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ELEGIA
Minha presença de setim,
Toda bordada a côr de rosa,
Que fôste sempre um adeus em mim
Por uma tarde silenciosa...
Ó dedos longos que toquei,
Mas se os toquei, desapareceram...
Ó minhas bôcas que esperei,
E nunca mais se me entenderam...
Meus Boulevards d'Europa e beijos
Onde fui só um espectador...
- Que sôno lasso, o meu amor;
- Que poeira d'ouro, os meus desejos...
Ha maos pendidas de amuradas
No meu anseio a divagar...
Em mim findou todo o luar
Da lua dum conto de fadas...
Eu fui alguém que se enganou
E achou mais belo ter errado...
Mantenho o trôno mascarado
Aonde me sagrei Pierrot.
Minhas tristezas de cristal,
Meus débeis arrependimentos
São hoje os velhos paramentos
Duma pesada Catedral.
Pobres enleios de carmim
Que reservara pra algum dia...
A sombra loira, fugidia,
Jámais se abeirará de mim...
- Ó minhas cartas nunca escritas,
E os meus retratos que rasguei...
As orações que não rezei...
Madeixas falsas, flôres e fitas...
O "petit-bleu" que não chegou...
As horas vagas do jardim...
O anel de beijos e marfim
Que os seus dedos nunca anelou...
Convalescença afectuosa
Num hospital branco de paz...
A dôr magoada e duvidosa
Dum outro tempo mais lilaz...
Um braço que nos acalenta...
Livros de côr á cabeceira...
Minha ternura friorenta -
Ter amas pela vida inteira...
Ó grande Hotel universal
Dos meus frenéticos enganos,
Com aquecimento-central,
Escrocs, cocottes, tziganos...
Ó meus Cafés de grande vida
Com dançarinas multicolôres...
- Ai, não são mais as minhas dôres
Que a sua dança interrompida...
Poema de Mário de Sá-Carneiro para Santa Rita Pintor escrito em Lisboa em Março de 1915 na revista trimestral de literatura Orpheu, ano I, n.º 2, Abril-Maio-Junho.
Editor: António Ferro
Directores: Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro