Cecile Veilhan
- Porque é verdade que não me ajudam. Esquecem-se de mim e julgam-me escrava.
- Que já fizeste para mudar a situação?
- Estou farta de reclamar, amiga.
- Esse é o problema. Age calada em vez de usares as palavras para ficares quieta.
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
O caso (noticiado pelo DN) das reformas, privilégios, regalias, mordomias, prebendas retirados a ex-administradores do BCP promove a indignação daqueles que, embora sabendo-o, não possuíam a verdadeira extensão do escândalo. Porque de escândalo se trata. Os particularismos do "mercado" criaram novas visões do mundo e desviaram, do seu sentido verdadeiro, padrões e valores que fundamentaram o essencial das nossas sociedades. Parece que tudo é permitido e, pior, admitido como normalidade o que constitui aberração e indecência.
O modelo saído da globalização trouxe inesperadas formas de violência, vulgarizou-as, simplificou- -as, através de uma bem urdida manipulação das consciências que propunha a relatividade e o anacronismo dos valores até então vigentes. Quase nenhuma força política se opôs a esta ideologia da exclusão. A grande aventura do espírito humano, que se criou e desenvolveu com as contribuições dos esforços partilhados e das experiências culturais variadas e diferentes, parece ter entrado num denso período crepuscular - de que apenas tiram proveito os "escolhidos" e os "eleitos".
E quem são estes? Que sinais distintivos os definem e notabilizam? Pouco ou nada diferem de todos nós. No entanto, a medida das suas intenções e a capacidade de metamorfose que revelam, além da sua quase inverosímil habilitação para a mentira e para a dissimulação, tornam-os os vencedores do momento. O "domínio da presença" manifesta-se, sem equívoco, como demonstração de força e de poder.
Porém, essa força e esse poder são ilusórios, por momentâneos. Eles não têm uma fortíssima crença em si mesmos. As fragilidades e temores emergem logo que as suas actividades são postas em causa. Não só é relevante o caso de Jardim Gonçalves, o todo-poderoso banqueiro dos vencimentos faraónicos, dos jactos particulares, dos não sei-quantos guarda-costas; significativo tem sido o aluir das aparências, quando a mentira é desmascarada e a pequenez do mentiroso é exposta.
O nosso desenvolvimento moral também depende muito da exemplaridade das relações entre pessoas e instituições. Há muito que perdemos a confiança nas estruturas e nas organizações do sistema. A cedência à tentação da irresponsabilidade nasceu na crença da impunidade dos prevaricadores. Cabe à educação, à Imprensa, à sociedade a tarefa de reabilitar o espírito público.
Este episódio não põe fim às desigualdades afrontosas, mas pode iluminar as obscuridades arrogantes. E, eventualmente, despertar as consciências para a revelação de que, afinal, tudo isto anda ligado, sendo a disjunção privado e público a pura hipótese de uma mistificação
Artigo de opinião de Baptista-Bastos no "DN"
Começa amanhã o 37.º Festival International de la Bande Dessinée d'Angoulême, em França, a mais importante manifestação europeia dedicada aos quadradinhos. Alguns criadores portugueses vão aproveitar o evento para mostrar a sua obra a nível internacional.
Resto da notícia aqui
A notícia vem no DN: o Governo português comprometeu-se a emprestar a Angola até 200 milhões de dólares. Para isso, apesar de a dívida externa do país ultrapassar já os 100% do PIB (e com as agências de "rating" a anunciar, em face disso, o aumento das taxas de juro da remuneração da dívida), o Governo irá contrair um (mais um) empréstimo.
A boa notícia é que o mais certo é que parte desses milhões, ao menos a das "comissões" e das "contrapartidas", acabe por voltar a penates, seja através das empresas e dos negócios do costume, seja em artigos de "griffe" como relógios de ouro Rolex e Patek Phillipe, pulseiras Dior e H. Stern, roupas Ermenegildo Zegna e até... casacos de peles, comprados nas lojas de luxo de Lisboa sem olhar a preços. De facto, as elites do regime angolano constituem hoje, segundo uma notícia publicada pelo "Expresso" em finais de 2009, 30% do mercado de luxo português. Que isso nos sirva de conforto, aos pelintras contribuintes portugueses, quando pagarmos a escandalosa factura dos 200 milhões. Porque, como diria o gondoleiro de "A morte em Veneza", haveremos de pagá-la.
Belmiro de Azevedo, o patrão da Sonae, afirma, em entrevista que a revista “Visão” vai publicar amanhã, que o Presidente da República “é um ditador” e que o primeiro-ministro José Sócrates “liga e manda ligar muitas vezes”.
"Cavaco é um ditador. Mandou quatro amigos meus, dos melhores ministros, para a rua, assim de mão directa", afirma Belmiro de Azevedo sobre a primeira figura do Estado.
Sobre o Governo, o empresário diz desconhecer " metade dos que estão lá" e que as promessas do executivo de Sócrates são “feitas sem o Teixeira dos Santos assinar por baixo". E felicita o facto do Governo de Sócrates ser minoritário: Neste momento, e quase direi por felicidade, não há um Governo de maioria".
Belmiro de Azevedo não poupa também a líder da oposição, Manuela Ferreira Leite: “Teve muitos anos de trabalho, mas no Estado. Nunca dormiu mal por ter a responsabilidade de saber como pagar salários".
E comenta ainda o recente anúncio de Manuel Alegre sobre a intenção de se candidatar a Presidente da República: "O Alegre devia ter juízo (...) No final do mandato já terá 80 anos, não é muito sensato".
Mês de Janeiro - A fogosidade do vento frio que abana o chilrear quente dos pássaros
Ele me esperava à saída do baile. Parado na esquina, retocou as pontas da gravata borboleta. Ainda de longe, magrinho, idade incerta, sorria para mim.
- Boa noite.
-Boa noite, senhor.
Andando a meu lado, disse que me viu a dançar com a loira. Ele a achava linda, com sua boca pintada. Respondi que a odiava. Ele disse que sofreu muito com as mulheres - um puxão raivoso na gravatinha azul. Da própria mulher, casado e com filho, não queria saber.
Falava tanto e tão depressa, a voz pastosa de saliva. Acendi um cigarro - não é que os dedos tremiam? Perguntou se ele me provocara, mas não respondi. Compreendia muito bem, a mulher sem piedade enlouquece um pobre moço. Capaz de matar a loira de olho pérfido.
- Ainda bem não tenho olho verde!
