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#2715 - A Europa em Lisboa

por Carlos Pereira \foleirices, em 12.12.17

 MICHEL DEGUY

 

A EUROPA EM LISBOA

 

O amor "libertou-se" da prisão de Amor

Olha: fica esse belo vazio

do amor esvaziado    o lenço de mármore

que a amante agitava ao oceano agitado

ou à cativa amante um trovador cativo

 

E agora descreve o castelo de água pétrea

O castelo de gávea capitaina

Que fez  renascentistas pensarem feudalismos

Voto cumprido de um príncipe cumprindo o verso de Gôngora

"de uma torre de vento delgadamente erguida"

 

E agora

O sereno tapete do Tejo estirado retira-se a seus pés

E também o saber se retirou

Como um refluxo sob a secura ignara

Em que as novas despejam uma espuma de datas

 

Da torre de Belém à torre de Stephen

Não quero pôr em causa o sentido da visita

Que o passe cultural poliglota autoriza

Nessa gaiola fui atrás da mulher da limpeza

 

A quem incumbe zelar pelo vazio bem vazio  

Amarrar favores da pedra ao terceiro patamar

E arrumar turbantes, de pedra, escudos, de pedra,

                 de sultão, de cruzado

                                       abrir caminho à volta

do Amor que não regressará.

 

 

Lisboa, 1993

 

Poema de Michel Deguy traduzido por Vasco Graça Moura

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publicado às 10:03


#2693 - LISBOA

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.11.17

bernard-noel.jpg

 BERNARD NOËL

 

LISBOA

 

sete colinas e nenhum papa um tremor

quando o grande sol mastiga o mar da palha

as casas alinhadas como espectadores

de pé diante de outras que vêem

envelhecer por cima delas as roupas estendidas do tempo

a cidade está tão cumeada de vermelhos

que vista de cima parece menchada de sangue

o olhar procura em todo o lado o branco de uma lenda

mas o presente pequenino tudo tapou

só o corpo do poeta ficou intacto

o álcool conserva muito melhor do que a memória

assim se esconde debaixo de uma pedra pesada

a prova de que o ser é menos que o não ser

quem saberá jogar com o desassossego

para que a duração empalhe enfim a pele

e mude a aparência em carne imortal

de um momento para o outro um novo morto morreu

tanto como o mais antigo de todos os mortos

estranha igualdade que desafia o tempo

 

POEMA DO POETA FRANCÊS BERNARD NOËL

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publicado às 16:04


#2401 - BALADA DOS SUPLÍCIOS

por Carlos Pereira \foleirices, em 25.05.17

LOUIS ARAGON (1897-1982)

 

BALADA DOS SUPLÍCIOS

 

- «Pudesse eu recomeçar

e este caminho seguia...»

Uma voz fala das grades

sobre a futura alegria.

 

Na sua cela, dois homens

por essa noite comprida,

murmuravam-lhe: «Confessa.

Ou estás cansado da vida?

 

Podes viver como nós,

viver, viver anos vastos...

Uma só palavra, és livre...

e podes viver de rastos...»

 

- «Pudesse eu recomeçar

e este caminho seguia...»

A voz que sobe das grades

canta a futura alegria.

 

«Apenas uma palavra,

abre-se a porta e tu sais:

já o carrasco se some,

já acabaram teus ais!

 

Apenas uma mentira

para mudares o destino...

sonha, sonha, sonha

o claro sol matutino!»

 

«Disse o que tinha a dizer,

como o Rei Henrique falo:

uma missa por Paris...

p'lo meu reino, um cavalo...

 

Nada a fazer.» E partiram!

Cobre-o já seu sangue quente!

Era o seu único triunfo:

saber morrer inocente!

 

Pudesse ele recomeçar

ia esta sorte escolher?

Diz a voz que vem das grades:

- «Torná-lo-ia a fazer.

 

 Eu morro e tu, França, ficas,

meu refúgio e minha fé.

