo e das correntes

fender as minhas vísceras dispersas

por estes cinco mares onde espalho

a morte merecida pela minha condição de peixe?

Se alguém descer até estas profundidades

porventura será capaz de decifrar

o mistério reflectido nestes olhos

eternamente abertos sobre o meu amado mundo?

Alguém foi como eu profundamente vil

e muito mais o foi por conhecer que o era?

Onde dormem agora os que eu amei?

Como lhes foi possível perecer

se eu por os amar os tinha por eternos?

Seriam só eternos para mim?

Que paz lhes pesa agora sobre o peito?

O sol ainda nasce? Ouve subitamente alguma música

quem tão perdido estava que de súbito começa

e olha para tudo com os olhos limpos

de quem as coisas vê pela primeira vez?

Quem lá na minha aldeia sacrifica hoje

o porco semanal em troca dum grunhido

desfeito contra os montes circundantes?

Morto o miguel ainda fica a faca?

Ainda pelas ruas ao domingo

se tem de procurar não pôr os pés nos bêbados prostrados

convencidos talvez de vir a ter em tão precária posição

mera antecipação da humana condição definitiva

alguma solução para a sua indigna sujeição?

Ainda vem à quarta de almoster o ferrador

ferrar machos cavalos na barraca de madeira

erguida ali à beira do caminho

que me levava a casa e devolvia à vida?

Porventura o barbeiro ainda se chama marcelino?

Compram cada semana os seus trabalhadores

reunidos na praça após matar o bicho

os senhores dos pauis e vinhas e courelas?

Festeja-se na adega o termo da colheita

dessa azeitona vorazmente varejada da oliveira

sobre o espesso pano de serapilheira?

Alguém caiu de cima de uma árvore

por causa da geada de janeiro

e até da aguardente ingerida em jejum

em todos estes anos desde a morte do bizarro?

A cheia traz o s+avel pela primavera?

Há bailes na ribeira a dois quilómetros

passado o pinheiro manso pelo carnaval?

Como se chama agora a dona da farmácia? 

Há fogueiras em junho onde debaixo de aparente devoção

se exalta a vida e normaliza a natureza?

Os noivos vão casar-se de carroça

e abrem de abalada as mãos cheias de confeitos sobre as testas dos miúdos

que se juntam à espera para os ver passar

e não sabem ainda como é triste a alegria?

A quem pertencem hoje as lavegadas

onde as mulheres mondavam as searas

e as folhas arrancavam às videiras

que vedavam às uvas o acesso ao sol?

Nestas núpcias eternas com a água

sobre sinos e ventos sibilantes

não se ouvirá soar a monocórdica

e harmónica música daquelas campainhas

das máquinas registadoras dessa lojas

desse porto e da vila onde dormi

os últimos dez anos de visitas começadas

num verão lembro-me bem num dia três de agosto

dentro da composição número mil e oito da cp

(alguém de letra irregular o deixou escrito num romance

comprado na estação do entrocamento

e por mim esquecido ao chegar a são bento)?

Existirá ainda o escuro casarão até talvez capaz de atenuar

a música do sino que ritmava a vida

nessa vila pequena aonde o homem

mais de frente enfrentava o frio olhar da morte?

Que é feito da pensão perto dos estaleiros

onde eu bebia com os pescadores e carpinteiros

e que deixei de vez para ir ao encontro

da musa mais discreta e silenciosa dos meus versos?

E eu que nos lençóis via a neve polar

que às vezes ao cheirá-los me sentia transportado

subitamente a sítios e a dias do passado

que só os soube na verdade apreciar

levado pela mão de camilo pessanha e dylan thomas

eu que em lençóis de linho ambicionava repousar

são de água os meus lençóis e à volta é o mar

Se me via cingido de cidade

se nem já mesmo o sol deixava entrar em casa

sem antes ele limpar os dois sapatos ao entrar

devo afinal a gestos artificiais

o meu regresso às coisas naturais

Não pense quem vier que estou sozinho

entre inúmeros peixes das profundidades

e os corpos de incontáveis pescadores

como o jovem lourenço são miguel

que aqui se despediu dessa vida de aí

a cinco salvo erro de janeiro de sessenta e cinco

Não reparam que olho com os olhos cheios de água

quem só mais do que eu pertence ao mar

por aqui habitar só aparentemente antes?

Moradores da terra fogo ou ar

sabei que o solo sólido da terra foi apenas para mim

insegurança oscilação vertigem

e que em verdade agora mais do que acabar

o que fiz foi voltar à minha origem

 

POEMA DE RUY BELO IN "TODA  A  TERRA" E RETIRADO DA COLECTÂNEA "TODOS OS POEMAS", EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM REIMPRESSO EM JANEIRO DE 2020

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publicado às 19:16


#3177 - UMA VEZ QUE JÁ TUDO SE PERDEU ||| POEMA DE RUY BELO

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.09.21

UMA VEZ QUE JÁ TUDO SE PERDEU

 

Que o medo não te tolha a tua mão

Nenhuma ocasião vale o temor

Ergue a cabeça dignamente irmão

falo-te em nome seja de quem for

 

No princípio de tudo o coração

como o fogo alastrava em redor

Uma nuvem qualquer toldou então

céus de canção promessa e amor

 

Mas tudo é apenas o que é

levanta-te do chão põe-te de pé

lembro-te apenas o que te esqueceu

 

Não temas porque tudo recomeça

Nada se perde por mais que aconteça

uma vez que já tudo se perdeu

 

Poema de Ruy Belo in "Homem de Palavra[s]", pág. 312 da colectânea "Todos os Poemas", edição Assírio & Alvim de Abril de 2014 (4.ª Edição)

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publicado às 10:17


#3169 - HOMEM PERTO DO CHÃO |||| POEMA DE RUY BELO

por Carlos Pereira \foleirices, em 06.06.21

 

HOMEM PERTO DO CHÃO

 

Na primavera quando as tardes se arredondam

e já nas praias nascem as primeiras ondas

e volta sobre o mar a ave solitária

o homem enche de ar o peito vespertino

arranca o corpo à chuva e às nuvens do inverno

e chega a ter desejos de ficar

 

Mas em que rosto isento de contradição

há-de ele peregrino erguer a tenda?

