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#3353 - POEMA DE ÓSSIP MANDELSTAM

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.03.24

O corpo me é dado - e com que fim,

Meu corpo único, tão de mim?

 

Pela alegria chã de respirar,

Silenciosa, a quem devo çlouvar?

 

Sou jardineiro e sou flor - cativo

Na prisão do mundo sozinho não vivo.

 

E já nos vidros da eternidade

Cai meu calor, meu sopro respirado.

 

Nela se grava um desenho para xsempre,

Irreconhecível de tão recente.

 

Escorra do momento a água turva - 

O desenho amado não esbate à chuva.

______________

1909

POEMA DE ÓSSIP MANDELSTAM, DO LIVRO "CREPÚSCULO DA LIBERDADE" EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, JUNHO 2023

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publicado às 14:49


#3352 - LIVROS E LEITURAS

CREPÚSCULO DA LIBERDADE - ÓSSIP MANDELSTAM

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.03.24

Óssip Mandelstam

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publicado às 14:29


#3292 - EM LOUVOR DO VENTO

POEMA DE RUY

por Carlos Pereira \foleirices, em 19.06.23

´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´

EM LOUVOR DO TEMPO 

 

Às vezes talvez uma simples dor no dedo mínimo de um pé ou o brilho nos olhos de uma mulher

que passa e passa decididamente decerto para sempre e sinto ser possivelmente essa mão

inconfundível devido a uma determinada pressão no ombro desde sempre esperada

sim talvez essa dor ou esse brilho ou esse brilho e essa dor simultaneamente

distraem-me do vento que roda lá fora que roda loucamente lá fora que roda como se rodar fosse para ele uma verdadeira maneira de ser que roda envergando todas as suas vestes de inúmeras peças tufadas compridas e transparentes

e ascende das areias invariavelmente passivas da praia humilde feminina sensível às constantes embaixadas envolventes do mar até às pedras altas do velho forte altas e altivas no cimo dasua altura e da sua idade

na forma de um vulto esguio redondo e rodopiante de pinheiro ou simples ampulheta ou clepsidra

O vento a essas horas incertas perdidas da noite quando a obscuridade desde há tanto que mais parece desde sempre cobriu com o seu manto todas as coisas designadamente os compridos corpos humanos 

e abafou os miúdos inumeráveis ruídos que costumam acompanhar a luminosidade cega do dia

entoa então por vezes nas árvores e nas casas e  em coisas como os arames e as mais variadas saliências da terra

o seu canto levíssemo levitante vagamente triste cortante mais cortante mesmo

que a faca cujo gume acaba de sair das múltiplas mãos dos móveis amoladores

um canto que faz lembrar o uivo de certos animais feridos talvez na raiz  da sua sensibilidade

ou a súbita irrupção dos primeiros violinos numa sala abafada pelo

veludo das cadeiras ou as peles das senhoras da alta sociedade

um canto próprio inconfundível decerto inolvidável para quem uma noite o ouviu

dificilmente dicionarizável porque a essas horas  os académicos dormem

sonhando talvez com o discurso de ingresso de um novo membro na academia

e o vento é de uma sociabilidade altamente duvidosa e canta canta nas dobras da noite

Eu estou deitado e então sinto a ponta das pés nos lençóis recém-mudados

sinto como mais uma parte do meu corpo os próprios lençóis

e imediatamente faço calar o coro que na rádio canta o messias de haendel

e abre assim um espaço que não é o do meu quarto mas sim o da catedral

de toledo aconchegada na penumbra de certas tardes dos fins de maio

O vento vem na sua suavíssima voz e toda a gente morre de súbito para mim

os cuidados deitados talvez comigo desaparecem inspiro profundamente

e sinto-me tão bem que até me parece penoso dizer que me sinto tão bem

não vá eu deixar porventura de me sentir assim tão bem não vá o vento calar-se

Deve haver algures no meu corpo um lugar expressamente reservado para a voz do vento

uma cavidade qualquer assim como as salas dos aeroportos destinadas às pessoas muito importantes

mas esta minha só para o vento a única pessoa muito importante agora para mim

As ramadas das árvores agora sim agora devem viver

agora devem manifestar vivamente que vivem

haverá talhadas  luminosas e brancas na crista das inúmeras ondas do mar da baía

e eu oiço completamente o vento e ouvir o vento é suficiente para me sentir vivo

para  sentir as amplas asas da paz abertas no peito no leve leque das suas penas

Desvaneceram-se decididamente na vasta sede da noite

as rápidas mulheres munidas de imensos pés que sem reserva amei

jamais imprimi palavra alguam nas páginas brancas do papel tão brancas e  sucessivas como dias

não tenho passado nem coisas quaisquer a fazer acabo até agora mesmo de nascer 

Neste momento sou apenas sou pelo menos desde os pés da cama até  aqui à cabeceira a voz vasta do vento

e a minha cama range como quando pomos os pés nesses velhos sobrados  onde se deixa grelando a batata entre

cresce  o ritmo da minha respiração o pulso bate-me cada vez mais apressadamente 

volto-me vagamente vagarosamente mais ou menos lá para donde pressinto que o vento vem

é possível que morra de um momento para o outro quando menos espere

e a cabeça me fique a baloiçar ao vento de um lado para o outro primeiro

de parede para parede do quarto depois lá fora entre leste e oeste

Há um vento impetuosamente solto na noite da minha vida um vento

 mais louco do que mulheres esbeltas e lentas nos seus longos cabelos

e sinto que as pontas dos pés me chegam mais longe cada vez mais longe

e não leio na agenda nenhumas horas marcadas nem sei de locais de encontro o leve sabor amargo

não necessito tomar o metro pedir gim tónico que vá bebendo gole

a gole no bar desertió pensando talvez que ali esteve um dia hemingway esperando talvez como eu

saboreando o leve sabor amargo do gim desfazendo o limão vendo as cortinas esvoaçar ao vnto

O vento vibra na sus voz de vento alarga aos quatro cantos

aos inumeráveis recantoa da noite as espirais translúcidas do seu vulto

infunde uma vida irritante saltitante e irrequieta em coisas

como latas amolgadas e enferrujadas precisamente nas partes amolgadas

como madeiras apodrecidas pelo salitre e pela chuva como portinholas desengonçadas 

o vento sopra na areia enverga as vestes cheias de folhos e dobras

da areia possivelmente para ter um mínimo de corpo e tornar-se visível

e bailar rodopiando no largo à volta do vulto do cruzeiro

e caminhar caminhar cada vez mais caminhar cada vez a passos mais largos

e proceder à sistemática ocupação dos mais recônditos recantos da terra

Vejo vislumbro através da janela levemente entreaberta

que o vento circula a muitos quilómetros por hora na estreita estrada

que o vento enche preenche o espaço arenoso indeciso e nublado entre estas poucas casas sonâmbulas

que passa a mão inquieta de muitos dedos abertos e dispersos e diluídos

primeiro aqui pela aldeia depois possivelmente por toda a terra

e não tardará talvez a elevar vales a aplanar muitos dos montes

num trabalho perseverante  e esgotante e esgotante que são joão baptista e cristo

aliás ocupados com outras coisas se devem ter visto  imporentes para levar a cabo