Ó meus amigos, se morro,

vós sabeis pelo que é!»

 

Vieram para o prender,

falavam em alemão.

Disse-lhe um: - «Queres-te render?»

Respondeu com decisão:

 

- «Pudesse eu recomeçar

queria esta sorte seguir...»

A voz que sobe das grades

fala aos homens do porvir.

 

- «Pudesse eu recomeçar

queria esta sorte seguir.

Mesmo carregado de ferros,

que cante em mim o porvir!»

 

E cantava sob as balas:

«... sangrento se levantou...»

Até que nova rajada

veio por fim e o tombou.

 

Mas outra canção francesa

já dos seus lábios se evade

acabando a Marselhesa

para toda a Humanidade!

 

Poema da poeta francês Louis Aragon

_______________________________________________________________________________________

La literatura francesa nos invita desde siempre a posar nuestra atención en diversas personalidades que, a lo largo de los años, han dejado huella en las letras galas. Una de las figuras que ha dejado un legado valioso allí es Louis Andrieux, más conocido como Louis Aragon.

aragon-louisEste novelista y poeta nacido el 3 de octubre de 1897 en París se dejó cautivar en un momento por el dadaísmo y, con el tiempo, llegó a impulsar junto a André Bretony Philippe Soupault el surrealismo. Quien fuera estudiante del Lycée Carnot experimentó desde temprana edad un gran interés por la lectura y la escritura pero, aún así, quiso formarse en Medicina, carrera que interrumpió en 1914 y retomó en 1917, llegando a realizar prácticas en un importante centro hospitalario ubicado en su ciudad natal.

El 28 de febrero de 1939, este militante del Partido Comunista Francés contrajo matrimonio con su colega Elsa Triolet, a quien había conocido durante 1928 en un café de la capital francesa. Juntos se involucraron con la Resistencia Francesa y visitaron de manera frecuente las naciones del bloque socialista.

Como exponente del universo literario, Aragon cultivó la novela, el ensayo y la poesía. Su producción literaria, traducida a múltiples lenguas, permite apreciar trabajos como “Fuego de alegría”, “Tratado de estilo”, “El movimiento perpetuo”, “El campesino de París”, “Una ola de sueños”, “Las campanas de Basilea”, “Los viajeros de La Imperial”, “Hurra por los Urales” y “Los ojos de Elsa”, entre muchos otros.

Este autor que en 1967 fue admitido en la Academia Goncourt como académico (cargo al que renunció un año después) encontró la muerte el 24 de diciembre de 1982. Sus restos fueron inhumados en el parque del Molino de Villeneuve, donde también fue enterrado el cuerpo de su esposa, fallecida el 16 de junio de 1970.

 

Publicado por Verónica Gudiña 11 de Septiembre de 2015

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publicado às 21:22


#2394 - ADEUS

por Carlos Pereira \foleirices, em 24.05.17

 ARTHUR RIMBAUD (1854-1891)

 

ADEUS

 

Sim, ao menos a hora nova é severíssima.

Posso dizer que tenho a vitória adquirida: o ranger de dentes, 

os silvos de fogo, os suspiros pestilentos abrandaram. Todas as memórias imundas se apagam. Vispam-se os meus últimos remorsos, - ciúmes dos mendigos, dos salteadores, dos amigos da morte, dos ignaros de toda a sorte. - Malditos, se eu me vingasse!

Temos de ser modernos absolutos.

Cânticos nunca: manter o passo adquirido. Dura noite! O sangue seco fumeia no meu rosto, e nada atrás de mim, só a arvorezinha horrível!... O combate do  espírito é tão brutal como batalha de homens; mas a visão da justiça é prazer só de Deus.

Vigília, no entanto. Recebamos todos os influxos de vigor e de ternura autêntica. E pela aurora, armados com ardente paciência, entraremos na cidade esplêndida.