Não abrem na cidade à sua frente as ruas

caminha ante deus como se visse

esse deus invisível

 

Florescem quando passa contraditórios clarins

cantando cada um sua ideia diversa

nenhuma o levará à pátria que procura

Tenham outros tambores ele tem

a pesada cabeça entre as mãos caída

Ele que desça ao fundo de todos os olhos

que nos trazem a alma à flor da pele

também não serão lá o coração ou a infância

 

Quando a tarde morrer ou o outono vier

do seu olhar é que as aves todas partirão

Aí temos um homem perto como nunca nem ninguém do chão

 

POEMA DE RUY BELO in " AQUELE GRANDE RIO EUFRATES"

 

 

 

 

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publicado às 16:44


#3164 - A MULTIPLICAÇÃO DO CEDRO [POEMA DE RUY BELO]

por Carlos Pereira \foleirices, em 02.06.21

A MULTIPLICAÇÃO DO CEDRO

 

O senhor deus é espectador  desse homem

Encheu-lhe o regaço de dias e soprou-lhe

nos olhos o tempo suave das árvores

Deu-lhe e tirou-lhe uma por uma

cada uma das quatro estações

A primavera veio e ele árvore singular

à beira do tempo plantada

vestiu-se de palavras

E foi a folha verde que deus passou

pela terra desolada e ressequida

Quando as palavras o deixaram de cobrir

ficaram-lhe dois dos olhos por onde

o senhor olha finitamente a sua obra

Até que as chuvas lhe molharam os olhos

e deles saíram rios que foram desaguar

ao grande mar do princípio

 

POEMA DE RUY BELO "IN AQUELE GRANDE RIO EUFRATES"

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publicado às 19:41


#2982 - UM QUARTO AS COISAS A CABEÇA ||| POEMA DE RUY BELO

por Carlos Pereira \foleirices, em 01.04.19

 

UM QUARTO AS COISAS A CABEÇA

 

Mesmo que fosse mais do que este quarto a minha vida

à volta da cabeça pronta a rebentar

mesmo que fossem quatro apenas as paredes

quatro paredes são de mais para uma vida

e há palavras horríveis ó meu deus sintagma da gramaticalidade

pura pura negação da vida três palavras onde

se apoia há muito o homem que afinal só fala por falar

e eu me apoio agora em holocausto ao ritmo à vibração verbal

há dizia eu palavras pavorosas que não são precisamente o adjectivo

que substituo por razões de métrica mas são palavras como

por exemplo vida e há muito haver deixado a minha infância

coisa talvez que só por havê-la deixado alguma coisa significa

e ser não já profissional qualificado mas pessoa crescida

que não leva talvez gravata mas que tem vida privada

gulosamente devassada por vizinhos companheiros de trabalho

e tem outras pessoas e tem horas e tem ruas ò meu deus

ó forma essencialmente vocativa do meu grito grande merda esta vida

Talvez haja a janela haja árvores e céu

talvez se eu caminhar ao longo do comprido corredor

que talvez una uns com os outros estes dias

talvez se houve uma entrada ao fundo haja uma saída

Hei-de passar a merda desta vida à procura de papéis?

Sempre entre mim e ao que chamam coisas há-de haver palavras

e dirão que há-de haver não só algum sentido para as coisas

mas um sentido seja ele qual for para a merda da vida

onde nasce de súbito um pequeno imenso monstro descendente de um tirano

e a mãe desse tirano descendente que podia ser tamanha como simples mãe

é mãe por profissão por pose pela posição de tão tonta cabeça

multiplicadas pelas capas das estúpidas inúmeras revistas

forma mais fugitiva de fugir à fome à alegria própria ao real

cabeça digo não apenas sem ideias mas cabeça onde já nada começa

criança que se sabe quantos quilos pesa que cor tinha

a primeira e menos metafórica das merdas que cagou

e o pai da criança que horrorosamente se apresenta como pai profissional

como marido inteirramente a par das regras da mulher

meu deus que merda metafórica esta merda desta vida

E eu ter de passar a vida à procura da chave

e procurar abrir e não saber da chave

e não existir nunca porta ou chave

e chave ser palavra ambígua ter sentido

e haver muitas palavras e muitíssimos sentidos

e a vida ser só uma e ser a vida

e haver mãos para as coisas gestos para as mãos

e não haver que porra uma saída

E esta cara esta cabeça susceptível de ser vista

e tudo quanto faço interpretado e comentado

e haver nomes e eu ser isto e não aquilo

eeu sentir-me em nomes encerrado

Quero dormir não ter esta doença de pensar

estender-me sob o céu o mais possível ao comprido

e que bastante terra cubra o meu comprido corpo

e eu seja terra apenas e a terra nada seja

Que eu durma ó meu nada e tu meu nada existas só

para na noite ouvir quem como eu é isso apenas que deseja

 

POEMA DE RUY  BELO, RETIRADO DO LIVRO «PAÍS POSSÍVEL» - EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, JANEIRO DE 2016

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publicado às 17:37


#2947 - AH, PODER SER TU, SENDO EU! [POEMA DE RUY BELO]

por Carlos Pereira \foleirices, em 06.01.19

AH, PODER SE TU, SENDO EU!

 

Ei-lo que avança

de costas resguardadas pela minha esperança

Não sei quem é. Leva consigo

além de sob o braço o jornal

a sedução de ser seja quem for

aquele que não sou

E vai não sei onde

visitar não sei quem

Sinto saudades de alguém

lido ou sonhado por mim

em sítios onde não estive

Há uma parte de mim que me abandona

e me edifica nesse vulto que

cheio de ser visto por mim

é o maior acontecimento

da tarde de domingo

Ei-lo que avança e desaparece

E estou de novo comigo

sobre o asfalto onde quero estar

 

POEMA DE RUY BELO RETIRADO DE "AQUELE GRANDE RIO EUFRATES" -  EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, SETEMBRO DE 2018

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publicado às 15:55


#2941 - ODE DO HOMEM DE PÉ (POEMA DE RUY BELO)

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.12.18

 

ODE DO HOMEM DE PÉ

 

Rua ferida pelo sol mais uma vez te saúdo

pelos passos lentos como o rolar dos anos

pelos dias vulgares cheios de maçãs

pela timidez que na loja nos assalta de pedir o troco

pelas crianças mal vestidas para a vida

nos bicos dos pés te saúdo

pela paixão que transferiu campaspe

do amor de alexandre então dono do mundo

para o coração de apeles pintor pobre

que tinha como dom o simples dom de olhar

por tantas coisas belas que ficaram fora dos meus versos

pelos rostos presentes pelo grande ausente por tudo

 

Oh como o sofrimento purifica minha rua

Ele passa-nos as mãos por todo o corpo

desce por nós como um olhar de mãe

e a mais agasalhada vida vê-se nua

 