E eu aqui sem nenhuma memória abandonado até por estas paredes ainda há pouco à minha volta

apenas dispondo deste resto de corpo onde o vento pode à vontade

vibrar quanto quiser até quando quiser e assim vibrando

demonstrar que existe que vive e dizer eu sou o vento e nasci em tantos

do tal em tal sítio e a sua afirmação valer como um bilhete de identidade

Creio que morreria se não pressentisse não sei bem como

mas através de um latejo levemente diferente do coração

que o vento já tão irrequieto esta noite ficaria talvez triste

por ver desaparecer não um dos poucos amigos e admiradores veneradores

atentos e obrigados que talvez sinceramente tenha

não um espectador interessado do longo e variado festival que nestes momentos apresenta

mas uma coisa mais um obstáculo mais a demolir e a vencer

Tenho oito cadeiras trabalhosamente entrelaçadas no distante vime da juventude

quando pelas tardes de calma e calor  me banhava na vala junto ao moinho

e os vimes os mais ginasticados emissários da vegetação das margens

cortavam em tiras  a sombra que poisava ao de leve na água

tenho essas oito cadeiras disponho-as em fila com a seca solenidade de um cerimonial

e rígido e digno na minha estatura liberta enfim das volumosas volutas de barbitúricos

aguardo cheio de calma que o vento se sente multiplicadamente nas oito cadeiras que tenho

na casa caída e térrea que tenho na vida minuciosa e diária que tenho

Talvez o vento levante a voz aumente ainda mais de volume

convoque ventos de outros espaços e sopre na força irresistível da tempestade

e venha violentamente até mim e varra da minha casa

e varra da minha vida tudo absolutamente tudo o que não seja o vento

e sejam talvez coisas planas e chatas e domésticas e imensamente

miúdas e não disponham desta voz côncava do vento

Há nuvens negras que se deslocam apressadamente para o sul

há filas de canas que oscilam e fazem ao vento a elegante reverência da vassalagem

ou pelo menos da boa educação tudo se anima vibra soa na noite

O vento vai vencendo obstáculos dispõe cada vez de maior espaço

anexa pela violência territórios que ainda há pouconnlhe opunham certa resistência

ensaia agora agora a sua vastíssima valsa na ampla sala da noite

canta uiva produz esse inimitável som impossível de procurar nas páinas dos dicionários

afina a voz para as mais agudas notas do seu canto dilacerador e íntimo

Virá o dia muitos corpos afastarão finalmente da fronte os últmos véus do sono

muitos olhos procurarão a luz sentirei mais minhas as pontas dos pés

o canto quezilento e quebradiço dos pássaros no pátio nas árvores nos beirais

disputrá o lugar à voz do vento nos meus ouvidos

Voltarão primeiro um por um depois em bandos os cuidados

as pontas dos cabelos compridos de mulheres jovens entrar-me-ão para a boca

mas é provável é mesmo muito provável que algures nalguma parte profunda e perdida do meu corpo

continur vazia arejada e arrumada com o pó limpo uma sala

exclusivamente reservada à única pessoa verdadeiramente importante

até que um dia eu para sempre me veja disperso no vento e não passe

talvez de um secundaríssemo instrumento na complexa e simples orquestra do vento

 

POEMA DE RUY BELO QUE INTEGRA "TODA A TERRA", EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, FEVEREIRO 2003, E PREFÁCIO DE LUÍS ADRIANO CARLOS

 

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

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publicado às 15:18


#3279 - POEMA DE RUY CINATTI

por Carlos Pereira \foleirices, em 31.03.23

Acontece. E eis que, subitamente,

Tudo se esvai. Tudo quanto a esperança

Nos colocou ao alcance. Tudo...

E o murmúrio último das ondas é,

Senão o soluço do barco naufragado,

Pelo menos o seu eco. Ah! coração,

A quanto podes mais, se o teu sangue

Pára e gela de súbito. Somente

As artérias do espírito pulsam,

Na sombra que à sombra deixam

O rastro de um furtivo viajante.

 

Como inesperada tempestade

Vieste. Ninguém gritou.Placidamente

O barco navegava. A história

- De mim eu falo - chegava ao porto máximo. Eis

Que a confusão dispersou os acordes secretos

Do mais íntimo ser. Não há música,

Por mais doce, que atravesse

A solidão maldita do meu espírito

Petrificado, ainda de olhos fitos

Num obscuro futuro,

Que as mãos humanas abram, ergam

Ao sol dos meus mais belos dias:

Aqueles em que a morte entreabria

As portas da sobre todas inenarrável visão.

 

Baste-me pois a desumana

Atitude. Vendo

Qual esfinge que ao homem faz sentir

A sua imagem: intrínseco saber não revelado;

Revendo - meu nome é legião -

O mundo atravessando as ondas do tempo,

Enquanto me aqueço frio, mas atento,

Não ao passado, não ao futuro, mas 

Ao presente. Nenhuma tábua,

Pois o que vive destruiu

O que era conhecido e

Tudo o que era saber. O momento

É só o que ele sabe. Nenhuma tábua

Se me agarra às mãos, nem o inimigo

Revigora aquele fervor antigo, aquele

Ódio mais feito de amor. Confundido,

Jamais porém vencido pela divina

Indiferença dos que eu mais amei.

 

Agora começa a jornada, e mais do que isso,

O fogo da mais sozinha angústia.

 

POEMA DE RUY CINATTI in "NÓS NÃO SOMOS DESTE MUNDO" QUE FAZ PARTE DA «OBRA POÉTICA» VOLUME 1, EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, OUTUBRO DE 2016, PÁGS. 130, 131.

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publicado às 02:16


#3277 - À BEIRA

POEMA DE MAR BECKER

por Carlos Pereira \foleirices, em 29.03.23

MAR BECKER

 

poderia dizer que amo teu nome à boca

poderia falar das vezes em que chega a manhã

e eu o procuro

e faço dele a primeira palavra tocada

mas não, o que digo é que no amor tudo nasce frágil

que há manhãs em que me vejo à beira do teu nome

e não sou capaz de feri-lo

com a voz

 

Poema de Mar Becker

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Mar Becker (Marceli Andresa Becker) nasceu em Passo Fundo (Rio Grande do Sul). Formou-se em Filosofia, com especialização em Metafísica e Epistemologia, pela Universidade Federal da Fronteira do Sul. Em 2020, publica A Mulher Submersa, livro vencedor do Prémio Minuano e finalista do Prémio Jabuti, na categoria poesia, ao qual se seguiu, dois anos mais tarde, o livro Sal. Em Portugal, sai agora Canção Derruída (2023): obra que reúne os poemas de Sal e uma revisitação, com «ecos e variações», de A Mulher Submersa.