Falava eu de mão amiga! Um bom proveito, é poder rir-me das velhas afeições enganosas, e ferrar de vergonha esses casais de engano, - eu vi aquele inferno das mulheres; - e ser-me-á dado possuir a verdade dentro de uma alma e num corpo.

 

Poema do poeta francês Arthur Rimbaud

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Arthur Rimbaud (1854-1891) foi um poeta francês que exerceu grande influência na poesia do século XX. Foi considerado um dos precursores da poesia moderna. Seu relacionamento com o poeta Paul Verlaine foi inspiração para o filme “Eclipse de Uma Paixão”.

Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) nasceu em Charleville, França, no dia 20 de outubro de 1854. Filho de um capitão da infantaria e de uma camponesa teve uma educação rígida. Ainda criança começou a escrever suas poesias, que foram reunidas em 1869.

Em 1870, aluno do Colégio de Charleville, fez amizade com Georges Iszambard, seu professor de retórica, que lhe incentivou na leitura dos poetas Rabelais, Victor Hugo e Théodore de Banville. A amizade com o professor era reprovada pela mãe. Nesse mesmo ano deu início a uma série de viagens, revelando seu espírito errante.

 

 

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publicado às 18:51


#2390 - UM HEMISFÉRIO NUMA CABELEIRA

por Carlos Pereira \foleirices, em 23.05.17

CHARLES BAUDELAIRE (1821-1867)

 

UM HEMISFÉRIO NUMA CABELEIRA

 

Deixa-me respirar longamente, longamente, o aroma dos teus cabelos, neles mergulhar todo o meu rosto, como um homem sedento na água de uma nascente, e agitá-los na minha mão como um lenço aromático, para sacudir recordações no ar.

 

Se pudesses saber tudo aquilo que eu vejo! tudo aquilo que eu sinto! tudo aquilo que ouço nos teus cabelos! A minha alma viaja por sobre o perfume como a alma dos outros homens sobre a música.

 

Os teus cabelos levam um sonho inteiro, cheio de velames e de mastreações; levam grandes mares de monções que me transportam para encantadores climas, onde  o espaço é mais azul e mais profundo, de atmosfera perfumada pelos frutos, pelas folhas e pela pele humana.

 

No oceano da tua cabeleira, avisto um porto irrompendo em cantos melancólicos, homens vigorosos de todas as nações e navios de todos os formatos recortando arquitecturas finas e complicadas num céu imenso em que preguiça o eterno calor.

 

Nas carícias da tua cabeleira, reencontro as demoras das longas horas passadas num divã, no quarto de um belo navio, embaladas pelo rolar imperceptível do porto, entre os vasos de flores e os cântaros refrescantes.

 

No lar ardente da tua cabeleira, respiro o aroma do tabaco mesclado em ópio e açucar; na noite da tua cabeleira, vejo resplandecer o infinito do horizonte tropical; nas margens sedosas da tua cabeleira embriago-me com os aromas misturados do almíscar, do alcatrão e do óleo de coco.

 

Deixa-me morder demoradamente as tuas tranças pesadas e negras. Quando mordisco teus cabelos elásticos e rebeldes, julgo estar a mastigar recordações.

 

Poema do poeta francês Charles Baudelaire

 _______________________________________________________________________

Charles Pierre Baudelaire, poeta e escritor francês, nasceu em Paris a 9 de abril de 1821 e morreu a 31 de agosto 1867, nessa mesma cidade. Herdeiro do Romantismo , conseguiu exprimir a tragédia do destino humano e dar uma visão mística do universo.

Durante os seus estudos no liceu tornou-se viciado em ópio e haxixe,contraindo ainda doenças venéreas que viriam,mais tarde,a ser a causa da sua morte.


O pai era um homem de cultura e um amante de pintura, e levava-o, com apenas quatro ou cinco anos de idade, a apreciar a beleza das formas e das linhas. Pouco tempo passou até que, em 1827, perdeu o pai; mas o que mais lhe atormentou a infância foi o facto de a mãe ter casado com o general Aupick, que o enviaria para uma viagem por mar até à Índia, promovida para o fazer esquecer a carreira das Letras.

