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#2536 - A TERRA E O HOMEM

por Carlos Pereira \foleirices, em 31.07.17

 

É necessário virar as palavras ao contrário para entender o gesto acerbo do homem que se apoia na terra em posição inversa. O corpo encostado no azul cobalto do ar é um pêndulo que oscila sempre no sentido contrário do vento para equilibrar o desequilíbrio. E a terra que se espanta com a persistência do corpo que faz um perfeito ângulo recto com a sua sombra; e  com os olhos agarrados a um ponto como se quisessem proteger um segredo  guardado na parte mais funda, aquosa e quente do seu ventre. E a boca que se abre para receber a respiração da terra e a terra que se abre para receber a respiração do  homem num diálogo vivo, harmonioso e mecânico entre as raízes da terra e as veias do homem.

E da esquina do seu rosto correm gotas de água doce e límpida que alimentam flores multicor, árvores, arbustos, ervas que crescem para cima e para baixo onde pássaros aéreos e subterrâneos as protegem de devoradores insectos humanos.

Esta cumplicidade depende de um cordão umbilical frágil que os liga para sempre  e a toda a restante irmandade.

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publicado às 22:34


#2535 - LIVROS E LEITURAS

por Carlos Pereira \foleirices, em 29.07.17

"O inferno é branco; o homem e a criança são negros; uma das mulheres é da família das liliáceas, cor de jacinto azul, a outra é da cor das magnoliáceas, em tom de magnólia branca: os seus números são de cor de papoila, a sua água é verde.

O nome da minha chita é de ouro e a nossa memória anímica banha-se nua no cântico do leite reluzente.

O basalto permanece sombrio."

 

PREÂMBULO DO LIVRO "CÂNTICO DO CRIME" DE JOËLLE GHAZARIAN, PÁGINA 15, EDIÇÃO QUASI, SETEMBRO DE 2007

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publicado às 18:58

 ANTÓNIO LOBO ANTUNES

 

Claro que há aqueles malucos como Picasso ou Miró e necessitamos de os ter no Zoológico do nosso espírito embora entreguemos o nosso dinheiro a imbecis oportunistas a que chamamos gestores. E, claro, os gestores gastam mais do que gerem, com o seu português horrível e a sua habilidade de vendedores ambulantes: Porquê? Porque nos sossegam. Salazar sossegava

A escritora Gertrude Stein insistia com os jovens escritores americanos de quem era protectora, Hemingway, Fitzgerald, tantos outros, da importância que teria para eles viverem em Paris. A sua explicação era simples:

– Não é tanto o que Paris dá

(insistia ela)

é o que Paris não tira. Esta frase traz-me sempre à ideia a pergunta que Alexandre Dumas

(gosto de Alexandre Dumas)

faz no seu diário:

“Porque motivo há tantas crianças inteligentes e tantos adultos estúpidos?”

Fica a reflectir acerca disto durante uns parágrafos e acaba por concluir que só pode ser um problema de educação. Por exemplo os desenhos das crianças em geral são magníficos, os dos adultos, excepto no caso de serem artistas de talento, uma bodega. Claro que é um problema de educação: uma criança criativa é herética e subversiva

(até rima, olha)

e claro que isso assusta os professores que exigem dos alunos uma normalização que conduz inevitavelmente à mediocridade que tanto tranquiliza os pais. Queremos que os filhos tenham vidinhas, sejam tristemente independentes, consigam um bom casamento, uma, tanto quanto possível, boa casa, um ordenado simpático, filhos bem educados. Claro que admitimos Gauguin ou Mozart desde que não façam parte da família. Em geral as famílias defendem-se criando um maluquinho. Todas têm aquilo que consideram o maluco da família e, quando o maluco, por qualquer motivo, deixa de o ser, apressam-se a arranjar outro antes que a estrutura se desagregue. Não há nada que assuste mais as pessoas do que a criatividade, nada que as apavore mais do que a diferença. A sociedade necessita de medíocres que não ponham em questão os princípios fundamentais e eles aí estão: dirigem os países, as grandes empresas, os ministérios, etc. Eu oiço-os falar e pasmo não haver praticamente um único líder que não seja pateta, um único discurso que não seja um rol de lugares comuns. Mas os que giram em torno deles não são melhores. Desconhecemos até os nossos grandes homens: quem leu Camões por exemplo? Quase ninguém. Quem sabe alguma coisa sobre Afonso de Albuquerque? Mas todos os dias há paleios cretinos acerca de futebol em quase todos os canais. Porque não é perigoso. Porque tranquiliza. Os programas de televisão são quase sempre miseráveis mas é vital que sejam miseráveis. E queremos que as nossas crianças se tornem adultos miseráveis também, o que para as pessoas em geral significa responsáveis. Reparem, por exemplo, em Churchill. Quando tudo estava normal, pacífico, calmo, não o queriam como governante. Nas situações extremas, quando era necessário um homem corajoso, lúcido, clarividente, imaginativo, iam a correr buscá-lo. Os homens excepcionais servem apenas para situações excepcionais, pois são os únicos capazes de as resolverem. Desaparece a situação excepcional e prescindimos deles. Gostamos dos idiotas porque não nos colocam em causa. Quanto às pessoas de alto nível a sociedade descobriu uma forma espantosa de as neutralizar: adoptou-as. Fez de Garrett e Camilo viscondes, como a Inglaterra adoptou Dickens. E pronto, ei-los na ordem, com alguns desvios que a gente perdoa porque são assim meio esquisitos, sabes como ele é, coitado, mas, apesar disso, tem qualidades. Temos medo do novo, do diferente, do que incomoda o sossego. A criatividade foi sempre uma ameaça tremenda: e então entronizamos meios-artistas, meios-cientistas, meios-escritores. Claro que há aqueles malucos como Picasso ou Miró e necessitamos de os ter no Zoológico do nosso espírito embora entreguemos o nosso dinheiro a imbecis oportunistas a que chamamos gestores. E, claro, os gestores gastam mais do que gerem, com o seu português horrível e a sua habilidade de vendedores ambulantes: Porquê? Porque nos sossegam. Salazar sossegava. De Gaulle, goste-se dele ou não, inquietava. Eu faria um único teste aos políticos, aos administradores, a essa gentinha. Um teste ao seu sentido de humor. Apontem-me um que o tenha. Um só. Uma criatura sem humor é um ser horrível. Os judeus dizem: os homens falam, Deus ri. E, lendo o que as pessoas dizem, ri-se de certeza às gargalhadas. E daí não sei. Voltando à pergunta de Dumas

– Porque é que há tantas crianças inteligentes e tantos adultos estúpidos?

não tenho a certeza de ser um problema de educação que mais não seja porque os educadores, coitados, não sabem distinguir entre ensino, aprendizagem e educação. A minha resposta a esta questão é outra. Há muitas crianças inteligentes e muitos adultos estúpidos porque matámos o máximo de crianças que perdemos quando elas começaram a crescer. Por inveja, claro. Mas, sobretudo, por medo.