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publicado às 18:04


#3270 - SEBASTIÃO REI

POEMA DE FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO

por Carlos Pereira \foleirices, em 25.01.23

SEBASTIÃO REI

 

Não chegou de manto

nem com lenço e pranto

 

Não entrou a barra

com pendão e amarra

 

Não veio em ginete

com a sua gente

 

Não voltou da guerra

com os mortos dela

 

Não voltou de púrpura

com  ferida ou sutura

 

Não voltou de coroa

nem ceptro a Lisboa

 

Não veio da batalha

com trajo de gala

 

Não trouxe burel

nem viseira e elmo

 

Nem trajou de estopa

nem demandou porto

 

Não veio doente

nem com mantimentos

 

Não chegou na frota

ou deu à costa

 

Nem alçou pendão

nem selo de mão

 

Nem veio às matinas

com saio de linho

 

Nem calçou pelica

com fivela e vira

 

Não voltou ao cais

nem em mês ou ano

 

Perdeu arraiais

e tendas de pano

 

POEMA DE FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO

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publicado às 12:40


#3269 - CANTO MARÍTIMO DA RIA

POEMA DE FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO

por Carlos Pereira \foleirices, em 25.01.23

CANTO MARÍTIMO DA RIA

 

De manhã o mar estende-se ao rés do Sol, 

banhamo-nos para cegar de luz,

nadamos através do halo de calor.

Poder sentir a luz a escorrer junto à boca

dá-nos a humildade e a pacificação.

Um sopro mergulha no fluido da luz

de onde talvez brotou ao ser nascido,

e é a minha alma que flutua

feita de moléculas de água.

Tudo em esplendor cintila, e imagino

que quando a alma de Heitor o abandonou

foi numa manhã ao  rés do mar de Tróia.

Tal como o Mediterrâneo este é um mar

parado sem o movimento, que é a onda

e o som, cingido entre os anéis de terra.

Tocou-me a água nos olhos extasiados,

seria esse o baptismo que ungiu

o meu dom das visões reais e irreais.

O mar é uma acha em brasa

que lacera uma das minhas faces,

por isso ofereci ao vento

a outra nas manhãs sombrias.

E dei o meu corpo à superfície lisa

que unia os quatro elementos,

ou seja a terra, o mar, o ar, o fogo

tal como quando os Gregos os pensavam.

Vendo as garças a voarem lentas

sobre os pequenos lagos ígneos

sei que se fossem comburentes

não vboltariam ao solo brancas e quedas,

como quando ostentam o colo

entre os juncos das margens similares,

e de súbito intuo que a Natureza

trouxe as garças para os altos juncos

e me levou a mim ao raso mar

onde o meu corpo bóia incandescente

jazendo quando dorme, ou morre, ou nasce.

A minha juventude amou a manhã

sabendo que ambas as idades são iguais,

mas o corpo arde plano na água do fogo

enquanto o Sol se queima entre a terra e o ar,

e somente os filósofos metereologistas

souberam separar os elementos juntos

na Natureza visível e invisível.

Volto a banhar-me na Ria, no silêncio,

no ardor, no sonho, na volúpia

e termino o poema com o mesmo

fogo interior sorvido pela boca

do verso inicial no pleno mar.

Não só nesta praia a saudade de Heitor

me é trazida pelo fulgor do mar

como a de um jovem morto outrora

por Valéry, pelo Sol e por Fauré.

Tantos mil anos-luz da imagem

de Heitor estão depois do seu vulto

quantos do vulto do jovem morto

mais me separa a saudade da imagem.

 

6/11/93

 

POEMA DE FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO in «CANTOS DO CONTO» QUE INTEGRA "OBRA BREVE - POESIA REUNIDA", EDIÇÃO 0976, MAIO 2006, DA EDITORA ASSÍRIO & ALVIM

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publicado às 11:46


#3239 - ROMANCE DE POMPEIA

POEMA DE DAVID MOURÃO-FERREIRA

por Carlos Pereira \foleirices, em 23.11.22

ROMANCE DE POMPEIA

 

Ninguém nos vem em socorro

Ninguém nos liberta os braços

Há dois milénios que somos

os amantes soterrados

Nem o mais ínfimo agouro

na manhã daquela tarde

Mas era o último encontro

sem que ninguém o sonhasse

E soubemos ir tão longe

tão enlaçados ficámos

que em tudo vibrava o sboço

de uma já eternidade

Mergulhados neste sono

há dois milénios ou quase

é ainda o dia de hoje

esse ontem tão recuado

Ou foi sonho o dia de ontem

e desde então acordados

nem cremos que à nossa roda

existisse uma cidade

que lá fora houvesse um Foro

lojas   casas   balneários

Apenas o teu pescoço

Apenas as tuas pálpebras

Apenas o antegosto

de sabê-las deflagradas

Sentimos súbito um sopro

mais escaldante      Julgámos

que o ar se tornara louco

do calor dos nossos lábios

que ia arder o mundo todo

com o fogo que lhe dávamos

Só depois vimos que o fogo

de encontro a nós avançava

líquido    espesso    de rojo

como um imenso lagarto

putrefacto e cujo dorso

cada vez mais coruscava

E tanto crescia em torno

da casa onde stávamos

e tanto subia ao topo

de paredes e telhado

e tanto o ardente bojo

se ia tornando compacto

que de súbito esse forno

de todo nos apertava

Leio terror no teu rosto

pânico em tuas spáduas

pavor em todo o teu corpo

que era hápouco o de uma galga

o de uma galga no ponto

mais elevado do orgasmo

E nesse ponto de há pouco

eternizados ficámos

Somos assim um do outro

há dois milénios ou quase

saboreando o tesouro

da eternidade do auge

Ao profundíssimo poço

até hoje inviolado

que no chão se abriu e onde

vivos ainda tombámos

chegam-nos vagos rumores

do que por cima se passa

todo o sonho     todo o logro

que por cima tem passado

Cascos agudos de donos

e pés desnudos de escravos

cupidez de demagogos

estupidez  de soldados

os que bramam contra o lodo

para mais lodo criarem

os que rastejam no tojo

até se julgarem águias

os que ao céu o fogo roubam

mas em fumo se desfazem

utopias de alguns tontos

visões de alguns visionários

que se quebraram de encontro

ao gelo dos homens práticos

de cujos hábeis engodos

nos poderiam ter salvo

E também a luz     a força

de corpos jovens e ágeis

corças     panteras     e potras

mais belas quanto selvagens

há lei do que há-de ser podre

todavia condenadas

Antes o fim que nos coube

Se é  que fim pode chamar-se

a este abraço em que somos

um só astro     uma só státua

uma só chama     um só tronco

por toda a eternidade

mais livres porque um do outro

um ao outro acorrentados

Ninguém nos venha em socorro

Ninguém nos deslace os braços

 