Pelo contrário, regressou cheio de imaginação e determinado a ser poeta.Desenvolveu também uma tendência para um estado de espírito de intensa melancolia e de natureza solitária. Com o capital herdado do pai, viveu como um típico dândi.

Em 1844 juntou-se a Jeanne Duval, relação que lhe trouxe muita infelicidade,ao ponto de se sentir tentado a suicidar-se. Mesmo assim, Jeanne foi motivo de inspiração dos poemas eróticos de Charles Baudelaire. Baudelaire torna-se conhecido como crítico de artes plásticas em revistas onde formula a sua conceção daquilo que deve ser a arte moderna.

Em 1847 escreve o seu único romance, autobiográfico, La Fanfarlo . Em 1852 descobre a escrita de Edgar Poe e decide traduzi-la. Ocupa-se deste escritor até 1865. Em Poe descobre pela primeira vez alguém com quem se identifica espiritualmente. As traduções e as críticas de arte aumentaram a sua reputação e levaram-no a publicar os primeiros poemas numa revista que era considerada o bastião conservador do Romantismo, o que motivou acusações de obscenidade.

Na primavera de 1857, saíram nove poemas em "La Revue Française" e três em"L'Artiste" , e em junho publica o seu primeiro livro, Les Fleurs du Mal , alvo de um escândalo na época, devido ao erotismo de algumas poesias. Esta obra valeu-lhe um processo judicial por ultraje à moral pública e às boas maneiras.Para pagar as despesas do tribunal colaborou em diversas revistas. Ainda em1857 escreve Petits Poèmes en Prose .

Em 1861 publicou a segunda edição alargada e engrandecida de Les Fleurs duMal mas omitindo os poemas banidos, publicados na Bélgica. Uma terceira edição viria a ser publicada em 1966. Em 1862 Baudelaire tinha declarado falência e as dificuldades económicas levaram-no ao desespero. Para escapar aos credores fez uma viagem à Bélgica em 1864. Em fevereiro de 1866, ainda na Bélgica, encontrava-se gravemente doente. Regressou a Paris e viria afalecer nos braços da mãe, em agosto do ano seguinte.

A existência literária de Baudelaire é marcada por dois sonetos:Correspondances e L'Albatros . No primeiro prenuncia o simbolismo e todas as sinestesias do imaginário moderno, descobrindo "misteriosas correspondências". L'Albatros representa a condição terrena do poeta, que não sabe viver nem acomodar-se na sua existência. Em 1868 é publicada a sua obra crítica, Art Romantique . Estes trabalhos de Baudelaire são a fonte da poesia moderna.

Os seus escritos representam uma combinação perfeita entre ritmo e música. Foi perseguido por obscenidade e blasfémia e mesmo depois da sua morte continuou a ser identificado pela opinião pública como símbolo de depravação e vício. Rejeitou a posição dos românticos e voltou-se para o seu interior numa poesia introspetiva em busca de Deus, sem uma crença religiosa, procurando em qualquer manifestação da vida, como a cor de uma flor ou o olhar cerrado de uma prostituta, a sua verdade significante. Com Deus e com as pessoas,tem um movimento de atração e rebeldia, uma espécie de ressentimento contra o criador.

Baudelaire é um crítico da condição humana do mundo moderno. E moderna, foi a sua recusa em admitir restrições à escolha dos temas para poesia. Escreveu em prosa as obras: Les Paradis Artificiels , Opium e Haschisch ; Petits Poèmes en Prose ; Curiosités Esthétiques ; Art Romantique ; Le Spleen de Paris ,entre outras.

