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Alexandra de Pinho, pintora, expõe na Sala de Exposições da Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira o seu mais recente trabalho denominado "Mensagens Trocadas".
A exposição está patente ao público de 15 de Dezembro de 2018 a 26 de Janeiro de 2019.
ALEXANDRA DE PINHO - EXPRESSÕES
Sobe
sobe até ao ponto mais alto do monte
e grita
Grita o teu nome
o nome dos teus pais
o nome dos teus filhos
se os tens
Grita
grita o mais alto que puderes
até sentires o peito a arder
mas grita
não te importes com a dor
muitas vezes alivia
Sobe
sobe ao sítio mais alto do monte
e berra
berra as provocações que sofreste
as humilhações cravadas na cabeça para que não esquecesses
os maus e feios nomes tatuados na face da tua pele
Não gemas
grita
berra
o mais alto que a dor conseguir suportar
até as nuvens sumirem e
o céu ficar todo azul
PINTURA DE ALEXANDRA DE PINHO
O corpo desliza no delírio, enquanto
um fruto amadurece no ventre.
O deserto sob os pés,
a cabeça deitada sobre o seio da duna descansa
da dor e da viagem.
Uma boca de areia, o milagre da água é uma miragem.
lâminas ondulantes brotam do solo quente e
formam cortinas transparentes enganando
o desejo. Obsessivo. Louco.
E o corpo continua a deslizar no delírio.
Apesar da noite, apesar do frio e
do brilho metálico sonoro das estrelas,
a certeza que dos olhos brotarão tamareiras
quando o milagre acontecer.
ALEXANDRA DE PINHO | TRANSFRAGMENTOS
ALEXANDRA DE PINHO (SECRETOS REGISTOS) - TECIDOS, DESENHOS E RESINA DE POLIÉSTER
QUADRO COM 20x20 cm - 2005
O mundo escurece
para quem nunca sonha,
não vê,
não se interroga:
como se o pavio de velas terminasse,
um a seguir ao outro,
até ao último milímetro de luz.
Por isso, o medo
ganhará vontade e
tomará conta de nós,
aprisionará o dia
e será sempre noite,
e reduzirá as estações a um inverno eterno.
E os nossos olhos cegarão
E as nossas bocas se fecharão
pois o tempo de ver, de falar, de protestar
já esgotou.
ALEXANDRA DE PINHO (CONTRA-CORPO)
SOLIDÃO
No meio da multidão somos apenas mais um.
Anónimos.
Quase todos se devem sentir assim.
Anónimos,
sem rosto,
iguais a tantos outros,
indistintos,
como se nós fossemos todos e não nós.
Mas subitamente
sentimos que estamos sós
às escuras,
encerrados dentro de um círculo de sombras
em confronto directo connosco
e com os nossos desejos
impulsos
fantasmas
fantasias
frustraçoes.
E vemos
gente que se atropela, que se toca, que se roça.
E vemos
gente perplexa suspensa nos gestos de outrem,
as bocas que se abrem e tomam a forma do espanto.
E os olhos que não pestanejam
hipnotizados pelas luzes vermelhas
das palavras penduradas nas portas
que são um sinal,
um código
que anunciam para iminências urgentes
de corpos ardentes
que buscam o ventre da noite para se tocarem
nos sítios do desejo, e do desespero.
E das janelas dos quartos escorre uma luz coada
que ilumina as silhuetas difusas de corpos nus
que se abraçam
antes que a melancolia da noite chegue
e o prazer dê lugar ao cansaço
ou à desilusão.
E continamos sós.
Apenas nós e a solidão.
SECRETOS REGISTOS - ALEXANDRA DE PINHO
QUANDO A ALMA DÁ LUGAR À SOMBRA
Um homem parado.
Um homem deitado sobre as sombras
gasosas de um néon decadente
E a sombra do homem que se alonga pela intermitência
da luz do reclamo que anuncia empréstimos
a quem tiver dificuldades e der garantias
E a sua sombra que se esconde dentro
da luz que se apaga
para se tornar invisível e anónimo
E a alma que foge
do homem parado
sem forças para voar
Os seus olhos
duas gemas de sal
de tanto chorar
Na extremidade dos braços as mãos em forma de concha
por tanto esmolar mas depois de o insultar
ainda tem que agradecer
Um novo dia começa
parido das entranhas
de uma insónia grávida de dor e desespero
E o homem
magoado
só
e
envergonhado
continua parado à porta do agiota
com ar de derrotado.
GRAPHIDIS SCIENTIA 5
Linhas de algodão cosidas em papiro
35cm x 35cm - 2010
AUTORA: ALEXANDRA DE PINHO
Sente-se.
Está sentado?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraído.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.
Você é um idiota.
Está realmente a escutar-me?
Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?
Então
Repito: você é um idiota.
Um idiota.
I como Isabel, D como Dinis, outro I como Irene, O como Orlando, T como Teodoro, A como Ana.
Idiota.
Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada. Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.
Aliás não sou o único a dizê-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes
Se você não é um I.
Claro, a você não lho dirão
Porque você se tornaria vingativo como todos os idiotas.
Mas
Os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota.
É típico que você o negue.
Isso mesmo: é típico que o I negue o que é.
Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um I.
É francamente fatigante.
Como vê, preciso de dizer mais uma vez
Que você é um I.
