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Tem nome de condomínio fechado: com jardins amplos e bem tratados, campo de ténis, piscina, solário e todas as mordomias de um espaço construído para pessoas com muito dinheiro se sentirem confortáveis e protegidas.
Mas afinal o Bairro da Bela Vista é uma metáfora...
Escreve Baptista Bastos no DN. de hoje a seguinte crónica:
Os incidentes no Bairro da Bela Vista repõem, de novo, a questão da identidade instável. Não é só a fome, a miséria, o desemprego, a promiscuidade, a ausência de perspectivas, o conceito de cerco que criaram as tensões e os conflitos. Embora essas formas de agressão social fossem mais do que suficientes para os explicar. Aqueles jovens, em última instância, não sabem quem são, e moldaram novas dimensões identitárias.
Quem são os excluídos? Quem se excluiu? Nós. Abandonámo-los. Nasceram em Lisboa mas não são lisboetas; têm a pele escura mas não se sentem africanos; as músicas de que gostam procedem dos Estados Unidos; vestem-se, falam e comportam-se de molde a reivindicarem a "diferença" a que os temos obrigado. A sua comunidade é "outra" porque essa escolha foi-lhes rudemente imposta pela nossa escabrosa indiferença.
Não nos queremos aproximar, descomprometemo-nos das responsabilidades que nos cabem, toleramo-los sem tentar compreendê-los e muito menos lhes manifestar a menor dose de afecto. Os gritos histéricos, e as poses, afinal grotescas, de Paulo Portas, a reclamar mais fortes intervenções policiais, seriam apenas repugnantes, não fossem extremamente perigosas. Elas reflectem a desprezível ignorância de quem deseja, unicamente, conservar o domínio sobre a diferença. Ou, parafraseando D. Manuel Martins, colocar uns de um lado e outros do outro.
As explosões sociais que se avizinham, devido ao acumular dos ressentimentos, e a que o Governo parece alheio, são acirradas por uma comunicação social mal preparada, pouco culta e, até, terrorista. Basta reparar nas perguntas formuladas, no enquadramento (ou na falta dele), para se perceber a distorção da "realidade" e a total vacuidade do conhecimento histórico. A informação que nos servem peca por leviandade, favorece sentimentos xenófobos e racistas, e exala um forte cheiro a retaliação. O pior é que somos impotentes para inverter esta tendência maléfica. Sem compreendermos a complexidade do assunto, a natureza delicada do problema, somos empurrados para a tirania da emoção, a qual nos coage a tomar o "outro" como assassino, ausentando-nos de culpa - como se nada tivéssemos a ver com "aquilo." E "aquilo" é, no fundo, a busca de uma expressão pessoal, entre uma cultura que se defende, por desconhecimento e receio do "outro."
Em que raio de gente nos tornámos? Fomos sempre assim, centralizando-nos num egoísmo tão feroz e num tão gelado desprezo pela humanidade? A simplificação dos elementos, a crise dos laços sociais, procria, diariamente, novas formas de indignação e movimentos irracionais de resultados imprevisíveis. "Uma fogueira preparada para incendiar o País", na acertada expressão de D. Manuel Martins.