Piscou um olho de cada vez. Eu não sabia nada do mundo, ele disse, a cada palavra a voz mais rouca. Intrigava gentilmente os plátanos, a loira, a maldita lua no céu. Uma baba de lesma no dente de ouro... Não falava da loira - e como se eu sobesse de quem. Perto da igreja o guincho aflito dos morcegos.
Ele perguntou a hora. Eu não tinha relógio. Parados na esquina, injuriou ainda mais a loira, que tinha boca pintada, promessa de delícias loucas, mas seu olhar era frio, seu loiro coração era amargo. Sabia de outras bocas, a sua, por exemplo, rainha do maior gozo. Molhou o lábio com a ponta da língua vermelha - no canto a espuma do agonizante. Se eu nunca o vira, havia muito que esperava. Tudo sabia de mim, quem eu era:
- A um menino bonito ofereço o trono do mundo.
Até dinheiro, ele disse, tesouros que eu não ganhava de nenhuma loira. Protestei que ela não merecoa ódio, moça de boa família.
Olhou o relógio no pulso: três horas da manhã.
- Boa noite, senhor.
Sem rsponder, subiu as mãos trémulas ao nó da minha gravata - dois ratos de focinhos quentes e húmidos.
- Tem cabelo no peito!
Na ponta dos dedos o cuidado reverente de quem consagra o cálice.
- Ora, quem não...
Seus olhos se abriam para a lua, eu podia jurar que verdes.
- Como é forte!
Meu Deus, aquele riso... Gritinhos de morcego velho e cego. Falando do vento que anunciava chuva, ensaiou um gesto - o gesto da loira!
A ponta da língua se mexia, um papel debaixo da porta.
- Não tem medo?
Um gato saltou do muro. Espiei do gato para o homem e a rua deserta: ajoelhado na adoração da lua.
Passos de criança perdida, gotas de chuva estalavam nas folhas.
- Boa noite, boa noite, boa noite.
Chorava o dente de ouro, as lágrimas riscavam as velhas rugas.
Escondeu-as na mão - o relógio faiscando no pulso.
- O meu presente?
Ele olhou o relógio.
- De estimação. Lembrança da minha mãe.
As folhas húmidas brilhavam na calçada. Todas as árvores pingavam a duas portas de casa.
- Melhor que...
Não ficava bem dar senhorio.
- ... volte daqui.
Quis pegar na mão e guardei-a no bolso.
- Mais um pouco - ele pediu.
Todas as árvores gotejavam. Ali na porta de casa - o relógio na palma da mão.
Ele me perguntou a hora.
Conto de Dalton Trevisan traduzido do texto holandês por José Augusto Pinto de Sousa e retirado de um artigo de August Willemsen "Sobre a evolução estilística na obra de Dalton Trevisan e as consequências que daí advêm para o tradutor" publicado na revista "Colóquio | Letras, n.º 132/133, Abril-Setembro de 1994
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
Poema de Cecíla Meireles
Fotografia de Fernando Bagnola
Uma rapariga vai como uma espiga
São de cor de areia suas pernas finas
Seu íris é azul verde e cinzento
Uma rapariga vai como uma espiga
Carnal e cereal intacta cerrada
Mas nela enterra sua faca o vento
E tudo espalha com suas mãos o vento
Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen
a máquina de fazer espanhóis
Autor: valter hugo mãe
Editora: Alfaguara
N.º de páginas: 307
ISBN: 978-989-672-016-2
Ano de publicação: 2010
Em o apocalipse dos trabalhadores (QuidNovi, 2008), o anterior romance de valter hugo mãe, um ucraniano com nome de craque do Dínamo de Kiev (Andriy Shevshenko) explica a dada altura que «para abrir caminho na ferocidade de um país alheio» é preciso alcançar a «felicidade das máquinas». No novo livro do escritor de Vila do Conde, há uma extrapolação desta metáfora, se entendermos a ideia de máquina como uma entidade abstracta, composta por peças muitas vezes à mercê de uma lógica e de uma energia cinética que as ultrapassa.
A primeira máquina com que nos deparamos no livro é um lar de idosos, com o habitual nome eufemístico – Lar da Feliz Idade – e uma espécie de funcionamento para a morte. O número de residentes é fixo (93), as camas só vagam quando alguém morre, e por isso impera uma rotatividade que começa com a entrada para um dos melhores quartos (em frente ao jardim onde passam crianças) e termina na ala esquerda (com vista para o cemitério, em mórbida antecipação do fim).
É a este mundo opressivo que chega, ainda atropelado de dor pela morte da mulher (Laura), o protagonista do romance: António Silva, 84 anos, antigo barbeiro com problemas de consciência que nem o tempo foi capaz de sarar. Ele de início recusa a vida colectiva da casa, mas depois integra-se num grupo de homens palradores, quase todos partilhando o seu apelido, portugueses de gema que passam os dias a discutir justamente o que é isto de ser português, sobretudo quando todos levaram com quase meio século de fascismo em cima. Um fascismo que deixou a raiz podre dentro das cabeças, dentro dos «bons homens» que não mexeram um dedo contra Salazar, que aceitaram uma «cidadania de abstenção», por medo ou apego à família, e ainda hoje são habitados pelo fantasma do que não tiveram coragem de fazer; ou que cobardemente permitiram que se fizesse.
A segunda máquina, a que dá título ao livro, é então Portugal, esse eterno problema que temos connosco mesmos e que valter hugo mãe aborda com raro desassombro. Há ainda uma terceira máquina: a «máquina que tira a metafísica». Sem metafísica, os velhos deixam de ter algo a que se agarrar e resvalam de vez para a morte. Um tal engenho, entrevisto em delírios por alguns dos residentes, pode ser uma mera fantasia senil ou um inesperado objecto real, posto ao serviço de uma rentabilidade económica de contornos criminosos.
No seu projecto de huis clos, valter hugo mãe deparou-se com um problema. A tremenda intensidade dramática com que descreve o sofrimento das personagens (o colapso dos corpos, a solidão, a loucura, as arestas cruéis da memória) depressa se torna insustentável, demasiado violenta, irrespirável. Para escapar a isto, valter criou então pontos de fuga, mudanças de ritmo narrativo, jogos metaliterários (como o de incorporar à história Jaime Ramos e Isaltino de Jesus, agentes da PJ saídos dos livros de Francisco José Viegas, em dois capítulos que quebram a regra de só escrever com minúsculas). Acontece que estas soluções criam por sua vez novos problemas de equilíbrio e consistência narrativa, nalguns casos resolvidos de forma pouco satisfatória. O forte deste autor, diga-se, não é a estrutura. É o estilo. Como perceberá o leitor, ao deparar neste livro com algumas das páginas mais devastadoramente belas da ficção portuguesa recente.