Dos seus desencontros nasce o tédio infinito, o tema dominante em Le Spleende Paris , que se torna desejo atormentador de viajar em busca de coisas novas.Chamada pelo amor iludido, surge insistente a imagem da morte, também ela odiada e galanteada como a personificação maior da pequena morte do amor.Teme a morte e deseja-a como a única libertação e o reencontro consigomesmo.

Depois do desaparecimento físico de Charles Baudelaire, as opiniões começaram a mudar e muitos poetas tornaram-se seguidores do movimento simbolista. No século XX tornou-se reconhecido como um grande poeta francês do século XIX, tendo contribuído para revolucionar a sensibilidade e a maneira de pensar da Europa Ocidental.

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publicado às 15:12


#2288 - TIVE A CORAGEM DE OLHAR

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.04.17

 Guillaume Apollinaire

 

TIVE A CORAGEM DE OLHAR


Tive a coragem de olhar para trás

Os cadáveres dos meus dias
Assinalam o meu caminho e eu choro-os
Uns apodrecendo nas igrejas italianas
Ou entre os limoeiros
Que dão ao mesmo tempo e em qualquer estação
A flor e o fruto
Outros dias choraram antes de morrerem nas tabernas
Fustigados por ardentes ramos
Sob o olhar duma mulata que inventava poesia
E as rosas da electricidade abrem-se ainda
Nos jardins da minha memória

 

 Um poema de Guillaume Apollinaire

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publicado às 16:35


#1629 - O debate do coração e do corpo de Villon

por Carlos Pereira \foleirices, em 21.02.12

François Villon 

 

O debate do coração e do corpo de Villon

 

 

Que ouço? - Eu! - Quem? - O teu coração

Preso já só por um pequeno fio:

Força não tenho, nem substância ou pavio,

Quando te vejo caído em solidão

Mui encolhido como um triste cão.

- E porque então? - É por teu louco agrado.

- E que te importa? - Produz-me desagrado.

- Deixa-me em paz. - Porquê? - Logo verei.

- Quando? - Quando de infância sairei.

- Não direi mais. -Pois não me causa enfado.

 

- Em que é que pensas? - Ser homem de valia.

- Tens trinta anos - É a idade de um burro.

- Será infância? - Por nada. - Então folia

Que te apanhou? - Por onde? Pela guia?

- Não faço ideia. - Então! O leite esturro:

Ora branco, ora preto, e não queria.

- Pois é só isso? - Terei eu mal contado?

Se for preciso, mais outra te direi.

- Estás perdido! - Mas lá resistirei.

- Não direi mais. - Pois não me causa enfado.

 

- Eu tenho pena; e tu, mal e tormento.

Se fosses tolo e também fosses lento,

Talvez tivesses desculpas encontrado:

Tudo te seria igual: o bom e o mau.

Ou tens a testa mais dura que um calhau,

Ou antes queres ser sofredor que honrado!

Que dizes tu de tal consequência?

- Que tudo acaba quando estarei finado.

- Deus, que conforto! Que sábia eloquência!

- Não direi mais. - Pois não me causa  enfado.

 

- E de onde vem o dano? - Da desventura.

Quando Saturno me fez cabeça dura,

Esses males lá pôs, creio. - É loucura:

Nela governas, está tudo em tua mão.

Vê bem o que escreve o rei Salomão:

«O homem sábio, diz ele, tem potência

Sobre os planetas e sua influência.»

- Não me acredito: Fui assim forjado.

- Que dizes? Tal e qual! É a minha crença.

- Não direi mais. - Pois não me causa enfado.

 

- Queres viver? - Deus me dê competência!

- Terás... - O quê? Pesar de consciência,

E ler sem fim. - Como? - Ler com ciência,

Deixar os tontos! - Porei isso de lado.

- Pois não te esqueças! - Prestei o maior tento.

- Se muito esperas será um descontento.

- Não direi mais. - Pois não me causa enfado.