POEMA DE DAVID MOURÃO-FERREIRA, in "OBRA POÉTICA" [1948-1995], EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, NOVEMBRO 2019

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publicado às 17:58


#3222 - POEMA DE HERBERTO HELDER

DO LIVRO "SERVIDÕES"

por Carlos Pereira \foleirices, em 01.03.22

já não tenho tempo para ganhar o amor, a glória ou a Abissínia,

talvez me reste um tiro na cabeça,

e é tão cinematográfico e tão sem número o número dos efeitos especiais,

mas não quero complicar coisas tão simples da terra,

bom seria entrar no sono como num saco maior que o meu tamanho,

e que uns dedos inexplicáveis lhe dessem um nó rude,

e eu de dentro o não pudesse desfazer :

um saco sem qualquer explicação,

que ficasse para ali num sítio ele mesmo sítio bem amarrado

- não um destino à Rimbaud,

apenas longe, sem barras de ouro, sem amputação de pernas,

esquecido de mim mesmo num saco atado cegamente,

num recanto pela idade fora,

e lá dentro os dias eram à noite bem no fundo,

um saco sem qualquer salvação nos armazéns obscuros

 

POEMA DE HERBERTO HELDER in "SERVIDÕES", EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM, MAIO DE 2013

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publicado às 19:20


#3193 - ENTRE OS ATOS

POEMA DE JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

por Carlos Pereira \foleirices, em 09.11.21

ENTRE OS ATOS

 

Espantamo-nos por encontrar o mundo na nossa memória

o mundo que se começa a ouvir no fundo da casa

o mundo que circula em nós entre os corpos deitados

no meio do terreiro da dança

nas cabanas indígenas

no assobio que os indígenas trazem amarrado ao pescoço

com uma atenção fascinada

o mundo que é um dos raros animais

que sabe descer as árvores de cabeça para baixo

 

Espantamo-nos por uma conivência

atestada desde há muito

nos ser entregue de chofre

cheirosa como uma floresta inteira

uma agitação de enxame

uma oficina celeste

a entrelaçar-se no sopro

fosse o que fosse

a zumbir em volta do rosto

 

O mundo é às um toldo que desdobramos às apalpadelas

durante o dilúvio

espantamo-nos que reproduza

na nossa cabeça o grito de uma pintura rupestre

os trilhos que ninguém me diz terem mudado de sítio

as recitações entre duas tormentas

que permitirão às fibras dessa árvore interna sobreviver

o resgate e as cores das casas

onde voltados de lado

repetidamente morremos

 

O mundo desencadeia-se em plena noite

organiza a vida errante

escolhe itinerários, fixa as paragensele

transforma a língua daquele que o mastiga

em corpo estranho

em fabrico inédito da sua matéria anónima

e assim nos dá a contemplar

a imagem irreconhecível

 

POEMA DE JOSÉ  TOLENTINO DE MENDONÇA in "Introdução à Pintura Rupestre"

 

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publicado às 16:23


#3186 - PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA

POEMA DE RUY BELO

por Carlos Pereira \foleirices, em 28.10.21

PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA

 

Meu único país é sempre onde estou bem

é onde pago o bem com sofrimento

é onde num momento tudo tenho

O meu país agora são os mesmos campos verdes

que no outono vi tristes e desolados

e onde nem me pedem passaporte

pois neles nasci e morro a cada instante

que a paz não é palavra para mim

O malmequer a erva e o pessegueiro em flor

asseguram o mínimo de dor indispensávl

a quem na felicidade que tivesse

veria uma reforma e um insulto

A vida recomeça e o sol brilha

a tudo isto chamam primavera

mas nada disto cabe numa só palavra

abstracta quando tudo é tão concreto e vário

O meu país são todos os amigos

que conquisto e que perco a cada instante

Os meus amigos são os mais recentes

os dos demais países os que mal conheço e

tenho de abandonar porque me vou embora

pois eu nunca estou bem aonde estou

nem mesmo estou sequer aonde estou

Eu não sou muito grande nasci numa aldeia

mas o país que tinha já de si pequeno

fizeram-no pequeno para mim

os donos das pessoas e das terras

os vendilhões das almas no templo do mundo

Sou donde estou e só sou  português

por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez

 

POEMA DE RUY BELO in «Transporte no Tempo»

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publicado às 06:09


#3185 - FALA DE UM HOMEM AFOGADO AO LARGO DA SENHORA DA GUIA NO DIA 31 DE AGOSTO DE 1971

POEMA DE RUY BELO

por Carlos Pereira \foleirices, em 25.10.21

FALA DE UM HOMEM AFOGADO AO LARGO

DA SENHORA DA GUIA NO DIA 31 DE AGOSTO DE 1971

 

A mim morto no mar entre algas e corais

que notícias me dais aí da superfície

dessa única terra onde vivi

e foi minha ambição morrer pra nunca mais?

Ainda cheira a esteva por aí?

Que mundo de repente recupera

quem ao abrir um dado dicionário sente o cheiro

do jornal infantil folheado em criança

no pavimento térreo dessa adega

onde o verão intenso nem entrava

mas intensificava mesmo a humidade?

Ainda porventura a alguém

se lhe molham os olhos ao lembrar

quem à vontade meninice fora assim corria

como quem aí tem aquela única casa

afinal sua toda a sua longa vida?

Ao menos uma folha se moveu quando morri

à vista desse cerro aonde o vento dependura cantos

nas mais instáveis copas dos pinheiros

onde a névoa se adensa e cobre aquele castelo

ali erguido para humanizar o mar

e até perpetuar esse quebrar das ondas

contra esses rochedos um recurso secular

que a terra utilizou para se opor à sedução da água

instável envolvente e incapaz de conseguir a paz

como o chão que na pedra tem a máxima fixação?

Alguém notou acaso a minha falta

para além dum visível ponto de referência

um aceno do sono ou som do sino

gesto de mão sorriso silhueta?

Sentiram-se levados a exaltar-me

os que na destruição me vislumbravam

uma certa razão das suas vidas?

Alguém me aquecerá o coração ao fogo

quando o frio do fundo e das correntes

fender as minhas vísceras dispersas

por estes cinco mares onde espalho

a morte merecida pela minha condição de peixe?

Se alguém descer até estas profundidades

porventura será capaz de decifrar

o mistério reflectido nestes olhos

eternamente abertos sobre o meu amado mundo?

Alguém foi como eu profundamente vil

e muito mais o foi por conhecer que o era?

Onde dormem agora os que eu amei?

Como lhes foi possível perecer

se eu por os amar os tinha por eternos?

Seriam só eternos para mim?

Que paz lhes pesa agora sobre o peito?

O sol ainda nasce? Ouve subitamente alguma música

quem tão perdido estava que de súbito começa

e olha para tudo com os olhos limpos

de quem as coisas vê pela primeira vez?

Quem lá na minha aldeia sacrifica hoje

o porco semanal em troca dum grunhido

desfeito contra os montes circundantes?