 

Crónica publicada na VISÃO 1272 de 20 de julho

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publicado às 17:42


#2533 - PRÉMIO LITERÁRIO THE MAN BOOKER PRIZE 2017

por Carlos Pereira \foleirices, em 27.07.17

Foi hoje anunciado pelo júri do The Man Booker a lista dos 13 nomeados ao galardão.

O vencedor só será conhecido no dia 17 de Outubro.

 

The longlist, or ‘Man Booker Dozen’, for the £50,000 Man Booker Prize is announced today.

This year’s longlist of 13 books was selected by a panel of five judges: Baroness Lola Young (Chair); literary critic, Lila Azam Zanganeh; Man Booker Prize shortlisted novelist, Sarah Hall; artist, Tom Phillips CBE RA; and travel writer, Colin Thubron CBE.

The list was chosen from 144 submissions published in the UK between 1 October 2016 and 30 September 2017.

The Man Booker Prize for Fiction, first awarded in 1969, is open to writers of any nationality, writing in English and published in the UK.

 

The 2017 longlist, or Man Booker ‘Dozen’, of 13 novels, is:

Title Author (nationality) (imprint)

 

4 3 2 1 by Paul Auster (US) (Faber & Faber)


Days Without End by Sebastian Barry (Ireland) (Faber & Faber)


History of Wolves by Emily Fridlund (US) (Weidenfeld & Nicolson)


Exit West by Mohsin Hamid (Pakistan-UK) (Hamish Hamilton)


Solar Bones by Mike McCormack (Ireland) (Canongate)


Reservoir 13 by Jon McGregor (UK) (4th Estate)


Elmet by Fiona Mozley (UK) (JM Originals)


The Ministry Of Utmost Happiness by Arundhati Roy (India) (Hamish Hamilton)


Lincoln in the Bardo by George Saunders (US) (Bloomsbury)


Home Fire by Kamila Shamsie (UK-Pakistan) (Bloomsbury)


Autumn by Ali Smith (UK) (Hamish Hamilton)


Swing Time by Zadie Smith (UK) (Hamish Hamilton)


The Underground Railroad by Colson Whitehead (US) (Fleet)

 

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publicado às 17:24

 

Jorge Amado e José Saramago - Com o Mar por Meio é uma curta mas tocante troca de inconfidências e agrados entre dois dos maiores autores da língua portuguesa do século XX. A reunião e seleção da correspondência será lançada oficialmente na sexta-feira, já madrugada de sábado em Portugal, na Casa José Saramago, em Paraty, cidade sede da FLIP, feira internacional de literatura que começa hoje. Paloma Jorge Amado, filha do escritor brasileiro, e Pilar del Río, mulher do autor português, estão à frente da iniciativa.

 

NOTÍCIA RETIRADA DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS

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publicado às 13:28

 

 

A cerimónia de atribuição do Prémio terá lugar a 24 de outubro de 2017 na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.
 
Wim Wenders ®PeterLindbergh2015
 
 

Wim Wenders, conceituado cineasta, produtor, fotógrafo e autor alemão, é o vencedor da edição de 2017 do Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural. Wim Wenders é distinguido pelo seu contributo excecional para a comunicação da história multicultural da Europa e dos ideais europeus. Por ocasião do 5.º aniversário do Prémio, que homenageia a activista cultural e eurodeputada portuguesa Helena Vaz da Silva, o Júritambém concedeu um reconhecimento especial à deputada do Parlamento Europeu Silvia Costa, de Itália, pelo seu contributo notável para o desenvolvimento da estratégia da União Europeia sobre o património cultural e para a promoção do Ano Europeu do Património Cultural 2018. 

O Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, instituído em 2013 pelo Centro Nacional de Cultura em cooperação com a Europa Nostra, a principal organização europeia de defesa do património que o CNC representa em Portugal, e o Clube Português de Imprensa, distingue contribuições excecionais para a proteção e divulgação do património cultural e dos ideais europeus. Conta com o apoio do Ministério da Cultura, da Fundação Calouste Gulbenkian e do Turismo de Portugal.

Em nome do Júri do Prémio, Maria Calado, Presidente do Centro Nacional de Cultura, enfatizou: "Wim Wenders é não apenas uma figura chave do cinema contemporâneo Europeu mas também um defensor acérrimo da Europa através do seu rico património cultural. Ao longo de 50 anos de carreira, ele tem sido um mestre na procura de imagens e palavras para capturar o sentido de lugar na Europa. O Júri apreciou em particular a forma original como Wenders consegue dar vida aos valores e ideais europeus e promovê-los além-fronteiras através do seu trabalho prolífico, que abrange filmes inovadores, exposições fotográficas, monografias, livros de filmes e coleções de prosa".

Reagindo à notícia, Wim Wenders afirmou:


Estou profundamente grato por este prémio porque me identifico com os princípios que lhe estão subjacentes.

A Europa é uma utopia em curso, construída, mais do que por qualquer outra coisa, pelo seu legado cultural.

Temos de continuar a construir o nosso futuro comum, mas, nesse processo, não podemos deixar esquecida a preservação do nosso passado.

Os meios de comunicação digital tornam a essa comunicação muito mais rápida, mas são igualmente rápidos a incitar ao esquecimento.