Avaliação: 8/10
[Texto publicado no suplemento Actual, do semanário Expresso]
Este texto foi escrito por José Mário Silva e retirado do seu Blog "O BIBLIOTECÁRIO DE BABEL".
O jornal "El Mundo", propõe 10 livros para se perceber melhor Auschwitz
Una colección de poemas que el autor británico Chistopher Reid escribió como homenaje a su esposa fallecida ha obtenido esta noche el Premio Costa al Libro del Año. El galardón, muy codiciado en el mundillo literario por su enorme impacto publicitario, tiene una dotación ecocómica de 30.000 libras.
Wolfgang Wodarg, presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, diz que a Gripe A foi uma falsa pandemia e que é “um dos maiores escândalos médicos do século.”
O Conselho da Europa discute hoje o modo como a Organização Mundial de Saúde encarou a gripe A e o presidente da comissão parlamentar teceu duras críticas ao modo como o mundo gastou dinheiro na compra das vacinas.
O médico, especialista em epidemiologia, disse em declarações à TSF que “o diagnóstico era falso e custou muito dinheiro.” Wolfgang Wodarg considera que este foi um negócio para a indústria farmacêutica e que é escandaloso.
Segundo o responsável europeu, a resposta dos governos fez com que os cidadãos perdessem “a confiança na OMS” que deve agora repensar as respostas a este tipo de situações dado que em relação à gripe A foi dado “um alarme desnecessário.” Wolfgang Wodarg diz ainda que é desnecessário vacinar grávidas e crianças porque “deve encarar-se como uma gripe normal.”
Nas livrarias desde a passada sexta-feira, "A máquina de fazer espanhóis" é o quarto romance de Valter Hugo Mãe. Antigo regime, terceira idade, provocação - de tudo se encontra num livro que o autor admite ser terapêutico, mas não piegas. O pai morreu há dez anos, sem ter direito a essa idade que se chama terceira. Surge então o livro, que lhe é dedicado. "É feito para imaginar um espaço sensível, ou tempo sensível, que o meu pai não pôde viver", diz Valter Hugo Mãe, escritor e filho. Em "A máquina de fazer espanhóis" - título que aparenta ter nada a ver com nada -, o autor usa a voz de António Silva para incitar à dignificação. Reformado de barbeiro, António Silva é um velho dos seus 84 "que começa talvez a maior aventura da vida no momento em que a esposa morre", conta, insistindo: "É um homem que tem de lidar com a revolta do efémero, com a revolta da perda, e de encontrar motivos para, naquela idade e debilitando-se cada vez mais, sobreviver". Apesar de pouco sair à rua, a personagem central do livro carrega às costas o fardo de despertar consciências. E como? Diz à sociedade que "os velhos ainda são perigosos, neste sentido de que a opinião deles ainda tem de contar", explica o escritor. Mas há mais personagens, às quais Valter recorre para alcançar outro objectivo do novo romance, que é revelar "um certo testemunho que existe nas pessoas mais velhas em Portugal e que se prende com o facto de terem uma experiência directa do que foi o fascismo e do que foi o antigo regime". É nesse apelo à memória que o livro identifica o que sobrou, ou pode ter sobrado, da ditadura. Eis a constatação do autor: "Que o enfraquecimento do nosso país durante o século XX - e sobretudo um enfraquecimento ao nível das consciências - nos leva a pensar que somos piores do que os outros e que estaríamos melhores se fôssemos espanhóis". Eis-nos, então, chegados ao título. "Obviamente discordo com a manutenção dessa menorização. Temos a tendência para uma certa menorização que nos foi deixada por décadas de ditadura", critica. E, apesar de considerar que o povo português tem "valores humanos assinaláveis", não deixa de lhe apontar uma "tendência para desmobilizar". "Já passaram 30 e tal anos e a verdade é que nós continuamos, de alguma forma, à deriva", acrescenta. Voltando à idade que é a terceira, Valter Hugo Mãe diz ainda que o livro é "uma tentativa de perceber que drama é esse de, a dada altura, estarmos a viver contra o corpo". Mas sem exageros. "O livro acaba por ser um pouco terapêutico, mas, sobretudo, não é piegas", garante. "O que pretende é incitar os cidadãos da terceira idade a uma participação maior, a uma exigência de uma dignificação", refere ainda. A capa do livro resultou de uma feliz coincidência. É que a personagem central costumava namorar com a mulher atrás de cortinas. Depois de António Silva ter feito essa revelação na história, o autor encontrou na Internet uma fotografia muito semelhante, acabando por usá-la agora. Valter deverá lançar dois livros infantis proximamente e, até ao fim do ano, é provável que publique um outro romance, já concluído há uns tempos. Será uma edição especial, ilustrada, espécie de oferta para quem costuma ler os seus escritos.
Escutas a Pinto da Costa foram colocadas no Youtube. Há gente no Ministério Público que já há muito tempo que entrou em rota de colisão com o Estado de Direito (recuso ouvir estas escutas, como recuso piratear filmes na internet).
Post retirado do blog de Tomás Vasques "Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos"
Sugestão proposta por "A Dobra do Grito"
ENCONTRO
Que vens contar-me
se não sei ouvir senão o silêncio?
Estou parado no mundo.
Só sei escutar de longe
antigamente ou lá prò futuro.
É bem certo que existo:
chegou-me a vez de escutar.
Que queres que te diga
se não sei nada e desaprendo?
A minha paz é ignorar.
Aprendo a não saber:
que a ciência aprenda comigo
já que nõao soube ensinar.
O meu alimento é o silêncio do mundo
que fica no alto das montanhas
e não desce à cidade
e sobe às nuvens que andam à procura de forma
antes de desaparecer.
Para que queres que te apareça
se me agrada não ter horas a toda a hora?
A preguiça do céu entrou comigo
e prescindo da realidade como ela prescinde de mim.
Para que me lastimas
se este é o meu auge?!
Eu tive a dita de me terem roubado tudo
menos a minha torre de marfim.
Jamais os invasores levaram consigo as nossas torres de marfim.
Levaram-me o orgulho todo
deixaram-me a memória envenenada
e intacta a torre de marfim.
Só não sei que faça da porta da torre
que dá para donde vim.