Morto o miguel ainda fica a faca?

Ainda pelas ruas ao domingo

se tem de procurar não pôr os pés nos bêbados prostrados

convencidos talvez de vir a ter em tão precária posição

mera antecipação da humana condição definitiva

alguma solução para a sua indigna sujeição?

Ainda vem à quarta de almoster o ferrador

ferrar machos cavalos na barraca de madeira

erguida ali à beira do caminho

que me levava a casa e devolvia à vida?

Porventura o barbeiro ainda se chama marcelino?

Compram cada semana os seus trabalhadores

reunidos na praça após matar o bicho

os senhores dos pauis e vinhas e courelas?

Festeja-se na adega o termo da colheita

dessa azeitona vorazmente varejada da oliveira

sobre o espesso pano de serapilheira?

Alguém caiu de cima de uma árvore

por causa da geada de janeiro

e até da aguardente ingerida em jejum

em todos estes anos desde a morte do bizarro?

A cheia traz o s+avel pela primavera?

Há bailes na ribeira a dois quilómetros

passado o pinheiro manso pelo carnaval?

Como se chama agora a dona da farmácia? 

Há fogueiras em junho onde debaixo de aparente devoção

se exalta a vida e normaliza a natureza?

Os noivos vão casar-se de carroça

e abrem de abalada as mãos cheias de confeitos sobre as testas dos miúdos

que se juntam à espera para os ver passar

e não sabem ainda como é triste a alegria?

A quem pertencem hoje as lavegadas

onde as mulheres mondavam as searas

e as folhas arrancavam às videiras

que vedavam às uvas o acesso ao sol?

Nestas núpcias eternas com a água

sobre sinos e ventos sibilantes

não se ouvirá soar a monocórdica

e harmónica música daquelas campainhas

das máquinas registadoras dessa lojas

desse porto e da vila onde dormi

os últimos dez anos de visitas começadas

num verão lembro-me bem num dia três de agosto

dentro da composição número mil e oito da cp

(alguém de letra irregular o deixou escrito num romance

comprado na estação do entrocamento

e por mim esquecido ao chegar a são bento)?

Existirá ainda o escuro casarão até talvez capaz de atenuar

a música do sino que ritmava a vida

nessa vila pequena aonde o homem

mais de frente enfrentava o frio olhar da morte?

Que é feito da pensão perto dos estaleiros

onde eu bebia com os pescadores e carpinteiros

e que deixei de vez para ir ao encontro

da musa mais discreta e silenciosa dos meus versos?

E eu que nos lençóis via a neve polar

que às vezes ao cheirá-los me sentia transportado

subitamente a sítios e a dias do passado

que só os soube na verdade apreciar

levado pela mão de camilo pessanha e dylan thomas

eu que em lençóis de linho ambicionava repousar

são de água os meus lençóis e à volta é o mar

Se me via cingido de cidade

se nem já mesmo o sol deixava entrar em casa

sem antes ele limpar os dois sapatos ao entrar

devo afinal a gestos artificiais

o meu regresso às coisas naturais

Não pense quem vier que estou sozinho

entre inúmeros peixes das profundidades

e os corpos de incontáveis pescadores

como o jovem lourenço são miguel

que aqui se despediu dessa vida de aí

a cinco salvo erro de janeiro de sessenta e cinco

Não reparam que olho com os olhos cheios de água

quem só mais do que eu pertence ao mar

por aqui habitar só aparentemente antes?

Moradores da terra fogo ou ar

sabei que o solo sólido da terra foi apenas para mim

insegurança oscilação vertigem

e que em verdade agora mais do que acabar

o que fiz foi voltar à minha origem

 

POEMA DE RUY BELO IN "TODA  A  TERRA" E RETIRADO DA COLECTÂNEA "TODOS OS POEMAS", EDIÇÃO ASSÍRIO & ALVIM REIMPRESSO EM JANEIRO DE 2020

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publicado às 19:16

Ana Luísa Amaral, poetisa, venceu o Prémio Literário Francisco de Sá de Miranda 2021, pela obra "Ágora" editada pela Assírio & Alvim. Este prémio é promovido pelo Município de Amares.

 

Duas semanas antes, Ana Luísa Amaral tinha sido  galardoada com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana atribuído pela Universidade de Salamanca e o Património Nacional de Espanha.

BIOGRAFIA

Ana Luísa Amaral ensinou na Faculdade de Letras do Porto e tem um doutoramento sobre Emily Dickinson. É autora de mais de duas dezenas de livros de poesia e livros infantis, e traduziu diversos autores para a nossa língua, como John Updike ou Emily Dickinson. A sua obra encontra-se traduzida e publicada em vários países, tendo obtido diversos prémios, de que destacamos o Prémio Literário Correntes d'Escritas, o Premio Letterario Poesia Giuseppe Acerbi ou o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores. Em outubro de 2020, foi galardoada com o prémio literário espanhol Leteo. Em novembro do mesmo ano foi-lhe atribuído o Prémio Literário Vergílio Ferreira pela totalidade da sua obra. Em maio de 2021, foi galardoada com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana, atribuído pelo Património Nacional Espanhol e pela Universidade de Salamanca, pelo seu contributo para o património cultural do espaço ibero-americano. Escuro (2014), E Todavia (2018), What’s in a Name (2018) e Ágora (2020) são os seus títulos publicados pela Assírio & Alvim.
 
FONTE DA BIOGRAFIA: Editora Assírio & Alvim

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publicado às 19:53


#3074 - ROMANCE DE UM FUTURO NATAL (POEMA DE DAVID MOURÃO-FERREIRA

por Carlos Pereira \foleirices, em 12.01.20

David Mourão-Ferreira  |||  24 fevereiro 1927 - 16 junho 1996

ROMANCE DE UM FUTURO NATAL

 

Vai a caminho de Marte

um foguetão de turistas

Turismo pobre   É um charter

de tarifa reduzida 

Ou serão refugiados

Parece que vão fugidos

Quem sabe de que se escapam

Quem sabe a que vão fugindo

 

Consta da lista uma grávida

com ar de Madona antiga

das que inda se desenhavam

nos fins do século vinte

Chegou à pista de embarque

mesmo à hora da partida

E traz escrito na face

o lance que decidira

 

Não quer que o seu filho nasça

na Terra que vai perdida

Dão-lhe razão    Todos sabem

que funda razão lhe assiste

Todos conhecem o estado

que a pobre Terra atingiu

sobretudo após a grave

crise do século trinta

 

Vão a caminho de Marte

como quem foge à desdita.