Porém, esses meios ajudam-nos também a armazenar e a preservar as nossas preciosas lembranças de forma duradoura e eficaz, como acontece no reino do cinema, por exemplo.


O cineasta alemão, juntamente com sua esposa Donata, criou a Fundação Wim Wenders em Düsseldorf em 2012. Com o estabelecimento da Fundação, pretendeu-se criar um quadro juridicamente vinculativo para reunir o trabalho cinematográfico, fotográfico, artístico e literário de Wenders no seu país natal e torná-lo acessível de forma permanente ao público de todo o mundo. Todas as receitas são utilizadas para financiar o objetivo central da Fundação: a promoção de artes e cultura, não só através do restauro, disseminação e preservação do trabalho de Wenders, mas também através do apoio a jovens talentos no campo do cinema.

Este ano, o Júri do Prémio Europeu Helena Vaz da Silva - composto por especialistas independentes nos campos da cultura, património e comunicação de vários países europeus - decidiu também conceder um reconhecimento especial à eurodeputada Silvia Costa (Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas).

"Silvia Costa tem defendido vigorosamente que o património cultural é uma grande mais-valia para as instituições da União Europeia e para os Estados Membros e tem promovido o reconhecimento do seu valor social e económico a nível europeu. Ela tem sido uma das figuras políticas centrais por detrás do Ano Europeu do Património Cultural que se celebrará em 2018. Enquanto líder da equipa de negociação do Parlamento Europeu responsável por esta iniciativa, a eurodeputada Silvia Costa tem destacado a dimensão europeia do nosso património comum, sublinhado a importância do património cultural na comunicação dos valores europeus e defendido que a União Europeia adote a uma política abrangente para o património cultural como um legado duradouro do Ano Europeu", comentou Maria Cado, Presidente do Centro Nacional de Cultura, em nome do Júri do Prémio

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publicado às 18:32


#2530 - PRONTO (Crónica de António Lobo Antunes)

por Carlos Pereira \foleirices, em 20.07.17

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E PRONTO

Escrever é também isso: prazer e alegria e a minha ingénua vaidade de então, eu que não estava preparado para o sucesso nem sabia o que fazer com ele

Susa Monteiro

Eu não tenho computador, não tenho telemóvel, não tenho cartão de crédito, não tenho carro, resumindo: sou todo meu. Estou aqui sentado nesta cadeira a escrever esta crónica, cheio de vontade de voltar para o livro que ainda não parou de me trazer problemas. Do ponto de vista técnico é muito difícil, o material não cessa de crescer, estou mais ou menos a meio da primeira versão o que significa que, trabalhando as minhas doze horas diárias habituais, talvez a acabe lá para o fim do ano se nada especial acontecer na minha vida que me impeça de rabiscar. Não sei porque me meti neste livro, quer dizer sei mais ou menos: foi ele que se meteu em mim. Tinha acabado o livro anterior, estava à espera, vazio, e apareceu este primeiro depressa, depois devagar, depois depressa outra vez quando os vários elementos principiaram a juntar-se, depois devagar de novo à medida que ia crescendo. Tem vinte e cinco capítulos, acabei a primeira versão do décimo segundo hoje, queria começar a ocupar-me do décimo terceiro mas tenho de fazer estes textinhos para a revista. É horrível passar para um ritmo completamente diferente, dizer coisas levezinhas a fim de distrair as pessoas e o livro à espera, furioso comigo. Tenho sempre medo de não conseguir acabá-lo, precisa de tantas correções. É uma coisa estranha, um livro: quando tudo está a correr bem anda sozinho e de repente pumba, pára e lá fico eu à espera que ele decida continuar. Quando menos espero engrena de novo. Às vezes pergunto-me de onde é que isto vem e ignoro a resposta. Vem de um sítio qualquer, muito escondido, lá no fundo, uma espécie de cave confusa onde as palavras se organizam apesar de mim. Acho que o livro está lá todo à espera do momento de se realizar sozinho. Quer dizer não é bem assim: umas vezes organiza-se por si, outras necessita que eu seja criada para todo o serviço. Mas é fascinante vê-lo crescer, modificar-se, estruturar-se, é fascinante fazê-lo crescer, modificá-lo, estruturá-lo. Que me lembre escrevi o primeiro romance aos sete ou oito anos. Tinha quatro páginas e custou-me como o diabo. Claro que o queimei na figueira da casa dos meus pais onde queimava tudo. Os meus pais sabiam o que eu andava a fazer mas nunca me perguntaram fosse o que fosse. Enquanto eu escrevia o João estudava. Também nunca me perguntou nem eu lhe disse. Para quê? Era tão óbvio para mim que me faltava imenso caminho mas a certeza que ia ser o melhor dava-me força. Apesar de ser humilde, porque só se pode escrever sendo humilde, não tinha qualquer dúvida acerca disso. E era horrivelmente consciente das minhas múltiplas imperfeições. E depois, quando me levavam de férias com os meus irmãos, enchia um saco de livros para aprender. Fazia exercícios: escrevia à maneira deste, à maneira daquele, lia imensos romances maus, com os quais se aprende melhor que com os romances bons porque nesses não se vêem os pregos do reverso do cenário, o que há, como dizia Pascoaes, da aparição no seio da aparência. E continuava a queimar tudo, não revoltado, não zangado, porque era óbvio para mim que aquele era o caminho e que tinha de ser paciente e continuar a mamar. Não conhecia ninguém que escrevesse, nada sabia de literatura, estava completamente só. É terrível isto, durante um livro está-se completamente só. Quando me perguntavam o que queria ser não respondia porque não queria ser, já era. Só me faltava ser mas já era. E depois ia aprendendo com todos até que, aos dezassete ou dezoito anos, tive um encontro decisivo ao ler Antoine Blondin, escritor francês hoje praticamente esquecido, não é verdade, hoje esquecido, e que abriu, dentro de mim, uma porta que eu sabia que tinha. Nem sequer éramos parecidos no que ele fazia e eu tentava fazer, mas sendo tão diferente dele Antoine Blondin foi o meu encontro decisivo. Não sei bem em quê: talvez na luta pela liberdade interior. Num dos seus livros, falando da mãe, Blondin conta que ela costumava dizer: não tenho fé mas tenho tanta esperança. Esta frase foi muito importante para mim. Tanta esperança. E uma frase de Bernanos que nunca mais esqueço, e os três grandes poemas de Cendrars. Armado deste material as coisas foram-se tornando, a pouco e pouco, menos penosas. E depois a guerra. E depois a vinda da guerra. E depois, finalmente, a Memória de Elefante que nunca li nem deixava que traduzissem. O Christian Bourgois lá me convenceu e então olhei algumas páginas em francês. Para um primeiro livro achei-o do caraças mas já nada tinha a ver com o que eu fazia então. No entanto gosto dele sobretudo porque me recorda quanto me vi à brochinha para o compor, numa época da minha vida em que sofria muito por razões que não vêm ao caso nem vou maçar o leitor com isso. 
O Zé Cardoso Pires dizia-me: é preciso que a gente sofra para o leitor ter prazer. Mas gostaria que o leitor tivesse prazer com menos sofrimento da minha parte. Escrever é também isso: prazer e alegria e a minha ingénua vaidade de então, eu que não estava preparado para o sucesso nem sabia o que fazer com ele. Ainda não sei muito bem. Lembro-me sempre de Mozart depois de tocar na corte francesa, aos cinco anos. Toda a gente aplaudiu muito no fim e ele foi a correr para o colo da rainha, por acaso Maria Antonieta, saltou-lhe para os joelhos e pediu-lhe