Voz justificação de toda esta arquitectura que somos

chove a meu lado atrás de mim na minha frente

Eu mero obstáculo à incondicional vitória da chuva

peço o teu concurso para cantar a rua à chuva

Rua onde as casas olham quase com desgosto

aquela que a seu lado é demolida

onde eu pecador me confesso e agradeço

este milagre de estar vivo ainda na quinta-feira

passadas já segunda terça e quarta

e poder erguer as duas mãos acima da terra

rua onde passaram meus pais

onde invejei pela primeira vez o vinco das calças dos adultos

onde compartilhei com estranhos a estrela da manhã

e chorei a queda do maior amigo que não sei quem foi

rua onde tudo ganhei tudo logo perdi

onde assisti ao convívio silencioso das mais diversas árvores

e vi van gogh o holandês entre elas esperar as estações

que vinham alegres e submissas de mãos dadas com crianças

onde pensei que a dança liberta da condição de seres poisados que todos temos na vida de                                                                                                                                                     todos os dias

e muitas outras coisas que depois esqueci

rua que me levaste a tanto sonho vão

que me viste passar neste meu corpo sem nunca o conhecer

bem pouco basta minha rua para faze feliz o homem:

acender por exemplo repentinamente a luz

na sala onde pairava um certo mal-estar

o que dissipa como que para sempre a sua triste condição

Ou então na morte do escritor amigo recitar

o elogio fúnebre de há muito preparado

que se haverá de matar ainda mais o morto

e ele vivo terá por força de o imortalizar

Inútil inverter-te como antes rua para renovar a vida

A inquiteção que eu sentia quando me esquecia do sinal da cruz

quando de pernas excessivamente livres

cingia não de cruz mas sim de coração os inúteis caminhos

quando se me exigia o sacrifício dos olhares

e era meu dever nunca fazer ruído algum ao passar pela vida

Deixou de ser uma aventura atravessar-te rua

ao fim de ti nem mesmo há já esse equeno almoço

aonde pelo menos qualquer coisa começava

Não disponho de alento para muitos anos

Sinto-me velho nasci em 33 estamos em 60

vou fazer vinte anos. Isento do serviço militar

incapaz de lutar mandar obedecer

como que fiquei sempre à espera da maioridade

 

É tempo de assistir aos funerais dos amigos

começo a estar bom para jazer

«bom é acabar» - dizia o vice-rei

Já sou de deus deixei de ter idade rua

ele passou a ser a minha própria idade

não me levouu em conta o céu antecipado

e se algum dia porventura alguma criatura me moveu

o deus que é também teu há muito o esqueceu já ó rua

Se título algum tive já me vai caindo

só deus é minha veste e minha história

Que ele me abra ó rua a porta da palavra

 

Agora que por fim alguém em sua voz me chama

pelos rostos presentes pelo grande ausente

que me livrou num tempo de injustiça por tudo

ao fim de ti ó rua te saúdo mais uma vez te saúdo

 

POEMA DE RUY BELO IN "AQUELE GRANDE RIO EUFRATES", EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, SETEMBRO DE 2018

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publicado às 16:36


#2929 - A MULTIPLICAÇÃO DO CEDRO (POEMA DE RUY BELO)

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.12.18

RUY BELO (27 DE EVEREIRO DE 1933 | 8 DE AGOSTO DE 1978)

 

A MULTIPLICAÇÃO DO CEDRO

 

O senhor deus é espectador desse homem

Encheu-lhe o regaço de dias e soprou-lhe

nos olhos o tempo suave das árvores

Deu-lhe e tirou-lhe uma por uma

cada uma das quatro estações

A primavera veio e ele árvore singular

á beira do tempo plantada

vestiu-se de palavras

E foi a folha verde que deus passou

pela terra desolada e ressequida

Quando as palavras o deixaram de cobrir

ficaram-lhe dois dos olhos por onde

o senhor olha finitamente a sua obra

Até que as chuvas lhe molharam os olhos

e deles saíram rios que foram desaguar

ao grande mar do princípio

 

POEMA DE RUY BELO EXTRAÍDO DO LIVRO "AQUELE GRANDE RIO EUFRATES", EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, SETEMBRO DE 2018

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publicado às 23:21


#2922 - MORTE AO MEIO-DIA

por Carlos Pereira \foleirices, em 03.12.18

 

MORTE AO MEIO-DIA

 

No meu país não acontece nada

à terra vai-se pela estrada em frente

Novembro é quanta cor o céu consente

às casas com que o frio abre a praça

 

Dezembro vibra vidros brande as folhas

a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal

que o mais zeloso varredor municipal

Mas que fazer de toda esta cor azul

 

que cobre os campos neste meu país do sul?

A gente é previdente tem saúde e assistência cala-se mais nada

A boca é pra comer e pra trazer fechada

o único caminho é direito ao sol

 

No meu país não acontece nada

o corpo curva ao peso de uma alma que não sente

Todos temos janela para o mar voltada

o fisco vela e a palavra era para toda a gente

 

E juntam-se na casa portuguesa

a saudade e o  transístor sob o céu azul

A indústria prospera e fazem-se ao abrigo

da velha lei mental pastilhas de mentol

 

O português paga calado cada prestação

Para banhos de sol nem casa se precisa

E cai-nos sobre os ombros quer a arma quer a sisa

e o colégio do ódio é a patriótica organização

 

Morre-se a ocidente como o sol à tarde

Cai a sirene sob o sol a pino

Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde

Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

 

Há neste mundo seres para quem

a vida não contém contentamento

E a nação faz um apelo à mãe

atenta a gravidade do momento

 

O meu país é o que o mar não quer

é o pescador cuspido à praia à luz do dia

pois a areia cresceu e o povo em vão requer

curvado o que de fronte erguida já lhe pertencia

 

A minha terra é uma grande estrada

que põe a pedra entre o homem e a mulher

O homem vende a vida e verga sob a enxada

O meu país é o que o mar não quer

 

POEMA DE RUY BELO EXTRAÍDO DO LIVRO «PAÍS POSSÍVEL», EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, JANEIRO DE 2016

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publicado às 21:42


#2898 - ATRAVÉS DA CHUVA E DA NÉVOA

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.11.18

RUY BELO

 

ATRAVÉS DA CHUVA E DA NÉVOA

 

Chovia e vi-te entrar no mar

longe de aqui há muito tempo já

ó meu amor o teu olhar

o meu olhar o teu amor

Mais tarde olhei-te e nem te conhecia

Agora aqui relembro e pergunto:

Qual é a realidade de tudo isto?

Afinal onde é que as coisas continuam

e como continuam se é que continuam?

Apenas deixarei atrás de mim tubos de comprimidos

a casa povoada o nome no registo

uma menção no livro das primeiras letras?

Chovia e vi-te  entrar no mar

ó meu amor o teu olhar

o meu olhar o teu amor

Que importa que algures continues?

Tudo morreu: tu eu esse tempo esse lugar

Que posso eu fazer por tudo isso agora?

Talvez dizer apenas

chovia e vi-te entrar no mar

E aceitar a irremediável morte para tudo e todos

 

POEMA DE RUY BELO IN «O TEMPO DAS SUAVES RAPARIGAS E OUTROS POEMAS DE AMOR», EDIÇÃO 1402, JULHO 2010, ASSÍRIO & ALVIM

 

 

 

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publicado às 20:02


#2678 - A FLOR DA SOLIDÃO

por Carlos Pereira \foleirices, em 22.11.17

 

A FLOR DA SOLIDÃO

 

Vivemos convivemos resistimos

cruzámo-nos nas ruas sob as árvores

fizemos porventura algum ruído

traçámos pelo ar tímidos gestos

e no entanto por que palavras dizer

que nosso era um coração solitário

silencioso profundamente silencioso

e afinal o nosso olhar olhava

como os olhos que olham nas florestas

No centro da cidade tumultuosa

no ângulo visível das múltiplas arestas

a flor da solidão crescia dia a dia mais viçosa

Nós tínhamos um nome para isto

mas o tempo dos homens impiedoso

matou-nos quem morria até aqui

E neste coração ambicioso

sozinho como um homem morre cristo

Que nome dar agora ao vazio

que mana irresistível como um rio?