Poema de José de Almeida Negreiros (1893-1970) dedicado a Carlos Queiroz e publicado no Suplemento Literário Diário de Lisboa, em 25 de Novembro de 1937
" Da quietude pesada da tarde saiu um lamento, acompanhado de um barulho que parecia produzido por um corpo a roçar nos degraus da escada e pelo som pausado de uma mão que batia na parede a um ritmo de soco. O rumor durou pouco tempo, apenas o suficiente para eu me aperceber da sua estranheza. Mas não me mexi imediatamente. Primeiro, ainda pensei que viesse do interior da minha sonolência. Ou talvez não passasse de uma brincadeira de crianças. Fiquei imerso numa vaga de indiferença, talvez um minuto, a ouvir aquele murmúrio, semelhante a um coração a pulsar na distância. Se tivesse ali permanecido, sem vontade para investigar, nada haveria para contar nestas páginas, o que seria bem melhor para mim, sem dúvida. Mas a curiosidade levou-me a abrir a porta. Saí para o corredor colectivo (a varanda típica corrida dos prédios húngaros) e abri a porta da escada (tarefa que me levou o que parceu uma eternidade, enquanto escolhia o exemplar certo de um molho de chaves indistintas). E entrei na escadaria."
Excerto do livro "Territórios de caça", de Luís Naves, edição da Quetzal Editores, 2009, ISBN:978-972-564-826-1
O português Álvaro Siza acredita que projetar um museu, biblioteca ou igreja é como propor uma utopia para o mundo. Com um currículo extenso, o arquiteto nasceu em 1933, na cidade de Matosinhos. Desde a década de 1960, vem assinando uma série de criações que o levaram, em 1992, a conquistar o Pritzker Prize, a maior premiação da arquitetura. Em maio, um de seus trabalhos será oficialmente inaugurado em Porto Alegre. É o prédio da Fundação Iberê Camargo, cujo projeto ganhou em 2002 o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza, uma das mais concorridas do planeta.
O prédio reune a produção do pintor gaúcho morto em agosto de 1994, e também serve de espaço de exposições temporárias e outros eventos. Ao conceber a sede da fundação, Siza fez questão de levar em conta essas múltiplas exigências, justamente por acreditar que "as atividades culturais não são compatíveis com uma idéia de fixação". Tal conceito também está presente em algumas de suas obras mais famosas, como o celebrado Museu Serralves, no Porto, e o Edifício Bonjour Tristesse, em Berlim.
A seguir, um pouco do pensamento de um dos principais arquitetos contemporâneos, com quem BRAVO! conversou em Porto Alegre, no ano passado, antes da inauguração da Fundação.
BRAVO!: Por que o senhor considera seus projetos como utópicos?
Álvaro Siza: Porque, para mim, um edifício deve responder à sua função com muito rigor, mas ao mesmo tempo deve ter a capacidade de se desligar dessa função. É nesse sentido que encaro a arquitetura como utópica só que se trata de uma utopia com os pés na terra. Veja, por exemplo, um convento. É feito para uma comunidade que possui regras de comportamento muito estritas. No entanto, ao longo dos anos, os conventos vêm sendo utilizados para tudo: como bibliotecas, escolas, hotéis. Tudo o que se possa imaginar cabe dentro de um convento. Ele tem a capacidade de desempenhar inúmeras funções, além da propriamente religiosa, e assim durar no tempo, não se tornar obsoleto. O meu propósito é exatamente este: o de investir na continuidade dos projetos. Não tenho a idéia de que um edifício deva durar 20 anos e, depois, ser posto abaixo.
O senhor acredita que o brasileiro Oscar Niemeyer seja também "um utópico com os pés no chão"?
Ainda há pouco li uma entrevista de Niemeyer numa revista em Portugal. Lá pelas tantas, falando de um edifício histórico, não lembro qual, ele disse: "É um edifício muito moderno. Foi construído no século tal, mas é moderno". Essa maneira de ver as coisas revela justamente a capacidade de se desprender das circunstâncias para buscar uma influência maior na vida das cidades.
E como o senhor se sente realizando um museu no Brasil, onde Niemeyer é tão onipresente?
Sinto-me bem! Os edifícios no Brasil são belos. E os de Niemeyer, não só os dele, mas os dele em especial, estão muito relacionados com a paisagem do país: Ipanema, o Corcovado, o Pão de Açúcar, aquelas curvas todas. Quem nasce num meio assim absorve isso.
Hoje a arquitetura é discutida por todos em decorrência de projetos de impacto. O que se perde com isso?
De fato, fala-se muito sobre arquitetura também em Portugal. Aliás, é relativamente recente a entrada do assunto nos jornais diários portugueses. No entanto, ainda que haja divulgação, nem sempre essa divulgação me parece bem feita, por estar bastante vulnerável a fatos externos, que não dizem respeito à arquitetura em si mesma, como interesses políticos e econômicos. De qualquer maneira, acho bom que se discuta o tema, porque a arquitetura não é feita para a contemplação de meia dúzia de pessoas.
Qual a sua relação com os projetos quando acabam?
Vou para casa.
E não volta?
Diversas vezes, não volto. Em outras ocasiões, quando volto, fico desgostoso. Projetar é algo muito intenso, exigente e absorvente. Há mesmo que se fazer um esforço de desprendimento para construir e inaugurar um edifício. Custa sempre muito quando se acaba um projeto, porque, na verdade, ele nunca está acabado. Ainda assim, deve-se aceitar que um projeto, no final das contas, faz parte do patrimônio público e, portanto, segue sua vida própria. Isso, claro, se tiver força, estrutura para agüentar o passar dos anos e as modificações que nele se processam. Se não tiver, o projeto também demonstra a sua fragilidade, a sua inviabilidade.
O senhor conhecia a obra de Iberê Camargo antes de ser chamado para projetar a fundação?
Não conhecia a obra dele nem Porto Alegre. Na verdade, o Iberê é pouco conhecido em Portugal. Claro, existem algumas pessoas, críticos de arte, que o conhecem. Eu realmente não o conhecia o que é uma vergonha, de qualquer maneira. Mas a culpa não é só minha. Não há muita informação sobre ele em Portugal e mesmo na Europa.
Em que medida o projeto reflete a obra de Iberê?
Não reflete tanto, não. Até porque a obra de Iberê, como a de qualquer artista que tenha uma coleção, não é algo muito estanque, fechado. Ao longo do tempo, por exemplo, será confrontada com o trabalho de artistas que foram próximos a ele ou que o influenciaram. E um museu precisa levar em conta essa dinâmica. Assim, não é possível desenhar a sala tal para o quadro tal. O projeto arquitetônico deve exibir uma certa neutralidade, uma certa flexibilidade, e permitir que se montem exposições de acordo com a sensibilidade e os objetivos de quem as organiza. Atividades culturais não são compatíveis com uma idéia de fixação.
Gabriela Motta é crítica e curadora, autora de Entre Olhares e Leituras: Uma Abordagem da Bienal do Mercosul (Zouk Editora, 2007). In Revista Bravo
Por Anna Carolina Mello
A rivalidade não é tão agressiva quanto a que se deu quando o escritor peruano Mario Vargas Llosa descobriu que sua mulher se envolvera com o ex-amigo Gabriel García Márquez; nem tão ressentida quanto aquela que o britânico Martin Amis provocou ao passar para trás a mulher do colega Julian Barnes, contratando outro agente literário. A rixa entre os portugueses José Saramago e António Lobo Antunes não teve vexame ou dissolução de amizade. Mas há algo que a torna especialmente divertida: mesmo sem um motivo aparente para existir, ela mobiliza partidários apaixonados dos dois lados. Comparam-se as obras, medem-se os prêmios e até as vidas pessoais de ambos entram no escrutínio dessa disputa. Nesse embate, sobram palavras e apreciações pouco agradáveis. Recentemente, ambos despertaram os ânimos de suas respectivas torcidas com lançamentos quase simultâneos: Saramago, com Caim; Lobo Antunes, com Que Cavalos São Aqueles que Fazem Sombra no Mar?. Eles não se evitam na vida civil, como os citados acima, mas também não fazem questão de disfarçar a hostilidade. Em 1998, Lobo Antunes e seus partidários receberam o mais duro dos golpes: o Nobel de Literatura concedido a Saramago - o primeiro e provavelmente durante muito tempo único entre escritores de língua portuguesa. Na ocasião, um jornalista do The New York Times ligou para Lobo Antunes atrás, naturalmente, de declarações ácidas. Informado do ocorrido, Lobo Antunes silenciou por alguns segundos do outro lado da linha. Depois, fez-se de desentendido e, dizendo que a ligação estava ruim e que mal podia ouvir, desligou. Nessa época, Saramago já era bastante festejado no Brasil, com romances como Memorial do Convento (1982) e Ensaio Sobre a Cegueira (1995). Lobo Antunes, ao contrário, era praticamente um desconhecido, com poucos e mal-vendidos livros, entre eles Os Cus de Judas (1979) e Manual dos Inquisidores (1996). Em 2000, durante a feira de livros de Frankfurt - em que são fechados os principais contratos de publicação do mundo - Lobo Antunes rejeitou um pedido de entrevista feita pelo jornal Folha de S.Paulo. "Deixem o Brasil para o Saramago. É o único lugar que ele tem", disparou. No ano passado, durante a Festa Literária Internacional de Paraty, voltou ao tema de forma mais bem-humorada. "Vocês gostam mais do outro", brincou com o público. Saramago, por seu turno, já disse que não conhece "esse sujeito" e que "não se interessa por ele". Em 1998, presenteado com um livro do oponente por um jornalista do tabloide português Tal & Qual, o escritor fechou a cara e devolveu o livro, porque acreditava ser uma provocação. A versão fantasiosa do fato, contudo, atiçou os ânimos: dizia-se que o autor havia jogado o exemplar no chão, por conta do título da reportagem - Atirado ao Chão -, que brincava com o nome do romance de Saramago, Levantado do Chão (1980). À parte as fofocas, existe a divisão literária. Nas páginas a seguir, os jornalistas e críticos José Castello e Paulo Polzonoff Jr., que no Brasil ocupam lados opostos nesse ringue, defendem cada um a obra de sua preferência. Apaixonada mas civilizadamente - sem vexame nem dissolução de amizade. O ENSAÍSTA ENVERGONHADO José Saramago disse certa vez: "Talvez eu não seja um romancista, mas um ensaísta que escreve romances". Em vez de diminuir a potência de sua ficção, a ideia do ensaísta envergonhado a alarga. Para o escritor português, a literatura deixa de ser só uma experiência estética, ou um jogo de linguagem. Ela se alça ao posto de saber e ombreia com a verdade. Ao desestabilizar as certezas históricas com o sal da ficção, Saramago não só relativiza verdades consagradas, mas destaca seu aspecto imaginário. Ele amplia, ainda, o terreno da própria ficção, que deixa de ser apenas invenção e sonho, para se tornar algo bem mais potente: um elemento crucial na constituição do mundo. Personagens como o revisor Raimundo Silva, de História do Cerco de Lisboa - que, ao introduzir uma palavra inexistente em um ensaio histórico, revira a verdade - ou o escriturário sr. José, de Todos os Nomes - que completa com a imaginação as informações do Registro Civil -, ampliam a potência da verdade, em vez de danificá-la. Alargam, assim, as fronteiras da literatura, que deixa de ser uma ilusão a nos distrair da vida, para se tornar uma pergunta com que a perfuramos. Ao romper com as regras clássicas da gramática e optar por uma linguagem flutuante, Saramago questiona um dos mais sagrados dogmas contemporâneos: a clareza. Nem sempre a objetividade e a transparência são garantias de acesso à realidade. Ao contrário: retendo as coisas em sua moldura de luz, a clareza é, com frequência, falsificação. Para ele, só uma linguagem dançante, que acompanhe os deslizes e imperfeições do pensamento, nos aproxima, de fato, do mundo. Em uma era pragmática, Saramago se preocupa mais em seduzir e hipnotizar o leitor do que em convencê-lo. As dificuldades propostas por seus livros - como o sósia que perturba a vida do professor Tertuliano Máximo Afonso, em O Homem Duplicado - não são questões a desvendar, ou solucionar. São, ao contrário, desafios. Saramago sabe que a escrita nada mais pode que sondar o enigma humano. É a partir desse limite de desamparo (e sabedoria) que ele escreve. A tragédia relatada no Ensaio Sobre a Cegueira não atinge só os personagens do romance, mas o próprio leitor, que é obrigado, também, a "cegar-se" para lidar com o filtro opaco e limitado da língua. Os personagens de Saramago carregam em seus ombros o duplo sentido da palavra sujeito: se eles fazem e acontecem (afinal, a imaginação manda), estão também submetidos (sujeitos) às apertadas amarras que delimitam a realidade. Muitas vezes reduzida, injustamente, a um exercício de estilo, a literatura de Saramago é não só vital, mas convulsiona os fundamentos de nossas vidas. "Vivemos para dizer o que somos", o escritor insiste em afirmar. A literatura, para José Saramago, é a busca interminável (e fracassada) do outro. Por isso, não conseguimos abandonar seus livros. José Castello é jornalista e escritor, autor de Fantasma e A Literatura na Poltrona, entre outros. ------ O CARPINTEIRO DA FRASE António Lobo Antunes chamou minha atenção em 1998, em uma entrevista encontrada na internet. Lembro-me de ficar entusiasmado com frases como "Os leitores são umas putas. Amam-nos e depois nos deixam". Mas o que mais me atraiu naquele autor desconhecido foi a visão da literatura como uma obra de carpintaria - para tomar emprestada uma ideia do escritor mineiro Autran Dourado. O primeiro contato com um livro do escritor foi, entretanto, frustrante. Deliciosamente frustrante. Ao contrário de autores de vanguarda, como o irlandês James Joyce, havia mais do que um simples desejo de revolucionar a escrita na falta de linearidade daquela prosa. Havia um propósito. Mas mergulhar nos desvãos da mente humana é complicado. E Lobo Antunes sabe transpor para o papel esta complicação toda. É possível que o leitor se sinta atordoado. Aí é que encontramos mais uma (se não a maior) virtude do escritor: o desprezo para esta entidade cada vez mais homogênea chamada leitor. Não se deixe enganar: este desprezo é uma expressão de respeito pela individualidade do leitor. Na obra do escritor, nenhum grupo merece destaque. É como se não houvesse multidões. Os personagens são seres muito particulares, idiossincráticos, indefiníveis. O coletivo inexiste. As pessoas não andam nem agem em bando. Mais importante: não sentem em bando. Até mesmo a guerra não é vista como uma ação organizada de um grupo militar. Lobo Antunes olha para cada personagem com atenção individualizada. Esta atenção ao ser humano como unidade é a responsável tanto pela fama quanto pela rejeição à sua obra. Nos romances do português, não há grandes ilhas, e sim um gigantesco arquipélago formado por ilhotas individuais, cada qual com seus rios, vales, montanhas, praias e até vulcões. Mas seria um erro dizer que Lobo Antunes é um escritor para poucos. Sim, o estilo de seus romances pode afastar o leitor mais desprevenido. Os Cus de Judas, por exemplo, é um livro atordoante. Mas só até que o momento em que se estabelece um diálogo muito natural entre aqueles parágrafos interrompidos por digressões diversas. Lobo Antunes tem ainda um lado bastante acessível: o de cronista. Infelizmente, seus livros de crônicas não foram publicados no país. Nos textos curtos, ele exibe seu talento para o mundo pequeno de personagens menores ainda. Dramazinhos cotidianos alçados à condição de arte: o pompom da cortina emoldurado e pendurado no Louvre, ou o diálogo na padaria expresso com tanta beleza que pode levar (sem exagero) às lágrimas. O escritor é dono ainda de algumas das frases mais belas da língua portuguesa. Às vezes - ainda que isso possa parecer, na melhor das hipóteses, uma excentricidade -, gosto de abrir um calhamaço como Boa Tarde às Coisas Aqui Em Baixo e ler apenas uma página, a esmo, em voz alta, saboreando o fraseado. Paulo Polzonoff Jr. é jornalista e tradutor. É autor de A Face Oculta De Nova York.
Ao romper com as regras clássicas da gramática e optar por uma linguagem flutuante, Saramago questiona o dogma contemporâneo da clareza por José Castello
Uma das maiores virtudes de Lobo Antunes é o desprezo por esta entidade cada vez mais homogênea chamada leitor Por Paulo Polzonoff Jr.
Jean-Marie Maurice Scherer, aliás Eric Rohmer, faleceu, ontem, 11 de Janeiro, em Paris.
Em memória de um cineasta que me proporcionou nos anos sessenta e setenta grandes momentos de cinema.
italian restaurant where all the waitresses were portuguese, and nice
Retirado do blog "The smooth blog to travel drawing"
Clara Sánchez foi a vencedora do Prémio Nadal da Novela com o livro "Lo que esconde tu nombre"
Contra a corrente, Nicolas Carr escreve livros e artigos sobre tecnologia. Formado em Harvard, este norte-americano dá, por todo o mundo, palestras onde aborda os malefícios do uso e dependência da Internet afirmando que "A Internet vai-nos sugando a vida como uma esponja" e que "a dependência da troca de informações pela internet está a empobrecer a nossa cultura" e que "os pais devem manter os filhos longe dos computadores. Na verdade, acredito que as crianças não devem sequer mexer-lhes".
Nicolas Carr em entrevista à "Sábado", n.º 297 - 7 a 13 de Janeiro de 2010
Amanhã, na Assembleia da República, discute-se a aprovação ou não do casamento civil entre homossexuais. Entretanto, um movimento de cidadãos pretende que o assunto seja referendado. Este movimento é encabeçado, salvo erro, pela mesma senhora que se opôs a que o aborto fosse referendado.
Em contraponto, no Uganda, David Bahati, deputado pelo Movimento de Resistência Nacional - o partido no poder - acaba de apresentar a sua proposta de lei anti-homossexualidade que pretende que a homossexualidade seja punida com a pena de morte.
Esta proposta de lei deverá entrar em vigor no próximo mês de Fevereiro.
Bem-vindos ao mundo dos blogs: Córtex Frontal e o Albergue Espanhol.
Pitta, Gustavo Rubim, Isabel Coutinho, José Riço Direitinho, Luís Miguel Queirós, Maria da Conceição Caleiro, Rui Lagartinho
1. A2666
Roberto Bolaño
Quetzal
Com esta obra-prima o génio do malogrado chileno Roberto Bolaño (1953-2003) abriu à literatura novos horizontes, como antes Borges, Musil, Faulkner ou Joyce - e poucos mais. "2666" é um livro pela persistência da memória na literatura, e em que a História contemporânea desfila diante dos nossos olhos como longa sucessão de desastres, de monstruosidades sem fim à vista. Este testamento literário - reflexão sobre o Mal, sobre a normalização da barbárie na América Latina e o desolador destino da Humanidade - é-nos dado numa escrita sem floreados, de onde emerge vivo esse "realismo visceral" profundo e complexo, preciso na sua ambiguidade. No fundo, as características da grande literatura. J.R.D.
2. Caderno Afegão
Alexandra Lucas Coelho
Tinta da China
Alexandra Lucas Coelho escreve muito bem, para além do rigor dos fios temáticos sobre o que escreve. Aqui, não se trata de escrever bem ou mal, é outro patamar. É escrever, como diria Duras. "Caderno Afegão" é a travessia rigorosa e lírica por um país desde há muito convulso. País do pó, do cheiro a podre, porém de rosas que mesmo assim vingam. M.C.C.