– Gosta de mim.

E pronto, acho que estou no fim da crónica. Espero não os ter aborrecido muito. Agora vou até lá dentro sentar-me na sala a olhar para nada. Como dizem os parvos muito obrigado por este bocadinho. Fim

 

(Crónica publicada na VISÃO 1271, de 13 de julho de 2017)

 

 

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publicado às 15:48


#2529 - BEACH HOUSE - "CHARIOT"

por Carlos Pereira \foleirices, em 19.07.17

 

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publicado às 19:29


#2528 - U.N.K.L.E - Have You Looked at Yourself; Farewell

por Carlos Pereira \foleirices, em 19.07.17

 

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publicado às 19:16


#2527 - Soap&Skin - the sun

por Carlos Pereira \foleirices, em 19.07.17

 

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publicado às 19:02


#2526 - LIVROS E LEITURAS

por Carlos Pereira \foleirices, em 19.07.17

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 JUAN RULFO (1917-1986)

 

"Vim a Comala porque me disseram que vivia aqui o meu pai, um tal Pedro Páramo. Foi a minha mãe quem mo disse. E eu prometi-he que viria vê-lo quando ela morresse.  Apertei-lhe as mãos como sinal de que o faria pois ela estava à beira da morte e eu disposto a prometer-lhe tudo. "Não deixes de ir visitá-lo", recomendou-me. "Chama-se assim e assado. Tenho a certeza de que gostará de conhecer-te." Na altura nada mais pude fazer para além de lhe dizer que sim, que o faria, e de tanto lho dizer, continuei a dizê-lo mesmo depois do trabalho que as minhas mãos tiveram para se afastar das suas mãos mortas. Imediatamente antes, dissera-me:

- Não lhe vás pedir nada. Exige-lhe o que nos pertence. O que me devia ter dado e nunca deu... O esquecimento a que nos votou, meu filho, cobra-lho caro.

- Assim farei, mãe.

Mas não pensava cumprir a minha promessa. Até ter começado, há muito pouco , a encher-me de sonhos, a dar asas  às ilusões. E assim se foi formando um mundo em torno da esperança que era aquele senhor chamado Pedro Páramo, o marido da minha mãe. Por isso vim a Comala." (...)

 

Excerto do livro de Juan Rulfo "Pedro Páramo", página 19 - Edição Cavalo de Ferro, Junho de 2017

 

 

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publicado às 16:12

 

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publicado às 12:53


#2524 - O VERBO REZAR

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.07.17

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

 

Há pessoas  que para rezar baixam os olhos, fecham nas mãos o rosto, voltam-se para o interior. E a oração configura-se como uma imersão, um mergulho, semelhante à imagem oferecida pelo pequeno poema de Matsuo Bashô: "Silêncio/ Uma rã mergulha/ Dentro de si". A oração é uma pedra que se afunda não dentro do lago, mas no interior vasto de si. Há outras pessoas, porém, que abrem esforçadamente os olhos ao rezar, que finalmente os abrem numa tentativa de olhar a vida no seu flagrante espanto, no seu rasgão dilacerante e no seu prazer vivo. Quer umas quer outras estão certas. Todas as formas de rezar são insuficientes. Todas são eficazes. A arte de rezar é a arte de ser, apenas isso. (...)

 

Excerto do texto "O Verbo Rezar" publicado na Revista E do jornal Expresso, edição 2333 de 15 de Julho de 2017, página 94 e que integra a rubrica semanal com o título  "Que coisa são as nuvens"

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publicado às 20:05


#2523 - Bon Iver - Holocene (Official Music Video)

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.07.17

 

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publicado às 19:58


#2522 - Ry Cooder - Paris, Texas

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.07.17

 

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publicado às 19:40


#2521 - Joan Baez - Brothers In Arms

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.07.17

 

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publicado às 18:52


#2520 - THE DOORS - THE END

por Carlos Pereira \foleirices, em 17.07.17

 

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publicado às 18:48


#2519 - FLIP - Festa Literária Internacional do Paraty

por Carlos Pereira \foleirices, em 16.07.17

  

FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty - 15ª Edição - um dos grandes acontecimentos culturais do Brasil vai ter lugar em Paraty de 26 a 30 de Julho.

Frederico Lourenço participa da Flip 2017

 

VER PROGRAMAÇÃO AQUI

 

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publicado às 20:00


#2518 - London Grammar - Wasting My Young Years [Official Video]

por Carlos Pereira \foleirices, em 15.07.17

 

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publicado às 23:23

 

Não há como excluir de um cânone mínimo Machado de Assis, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, na prosa, e Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira, na poesia.
 

Como escrevo sobre livros, leitores de vários Estados estão sempre pedindo indicações de obras “literárias importantes”. Por isso, de vez em quando, publico algumas listas comentadas. Há solicitações difíceis de atender: “Quais os três maiores romancistas brasileiros?” e “Quais os três maiores poetas brasileiros?”