Ele nasce engrossa e vai desaguar

e entre tantos gestos é um mar

Vivemos convivemos resistimos

sem saber que em tudo um pouco nós morremos

 

Poma de Ruy Belo

 

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publicado às 19:34

 

 

 

ALGUMAS PROPOSIÇÕES COM PÁSSAROS E ÁRVORES QUE O POETA REMATA COM UMA REFERÊNCIA AO CORAÇÃO

 

Os pássaros nascem na ponta das árvores

As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros

Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores

Os pássaros começam onde as árvores acabam

Os pássaros fazem cantar as árvores

Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se

deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal

Como pássaros poisam as folhas na terra

quando o outono desce veladamente sobre os campos

Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores

mas deixo essa forma de dizer ao romancista

é complicada e não se dá bem na poesia

não foi ainda isolada da filosofia

Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros

Quem é que lá os pendura nos ramos?

De quem é a mão a inúmera mão?

Eu passo e muda-se-me o coração

 

POEMA DE RUY BELO

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publicado às 18:45


#2464 - MORTE AO MEIO-DIA

por Carlos Pereira \foleirices, em 23.06.17

 RUY BELO (1933-1978)

 

MORTE AO MEIO-DIA

 

No meu país não acontece nada

à terra vai-se pela estrada em frente

Novembro é quanta cor o céu consente

às casas com que  o frio abre a praça

 

Dezembro vibra vidros brande as folhas

a brisa sopre e corre e varre o adro menos mal

que o mais zeloso varredor municipal

Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?

A gente é previdente cala-se e mais nada

A boca é pra comer e para trazer fechada

o único caminho é direito ao sol

 

No meu país não acontece nada

o corpo curva ao peso de uma alma que não sente

Todos temos janela para o mar voltada

o fisco vela e a palavra era para toda a gente

 

E juntam-se na casa portuguesa

a saudade e o transístor sob o céu azul

A indústria prospera e fazem-se ao abrigo

da velha lei mental pastilhas de mentol

 

Morre-se a ocidente como o sol à tarde

Cai a sirene sob o sol a pino

Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde

Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

 

Há neste mundo seres para quem

a vida não contém contentamento

E a nação faz um apelo à mãe,

atenta a gravidade do momento

 

O meu país é o que o mar não quer

é o pescador cuspido à praia à luz do dia

pois a areia cresceu e a gente em vão requer

curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

 

A minha terra é uma grande estrada

que põe a pedra entre o  homem e a mulher

O homem vende a vida e verga sob a enxada

O meu país é o que o mar não quer

 

POEMA DE RUY BELO

 

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publicado às 20:20


#2054 - ENGANOS E DESENCONTROS

por Carlos Pereira \foleirices, em 12.06.16

 RUY BELO

 

ENGANOS E DESENCONTROS

 

Canto o homem solar que pisa a neve

A palavra confirma-se em silêncio

as metáforas sobem as metáforas descem

O homem é desejo e não trabalho

é essa mesmo uma das suas definições

Todos os paraísos se baseiam no presente

mas ao matar a morte  matam o prazer

O agora do corpo une-nos à morte

O que é que eu fiz da minha juventude?

pergunta tristão uma vez findo o sortilégio

que o unia a isolda a loura e do rosto claro

Canto esse antigamente esse tempo impossível hoje para nós

quando rivalen o súbdito de marc

com o furor dos amadores da cornualha

se apaixonou por brancaflor irmã de marc

e assim deu início a um conto de amor e da morte

Isolda amou tristão com louco amor

e ouvia o seu cantar como só canta

o rouxinol quando o verão acaba

Ambos refugiados na floresta de morois

vêem chegar a estação quente uma terceira vez

tão belos e imóveis como estátuas mas

marc o ingénuo tio de tristão

em vez da realidade via as aparências e

quanta tortura amor terá causado

A única época feliz do homem terá sido o neolítico

quando o momento triunfava do futuro

Aquele que depois se dedicou a edificar a casa de amanhã

foi vítima do quadro do presente

O paraíso é de anjos e animais

articulemos nós só a palavra vida

Com a frágil felicidade sempre ameaçada

tristão despede-se da sua loura amiga

e extrai o seu prazer do esquecimento

Pesa-lhe na cabeça um pensamento

aves do bosque sede ao seu serviço

E tristão busca isolda com

a cruz no crânio dos loucos de outrora

Quando o sol se levanta traz a claridade

deixai-os ir ao fundo da loucura no

país afortunado dos viventes

Mas nunca mais na vida a voltaria a ver

Cólera de mulher é coisa de temer

e a mulher de tristão fá-lo morrer

antes que chegue o navio de isolda

Sem alteridade não há unidade

A poesia pode muito para mim

pois vem iluminar os meus fantasmas

Quando uma sociedade se corrompe

corrompe-se primeiro a linguagem

 

A tarde escreve uma curva suave

Vou muito simplesmente com o vento

sem sequer conhecer que fujo de mim mesmo

O trigo na campina amadurece

passeio no jardim a cena passa-se no espírito

digo-te adeus e digo adeus à minha juventude

Falo desses teus olhos matutinos

coroo-te de flores ó donzela

tão branca como a cera alta como a gazela

Tens no olhar o prestígio da guerra

voz velada de sol talvez luar

Quero um país que tenha a minha idade

Sinto ter ante mim tempos sem fim

Chego ao termo de quanto pode amar um homem

Já não há uma pátria para mim

falas e logo o tempo se detém

na fragrante fragrância do teu rosto

que luz constantemente em abundância

O murmúrio da minha indignação

por graça da beleza e juventude ignora

o impuro comércio cortesão

Morrer é uma coisa que se vê

O teu amor cresce como uma árvore

há vozes de desgosto na separação dos corpos

Eu canto aves animais herbívoros ou carnívoros

e centra-se na tarde e cerca-me completamente

este crepúsculo esta hora de poetas

A noite entra depois pelas nossas janelas

e traz consigo pitagóricos gente que vive só pelos desertos

Eu porém vivo vou de cidade em cidade

Escrever-te é a maneira de te ter presente

deste satisfação a um amigo e companheiro

pagaste a dívida de amizade e de fraternidade

Por confia em ti nada perdi

é a ti que te quero e não abraços teus

addeus mulher amada mundo meu

Eu digo eu canto e logo o mundo faz-se

ó ave vida momentânea sobre as águas

Chorar eis tudo o que por fim me é possível

antes a sepultura para mim que para ti

eu prefiro seguir-te a enterrar-te

se morres despedimo-nos da vida 

pensar-te morta é morte para mim

que a dor que for me chegue sem aviso

tudo menos o meio de ficar no receio

Mas se te perco tu que és a minha esperança

qual é então a esperança que me resta?