3. Obra completa 1969-1985
Nuno Bragança
Dom Quixote
Em 1969, quando Nuno Bragança (1929-1985) publicou "A Noite e o Riso", não havia muita gente a escrever assim em Portugal. Ou até haveria um ou dois, mas eram poetas. Se "A Noite e o Riso" está há muito reconhecido como um dos livros decisivos para a renovação da ficção portuguesa na segunda metade do século XX, "Directa" (1979), "Square Tolstoi" (1981), os contos de "Estação" (1984) e a novela póstuma "Do Fim do Mundo" merecem igualmente ser relidos. A "Obra Completa" inclui ainda a peça radiofónica "A Morte da Perdiz", que nunca saíra em livro. L.M.Q.
4. Contos Completos - I
John Cheever
Sextante
John Updike tinha razão: John Cheever foi o maior estilista da sua geração. O primeiro volume de "Contos Completos" é um prodígio de virtuose que nos transporta a um mundo desaparecido, quando "Nova Iorque era ainda inundada pela luz do rio [...] e quase toda a gente usava chapéu." Foi o cronista dos subúrbios da classe média americana e da sua teia de códigos sociais. Dissecou com mordacidade uma série de "interditos" na década de 1940-50. A sexualidade foi um deles. Atormentado com a sua condição de homossexual, ridicularizou-a em "Clancy na Torre de Babel". Outros, como "" juventude e beleza!" e "Os malefícios do gin", são clássicos absolutos. E.P.
5. Obra Poética Completa de Edgar Allan Poe
Tradução, introdução de Margarida Vale de Gato e ilustrações de Filipe Abranches
Tinta da China
Comemorou-se em 2009 o bicentenário (1809-1849) do nascimento de Poe, o que terá induzido a edição de "Obra Poética Completa" (assim como "Todos os Contos"). Tradução cuidada de Margarida Val de Gato, belas ilustrações de Filipe Abranches. Poesia que faz a difícil simbiose da atenção e da imaginação, ambas delirantes, ébrias e justíssimas. Põe terá sucumbido à moral americana que o rotulou de devasso. Acabou pobre, bêbado e inanimado em Light Street, Baltimore. M.C.C.
6. Ofício Cantante - Poesia Completa
Herberto Helder
Assírio & Alvim
É a obra poética de Herberto Helder em 2009. No mesmo sentido em que poderíamos dizer de uma fotografia: este é Herberto Helder aos 45 ou aos 67 anos. Isto, claro, se existissem fotografias das quais se pudesse dizer tais coisas. Em português, a palavra "obra" tanto é mero sinónimo de bibliografia como designação de um corpo orgânico que tem de ir mudando para ser o mesmo. O mesmo que o autor. "Ofício Cantante", que recupera o título da primeira compilação dos poemas de Herberto, publicada em 1967, inclui, além de reescritas várias e da entrada de inéditos, o livro "A Faca Não Corta o Fogo", cujos dois mil exemplares se esgotaram num ápice no final de 2008. L.M.Q.
7. Veneza
Jan Morris
Tinta da China
De Ruskin a Brodsky, sem esquecer o pessoal menor, já toda a gente escreveu sobre Veneza. Não obstante, a quota de Jan Morris é decisiva. O livro dela (não esquecer que "ela" foi homem até aos 46 anos) não se pretende de História veneziana nem mera derivação turística. O que Morris fez com superior mestria foi cerzir informação prosaica com erudição, sem beliscar a melodia da frase. Pela sua mão, percorremos as vielas e os "palácios periclitantes" da Sereníssima, cidade em conflito aberto com a realidade do mundo contemporâneo. E.P.
8. O Homem Sem Qualidades - Volume III
Robert Musil
Dom Quixote
Musil compôs, ao longo de vinte penosos anos, esta saga demencial sobre a decadência, enquanto presenciava o fim do Império Austro-Húngaro, a Iª Guerra e a ascensão do nazismo. (Coetzee disse que "este livro foi ultrapassado pela História, enquanto foi escrito"). Neste III volume, com material inédito, é possível vislumbrar um trabalho de composição tão gigantesco, violento e labiríntico como o homem que o criou e o tempo que ele viveu. H.V.
9. Os Desaparecidos
Daniel Mendelsohn
Dom Quixote
Não é ensaio histórico. Não é autobiografia, nem livro de memórias. Não é um romance, muito menos uma auto-ficção. Não é uma reportagem, nem um livro de viagens. Não é um livro sobre os alicerces do judaísmo e da cultura clássica. Mas tudo isso cabe em "Os Desaparecidos", de Daniel Mendelsohn, jornalista americano que no início do século XXI correu os quatro cantos do mundo para tentar perceber o que aconteceu a alguns dos seus parentes durante o Holocausto. R.L.
10. A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao
Junot Diaz
Porto Editora
Junot Díaz nasceu dominicano mas hoje é cidadão americano. Levou onze anos a escrever "A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao". O ajuste de contas com a ditadura de Trujillo é um exercício de mnemónica em clave pós-colonial (Díaz era uma criança quando deixou a ilha). Questionando a América por interposta administração Johnson, quando "Santo Domingo foi o Iraque antes de o Iraque ter sido o Iraque", constrói a epopeia dos imigrantes assimilados, divididos entre o "fukú" (maldição) e o vórtice do Império. Absolutamente singular. E.P.
11. O Resto é Ruído. À Escuta do Século XX
Alex Ross
Casa das Letras
Alex Ross é crítico de música da "The New Yorker" e com "O Resto é Ruído" embarcou num projecto ambicioso: não apenas uma história da música contemporânea mas um retrato da época contemporânea através da música, incluindo os grandes debates estéticos e ideológicos. A música "erudita" tem destaque, mas Ross não despreza a música "popular", num ensaio que vai do dodecafonismo aos Radiohead. Uma obra estimulante para compreender o século passado (e para comprar bons discos). P.M.
12. História de Portugal
Coordenação de Rui Ramos
A Esfera dos Livros
A História está na moda, mas faltava uma boa História de Portugal num único volume (a mais fiável era a coordenada por José Mattoso, em vários tomos). Este conjunto de ensaios agora editado reúne três especialistas que fazem belíssimas sínteses interpretativas: Bernardo Vasconcelos e Sousa para a Idade Média, Nuno Gonçalo Monteiro para a idade moderna e Rui Ramos (que coordenou o projecto) para o período contemporâneo. É a obra de referência de 2009 e da História portuguesa. P.M.