Sentem-se dentro da nave

bastante mais protegidos

É como voltar ao espaço

de antes de haverem nascido

Todos a grávida tratam

com cuidados infinitos

 

E sonham    Talvez em Marte

nem tudo esteja perdido

Mas não sabem que na cápsula

um grupo de terroristas

vai sabotando a viagem

mudando o rumo previsto

Fica tudo executado

em pouco mais de três dias

 

E torna de novo a nave

quase ao ponto de partida

Quem mais se aflige é a grávida

com ar de Madona antiga

ao ver que à Terra terá de

ir entregar o seu filho

Já lhe rebentam as águas

quando se apeia na pista

 

Já pra dentro de uma cave

os outros a encaminham

Já por entre as dor's do parto

um facho de luz luzia

Quem sabe se necessário

não fora enfim tudo isso

para que à Terra baixasse

mais um resgate possível

 

Pálida pálida pálida

lívida lívida lívida

de costas a mulher grávida

já vagamente sorria

 

Poema de David Mourão-Ferreira, in Obra Poética (1948-1995), edição Assírio & Alvim, Novembro de 2019

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publicado às 17:38


#3071 - POEMA DE MANUEL AFONSO COSTA

por Carlos Pereira \foleirices, em 01.12.19

 

as merendas do espírito,

as mãos, eram labor artificial,

separadas pelos sítios de culto,

pelo silêncio dos pastos;

até a luz acampando

na lâmina dos utensílios

ou sobre os ombros

era coisa do acaso;

havendo uma ordem

e havia

nada tinha a ver com as regras

de oficiantes programados,

era um mistério

a sabedoria litúrgica da ignorância;

se era douta ou divina,

é assunto que me ultrapassa

 

POEMA DE MANUEL AFONSO COSTA, «SERIA SEMPRE TARDE», ASSÍRIO & ALVIM, 2019

 

BIOGRAFIA

Fez o doutoramento no Departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e o Mestrado em História Cultural e Política na mesma Universidade. Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa. Professor Associado, desde 2012, na Faculdade de Direito da Universidade de Macau. Desde 2003, Professor Assistente na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Professor também na Universidade de Aix-Marseille. Escreveu diversos artigos sobre História, História das Ideias, Filosofia e Literatura em jornais e revistas de especialidade e é autor dos livros Introdução ao pensamento social francês do século XVIII, U.T.A.D, Vila Real (1987), A ideia de felicidade em Portugal no século XVIII, entre as luzes e o romantismo. Eticidade, moralidade e transcendência (2008). Tradutor de poesia e poeta, publicou Caligrafia imperial e dias duvidosos, Assírio & Alvim, Lisboa (2007); Os últimos lugares, Assírio & Alvim (2004), Os limites da obscuridade, Caminho (1990), O roubo da fala, Ágora (1981). Colabora com a Biblioteca Pública de Macau desde 2014.

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publicado às 17:40


#3027 - LIVROS E LEITURAS

por Carlos Pereira \foleirices, em 10.08.19

 

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publicado às 06:25


#2139 - LIVROS E LEITURAS

por Carlos Pereira \foleirices, em 29.01.17

ruy cinatti029.jpg

 

 

 

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publicado às 16:35


#1859 - "SERVIDÕES" novo livro de Herberto Helder

por Carlos Pereira \foleirices, em 23.05.13

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publicado às 14:34


#1648 - Os Livros

por Carlos Pereira \foleirices, em 14.03.12

quadro de joana rego

 

 

É então isto um livro,

este, como dizer?, murmúrio,

este rosto virado para dentro de

alguma coisa escura que ainda não existe

que, se uma mão subitamente

inocente a toca,

se abre desamparadamente

como uma boca

falando coma nossa voz?

É isto um livro,

esta espécie de coração (o nosso coração)

dizendo 'eu' entre nós e nós?

 

Poema de Manuel António Pina, "como se desenha uma casa", edição Assírio & Alvim, 2011

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publicado às 16:07


#1371 - Fragmentos de Píndaro

por Carlos Pereira \foleirices, em 20.05.11

 

e torna ágil o sentido, e tão longa a vida, na sua demora precipitada:

 

Por fim, pensei: deixar-me-ei eternamente abalar pelos sofismas dos bens falantes, quando nem sequer estou certo de que as opiniões que apregoam, e que, com tanto ardor, tentam forçar os outros a adoptar, são exactamente as suas? As suas paixões, que regem a sua doutrina, o seu interesse em fazer acreditar nisto ou naquilo, tornam impossível perceber aquilo em que eles próprios acreditam. Será possível procurar boa fé em chefes de partido? A sua filosofia destina-se aos outros; precisava de uma para mim. Procurá-la-ei com todas as minhas forças enquanto ainda é tempo, a fim de adquirir uma regra fixa de conduta para o resto dos meus dias. Eis-me na idade madura, na plenitude do entendimento. Já me vou aproximando do declínio. Se espero mais tempo, já não poderei servir-me de todas as minhas forças nas minhas deliberações tardias; as minhas faculdades intelectuais já terão perdido eficácia, farei menos bem o que hoje posso fazer o melhor possível: o momento é favorável; se chegou a época da minha reforma externa e material, que ela seja também a época da minha reforma intelectual e moral. Fixarei, de uma vez por todas, as opiniões, os princípios, e serei para o resto da minha vida o que achar que devo ser, depois de ter reflectido bem.

 

[J. J. Rousseau, Os devaneios do caminhante solitário, tradução de Henrique de Barros, Lisboa, 1989, pp. 36-37]

 

Retirado do livro 'Fragmentos de Píndaro', de Friedrich Holderlin, edição Assírio & Alvim, 2009

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publicado às 15:19


#1209 - Bernardo Soares

por Carlos Pereira \foleirices, em 19.02.10


Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.


::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::.


O entusiasmo é uma grosseria.

A expressão do entusiasmo é, mais do que tudo, uma violação dos direitos da nossa insinceridade.

Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária.


Por mim não tive convicções. Tive sempre impressões. Nunca poderia odiar uma terra em que eu houvesse visto um poente escandaloso.


Exteriorizar impressões é mais persuadirmo-nos de que as temos do que termo-las.


O Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa (Bernardo Soares), edição de Richard Zenith - Assírio & Alvim, edição 490. 1.ª Edição: Setembro 1998 | 5.ª Edição: Março de 2005

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publicado às 21:10


#1208 - Sinais de Vida

por Carlos Pereira \foleirices, em 19.02.10



ANJO MORTO


O corpo passa entre fendas na madeira.


Graficamente a representação é igual

aos veios claros e escuros. Podes

ser um corpo e no entanto também uma

linha cor de sépia. Tu foste

asfixiado pela Poética. A liberdade que

Te era possível na estrutura do Poe-

ma levou-te até à agonia. Mas a voz

em estertor é minha. E as linhas frágeis

no papel comovem-me. Tu és o Único

nesta gravura baça a água-forte.


És um resíduo incandescente. Quan-

do Te invoco recupero-Te poe-

ticamente. Nada de Ti me falta. Apenas

não Te conheço mais completo do que

ver-Te entre fendas. Ou sem lucidez.

A possibilidade que tens de me seres

alheio torna-Te incisivo como o corte

da goiva. A tua presença morta é a úl-

tima confirmação da natureza íntima

da imagem. Sulco morto na matéria.