Mais amarga a mulher que a própria morte

mais amarga que a morte é a separação

e aí tu em paris e eu em argenteuil

Louvados os caminhos da mulher

e aquele que por eles caminhar

Em mim canta por vezes abelardo

e é a mim que heloísa tenta

por vezes agradar e não a deus

Os actos de um amor que for em mim contentamento

não podem apoiar agora a penitência

Os sítios e as horas nossas testemunhas

encontram-se na minha consciência

Deus sonda os rins e o que neles se esconde

artistas da mentira e da bajulação e canto a

desolada mulher do fim do mundo mulher que

não teme o tema da prosperidade

não a venha a vaidade a visitar

A morena é do sol que nela incide mas

tu virgem loura és o lírio da montanha

Introduziu-te o rei na sua câmara

e tocou-te de estrelas de mistério

Alterno a alegria com a dor

na pureza da prece perturbada

participo da angústia e do prazer

em tanto desespero quanto aspiro

Ando em prosperidade e aflição

sou um homem de júbilo e de pena

e rio tanto mais quanto mais choro

Arrebata-me o róbur do rubor

Galateia desdenha mas espera

enjeita mas seduz ao mesmo tempo

Eu faço uso da carne e roupa branca

à minha mágoa impus um fundo freio

como de tudo o que se vende no mercado

pois é de deus a terra e quanto encerra

Quando eu despertar hei-de aflorar o vinho

não darei importância a quanto não

me preparar para a definitiva posição

Há muito desertei da minha fé

são meus amigos pecadores e publicanos

recuso aquele que sonda corações e rins

não me suja comer com as mãos por lavar

Eu suportei o dia e o calor

deixai-me ao acabar rezar completas

Pequenino e submisso como um riso

eu canto o insensível pássaro do nada os

lençóis de linho sob o cáustico cloreto as

estampas antigas onde os anjos sobem

escadas de salvação com homens pela mão

de olhos cheios de sombra e de penumbra em

casinhas térreas esmagadas pelas chuvas na

consequente conclusão do verão

Eu canto a solidão do céu só entre céu e terra

palavras pitorescas proferidas  num

discurso dominado pela erudição

combinações confusas e entrecruzadas a

vermelhidão do púcaro da peste

Eu canto as rosas de trepar abertas em fevereiro a

tesoura que podava pela tarde

as casas corpos definidos sobre a terra as

luzes da ceia abertas nos casebres as

covas que o vento cava na água do mar

esse mar bravo de muitos dias de fevereiro

Já os olhos das árvores abotoam

Viajo pelo tempo até ao porto da velhice

onde poisar a pluma da penumbra

 