 

Evidentemente, não há só três grandes romancistas e três grandes poetas. Há poetas, por exemplo, que, mesmo não figurando entre os maiores, escreveram poemas belos e emblemáticos. Vinicius de Moraes é, certamente, um deles, assim como Gregório de Matos Guerra, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Sousândrade, Augusto dos Anjos, Mário de Andrade, Mário Faustino, Oswald de Andrade, Afonso Felix de Sousa, Lêdo Ivo, Raul Bopp, Cecília Meirelles, Mario Quintana, Adélia Prado, Haroldo de Campos, José Paulo Paes, Ferreira Gullar, Manoel de Barros, Ruy Espinheira Filho, Heleno Godoy, Ronaldo Costa Fernandes (poeta e prosador), Nelson Ascher e Régis Bonvicino.

 

Mas ninguém, ao elaborar uma lista com os três maiores poetas, terá a ousadia de excluir Carlos Drummond de Andrade, o Sol da poesia patropi, João Cabral de Melo Neto, o T. S. Eliot verde amarelo, e Manuel Bandeira. Este menosprezava, de maneira irônica e, quiçá, falsa modéstia, sua poesia — que seria “menor”. Usando a “dica”, pode-se dizer que a grande poesia de um país é formada por vários poetas menores que também, eventualmente, escreveram poemas maiores. É possível sugerir, ainda, que são os menores que colocam as escadas para poetas como Drummond de Andrade e João Cabral se tornarem gigantes.

 

 

 

IN "REVISTA BULA"

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publicado às 07:53


#2516 - ADANOWSKY - ME SIENTO SOLO (Official Video)

por Carlos Pereira \foleirices, em 14.07.17

 

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publicado às 23:23


#2515 - The Black Heart Procession -The Letter

por Carlos Pereira \foleirices, em 14.07.17

 

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publicado às 18:04


#2514 - The Black Heart Procession - A Cry For Love

por Carlos Pereira \foleirices, em 14.07.17

 

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publicado às 17:57


#2513 - The Silver Lake Chorus- Easy to Die (Hammock Remix)

por Carlos Pereira \foleirices, em 14.07.17

 

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publicado às 14:22

 

 

Um bom livro não se torna um marco na literatura apenas pela qualidade da narrativa e estilo empregado pelo autor. O contexto em que a história está inserida e o impacto para a sociedade também são indicadores seminais. Pensando nisso, a Bula realizou uma enquete com leitores para descobrir quais são os livros mais representativos em 20 países, de quatro continentes, escolhidos aleatoriamente. As obras mais votadas foram organizadas em uma lista de acordo com o país de origem. É importante salientar que listas são sempre incompletas e idiossincráticas, não sendo possível incluir todos os livros e autores relevantes em uma única seleção. Como critério principal para a escolha deveria prevalecer o impacto causado pela obra e a capacidade de influenciar novas gerações de autores e leitores. Também deveria ser votado apenas um livro por país. O resultado não pretende ser abrangente ou definitivo e corresponde apenas à opinião dos participantes da enquete. As sinopses foram adaptadas das editoras Companhia das Letras, Alfaguara, Record, José Olympio, Bertrand, 34, Martin Claret e Zahar.

 

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publicado às 19:53

 José Rentes de Carvalho

 

PRECE DE UM TRANSMONTANO

 

(Crónica de José Rentes de Carvalho publicada na Revista Visão)

 

Mas se Trás-os-Montes, aparentemente, se acomoda ao seu destino, não se rebela nem queixa, sofre ser tratado como o parente mais pobre e desamparado de uma nação ingrata

 

Ter opiniões e saber doseá-las de acordo com os sentimentos vigentes, além de ajudar à paz de espírito facilita o ganho de uma aura de sabedoria e boa reputação. O que vai contracorrente arranja lenha para se queimar.

 

Bem me avisaram: se era meu intento escrever sobre Trás-os-Montes, levasse em conta que o caminho seguro seria não me desviar dos trilhos, carreiros e atalhos de cabras que gente de nome tinha palmilhado; referir de permeio uma ou outra citação mais saliente sobre a imponência ciclópica do fraguedo, a majestade das arribas, a emoção que causa recordar a temerosa correnteza que era o Douro, antes de ser domado pelas barragens.

 

Nesse quadro caberiam também saudosas referências ao cheiro da urze, ao chiar dos carros de bois, ao porte imponente do gado de Miranda e, aqui e ali, como nos instantâneos da saudosa fotografia a preto e branco, salpicar imagens das velhinhas que, sentadas à porta, se vêem a fazer um inútil croché, sorrindo as boas-horas a quem passa.

 

Nada contra. O conselho era avisado, boa a intenção, se de alguma forma pecava era por esperar que com os meus olhos, sentimentos, e a memória que tanto me faz repisar, eu, embora sem de todo fazer tábua rasa das recordações e vivências, desse pelo menos um jeitinho. Limasse as arestas, não forçasse o desespero, concedesse como é grande a diferença entre o hoje e o trágico ambiente que foi o da província transmontana no tempo da minha infância e adolescência.

 

Não me custa fazer mea culpa, pois sei bem onde e porque razões exagero, quais são as dores, minhas e alheias, que me ensombram a paisagem que a outros aparece colorida, rica em matizes, quiçá mais conforme à da realidade. Todavia, quando assim procedo, não o faço com o desejo de criticar, diminuir ou sonhar impossíveis, mas tão-só para que fique testemunho, com esperança de que as desigualdades e os sofrimentos se tornem história.

 

 

 

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publicado às 19:35


#2510 - A lentidão do gesto

por Carlos Pereira \foleirices, em 13.07.17

 

A lentidão do gesto diz o quê?

O reflexo tardio à brusquidão do impulso

O atropelo à palavra conjugada de um verbo rasteiro

O passo que se atrapalha e é surdo à exigência do outro passo

A resposta que não se quer ouvir da pergunta que nunca foi feita

A ferida que se rasga sem sangrar

A vontade que se resigna para não se magoar 

A luz da estrela que teima em brilhar depois de morrer.

 

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publicado às 19:14


#2509 - Songs of Green Pheasant - Nightfall (for boris p.)

por Carlos Pereira \foleirices, em 13.07.17

 

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publicado às 18:45


#2508 - Questões de Semântica

por Carlos Pereira \foleirices, em 13.07.17

 

A política é a arte da mentira e da sedução.

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publicado às 12:25

 

 

THIAGO RODRIGUES BRAGA VENCE PRÉMIO LITERÁRIO UCCLA

O brasileiro Thiago Rodrigues Braga venceu a segunda edição do Prémio Literário UCCLA – Novos Talentos, Novas Obras em Língua Portuguesa, com a obra Diário de Cão. A menção honrosa do prémio foi atribuída ao livro de poemas Asa Norte, da também brasileira Rafaela Nogueira Barbosa.

Promovido pela União das Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), com a colaboração da editora A Bela e o Monstro e do Movimento 2014, a distinção, destinada a obras inéditas de ficção ou poesia em língua portuguesa, foi lançado em 2015.

A esta segunda edição candidataram-se 520 obras enviadas por autores dos diversos países de língua oficial portuguesa. Ao poeta e ensaísta António Carlos Cortez coube selecionar uma dezena de obras para posterior apreciação do júri composto por António Carlos Secchin (Brasil), Germano de Almeida (Cabo Verde), Inocência Mata (São Tomé e Príncipe), Isabel Alçada (Portugal), José Luís Mendonça (Angola) José Pires de Laranjeira (Portugal), João Lourenço, em representação da Biblioteca Nacional de Angola, João Pinto Sousa, pela editora A Bela e o Monstro, e Rui Ávila Lourido, coordenador cultural da UCCLA.

 

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publicado às 23:02


#2506 - Lewis- It's A New Day (1985)

por Carlos Pereira \foleirices, em 12.07.17

 

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publicado às 15:15


#2505 - Cigarettes After Sex - Opera House

por Carlos Pereira \foleirices, em 12.07.17

 

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publicado às 15:10


#2504 - Sem título

por Carlos Pereira \foleirices, em 11.07.17

 

No topo da mais alta montanha

onde o  ar é rarefeito por estar

muito perto do céu que

quase toco se

mais alto fosse, 

uma flor rara

filigrana de luz brilhante

imaculada

ilumina a passagem para outras dimensões

temporais

espirituais.

 

Dispo-me

só deixo ficar a pele que me aquece e protege

na minha viagem  de peregrino

para descobrir a matéria de que é feita

a minha alma ou

se ela existe

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publicado às 16:32


#2503 - Sem título

por Carlos Pereira \foleirices, em 11.07.17

 

Repouso a cabeça

no ângulo

mais suave do

vento

e

lentamente

adormeço.

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publicado às 16:24


#2502 - Os Novos Deuses

por Carlos Pereira \foleirices, em 10.07.17

 

Na saliência mais luminosa do queixo

apoiado em mãos lavradas pela erosão dos ventos,

brincos de água de manhãs de orvalho

deslizam até ao peito.

 

E o peito abre-se.

E o peito aberto mostra o galope poderoso das ondas contra a parede da escarpa,

a espuma salgada de nuvens densas que

escondem o latejar do trovão e calam o

choro de deuses antigos, mitológicos, nocturnos, decadentes.

 

E o vento ardente, vindo do norte de outro continente

chicoteia a pele rasteira das ervas dos sagrados montes.

É um vento seco, irado, mas lamentoso

soprado pelos deuses de dedo em riste enquanto

entoam canções amargas sobre poderes antigos.

 

Escarnecem da nudez dos novos deuses algorítmicos

tão caprichosos e violentos como eles,

mas muito mais perigosos.

 

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publicado às 22:01


#2501 - EU SEI!

por Carlos Pereira \foleirices, em 09.07.17

caos 3.jpg

 

Eu sei que a palavra dita corrompe a palavra escrita e as estações, sítios de embarque e desembarque, abraços e despedidas ou simplesmente de passagem.

 

Eu sei quando os rostos diurnos revelam os excessos da noite comprida, e que um sorriso pode ser amarelo, vermelho ou de um branco complacente.

 

Eu sei que o sol nasce todos os dias, acorda sempre do mesmo lado e, às vezes, de humores difíceis  e que a corrupção é o pecado original do homem aquando da  perda da sua inocência; e o seu fim só com o seu fim.  Alguém conhece outra maneira?

 

Eu sei que a nudez não é uma estátua e que ter um pensamento fora do estabelecido é, em alguns casos, passível de causar a morte.

 

Eu sei que é bom regressarmos aos lugares onde já fomos felizes e que uma mentira mil vezes repetida continuará a ser uma mentira.

 

Eu sei que um pássaro todos os dias me espreita da janela do meu quarto.

Eu sei que é um delator.

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publicado às 19:01


#2500 - O DEUS NULO

por Carlos Pereira \foleirices, em 08.07.17

 ANTÓNIO RAMOS ROSA (1924-2013)

 

Não o espero. Não chegarei jamais, nem estarei aqui, ele não falará. Desejaria dizer o seu infortúnio inominável, o seu silêncio impossível. Desejaria acolhê-lo na sua nudez, no seu silêncio. Espera-me decerto, na sua pobreza incomensurável, pobre deus mudo, sem abrigo, de uma infinita miséria. O que escrevo, o que escreverei será a oferenda para o encontro dele. Mas não haverá encontro se ele não respirar na inesperada transparência de uma linguagem branca. Nada poderei oferecer se as palavras não constituírem essa íntima aliança que é o mistério mesmo da linguagem.

 

Estou só e continuarei  a estar só, na árida  e ávida deambulação destas palavras sem caminho. Lancinante, a suspensão interminável. Aqui agora é nunca. Julguei que poderia estabelecer uma relação serena e confiante mas não ouviaind nenhum apelo. Estou dentro de um círculo calcinado.

 

Poema de António Ramos Rosa, do livro "Antologia Poética" com Prefácio, Bibliografia e Selecção de Ana Paula Coutinho Mendes - Edição Publicações Dom Quixote - Fevereiro de 2001

 

________________________________________________________________________________

Biografia                                                                                    

António Ramos Rosa (1924-2013)
 
António Victor Ramos Rosa nasceu em Faro a 17 de Outubro de 1924. Frequentou em Faro os estudos secundários, que não concluiu por motivos de saúde. Trabalhou como empregado de escritório, desenvolvendo simultaneamente o gosto pela leitura dos principais escritores portugueses e estrangeiros, com especial preferência pelos poetas. Em 1945 vai para Lisboa e dois anos depois volta a Faro, tendo integrado as fileiras do M.U.D. Juvenil, onde militou activamente. Regressado a Lisboa, foi professor de Português, Francês e Inglês, ao mesmo tempo que estava empregado numa firma comercial, e começou a fazer traduções para a Europa-América, trabalho que nunca mais abandonaria e no qual veio a atingir notável qualidade.
 
O continuado interesse pela actividade literária levou-o a relacionar-se com um grupo de escritores que o incentivaram na publicação dos seus poemas e artigos de crítica, tendo colaborado em numerosos jornais e revistas. Com alguns desses escritores, fundou em 1951 a revista Árvore, que veio a ser uma das mais marcantes da década, procurando divulgar os textos dos poetas e prosadores portugueses mais significativos no tempo, bem como os grandes nomes da literatura estrangeira. Co-dirigiu também as revistas Cassiopeia e Cadernos do Meio-Dia.
 

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publicado às 10:54


#2499 - Riceboy Sleeps - Boy 1904

por Carlos Pereira \foleirices, em 07.07.17

 

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publicado às 23:30


#2498 - Chinawoman - Let's Part In Style - Waltz #1

por Carlos Pereira \foleirices, em 07.07.17

 

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publicado às 23:21

 

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publicado às 23:18


#2496 - Jóhann Jóhannsson - Flight From The City

por Carlos Pereira \foleirices, em 07.07.17

 

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publicado às 22:22


#2495 - Harold Budd and Clive Wright - A Song For Lost Blossoms

por Carlos Pereira \foleirices, em 07.07.17

 

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publicado às 19:18


#2494 - QUESTÕES DE SEMÂNTICA

por Carlos Pereira \foleirices, em 06.07.17

O prazer é redondo

A dor, uma violenta aresta

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publicado às 23:23


#2493 - QUANDO A ALMA DÁ LUGAR À SOMBRA

por Carlos Pereira \foleirices, em 06.07.17

 

 

 

 SECRETOS REGISTOS - ALEXANDRA DE PINHO

 

QUANDO A ALMA DÁ LUGAR À SOMBRA

 

Um homem parado.

Um homem deitado sobre as sombras

gasosas de um néon decadente

 

E a  sombra do homem que se alonga pela intermitência

da luz do reclamo que anuncia empréstimos

a quem tiver dificuldades e der garantias

 

E a sua sombra que se esconde dentro

da luz que se apaga

para se tornar invisível e anónimo

 

E a  alma que foge

do homem parado

sem forças para voar

 

Os seus olhos

duas gemas de sal

de tanto chorar

 

Na extremidade dos braços as mãos em forma de concha

por tanto esmolar mas depois de o insultar

ainda tem que agradecer

 

Um novo dia começa

parido das entranhas

de uma insónia grávida de dor e desespero

 

E o homem

magoado

e

envergonhado

continua parado à porta do agiota

com ar de derrotado.

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publicado às 21:46

 GRAPHIDIS SCIENTIA 5

Linhas de algodão cosidas em papiro

35cm x 35cm   -   2010

AUTORA: ALEXANDRA DE PINHO

 

 

Sente-se.

Está sentado?

Encoste-se tranquilamente na cadeira.

Deve sentir-se bem instalado e descontraído.

Pode fumar.

É importante que me escute com muita atenção.

Ouve-me bem?

Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.

 

Você é um idiota.

Está realmente a escutar-me?

Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?

Então

Repito: você é um idiota.

Um idiota.

I como Isabel, D como Dinis, outro I como Irene, O como Orlando, T como Teodoro, A como Ana.

Idiota.

 

Por favor não me interrompa.

Não deve interromper-me.

Você é um idiota.

Não diga nada. Não venha com evasivas.

Você é um idiota.

Ponto final.

 

Aliás não sou o único  a dizê-lo.

A senhora sua mãe já  o diz há muito tempo.

Você é um idiota.

Pergunte pois aos seus parentes

Se você não é um I.

Claro, a você não lho dirão

Porque você se tornaria vingativo como  todos os idiotas.

Mas

Os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota.

 

É típico que você o negue.

Isso mesmo: é típico que o I negue o que é.

Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um I.

É francamente fatigante.

 

Como vê, preciso de dizer mais uma vez

Que você é um I.

E no entanto não é desinteressante para você saber o que você é

E no entanto é uma desvantagem para você não saber o  que toda a gente sabe.

Ah, sim, acha você que tem exactamente as mesmas ideias do seu parceiro.

 

Mas também ele é um idiota.

Faça favor, não se console a dizer

Que há outros I.

Você é um I.

 

De resto isso não é grave.

É assim que você poderá chegar aos 80 anos.

Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.

E então na política!

Não há dinheiro que o pague.

Na qualidade de I você não precisa de se preocupar com mais nada.

 

E você é I.

(Formidável, não  acha?)

 

Você ainda não está ao corrente?

Quem há-de então dizer-lho?

O próprio Brecht acha que você é um I.

Por favor, Brecht, você que é um perito na matéria, dê a sua opinião.

 

Este homem é um I.

Nada mais

 

Não basta tocar o disco uma só vez.

 

Poema de Bertolt Brecht, in Colecção Forma da Editorial Presença, selecção e estudo de Arnaldo Saraiva.

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publicado às 15:06


#2491 - AS MARÉS DO CORPO

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.07.17

 TRÍPTICO - QUADRO DA AUTORIA  DE ALEXANDRA DE PINHO

 

AS MARÉS DO CORPO

 

O corpo

que se vai inclinando

na exacta medida

do tempo que o dia

demora a encontrar

a noite e

que ganha sombras e asas

até ficar 

na horizontal

em

linha paralela 

com a luminosa vertigem do

sonho.

 

 

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publicado às 22:51


#2490 - TEORIA SENTADA

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.07.17

 alexandra de pinho

 

TEORIA SENTADA

 

A minha idade é assim - verde, sentada.

Tocando para baixo as raízes da eternidade.

Um grande número de meses sem muitas saídas,

soando

estreitos sinos, mudando em cores mergulhadas.

A minha idade espera, enquanto abre

os seus candeeiros. Idade 

de uma voracidade masculina.

Cega.

Parada.

Algumas fixam-se à sua volta.

 

Idade que ainda canta com a boca

dobrada. As semanas caminham para diante

com um espírito dentro.

Mergulham na sua solidão, e aparecem

batendo contra a luz.

É uma idade com sangue prendendo

as folhas. Terrível. Mexendo

no lugar do silêncio.

Idade sem amor bloqueada pelo êxtase

do tempo. Fria.

Com a cor imensa de um símbolo.

 

Eu trabalho nas luzes antigas, em frente

das ondas da noite. Bato a pedra

dentro do meu coração. Penso, ameaçado pela morte.

É uma raíz séca, canta-se

no calor. É uma idade cor da salsa.

Amarga. Imagino

dentro de mim. Trabalho de encontro à noite.

Procuro uma imagem dura.

 

Estou sentado, e falo da ironia de onde

uma rosa se levanta pelo ar.

A idade é uma vileza espalhada

no léxico. Em sua densidade quebram-se

os dedos. Está sentada.

Os poentes ciclistas passam sem barulho.

Passam animais de púrpura.

Passam pedregulhos de treva.

É para a frente que as águas escorregam.

 

Idade que a candura da vida sufoca,

idade agachada, atenta

à sua ciencia. Que imita por um lado

as nações celestes. Que imita

por um lado a terra 

quente.

Trabalhando, nua, diante da noite.

 

Herberto Helder - Ofício Cantante, Assírio & Alvim, edição 1297, Janeiro de 2009

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publicado às 18:56


#2489 - Nev Cottee - If I Could Tell You

por Carlos Pereira \foleirices, em 05.07.17

 

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publicado às 18:45


#2488 - "Our Holiday" by Sergius Gregory

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.07.17

 

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publicado às 19:31


#2487 - Rick Redbeard

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.07.17

 

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publicado às 19:17


#2486 - Na quietude dos dias felizes

por Carlos Pereira \foleirices, em 04.07.17

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Hoje, quero passear de mão dada com o tempo.

Não com o tempo mecânico, matemático e da física que

escorre no interior da ampulheta;

mas com o outro tempo:

O tempo dos afectos e das doces melancolias e

do perfume que dele eflui,

do teu olhar verde que era o meu mar, 

dos verões morenos que passavam lentos e quentes,

um beijo desajeitado num pôr do sol cinematográfico,

as almas  juntas sentadas numa cadeira  do cinema onde

um leve e suave roçar punha o corpo a latejar,

conversas sobre assuntos filosóficos para parecermos inteligentes,

a cumplicidade do banco do jardim que assistia à falta de jeito das palavras

que atrapalhavam a vontade do corpo.

O tempo das ausências, das despedidas e dos reencontros.

O tempo dos interregnos para outros encontros e descobertas.

O tempo de novas paixões e, depois, novamente o regresso.

 

 

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publicado às 14:33


#2485 -Guimbras - Santa Maria da Feira

por Carlos Pereira \foleirices, em 03.07.17

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publicado às 18:54

 JUAN RULFO (1917-1986)

 

A Editora Cavalo de Ferro vai reeditar os três livros escritos pelo escritor mexicano Juan Rulfo na década de 50 do século passado e que marcaram para sempre a literatura mexicana.

 

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publicado às 19:33

 

 A revista literária GRANTA vai ter, a partir de 2018, uma edição única em língua portuguesa com publicação em simultâneo em Portugal e Brasil pela editora Tinta-da-China.

A edição terá textos de autores portugueses e brasileiros.

Daniel Blaufuks, fotógrafo, será o responsável pela área da imagem na revista,  cujo director é Carlos Vaz Marques.

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publicado às 19:17


#2482 - Poemas inéditos de Fernando Pessoa

por Carlos Pereira \foleirices, em 01.07.17
 
 

O grupo editorial mexicano Fondo de Cultura Económica, que possui filiais em 11 países, acaba de colocar no mercado brasileiro a antologia bilíngue “Pessoa Múltiple”, organizada pelos professores Jerónimo Pizarro e Nicolás Barbosa. A antologia, reúne em um só volume, parte da produção do poética de Fernando Pessoa, com destaque para os poemas franceses e ingleses e o os livros “Rubayiat” e “Quadras”, além de poemas inéditos.

 

Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, em junho de 1888, e morreu em novembro de 1935, na mesma cidade, aos 47 anos, em consequência de uma cirrose hepática. Seus poemas mais conhecidos foram assinados pelos heterônimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, além de um semi-heterônimo, Bernardo Soares, que seria o próprio Pessoa, um ajudante de guarda-livros da cidade de Lisboa e autor do “Livro do Desassossego”, uma das obras fundadoras da ficção portuguesa no século 20. Além de exímio poeta, Fernando Pessoa foi um grande criador de personagens. Mais do que meros pseudônimos, seus heterônimos foram personagens completos, com biografias próprias e estilos literários díspares.

Após sua morte, em seus “baús cheios de gente”, foram encontrados mais de 30 mil escritos que, ainda hoje, continuam sendo editados e que, pouco a pouco, vão sendo conhecidos em toda a sua amplitude.

 

Sobre os antologistas

Jerónimo Pizarro é professor, tradutor, crítico e editor, responsável pela maior parte das novas edições e séries de textos de Fernando Pessoa publicadas em Portugal desde 2006. Nicolás Barbosa é estudante de PhD em Literatura Portuguesa da Universidade Brown (E.U.A.), professor de inglês na Universidade Nacional da Colômbia, tradutor e intérprete.

O livro pode ser adquirido na livraria cultura. Os poemas selecionados são inéditos em antologias ou não foram publicadas em edições brasileiras.

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publicado às 17:57


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