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O presidente do BPI, Fernando Ulrich, já classificara a decisão do TC que confirmou a inconstitucionalidade dos confiscos dos subsídios de férias e Natal a funcionários públicos e pensionistas de "negativa", "perigosa" e "inaceitável". Agora é o presidente do BCP, Nuno Amado, a clamar que foi "uma decisão muitíssimo infeliz".
A banca (falta conhecer a opinião de Ricardo Salgado, do omnipresente BES, para o ramalhete ficar completo) não só tem enormes responsabilidades na crise como tem sido beneficiária da maior parte dos sacrifícios que, a pretexto dela, vêm sendo impostos aos portugueses. Mas a banca quer mais do que o seu financiamento com a "ajuda" que a 'troika' cobra ao país em desemprego, fome e miséria ou do que a destruição do SNS que alimenta os seus negócios na Saúde, a banca quer também uma Constituição "sua", já que a Constituição da República se revela, pelos vistos, "negativa", "perigosa", "inaceitável" e "muitíssimo infeliz" para os seus interesses.
Nem Ulrich nem Amado o escondem: "É premente alguma revisão da Constituição" (Amado), e a decisão do TC pode "justificar a discussão de uma revisão constitucional, o que até seria positivo" (Ulrich).
Numa democracia que cumprisse os serviços mínimos, os desejos de dois banqueiros valeriam apenas dois votos. Não tardará que vejamos quanto valem num regime do género "que se lixem as eleições".
ATRAVÉS DA CHUVA E DA NÉVOA
Chovia e vi-te entrar no mar
longe de aqui há muito tempo já
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar o teu amor
Mais tarde olhei-te e nem te conhecia
Agora aqui relembro e pergunto:
Qual é a realidade de tudo isto?
Afinal onde é que as coisas continuam
e como continuam se é que continuam?
Apenas deixarei atrás de mim tubos de comprimidos
a casa povoada o nome no registo
uma menção no livro das primeiras letras?
Chovia e vi-te entrar no mar
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar o teu amor
Que importa que algures continues?
Tudo morreu: tu eu esse tempo esse lugar
Que posso eu fazer por tudo isso agora?
Talvez dizer apenas
chovia e vi-te entrar no mar
E aceitar a irremediável morte para tudo e todos
É o tempo em que muitos homens se transformaram em figuras paradas, caricaturas dos homens bravos e corajosos que já foram. De lutadores nada resta; apenas a cobardia humilhante e desprezível perante a rendição.
O homem caça e luta. A mulher intriga e sonha; é a mãe da fantasia, dos deuses. Possui a segunda visão, as asas que lhe permitem voar até ao infinito do desejo e da imaginação... Os deuses são como os homens: nascem e morrem sobre o peito de uma mulher...
Jules Michelet
O AMOR
De repente soube
que estava na solidão como numa casa
conhecida e opaca.
Durava o meu silêncio, poderia durar
qualquer momento: amor, entrega
ao infinito lume de cada ser.
Pouco importava.
Nem era a solidão que importava.
Nem o amor.
Podia eu respirar? Sim, podia.
Os ruídos da casa acentuavam-se no escuro.
Longe, um vidro refractava uma luz insidiosa,
terna e obsessiva.
Mas isso era longe. Noutro quarto alguém dormia.
Eu, excluído
de todos os encontros. Mas isso, agora,
tornava-se igualmente irrelevante.
A luz modificava proporções e relevos.
Os quartos abriam-se à claridade
e o teu corpo que dormia era apenas mais uma peça
de uma misteriosa mecânica.
Eu, excluído.
O silêncio por dentro da casa habitava
o começo da luz.
Os ruídos eram soltos,
aparentemente incongruentes.
Como os quartos, que abriam para outros quartos
ou para o vazio,
como os corredores, sem saída
aparente,
como as escadas
abertas para o céu
frio.
Do mesmo modo, amar pode muitas vezes
passar por esse despido desamor
que o teu corpo deitado no quarto, aberto apenas
à luz desconhecida,
me pedia e continha.
Este silêncio é da casa e é de fora da casa.
A mecânica do amor não conhece
pausas.
Desola tanta frieza,
tanta aridez consentida,
tanta angústia antiga afugentada como um erro.
É o amor. O teu corpo dorme,
o quarto arde já de tanta luz.
Vem, tudo se perdeu.
Vem, rasga, ou abre com indiferença as cortinas,
a luz há muito já que entrou
para dentro do quarto, alastrou pelos móveis,
infectou madeiras, corroeu os corredores e as passagens,
anulou os segredos.
Olha: é o amor, por fim.
Desolação e queda.
Poema de Luís Filipe Castro Mendes
A elogiada paciência dos portugueses perante a austeridade imposta pelo governo é um dos verdadeiros motivos pela situação de desastre económico em que nos encontramos