Eu canto as violetas vistas nos teus olhos

canto a cega conspiração das tuas mãos canto o

paquete que aparelha para o mar a

missa rezada em capela escusa

naquela noite confidente e cúmplice

dos olhos das mulheres ardendo como tochas

Neste verão fechado em nevoeiros

de dias devassados pelo som da ronca

eu canto a tarde posta sobre a tua testa

a ressalga do mar na minha casa

nas minhas duas mãos nas minhas lágrimas

Eu canto o teu vulto evidente nesta praia

e lá na ponta o forte dando já o corpo ao anoitecer

e sinto aqui o mar mesmo na cama

valsar a toda a volta desta tonta vida

Eu canto o pássaro que poisa já no ramo ou

uma reviravolta de quadrante

que arrasta folhas mortas no outono

e retiro a cabeça das vidraças desta vida da

terra deixada da mulher amada no

furor ambulatório dos meus passos

Durmo cego no mais secreto mar

A vida é como um manto ó agustina

e o adultério não é fácil à mulher

como o não era no século sétimo anterior a cristo

quando alguém começava a esperar pela morte

ou no século doze quando a fonte de vaucluse

corria e o verão chegava sem eu esperar

e a voz da tempestade vinha na idade

Eu canto as tardes frescas qundo nas

repartições nos não congregam os cuidados

e as longas alamedas se cumulam de flores vermelhas

e as donzelas se embrenham em silêncios tão pesados como bofetadas

Canto as rameiras que usam nos cabelos uns pentes de pedras

e se lhes vêem as saias de baixo amarelas e lilases

e há mulheres nobres de rostos com tons de um verde-maçã e violeta

sob os ramos mais baixos de sinceiros

e outras árvores de folhas amarelas e reversos brilhantes como prata

e a voz de uma ave oculta em laranjeiras

pode subitamente provocar o pranto

Canto uma flor desconhecida que abre

seu ventre mate na íntima penumbra de florestas

quando em quase toda a natureza humana

a vibração de besta substitui a alegria

e as mulheres multiplicam os cabelos

de uma cor fulva e serpenteantes

eu canto o despertar da ira como um gesto inicial

quando não descoberto o mundo apetece e

nos poemas não cabem as ffelpudas folhas das nespereiras e

se sabe esperar meses pelo resultado de uma frase dita num salão

Eu canto a crueldade generosa e o febril fogo castigador

vivos no homem que não pervertia ainda

essa paixão vencida que há por baixo da mentira

canto o cansaço de quem cai na relva e sob a gigantesca tília

jaz quando as rameiras não eram ainda

as aves proibidas que só saem ao anoitecer

e a pequena pedra sua a sua água perlada

e há no manso mar nuvens que anunciam o calor

canto aquele português que não domina ainda

a face decomposta e deformada

mas onde se reflecte a luz do sol e onde cai a chuva

e que sabe saborear amoras bravas

e os caldos de sêmola aprecia

num retiro furtivo de evasão das mundanas congregações

canto o tempo em que havia colóquios mortais

debaixo das ameixieiras rutilantes

e o pecado não era tíbio e consentido

por mulheres que viviam na intimidade da sensualidade

e amavam quer o cheiro quente de um campo lavrado

quer a emanação olorosa da fruta

que amadurecia nas salas das casas

canto a miséria franca inda sem luvas

eu canto tudo isso ou não canto realmente nada disso

Canto o tempo dos gastos com as permanentes

deslocações da corte de uma terra para outra

e os cortesãos há séculos vergados sobre o chão

rodeados talvez de espargos bravos quando

os dias se passavam em amores

e nos mais variados exercícios de armas

e uma casta esmoler aliviava os precisados

sem em troca exigir-lhes as virtudes dos vencidos

Canto o tempo de sol e as pragas de gafanhotos vindas com a chuva

quando a sensualidade corroía já esse homem altivo

por se saber prestes  a morrer

quando ninguém gostava da ambiguidade fugidia e fácil

e as mulheres se mostravam já capazes

da verdadeira compreensão da sensualidade

amiúde divinizadas perlos homens para as isolarem

Canto os contemporâneos dos homens ilustres

que mais tarde falhavam outra vez

quando a felicidade era um sofrimento já passado

junto de tílias perto de alguns pássaros

que caíam cerrados como pedras

canto os poços tão fundos que segundo os velhos

se ouvia o cantar dos galos nesse dia que havia para lá do fundo

quando havia inúmeros objectos cujo uso se esqueceu

e um silêncio pouco após ameaçado levemente

pelo cantar dos galos pelas flautas dos pastores

e a penumbra  não era precursora da sombra

Eu encho o peito de ar e canto tudo isso

Que alguém ampare o que for que em nós espere

que alguma coisa dure antes de ir-

-se embora ó morna urna eterna e nocturna

ávida e lêveda dúvida lívida mas tórrida

parássemos e víssemos e velhíssimos nos embrulhássemos num

sensual servil lençol sob o dossel azul e mole

A área da matéria é vária e etérea

o átrio é pétreo e vítreo

mas a larva ou a erva que sirva para que a água ferva

que a vida a não absorva nem a ponha turva

que o debate debite azeite por quem opte e lute

Contemplo por exemplo o amplo tempo

onde o tema do drama recai numa trama

e o meu acto é um tecto para um grito

que gosto de ver roto quando luto num

segundo que descendo dura menos que subindo

muito menos que amando nada se me afundo ao

relento cego sossegado branco

Não mais hei-de voltar ao estaleiro onde me despedi de solteiro

na noite solitária de mãos dadas com o vento

Foi da maré vazante a vitória precária e aparente

da terra e sua gente sobre a pátria permanente

de peixes e corais conchas e tudo o mais

Eu canto as mulheres cabelos de sargaço e áticos narizes de aço

ou rostos de marfim que me perdem a mim

e entre elas tu comprida cabeleira

tanto tempo perdido coisas sem sentido

palavras para o teu ouvido flores do teu vestido

mulher que choro agora e ausente embora é comigo que mora

causa desta tristeza que me altera a natureza

enfim coisas insignificantes que hoje valem mais que antes

E aquele pinheiro positivo e uno

oposto aos fáceis fogos vesperais

pinheiro antes de mim e digno de respeito

mais profundo que um homem e que sabe mais

alheio às manhas que por si a própria vida tem

e muito mais as tem naturalmente quem

com paixão vive a vida e a vive sem medida

e a consente em imolar ao mar

que há muito ouve insistente chamar

e é complexo como a máxima mulher

Ó mar azul meu actual paul

ó catedral de angústia ó pequena réstia

dessa feliz felicidade que sei que não há-de

haver sem eu correr o risco de a perder

ó essa voz que cresce com o dia que desce

sobre esse pinheiro manso onde ainda me condenso

e não nesta miséria que é eu ser pessoa séria

Canto a vela cheia de vento que me arranca num momento

e me faz imolar ao mar que como um deus exige a vida de homens

que lhe ouviram a voz sentiram vocação e

cedo se iniciaram nos mistérios de um supremo ser

que na água que é rapidamente a mim me lava

E canto a neve que se atreve ao que me deve

névoa vinda do sul por sobre o mar azul

luz do lápis-lazúli que se azula

e açula a rasa solidão do mar

melancólica morte dessa praia ao norte

a praia onde desmaia toda aluz que saia

do dia luminar que lá ao longe vai levar

a alegria feroz da luz veloz

deixando sobre o mundo o grito do meu luto

ebulição da vida a custo reprimida

viola violenta que a luz é que sustenta

E sonho como fausto em renovar a vida

gesta já gasta que arrasta a flor da giesta e

sustento-me de ti mesa da vida posta

luz que me aquece quando tudo me arrefece

mulher que passas pela estrada branca

da vida amena ao som da leve avena

olhos redondos olhos como abrunhos

e que vergas à luz como uma verdadeira amendoeira

e morro muito a custo após o mês de agosto

dor dolorosa minha e do meu sonho

num pensamento ermo de um enfermo

que ora aspiro a frescura perfumada de um limão

termo e habitação da terra por deus dada

ora é meu destino a dor lida no olhar do pescador

e mesmo quando durmo em dor me afirmo

 