Poema de Fiama Hasse Pais Brandão extraído do livro "Obra Breve - Poesia Reunida", edição Assírio & Alvim n.º 0976, Maio de 2006

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publicado às 20:51


#1044 - Novidades da Assírio & Alvim

por Carlos Pereira \foleirices, em 22.11.09

 

A reedição de Os Passos em Volta é em capa dura. A de Gilles Deleuze, tem nova tradução e nova capa.

 

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publicado às 21:15


#1010 - Gastão Cruz

por Carlos Pereira \foleirices, em 07.11.09

Então a Voz

Então a voz passou por cima

do oceano
e era um som de vagas
 
o mesmo som ouvido nos verões
quando a luz sobre a pele
se transformava em água

 

Gastão Cruz, Os Poemas [1960-2006] - já disponível nas livrarias


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publicado às 19:58


#998 - Herberto Helder, A Faca não corta o fogo

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.11.09

 

alexandra de pinho

O que está escrito no mundo está escrito de lado

 

 

a lado do corpo - e tu, pura alucinação da memória,

entra no meu coração como um braço vivo:

o dia traz as paisagens de dentro delas, a noite é um grande

buraco selvagem -

e a voz agarra em todo o espaço, desde o epicentro às constelações

dos membros abertos: e irrompe o sangue

das imagens ferozes:

as rótulas unidas aos dentes e,

como um sexo trilhado:

a boca expele por entre os joelhos o seu grito com a fundura

de uma paisagem - uma

paisagem arrancada ao meio da noite, com as golfadas

de luz

que se despenharam: porque não há lembrança

dos jardins refrigerados com seus pequenos planetas

fotostáticos

levitando - a loucura está tão próxima que o meu braço

se entranha na água, e este atelier onde escrevo

sobe

dos precipícios curvos, forte desde o fundo:

aquilo que se escreve é o próprio corpo pregado como uma estrela

à purpura das madeiras, aos lençóis

ofuscantes cheios de sangue, de água

magnetizada - e esta sala brilhando apoia-se às espáduas,

e em baixo a queimadura

dos instetinos arde do alimento: os cabelos luzem, o rosto

plantado

em sua estaca de sangue como uma grande veia animal -

eu tenho sangue até às órbitas: a estrela fechada eleva-se

no remoinho da garganta - e levanto  a mão e explode

cinematograficamente

a imagem da própria mão

afogada

- porque eu morro da minha vida grave: a longa pálpebra

do corpo cerra-se

sobre a fenda negra aberta à paisagem que corre

como uma chama

por toda a casa - ceifem-me os cabelos à luz

panorâmica: e nas raízes sangrentas

a cabeça queima-se como a lua queima as roupas

levantadas - o meio do vento que cresce nesses cabelos cresce

dentro de mim: meu coração aumenta como uma pedra

aumenta

exposta às mãos como outra mão

de carne larga - esse

osso vedado alumiando o fundo da cabeleira que cortam

como se corta a noite

com uma foice, e os ossos se cortam a plena voz,

na terra, num incêndio completo, enquanto

ceifam: porque há uma cabeça no centro

do choque

do corpo: uma cabeça movida pelo refluxo escuro dos dias

sem fracturas: a cabeça

que vê e cheira e que se abre e fecha

e ouve e refulge e morde

e come depressa e respira para dentro e para fora -

e a voz ascende de todas as raízes entrelaçadas

- a largura, o sangue, o movimento: a fruta em claridade

entre as unhas,

labaredas, um puro génio mundial - tudo como uma forma límpida,

sutura

do coração, uma leveza tremenda

no poder: quando op dia é muito perto, uma estrela comprida

- as mães brilhavam: o que eu escrevo, elas o escreviam

na queimadura da paisagem: uma visão

cerrada pela força: e um comeya desentranha-se

da branca carnagem das memórias, fervendo

entre axilas e falangetas como

um braço, ou uma dança luzente na sua teia até às pálpebras -

o que se lembra e pulsa: fibras

vivas

de uma vara embrenhada no meio da água,

e à volta os planetas oscilam como folhas cantando

desde o abismo -

os dedos das mães nas linhas sangrentas que cosem

profundamente

o espelho e a imagem, como pelas artérias se cose

o coração

aos pedaços de carne, entre orifícios

negros, ressacas

fulgurantes, o corpo aberto com o centro estancado na terra.


Poema de Herberto Helder, do livro "A Faca não corta o fogo", edição Assírio & Alvim

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publicado às 21:27


Novo Livro de Manuel António Pina

por Carlos Pereira \foleirices, em 11.04.09

A Assírio & Alvim vai lançar este mês o novo livro de Manuel António Pina que é destinado essencialmente ao público infanto-juvenil.

O livro tem como título "História do Sábio Fechado na Sua Biblioteca".

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publicado às 18:08


Teoria sentada

por Carlos Pereira \foleirices, em 11.02.09

alexandra de pinho

 

A minha idade é assim - verde, sentada.

Tocando para baixo as raízes da eternidade.

Um grande número de meses sem muitas saídas,

soando

estreitos sinos, mudando em cores mergulhadas.

A minha idade espera, enquanto abre

os seus candeeiros. Idade

de uma voracidade masculina.

Cega.

Parada.

Algumas fixam-se à sua volta.


Idade que ainda canta com a boca

dobrada. As semanas caminham para diante

com um espírito dentro.

Mergulham na sua solidão, e aparecem

batendo contra a luz.

É uma idade com sangue prendendo

as folhas. Terrível. Mexendo

no lugar do silêncio.

Idade sem amor bloqueada pelo êxtase

do tempo. Fria.

Com a cor imensa de um símbolo.


Eu trabalho nas luzes antigas, em frente

das ondas da noite. Bato a pedra

dentro do meu coração. Penso, ameaçado pela morte.

É uma raíz séca, canta-se

no calor. É uma idade cor da salsa.

Amarga. Imagino

dentro de mim. Trabalho de encontro à noite.

Procuro uma imagem dura.


Estou sentado, e falo da ironia de onde

uma rosa se levanta pelo ar.

A idade é uma vileza espalhada

no léxico. Em sua densidade quebram-se

os dedos. Está sentada.

Os poentes ciclistas passam sem barulho.

Passam animais de púrpura.

Passam pedregulhos de treva.

É para a frente que as águas escorregam.


Idade que a candura da vida sufoca,

idade agachada, atenta

à sua ciencia. Que imita por um lado

as nações celestes. Que imita

por um lado a terra

quente.

Trabalhando, nua, diante da noite.

 

Herberto Helder - Ofício Cantante, Assírio & Alvim, edição 1297, Janeiro de 2009

 

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publicado às 12:12


Poesia completa de Herberto Helder

por Carlos Pereira \foleirices, em 15.01.09

Ofício Cantante - Poesia Completa (Assírio & Alvim) em breve nas livrarias. O volume de 624 páginas inclui, entre vários inéditos, todos os poemas do já esgotado A Faca Não Corta o Fogo, lançado em 2008. [In. Revista Ler]

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publicado às 13:39


Herberto Helder - A faca não corta o fogo

por Carlos Pereira \foleirices, em 07.11.08

As mulheres têm uma assombrada roseira

fria espalhada no ventre.

