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In "Diário de Notícias"
Para melhor explicar a crise económica portuguesa, a ATTAC Portugal redigiu a segunda versão do documento 'A Crise Portuguesa em 10 minutos', inicialmente lançado em Maio de 2011. A sua elaboração contou com a colaboração de inúmeros economistas, aos quais estamos muito agradecidos. ATTAC Portugal..
Há algo de delirante em muito do que acontece hoje, naquilo que nos é apresentado como notícia, e nos actores dessas notícias, como se vivêssemos num estado perpetuamente febril e nesse estado ajuizássemos a normalidade do mundo.
Só num cenário de delírio, e de delírio colectivo, se poderia apresentar o responsável por uma empresa que acaba de auferir pouco mais de 249 milhões de euros de lucro (no mesmo ano em que apresentou um pedido de ajuda ao Estado de 1.5 mil milhões de euros) e afirmar o que afirmou:
Se os gregos aguentam uma queda do PIB de 25% os portugueses não aguentariam porquê? Somos todos iguais, ou não? Se você andar aí na rua e infelizmente encontramos pessoas que são sem-abrigo, isso não lhe pode acontecer a si ou a mim porquê? Isso também nos pode acontecer. E se aquelas pessoas que nós vemos ali na rua, nessa situação e a sofrer tanto aguentam porque é que nós não aguentamos”
Já sabem que quem proferiu estas declarações foi Fernando Ulrich, presidente do BPI e criador do mantra “ai aguenta, aguenta” que a elite nacional vem repetindo com fervor crescente. Esta evocação dos gregos e dos sem-abrigo como exemplo, supõe-se que de estoicismo e resiliência, é insultuosa e este ainda é o adjectivo mais manso que me ocorre.
Ulrich está muito, mas mesmo muito longe de sentir empatia seja pelos gregos seja pelas pessoas sem-abrigo e quem tiver dúvidas disto pode ir ver as imagens das declarações, que não é preciso ser especialista em comunicação não-verbal para percebê-lo. Citá-los porque lhe dá jeito não é reconhecê-los como gente, é só mais uma forma de reduzi-los a parte da casuística do desastre económico, danos colaterais sem maior transcendência.
Enfiar-se a si mesmo nos seus argumentos como alguém a quem, em teoria, a crise poderia afectar, é um recurso manco. Porque não podem estar no mesmo plano a possibilidade remota de Ulrich vir a ser um sem-abrigo e os factos concretizados da Grécia ter sofrido uma redução de 25% do PIB e de que quase um milhão de portugueses esteja desempregado.
Não é igualmente delirante que possamos ouvir da boca de um banqueiro a frase, que infelizmente não lhe vai servir de mantra, “somos todos iguais, ou não?”, quando o que mais tem mercado a situação económica e social actual é o aprofundamento das desigualdades, e sendo a banca de longe o sector mais privilegiado?
É ou não delirante, para não dizer filho da puta, que se apele ao estoicismo e ao sacrifício, citando como exemplo quem dorme nas ruas, quando se apresentam resultados de 249 milhões de euros de lucro?
E que se remate tudo com a cínica pergunta: “Somos todos iguais ou não?”