 

Poema de François Villon, poeta francês, traduzido por Filipe Jarro

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publicado às 19:50


#1377 - O lamento da Terra

por Carlos Pereira \foleirices, em 25.05.11

Jules Supervielle

 

Um dia quando dissermos: "Era o tempo do sol,

Recordem-se, alumiava o mais pequeno ramo

E tanto a mulher idosa como a rapariga admirada,

Sabia dar a sua cor às coisas mal nelas pousava.

Seguia o cavalo corredor e parava com ele.

Era o tempo inesquecível em que estávamos sobre a Terra,

Em que fazia barulho deixar cair qualquer coisa,

Olhávamos em volta com os nossos olhos versados,

Os nossos ouvidos entendiam todas as subtilezas do ar,

E quando o passo do amigo aí vinha, logo o sabíamos;

Apanhávamos tanto uma flor como uma pedra polida,

O tempo em que não podíamos agarrar o fumo,

Ah! só isso as nossas mãos apanhariam agora."

 

Poema de Jules Supervielle [1884-1960] traduzido por Filipe Jarro e retirado do livro "Rosa do Mundo"

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publicado às 20:20


#852 - René Char

por Carlos Pereira \foleirices, em 08.07.09



FIDELIDADE


Nas ruas da cidade anda o meu amor. Pouco

me importa onde vá o tempo dividido. Já não

é o meu amor, quem quer que seja lhe pode falar.

Já nem sequer se lembra; quem na verdade o

amou?


Procura o seu semelhante na promessa dos

olhares. O espaço que percorre é a minha fidelidade.

Desenha a esperança e depressa a repele.

É tão preponderante como desprendido.


No fundo dele vivo como destroço feliz.

Com pesar seu, a minha solidão é o seu tesouro.

No grande meridiano onde o seu impulso se

inscreve, penetra-o a minha liberdade.


Nas ruas da cidade anda o meu amor. Pouco

me importa onde vá no tempo dividido, Já não

é o meu amor, quem quer que seja lhe pode falar.

Já nem sequer se lembra; quem na verdade o

amou e ilumina de longe para que se mantenha de pé?

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publicado às 13:34


#851 - Jacques Prévert

por Carlos Pereira \foleirices, em 08.07.09



PARA FAZER O RETRATO DE UM PÁSSARO


Pinta primeiro uma gaiola

com a porta aberta

pinta a seguir

qualquer coisa bonita

qualquer coisa simples

qualquer coisa bela

qualquer coisa útil

para o pássaro

agora encosta a tela a uma árvore

num jardim

num bosque

ou até numa floresta

esconde-te atrás da árvore

sem dizeres nada

sem te mexeres...

Às vezes o pássaro não demora

mas pode também levar anos

antes que se decida

Não deves desanimar

espera

espera anos se for preciso

a rapidez ou a lentidão da chegada

do pássaro não tem qualquer relação

com o acabamento do quadro

Quando o pássaro chegar

se chegar

mergulha no mais fundo silêncio

espera que o pássaro entre na gaiola

e quando tiver entrado

fecha a porta devagarinho com o pincel

depois

apaga uma a uma todas as grades

com cuidado não vás tocar nalguma das penas

Faz a seguir o retrato da árvore

escolhendo o mais belo dos ramos

para o pássaro

pinta também o verde da folhagem a frescura do vento

a poeira do sol

e o ruído dos bichos entre as ervas no calor do verão

e agora espera que o pássaro se decida a cantar

se o pássaro não cantar

é mau sinal

é sinal que o quadro não presta

mas se cantar é bom sinal

sinal de que podes assinar

então arranca com muito cuidado

uma das penas do pássaro

e escreve o teu nome num canto do quadro.


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publicado às 13:19


Saint-John Perse (Alexis Leger)

por Carlos Pereira \foleirices, em 31.03.09

 

A la question toujours posée:

"Pourquoi écrivez-vous?" la réponse du Poète

sera toujours la plus brève: "Poue mieux vivre".

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publicado às 22:26


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