O meu desporto é a versificação

e troco o próprio verão por três quatro palavras

dessas a que é alheio o coração

Um verdadeiro pescador é dias que nas redes traz

uma vida não chega pra fazer um pescador

na consciência oculta e ignorada do seu tempo

Mas tantas coisas houve que passaram para mim

essa dor onde havia íntimas mulheres

largos ao sol quadros antigos tons de luz

recantos odorosos como a adolescência

essa prega dos lábios onde nasce o riso

o limiar da dor ou os acessos ao amor

tudo isso situado nas imediações dos  olhos

Canto o homem que tinha ainda alguma voz no rio

que corria veloz pra preservar a limpidez e

no rosto um resto de malícia e de melancolia

e a voz na noite tanto esmorecia

que por cima do vento mal se ouvia

e os medronhos caíam as folhas buliam

na perfídia do perigo ou na nudez da perversão

Mas nada disso havia ainda nesse  tempo

além do célere corcel do tempo que corria

do dispensável excesso de experiência

convite à convicção da consciência

terrível e terrestre turbulência

Eu canto a mínima ruína de queimar os dedos o

passo tão calculado como o de uma prostituta

infiltração nas íntimas instituições

pródigos monumentos a nós próprios e

o terrível turíbulo da torpe turbulência

abundância de mãos em máximas imersas

acção dispendiosa para a paz do mundo

Quem se busca a si próprio bruscamente afasta

o manto gotejante das águas tirrenas

do peregrino pertinaz de ítaca ou da

criança apenas convencida da recente vida

sem bem conhecer afinal como conseguida

A útil única e vibrátil vida que

no ríspido rigor real ainda vibra

no quente coração dos corajosos homens

ao ritmo de uma néscia narrativa

provém dos livros desse adolescente aberto

às grandes massas do instinto e risco

dificilmente tributáveis pelo fisco

Se aos deuses nada há a acrescentar

pouco lhes há também a retirar

e muitas vezes mesmo a invejar

Conhecesse eu as ruas tão bem como a vida

recebesse no rosto o bafo azul do nevoeiro

e as amplas janelas que de par em par

deixam entrar em casa imenso o mar

jamais haviam de deixar passar

a nesga negra da profunda negação

esse orgulho do sexo que odeia o segredo

as vozes do serão no morno ar às vezes

Canto a destra desenvoltura que amestra a desventura

e o castigo que traz a paz da culpa

e os grandes gritos só devidos aos aflitos

manto de insulsa água que rodeia as árvores

e o ríspido risco assumido vivo e a

rajada de luar humilde na calçada

Envelheci talvez. Tenho coisas atrás

essa cara convulsa agora causa de rerpulsa

os sórdidos recantos desse rosto

que um intenso gosto antes tivera em contemplar

o desnível possível à cascável acessível

alguém menor que a pedra inferior à onda

mais planta do que absurdo e árvore jamais

onde desprevenida se jogava a nossa vida

sem ser-nos devolvida alguma imagem

onde minimamente esparso ardesse o remorso

Sempre fora o meu mal evitar fazer mal

Esse espectro do nosso desespero o confidente

amara apenas essa rapariga

para a emancipar do infortúnio

Aqui sobre estas águas eu suspenso deixo

a vida até qualquer outro verão

onde outra vez procure em vão o que ora procurei

Eu canto a margem terra empedernida

que exagera e se mostra enfim tão indecisa

quanto antes entre terra e água e o

vento devorador dessas nocturnas raparigas

Das amadas mulheres só me ficam

as que no casamento buscam a legalização

do ouro que a especulação assegurou aos seus antepassados

hoje tão cintilantes quão discretas antes

Viram-se homens de muitos gestos mas de poucas mãos

e viu-se o ar mandado pelo mar

atravessar as ávidas janelas

e entrar de mansinho nas primeiras casas

representantes da cidade e dos seus habitantes

de sorriso escolástico nos lábios

As ondas de tão sôfregas mordiam

pretensas pedras mas afinal terra

e contra o cais as palmas como que batiam

na tragédia que toda a festa encerra

A cidade era parda àquela hora

naquele tempo em que nascem brancas maias

e a mais bela é a cor rubro-saturno

Névoa ou mágoa de sal tudo era azul

Toda a noite eu dançava entre as fogueiras

precisava de ouvir vozes humanas

para me dissipar a solidão

e queria viver e não morrer

e via corações nos cântaros de barro

e ria e ria mais ao vê-los rebentar

a golpes de espadim entre sério e a brincar

Onde estavam agora os amigos de outrora

que comigo corriam pelas praias

e a inocente fronte só de beijos me a cobriam

 no correr dos dias?

Só me quedava ver escorrer das bocas negras dos mendigos

aquela água que corre das carrancas

quando a tormenta cerra o céu dos templos

As aves são um sol branco e maior

sobre o trigo que cresce e que decresce

como o homem que nasce e nascendo envelhece

e eu passo e vou e volto e então abro

os olhos sobre o rio do balcão do paço

e há um vasto espaço nos meus olhos

E canto a alegria de volúveis bailarinos

camareiros arautos fâmulos donzéis

e sonho que não mais acabará essa alegria

As casas as fachadas tudo se reveste de veludo

e casa por ladrões rondada é casa roubada

E a resina arde em meio da multidão

que enche as ruas onde então já danço

entre o aroma ou música que areja

os quartos já fechados desde há muito

que ergue casas já há muito demolidas

e uma voz ouvida e perdida

se vê pelo presente repetida

inicial lustral como uma madrugada

Que importa que no mundo morram os ministros?

É patriótico negar a nacionalidade

aos naturais de um país vencido

que só buscou no mar razão de ser. Eu canto a

memória fugitiva como a água

que parece estender alguma mão de paz

sobre a ácida lâmina de um sabre

Gente amarela e morna amordaçada

domina esse país aonde a ironia

dissimula a impossível alegria

numa vida que vai por mim contaminada

vida do largo da areia e do vento

À minha personalidade própria de poeta

na carne cerebral de que careço

a eternidade vem-me das papoilas

desfolha-se-me a vida como as pétalas das rosas

e pensei e li mais do que vivi

E só tu sobressais entre as demais

mulher eterna com a luz na fronte

e dominante agora em todo o horizonte

Humano mesmo se demasiado humano

povoam-me cidades sossegadas

de sonhos que semeiam as semanas

onde o só silêncio é soberano

Dobra-se a brisa à mão do meio-dia

a fantasia é fértil em verdade

e do presente obscuro português

algum futuro há-de enfim nascer

Do salmo lúgubre da luz final do dia

que já há quatro séculos se entoa

hão-de rasgar a noite portuguesa

as raparigas da cidade de lisboa

E eu hei-de voar ao vento do momento

Dizias qualquer coisa? Esta manhã? Perfeitamente

 

 

Madrid, 31/V/1977

 

POEMA DE RUY BELO IN «O TEMPO DAS SUAVES RAPARIGAS E OUTROS POEMAS DE AMOR»

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publicado às 14:50


#2023 - Tu estás aqui

por Carlos Pereira \foleirices, em 26.05.16

 RUY BELO

 

TU ESTÁS AQUI

 

Estás aqui comigo à sombra do sol

escrevo e oiço certos ruídos domésticos

e a luz chega-me humildemente pela janela

e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou

Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano

e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama

que uso para ser também isto este bicho

de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos

quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o

que faço ou então sou eu que julgo que o sabem

e sou amável e selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras

e sei que afinal  posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa

esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior

a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço

bem entendido o que faço com este braço

Estás aqui comigo e à volta são as paredes

e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa

e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho

e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer

Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado

passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes

esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa

essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol

Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso

diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome

este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro

nome embora no mesmo nome este nome

de terra de dor de paredes este nome domértico

Afinal fui isto nada mais do que isto

as outras coisas qu fiz fi-las para não ser isto ou dissimular isto

a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome que não merda

e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir umas coisas das outras coisas

Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto

pena até mesmo de dizere que sou só isto como se fosse também outra coisa

uma coisa para além disto que não isto

Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo

é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos

mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos

tu és em cada gesto todos os teus gestos

e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz

Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas

perdoa pagares tão alto preço por estar aqui

perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui

prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente

deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias

e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer

sou isto é certo mas sei que tu estás aqui

 

Poema de Ruy Belo in "O tempo das suaves raparigas e outros poemas de amor", edição Assírio & Alvim (1402), Julho 2010

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publicado às 19:24


#1967 - To Helena

por Carlos Pereira \foleirices, em 03.04.16

 Ruy Belo

 

TO HELENA

 

Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente

A maneira mais triste de se estar contente

a de estar mais sozinho em meio de mais gente

de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente

Emotiva atitude de quem age friamente

inalterável forma de ser sempre diferente

maneira mais complexa de viver mais

              simplesmente

de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente

de estar num sítio tanto mais se mais ausente

e mais ausente estar se mais presente

de mais perto se estar se mais distante

de sentir mais o frio em tempo quente

O modo mais saudável de se estar doente

de ser verdadeiro e revelar-se que se mente

de mentir muito verdadeiramente

de dizer a verdade falsamente

de se mostrar profundo superficialmente

de ser-se o mais real sendo aparente

de menos agredir mais agressivamente

de ser-se singular se mais corrente

e mais contraditório quanto mais coerente

A vida enviesada para ir-se em frente

a treda actuação de quem actua lealmente

e é tão impassível como comovente

O modo mais precário de se ser mais permanente

de tentar tanto mais quanto menos se tente

de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente

de estar mais no passado se mais no presente

de não se ter ninguém e ter em cada homem um

              parente

de ser tão insensível como quem mais sente

de melhor se curvar se altivamente

de perder a cabeça mas serenamente

de tudo perdor e todos justiçar dente por dente

de tanto desisitir e de ser tão constante

de articular melhor sendo menos fluente

e fazer maior mal quando se está mais inocente

É sob aspecto frágil revelar-se resistente

é para interessar-se ser indiferente

Quando helena recusa é que consente

se  tão pouco perdoa é por ser indulgente

baixa os olhos se quer ser insolente

Ninguém é tão inconscientemente consciente

tão inconsequentemente consequente

Se em tantos dons abunda é por ser indigente

e só convence assim por não ser muito convincente

e melhor fundamenta o mais insubsistente

Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente

O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente

 