Uma quente roseira às vezes, uma planta

de treva.

Ela sobe dos pés e atravessa

a carne quebrada.

Nasce dos pés, ou da vulva, ou do ânus -

e mistura-se nas águas,

no sonho da cabeça.

As mulheres pensam como uma impensada roseira

que pensa rosas.

Pensam de espinho para espinho,

param de nó em  nó.

As mulheres dão folhas, recebem

um orvalho inocente.

Depois sua boca abre-se.

Verão, outono,  a onda dolorosa e ardente

das semanas,

passam por cima. As mulheres cantam

na sua alegria terrena.

 

Que coisa verdadeira cantam?

Elas cantam.

São fehadas e doces, mudam

de cor, anunciam a felicidade no meio da noite,

os dias rutilantes, a graça.

Com lágrimas, sangue, antigas subtilezas

e uma suavidade amarga -

as mulheres tornam impura e magnífica

nossa límpida, estéril

vida masculina.

Porque as mulheres não pensam: abrem

rosas tenebrosas,

alagam a inteligência do poema com o sangue menstrual.

São altas essas roseiras de mulheres,

inclinadas como sinos, como violinos, dentro

do som.

Dentro da sua seiva de cinza brilhante.

 

O pão de aveia, as maçãs no cesto,

o vinho frio,

ou a candeia sobre o silêncio.

Ou a minha tarefa sobre o tempo.

Ou o meu espírito sobre Deus.

Digo: minha vida é para as mulheres vazias,

as mulheres dos campos, os seres

fundamentais

que cantam de encontro aos sinistros

muros de DEus.

As mulheres de ofício cantante que a Deus mostram

a boca e o ânus

e a mão vermelha lavrada sobre o sexo.

 

Espero que o amor enleve a minha melancolia.

E flores sazonadas estalem e apodreçam

docemente no ar.

E a suavidade e a loucura parem em mim,

e depois o mundo tenha cidades antiga

que ardam na treva sua inocência lenta

e sangrenta.

Espero tirar de mim o mais veloz

apaixonamento e a inteligência mais pura.

- Porque as mulheres pensarão folhas e folhas

no campo.

Pensarão na noite molhada,

no dia luzente cheio de raios.

 

Vejo que a morte se inspira na carne

que a luz martela de leve.

Nessas mulheres debruçadas sobre a frescura

veemente da ilusão,

nelas - envoltas pela sua roseira em brasa -

vejo os meses que respiram.

Os meses fortes e pacientes.

Vejo os meses absorvidos pelos meses mais jovens.

Vejo meu pensamento morrendo na escarpada

treva das mulheres.

 

E digo: elas cantam a minha vida.

Essas mulheres estranguladas por uma beleza

incomparável.

Cantam a alegria de tudo, minha

alegria

por dentro da grande dor masculina.

Essas mulheres tornam feliz e extensa

a morte da terra.

Elas cantam a eternidade.

Cantam o sangue de uma terra exaltada.

 

Poema de Humberto Helder, extraído do Livro "A faca não corta o fogo", edição 1268, Setembro de 2008, da  Assírio & Alvim,

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publicado às 17:51


O Enforcado

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.10.08

No gesto suspensivo de um sobreiro,

o enforcado

 

Badalo que ninguém ouve,

espantalho que ninguém vê,

suas botas recusam o chão que o rejeitou.

 

Dele sobra o cajado.

 

Poema de Alexandre O' Neill, Poesias Completas, Assírio & Alvim, Edição 605, 2000

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publicado às 18:59


Hino ao Pássaro do Trovão

por Carlos Pereira \foleirices, em 24.09.08

No lugar sagrado,

na casa feita de aurora,

na casa feita de crepúsculo,

na casa feita de nuvem sombria,

na casa feita de bruma e chuva, de gafanhotos, de pólen,

onde a negra bruma cerra a entrada

-senda aonde o arco-íris leva -

onde os raios rasgam o alto,

ó viril divindade!

Com teus mocassins de nuvens negras, vem até nós,

com calças e camisa e cabeleira de nuvens negras, vem até nós,

com o pensamento envolto em nuvens negras, vem até nós,

com o sombrio trovão por cima, vem voando até nós,

com a nuvem formada aos pés, vem voando até nós,

com a obscuridade formada pela nuvem negra que está sobre a tua cabeça, voando vem  até               nós,

com os raios cruzados ribombando ao alto sobre a cabeça,

com o arco-íris suspenso ao alto sobre a cabeça, voando vem até nós,

com a obscuridade formada nas asas por nuvens negras,

com a longínqua obscuridade formada na ponta das asas por chuva e bruma, voando vem                   até nós,

com os raios cruzados, com o arco-íris suspenso ao alto sobre a ponta das asas, voando                      vem até nós,

com a obscuridade próxima formada por nuvens negras, por chuva e bruma, vem até nós,

com a obscuridade da terra, vem até nós.

Que flutue a espuma à tona da água sobre as raízes do trigo alto.

Em tua honra preparei um fogo que fumega,

em tua honra consumei o sacrifício.

Oh, aquece-me os pés,

aquece-me o corpo, os membros, o espírito, a voz.

Afasta o encantamento, aquece-me, favorece-me, afasta o encantamento.

Arrancaste-o de mim, levaste-o para longe, para longe de mim.

E agora curo-me, recupero a força, recupero a frescura,

a frescura sobe-me à cabeça, a força.

Movo-me com movimentos novos, ouço com ouvidos novos, olho com olhos novos.

Caminho, livre do tormento caminho, com uma luz no coração caminho, felizmente caminho.

Quero abundância de nuvens sombrias,

quero abundância de erva,

abundância de pólen,

abundância de orvalho.

Que venha contigo até aos confins da terra o belo fermento branco,

que venham até aos confins da terra o belo fermento amarelo, o belo fermento azul,

o belo fermento de todas as espécies,

as plantas de todas as espécies,

os bens de todas as espécies,

as jóias de todas as espécies,

que venham contigo até aos confins da terra.

Que venham contigo à frente, atrás, por baixo, por cima, à volta, que venham contigo até aos                    confins da terra.

Que se consume a obra.

Avanço dentro da beleza,

com a beleza à minha frente, sim, eu avanço,

com a beleza por trás das minhas costas, sim, eu avanço,

com a beleza por cima de mim e à minha volta, sim, eu avanço.

Em plena beleza tudo se consuma, sim, tudo se consuma, sim, eu avanço.

 

Origem do Poema: América do Norte, Nação dos Navajos.

Versão de Herberto Helder.

Retirado do Livro "Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o futuro, edição Assírio & Alvim

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publicado às 18:09


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