13. A Edição de Livros e a Gestão Estratégica
José Afonso Furtado
ed. Booktailors
A cadeia de valor do livro tem vindo a sofrer alterações e a forma como se produzem e comercializam livros neste início do século XXI está a ser repensada por todos. O sector editorial confronta-se com novos paradigmas, consumidores e leitores. É sobre estes temas que o director da Biblioteca de Arte da Fundação Gulbenkian - que foi Presidente do Instituto Português do Livro e da Leitura entre 1987 e 1991 - reflecte. I.C.
14. Caderno de Memórias Coloniais
Isabela Figueiredo
Angelus Novus
Sente-se o abalo que este "Caderno" causa no marasmo literário nacional em passagens como esta: "Foder. O meu pai gostava de foder. Eu nunca vi, mas via-se." Relato cru do racismo português em Moçambique no fim do Império, memória do amor de uma filha pelo corpo do pai, história de traição a uma "verdade" que morreu com a morte do colonialismo. Um texto parcial, violento, escrito como se escrevem cadernos: com o fantasma da verdade sempre ao lado. Isabela Figueiredo afirma-se escritora, num país onde só proliferam "autores", esses manequins de vender autógrafos. G.R.
15. A Rainha no Palácio das Correntes de Ar
Stieg Larsson
Oceanos
A adesão dos portugueses à saga "Millennium" é lenta quando comparado com outros países, mas tem dado passos seguros. "A rainha no palácio das correntes de ar" marca o fim da trilogia do autor sueco. A espécie de Pipi das Meias Altas versão gótica que é a "hacker" rebelde Lizbeth Salander passa quatro quintos do livro numa cama de hospital. Mesmo assim é a mais trepidante das três aventuras. R.L.
16. História de Israel
Martin Gilbert
Trad. Patrícia Xavier
Edições 70
As origens do Estado de Israel são ignoradas pela generalidade da opinião pública, condicionada pela barragem de propaganda anti-sionista que faz a "norma" dos media ocidentais. Se outra razão não houvesse, a "História de Israel" contribui para esclarecer o óbvio. Gilbert dispensa apresentações: é o mais famoso dos biógrafos de Churchill e um respeitado historiador inglês. Sem proselitismo, sistematiza factos a partir do fim do mandato britânico que antecedeu a fundação do Estado de Israel. Contextualiza com igual minúcia o essencial e o (aparentemente) acessório. E.P.
17. A Montanha Mágica
Thomas Mann
Dom Quixote
Esta tradução tem algo de milagroso. Lê-se desde as primeiras páginas sentindo que se Thomas Mann fosse português teria escrito assim. Hans Castorp, burguês, visita um primo, tuberculoso, no sanatório. Deixa-se abarcar pela atmosfera mágica do lugar. Julga-se ele próprio doente e aí fica até que a guerra de 1914 o desperta do seu sonho. Um dos pilares literários do século XX. M.C.C.
18. Entrevistas da Paris-Review
VV.AA.
Selecção, tradução e notas de Carlos Vaz Marques
Tinta da China
As entrevistas da "Paris Review" são lendárias. Carlos Vaz Marques seleccionou e traduziu dez: as de E. M. Forster, Graham Greene, Faulkner, Capote, Hemingway, Lawrence Durrell, Pasternak, Saul Bellow, Borges e Kerouac. São naturalmente desiguais, entre a excelência de Forster ou Bellow e a indigência de Kerouac. Nenhum autor vivo (havia por onde escolher), nenhuma mulher (idem). "Arquivo de fascínio", chama Vaz Marques à selecção. Assino por baixo. E.P.
19. Luz Fraterna
António Osório
Assírio & Alvim
Depois de ter publicado a antologia "A Casa das Sementes", em 2006, António Osório vê agora editada num só volume toda a sua poesia, desde "A Raiz Afectuosa" (1972) até "Libertação da Peste" (2002). "A Luz Fraterna", título desta compilação, inclui ainda inéditos e dispersos. Oportunidade para reler uma obra que, no seu aparente, e talvez real, anti-vanguardismo, na sua revalorização do sentimento, na sua comunicabilidade, marcou muito mais do que geralmente se reconhece a poesia portuguesa das últimas décadas. L.M.Q.
20. A Ilha
Giani Stuparich
Ahab
Giani Stuparich (1891-1961) escreveu um dos contos mais emblemáticos da literatura europeia do século XX. Um homem doente pede ao filho que o acompanhe naquela que será a sua última viagem à ilha adriática onde nasceu. Debaixo de uma luz crua, desapiedada e agreste, a meditação sobre a morte é transformada num sentimento vital, essencial e positivo. E tudo feito numa escrita elementar, límpida e despojada. J.R.D.
Sete escritores portugueses, uma brasileira, um espanhol e um mexicano são os dez finalistas do Prémio Literário Casino da Póvoa, no valor de 20 mil euros. O vencedor será anunciado na 11ª Edição do Correntes D’ Escritas – Encontro de Escritores de Expressão Ibérica, que se realizará de 24 a 27 de Fevereiro, na Póvoa de Varzim.
“Rakushisha”, da brasileira Adriana Lisboa (Quetzal); “O Cónego”, de A.M. Pires Cabral (Cotovia); “O Verão Selvagem dos Teus Olhos", de Ana Teresa Pereira (Relógio d’Água); “Três Lindas Cubanas” do mexicano Gonzalo Celorio (Quetzal); “A Eternidade e o Desejo”, de Inês Pedrosa (Dom Quixote); “O Mundo - o mundo é a rua da tua infância”, do espanhol Juan José Millás (Planeta); “Myra”, de Maria Velho da Costa (Assírio & Alvim); “A Sala Magenta” de Mário de Carvalho (Caminho), "A Mão Esquerda de Deus" de Pedro Almeida Vieira (Dom Quixote) e “O Apocalipse dos Trabalhadores”, de valter hugo mãe (Quidnovi) são as obras escolhidas pelo júri desta edição dedicada a trabalhos em prosa de autores de língua portuguesa, castelhana ou hispânica publicados em Portugal entre Julho de 2007 e Junho de 2009 (excluindo obras póstumas e de autores que receberam este prémio nos últimos seis anos).
O júri constituído por Carlos Vaz Marques, Dulce Maria Cardoso, Fernando J. B. Martinho, Patrícia Reis, Vergílio Alberto Vieira irá decidir qual o vencedor numa reunião que acontecerá no dia 22 de Fevereiro.
O vídeo
Em memória de Lhasa de Sela