Poema de Ruy Belo in "O tempo das suaves raparigas e outros poemas de amor", edição 1402 da Assírio & Alvim, Julho de 2010

 

 

 

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publicado às 20:52


# 1932 - VAT 69

por Carlos Pereira \foleirices, em 06.04.15

 

Era depois da morte herberto helder

Ia fazer três anos que morrêramos

três anos dia a dia descontados no relógio

da torre que de sombra nos cobriu a infância:

rodas no adro - gira a borboleta que se atira ao ar -

o jogo do berlinde o trinta e um pedradas

nas cebeças nos ninhos nas vidraças

Foi quando verdadeiramente começou

a conspiração dos líquenes cabelos e avencas

na mina onde molhámos nossos jovens pés

e tirámos retratos para morrer mais uma vez

Os nossos filhos - nós outra vez crianças -

comiam e gostavam das laranjas essas mesmas laranjas

que mordemos em tempos ao chegar nas férias de natal

no quintal que as máximas mãos deixaram já depois abandonado

Era a seguir à morte meu poeta

era na meninice havia festa e na sala da entrada

pensávamos na morte - nunca mais -  pela primeira vez

Trincávamos cheirávamos maçãs no muro sobre a praia

roubávamos o balde ou íamos atrás do homem dos robertos

Era nas férias havia o mar e íamos à missa

ouvíamos a campainha e o padre voltava-se pra nós

- orate fratres - ou íamos ao cemitério apesar do catitinha

Era depois da morte sobre a plana infância

o primeiro natal o cheiro do jornal

lido na adega ou na casa do forno

sentados pensativos sobre a terra húmida

Era na infância o sol caía enquanto água corria

entre os pés de feijão e os buracos de toupeiras

calcados prontamente pelas botas

soprava o vento e vinha a moinha da eira

o cão comia o bolo e morria debaixo da figueira

e teria sepultura com enterro e cruz e muitas flores

Havia casamentos o meu pai falava

e os noivos deitavam-nos confeitos das carroças

E os registos mistério tempo da prenhez

Era talvez no outono havia asma

havia a festa da azeitona havia os fritos

ao domingo havia os bêbados estendidos pelas ruas

havia tanta coisa no outono havia o cristovam pavia

Era a primavera o rio rápido subia

os barcos navegavam entre a vinha

e alastrava a sombra e a tarde adensava-se

num espesso e branco nevoeiro de algodão

noite dos candeeiros sombras nas paredes

e minha mãe pegava na espingarda ia à janela

e ouvia-se o chumbo no telhado lá ao longe

O leovigildo o marcolino o sítio do miguel

a sesta a monda das mulheres

a queda do bizarro exposto na igreja

isso e o almoço a saber mal

quando vinham da escola pra saber significados

Eram as despedidas de coelhos e galinhas antes das viagens

Eram as festas era o roubo dos melões

era a menstruação oculta da criada

Era talvez em tempo de tormenta

havia ferros entre a palha por baixo da galinha

que chocava os ovos dentro de um velho cesto

eram as nossas casas em adobe

e era o carnaval os bailes os cortejos

Íamos para a praia e eu lia camilo

ouvia o mar bater sem conseguir compreender

como podia estar ali se tinha estado noutro sítio

Era o tempo dos primeiros amores

eu via o pavão adoecia e só muito mais tarde lia

o trecho que me competia entre as amadas raparigas

A casa não ficava muito longe dos montes

não havia a cidade nem os outros

punham ainda em causa o meu reino de deus

senhor de tudo o que depois não tive

Era depois da morte ou era antes da morte?

Mas haveria morte verdadeiramente?

Lia o paulo e virgínia chorava e perguntava

se tudo aquilo tinha acontecido

Era o meu pai era esse sonhador incorrigível

sem nunca mais saber que havia de fazer dos dias

Eram as folhas novas eram os perdigotos

saídos não há muito ainda da casca

Era era tanta coisa

Seria realmente após a morte de herberto helder

 

Poema de Ruy Belo "Homem de Palavra[s]", 1970

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publicado às 19:51


#1721 - O tempo das suaves raparigas e outros poemas de amor

por Carlos Pereira \foleirices, em 29.07.12

 

ATRAVÉS DA CHUVA E DA NÉVOA

 

 

Chovia e vi-te entrar no mar

longe de aqui há muito tempo já

ó meu amor o teu olhar

o meu olhar o teu amor

Mais tarde olhei-te e nem te conhecia

Agora aqui relembro e pergunto:

Qual é a realidade de tudo isto?

Afinal onde é que as coisas continuam

e como continuam se é que continuam?

Apenas deixarei atrás de mim tubos de comprimidos

a casa povoada o nome no registo

uma menção no livro das primeiras letras?

Chovia e vi-te entrar no mar

ó meu amor o teu olhar

o meu olhar o teu amor

Que importa que algures continues?

Tudo morreu: tu eu esse tempo esse lugar

Que posso eu fazer por tudo isso agora?

Talvez dizer apenas

chovia e vi-te entrar no mar

E aceitar a irremediável morte para tudo e todos

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publicado às 20:13


#1685 - A mão no arado

por Carlos Pereira \foleirices, em 03.05.12

Feliz aquele que administra sabiamente

a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias

Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

 

Oh! como é trsite envelhecer à porta

entretecer nas mãos um coração tardio

Oh! como é triste arriscar em humanos regressos

o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão

ao longo do mar transbordante de nós

no demorado adeus da nossa condição

É triste no jardim a solidão do sol

vê-lo desde o rumor e as casas da cidade

até uma vaga promessa de rio

e a pequenina vida que se concede às unhas

Mais triste é termos de nascer e morrer

e haver árvores ao fim da rua

 

É triste ir pela vida como quem

regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro

É triste no outono concluir

que era o verão a única estação

Passou o solidário vento e não o conhecemos

e não soubemos ir até ao fundo da verdura

como rios que sabem onde encontrar o mar

e com que pontes com que ruas com que gente com que montes conviver

através de palavras de uma água para sempre dita

Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã

 

Triste é comprar castanhas depois da tourada

entre o fumo e o domingo na tarde de novembro

e ter como futuro o asfalto e muita gente

e atrás a vida sem nenhuma infância

revendo tudo isto algum tempo depois

A tarde morre pelos dias fora

É muito triste andar por entre Deus ausente

 

Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente

 

Poema de Ruy Belo (O problema da habitação - Alguns aspectos, 1962)

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publicado às 16:56


#1507 - Algumas proposições com pássaros e árvores

por Carlos Pereira \foleirices, em 16.11.11

 

Algumas proposições com pássaros e árvores

Os pássaros nascem na ponta das árvores

As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração

 

Poema de Ruy Belo

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publicado às 18:19


Ruy Belo

por Carlos Pereira \foleirices, em 14.05.09



UM DIA NÃO MUITO LONGE NÃO MUITO PERTO


Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim
Um dia não muito longe não muito perto
um dia muito normal um dia quotidiano
um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada pra te dizer
um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?

 

In Homem de Palavra[s]


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publicado às 18:03


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