E no entanto não é desinteressante para você saber o que você é
E no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah, sim, acha você que tem exactamente as mesmas ideias do seu parceiro.
Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se console a dizer
Que há outros I.
Você é um I.
De resto isso não é grave.
É assim que você poderá chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política!
Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de I você não precisa de se preocupar com mais nada.
E você é I.
(Formidável, não acha?)
Você ainda não está ao corrente?
Quem há-de então dizer-lho?
O próprio Brecht acha que você é um I.
Por favor, Brecht, você que é um perito na matéria, dê a sua opinião.
Este homem é um I.
Nada mais
Não basta tocar o disco uma só vez.
Poema de Bertolt Brecht, in Colecção Forma da Editorial Presença, selecção e estudo de Arnaldo Saraiva.
TRÍPTICO - QUADRO DA AUTORIA DE ALEXANDRA DE PINHO
AS MARÉS DO CORPO
O corpo
que se vai inclinando
na exacta medida
do tempo que o dia
demora a encontrar
a noite e
que ganha sombras e asas
até ficar
na horizontal
em
linha paralela
com a luminosa vertigem do
sonho.
O AMOR
De repente soube
que estava na solidão como numa casa
conhecida e opaca.
Durava o meu silêncio, poderia durar
qualquer momento: amor, entrega
ao infinito lume de cada ser.
Pouco importava.
Nem era a solidão que importava.
Nem o amor.
Podia eu respirar? Sim, podia.
Os ruídos da casa acentuavam-se no escuro.
Longe, um vidro refractava uma luz insidiosa,
terna e obsessiva.
Mas isso era longe. Noutro quarto alguém dormia.
Eu, excluído
de todos os encontros. Mas isso, agora,
tornava-se igualmente irrelevante.
A luz modificava proporções e relevos.
Os quartos abriam-se à claridade
e o teu corpo que dormia era apenas mais uma peça
de uma misteriosa mecânica.
Eu, excluído.
O silêncio por dentro da casa habitava
o começo da luz.
Os ruídos eram soltos,
aparentemente incongruentes.
Como os quartos, que abriam para outros quartos
ou para o vazio,
como os corredores, sem saída
aparente,
como as escadas
abertas para o céu
frio.
Do mesmo modo, amar pode muitas vezes
passar por esse despido desamor
que o teu corpo deitado no quarto, aberto apenas
à luz desconhecida,
me pedia e continha.
Este silêncio é da casa e é de fora da casa.
A mecânica do amor não conhece
pausas.
Desola tanta frieza,
tanta aridez consentida,
tanta angústia antiga afugentada como um erro.
É o amor. O teu corpo dorme,
o quarto arde já de tanta luz.
Vem, tudo se perdeu.
Vem, rasga, ou abre com indiferença as cortinas,
a luz há muito já que entrou
para dentro do quarto, alastrou pelos móveis,
infectou madeiras, corroeu os corredores e as passagens,
anulou os segredos.
Olha: é o amor, por fim.
Desolação e queda.
Poema de Luís Filipe Castro Mendes
Alexandra de Pinho Alexandre o'Neill Há palavras que nos beijam Palavras nuas que beijas De repente coloridas (O nome de quem se ama Palavras que nos transportam In No Reino da Dinamarca
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
Para ver até 2 de Maio exposição de pintura de Alexandra de Pinho na Galeria Ao-Quadrado - Galeria de Arte Contemporânea, em Santa Maria da Feira.
"... o confronto entre as linhas do corpo e as dúvidas da humanidade inerentes ao mesmo..."
alexandra de pinho
A minha idade é assim - verde, sentada.
Tocando para baixo as raízes da eternidade.
Um grande número de meses sem muitas saídas,
soando
estreitos sinos, mudando em cores mergulhadas.
A minha idade espera, enquanto abre
os seus candeeiros. Idade
de uma voracidade masculina.
Cega.
Parada.
Algumas fixam-se à sua volta.
Idade que ainda canta com a boca
dobrada. As semanas caminham para diante
com um espírito dentro.
Mergulham na sua solidão, e aparecem
batendo contra a luz.
É uma idade com sangue prendendo
as folhas. Terrível. Mexendo
no lugar do silêncio.
Idade sem amor bloqueada pelo êxtase
do tempo. Fria.
Com a cor imensa de um símbolo.
Eu trabalho nas luzes antigas, em frente
das ondas da noite. Bato a pedra
dentro do meu coração. Penso, ameaçado pela morte.
É uma raíz séca, canta-se
no calor. É uma idade cor da salsa.
Amarga. Imagino
dentro de mim. Trabalho de encontro à noite.
Procuro uma imagem dura.
Estou sentado, e falo da ironia de onde
uma rosa se levanta pelo ar.
A idade é uma vileza espalhada
no léxico. Em sua densidade quebram-se
os dedos. Está sentada.
Os poentes ciclistas passam sem barulho.
Passam animais de púrpura.
Passam pedregulhos de treva.
É para a frente que as águas escorregam.
Idade que a candura da vida sufoca,
idade agachada, atenta
à sua ciencia. Que imita por um lado
as nações celestes. Que imita
por um lado a terra
quente.
Trabalhando, nua, diante da noite.
Herberto Helder - Ofício Cantante, Assírio & Alvim, edição 1297, Janeiro de 2009